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domingo, 23 de maio de 2010

O perigo das cinzas vulcânicas para a aviação

No dia 15 de dezembro de 1989, o voo KLM 867, operado por um novíssimo Boeing 747-406M, o PH-BFC, decolou de Amsterdam com destino ao Aeroporto de Narita, no Japão, transportando 231 passageiros e 14 tripulantes. Quando sobrevoava o Monte Redoubt, no Alaska, que havia entrado em erupção apenas um dia antes, entrou em uma enorme nuvem de cinzas vulcânicas. As cinzas provocaram a parada completa de todos os quatro motores, e o 747 da KLM tornou-se, então, um enorme planador.
Ao serem ingeridas, as cinzas derreteram-se nas cãmaras de combustão e recobriram, com uma espécie de vidro, diversos sensores de pressão e temperatura, enganando o sistema eletrônico de combustível dos motores, o que resultou no corte automático do combustível. Por algum tempo, o avião ficou na dependência completa do sistema Stand-By Power, que é alimentado apenas pelas duas baterias da aeronave.

A tripulação viu a nuvem de cinzas do Redoubt (foto acima) à sua frente, embora a mesma não pudesse ser detectada pelo radar. Informou o Controle de Tráfego Aéreo que a mesma era apenas um pouco mais cinzenta que uma nuvem normal. O comandante decidiu atravessá-la, mas depois reportou fumaça na cabine, e solicitou desvio para a esquerda, subindo para 39 mil pés. Foi autorizado, mas logo a seguir reportou a falha completa dos motores.
Após descer mais de 14 mil pés, a tripulação conseguiu religar os motores, e finalmente o avião pousou em segurança em Anchorage, Alaska. Não houve feridos ou mortos a bordo, mas o custo de reparo da aeronave chegou a exorbitantes 80 mil hões de dólares americanos, incluindo a substituição de todos os motores, que tiveram perda total (foto abaixo).
Esse notável incidente não foi o único. Em 1982, outro Boeing 747, que cumpria o voo BA 009, da British Airways, também penetrou em uma nuvem vulcânica do monte Galunggung, na Indonésia, e seus quatro motores pararam também. Assim como aconteceu com o 747 da KLM, os pilotos também conseguiram reacender os motores e pousar em segurança em Jakarta. Dezenas de outros casos menos graves já foram relatados.
O risco das cinzas vulcãnicas para a aviação ficou muito evidente quando, em abril de 2010, o vulcão Eyjafjallajökull expeliu uma nuvem de cinzas (foto acima, vista do espaço) que provocou a interdição completa do tráfego aéreo sobre a maioria dos países europeus entre 14 e 23 de abril. Essa medida foi inédita, e afetou o tráfego aéreo mundial mais do que os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 sobre os Estados Unidos.
Entre os dias 14 e 21 de abril de 2010, cerca de 95 mil voos já tinham sido cancelados. No mapa abaixo, pode-se ver em vermelho os países que tiveram seu tráfego totalmente interrompido, em laranja os países que tiveram o tráfego interrompido parcialmente ou eventualmente, e em verde a Islândia.
O Eyjafjallajökull, que fica sob uma geleira, tinha entrado em erupção no dia 20 de março de 2010, mas sua atividade era fraca. A partir de 14 de abril, começou a emitir uma gigantesca nuvem de cinzas, que foi levada pelos ventos para a Europa Ocidental e alcançou áreas tão distantes entre si como Labrador, no Canadá, e o Casaquistão, na Ásia Central (mapa abaixo).
Depois de 23 de abril, o tráfego foi sendo progressivamente reaberto, sendo interrompido algumas vezes depois desse dia, especialmente sobre a Espanha e Portugal.

Uma das preocupações dos especialistas em vulcanologia é que o Eyjafjallajökull "acorde" o vizinho e muito mais poderoso vulcão Katla, como já aconteceu em outras ocasiões. Por volta de 20 de maio, entrentanto, esse risco já era considerado pequeno.

Alguns aviões militares e até alguns civis chegaram a fazer voos de teste sobre a Europa para avaliar os riscos da nuvem de cinzas, e uma aeronave Boeing FA-18 da Força Aérea da Finlândia teve seus motores danificados parcialmente por resíduos vítreos acumulados nas câmaras de combustão e turbinas. Também foram encontrados resíduos em motores de outros três FA-18 que participaram da mesma missão, que ocorreu em 15 de abril. Um Lockheed-Martin F-16 da OTAN também teve seu motor parcialmente danificado por cinza derretida na seção quente do mesmo, no dia 16 de abril.
Infelizmente para a aviação, erupções vulcânicas e nuvens de cinzas são eventos extremamente comuns. O caso do vulcão Eyjafjallajökull foi realmente dramático, mas eventos menores acontecem com frequência várias vezes ao ano no mundo inteiro. Muitos vulcões ativos ficam em rotas muito voadas, como é o caso do Monte Soufrière, na Ilha de Montserrat, no Caribe, que fica bem na rota entre o Brasil e a Costa Leste dos Estados Unidos, e que entrou em erupção em 1995.

Na América do Sul, existem muitos vulcões na Argentina e, especialmente, no Chile, mas existem vulcões ativos em toda a região dos Andes. Um serviço permanente de alerta contra nuvens de cinzas atualmente é prestado para proteger a aviação desse risco. No mundo inteiro, existem nove centros de aviso que monitoram cinzas baseadas em informações de terra, relatórios de pilotos e satélites.

Nuvens de cinza vulcãnica ocorrem geralmente em erupções explosivas, que lançam plumas que podem alcançar até 55 Km de altitude. A cinza vulcânica mais grosseira e os piroclastos (pedras lançadas do vulcão) se precipitam rapidamente, a não ser na presença de correntes ascendentes muito fortes, mas a cinza mais fina e leve pode ser levada até acima da tropopausa, e pode causar até mudanças climáticas. A erupção do Monte Pinatubo, nas Filipinas, em 1991, lançou mais cinzas na atmosfera que todas as erupções desde a do Krakatoa, em 1883, e alterou a temperatura global em menos 0,5º C, causando severo impacto no clima no mundo inteiro por meses (foto abaixo).
As cinzas do Pinatubo se espalharam em uma larga região ao redor do mundo, e pelo menos onze aeronaves declararam emergência devido às cinzas, sendo que três dessas tiveram seus motores destruídos. O McDonnell-Douglas DC-10 abaixo foi surpreendido no solo por uma "chuva" de cinzas após pousar na Estação Aeronaval Americana de Cubi Point, nas Filipinas, tendo seu centro de gravidade deslocado pelas cinzas acumuladas, o que fez sua cauda bater no chão.
Nuvens de cinza não podem ser detectadas pelo radar meteorológico, mas, como produzem atividade elétrica muito intensa (foto abaixo, no Chile), podem eventualmente ser vistas mesmo à noite, ou detectadas por dispositivos detectores de atividade elétrica.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Lockheed Starliner da Lufhansa: andamento da restauração

Em 04 de outubro de 2009, publicamos um artigo sobre a restauração de um Lockheed L-1649 Starliner pela Lufhansa nos Estados Unidos.
A Lufthansa quer recolocar essa aeronave em voo, e para isso está usando três células, uma que já voou pela própria Lufthansa, o D-ALAN, e mais duas adquiridas nos Estados Unidos em dezembro de 200, antes voadas pela TWA.

Os trabalhos estão em andamento no aeroporto de Auburn/Lewiston Municipal, no Maine, e o L-1649 ex-TWA N7316C está sofrendo uma super-detalhada restauração estrutural pela Lufthansa Technik, na qual nenhum defeito, por menor que seja, está sendo desprezado.

Tamanho zelo é necessário porque o avião será utilizado para transportar passageiros pagantes e, portanto, deverá ser recertificado.

Espera-se que o primeiro voo dessa aeronave restaurada, fabricada em 1957, ocorra no segundo semestre de 2011.

Vejam a história completa desse magnifíco trabalho de restauração no artigo original, cujo link está abaixo:

http://culturaaeronautica.blogspot.com/2009/10/o-lockheed-starliner-da-lufhansa-volta.html

Operação Salomão: 1122 passageiros a bordo de um único voo

Na Bíblia Sagrada, uma das histórias mais fascinantes é, sem dúvida, o Êxodo, a fuga dos hebreus do Egito. Oprimidos e escravizados pelo Faraó, o povo hebreu fugiu para a Terra Prometida, Israel, conduzidos por Moisés, talvez o mais relevante personagem do Velho Testamento. A fuga durou longos 40 anos através do Deserto do Sinai.
Como a história sempre se repete, há menos de 20 anos, em 1991, tivemos um novo Êxodo. Desta vez, os judeus não saíram do Egito, e sim da vizinha Etiópia, perseguidos por um tirano opressor. Dessa vez, não foi preciso abrir passagem através do Mar Vermelho, pois a fuga foi feita por via aérea.

Por séculos, uma comunidade judaica, os Falashas, viveu na Etiópia, praticamente ignorados pelo mundo. No final dos anos 1980, os Falashas estavam em sério risco, devido à guerra civil que grassava na Etiópia, então dominada por um ditador violento e sanguinário, Mengistu Haile Mariam.Assim como o faraó dos tempos de Moisés, o regime de Mengistu sempre dificultou muito uma emigração em massa dos judeus etíopes para Israel.

Após muita negociação, conduzida principalmente pelo Embaixador de Israel na Etiópia, Asher Naim, o então sitiado regime de Mengistu concordou em permitir a saída dos Falashas para Israel.

Era preciso agir com rapidez, e muita rapidez. A Etiópia virou praticamente uma "terra de ninguém" naqueles dias de maio de 1991, e o ditador Mengistu já não estava no poder, quando Israel mobilizou uma frota de aeronaves militares e civis para resgatar os judeus etíopes em Adis Abeba, antes que a cidade fosse ocupada pelos rebeldes.
Trinta e seis aeronaves israelenses participaram do resgate: 18 Lockheed Hercules C-130 e 9 Boeing 707 da Força Aérea de Israel, e mais 9 aviões civis da El Al: 3 Boeing 747, 4 Boeing 767 e 2 Boeing 757. Para prevenir possíveis constrangimentos diplomáticos e acusações de violação de normas da aviação civil, os aviões da El Al foram descaracterizados e tiveram seus logotipos e marcas apagados.

Como era preciso levar o máximo possível de pessoas, quase todos os aviões tiveram seus assentos removidos e foram configurados como cargueiros. Dessa forma, poderiam levar muito mais gente.
Um dos Boeing 747 da El Al, matriculado 4X-AXD, pousou em Adis Abeba para resgatar os falashas. O comandante do avião pretendia embarcar 760 passageiros, mas logo que verificou o estado em que estavam os refugiados, muito magros e desnutridos, autorizou o embarque de mais gente, pois não haveria o risco de excesso de peso. Em apenas 37 minutos, um total oficial de 1087 refugiados embarcou no avião. Muitas crianças pequenas, no entanto, também embarcaram escondidas embaixo das saias das mães, elevando o total para 1120 pessoas a bordo. Como dois bebês nasceram durante a viagem, o número total de pessoas transportadas a bordo desse 747 da El Al elevou-se a 1122, o maior número de passageiros carregado em um único voo em toda a história da aviação.
O veterano Boeing 747-258C 4X-AXD, versão convertível carga-passageiros, tinha sido entregue novo para a El Al no último dia de 1975. Posteriormente foi vendido e acabou acidentado em Lagos, na Nigéria, em 29 de novembro de 2003, operando então pela Hydro Air como ZS-OOS.

Todos os demais aviões levaram muito mais passageiros do que o normal: os Boeing 707, sem assentos, levaram 500 passageiros em cada voo, enquanto os 767, com seus assentos instalados, levaram 430. Os Boeing 757, também com os assentos, levaram 360 passageiros em cada voo.
A operação de resgate foi concluída em apenas 36 horas, e foi muito bem sucedida. nada menos que 14325 Falashas foram resgatados em segurança, entre os dias 23 e 24 de maio de 1991. 140 refugiados tiveram que ir para o hospital depois dos voos. Se estivesse vivo, o grande Moisés ficaria, sem dúvida, muito orgulhoso da operação.

Colaboraram nesse artigo: José Cursio, Marcelo Magalhães e André Gustavo, do site Aerofórum

domingo, 16 de maio de 2010

Tempelhof: o fim do aeroporto que salvou Berlim

Em 30 de outubro de 2008, o histórico Aeroporto de Tempelhof, em Berlim, foi fechado, após quase 85 anos de operação. Chegava ao fim a história de um aeroporto emblemático, que foi a chave da salvação de Berlim Ocidental quando os soviéticos fecharam todos os acessos terrestres à cidade, em 1948.
Nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, três grandes aeroportos se destacaram na Europa: Londres-Croydon, Paris-Le Bourget e Berlim-Tempelhof. A aviação comercial na época mal havia começado, após a Primeira Guerra Mundial, quando Tempelhof foi aberto ao tráfego aéreo, em 8 de outubro de 1923.

O terreno onde foi contruído o aeroporto pertenceu, na Idade Média, à Ordem dos Cavaleiros Templários, daí a designação dada ao mesmo.

A companhia aérea Deutsche Luft Hansa AG (depois denominada simplesmente Lufthansa), foi fundada em Tempelhof em 6 de janeiro de 1926. Em 1927, foi concluído o primeiro terminal de passageiros, que teria vida curta, sendo substituído por um novo edifício a partir de 1936.

Berlim, nos planos do ditador Adolf Hitler, que assumiu o governo alemão a partir de janeiro de 1933, deveria se constituir na mais monumental cidade da Terra, e o Aeroporto de Tempelhof não foi exceção. O arquiteto-mor do Terceiro Reich, Albert Speer, mandou reconstruir Tempelhof como o maior e melhor aeroporto de sua época, e o arquiteto Ernst Sagebiel foi designado para projetar e construir a obra.

Tempelhof deveria ser, na visão dos nazistas, a porta de entrada da futura "Capital do Mundo", Germânia, novo nome que Berlim deveria ter no futuro Reich.

O terminal de passageiros de Tempelhof tinha a forma geral de um quadrante de círculo, com 1200 metros de extensão, e era todo revestido de pedra calcária. Sem dúvida, era um edifício impressionante para a época, tanto que o arquiteto britânico Sir Norman Foster o denominou como "A mãe de todos os aeroportos".
O teto foi construído na forma de uma arquibancada, para que os cidadãos de Berlim pudessem assistir demonstrações aéreas e espetáculos terrestres no pátio, bem ao estilo da grande máquina de propaganda nazista.

As obras no aeroporto, entretando, não foram totalmente concluídas durante o período nazista, sendo interrompidas em 1941 devido à eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Tempelhof nunca foi utilizado como aeródromo militar pela Lufwaffe, e serviu durante a guerra apenas como campo de apoio de emergência para aeronaves militares com problemas mecânicos ou atingidas em combate. Entretanto, uma ativa fábrica de aeronaves militares funcionou em uma grande cadeia de túneis subterrâneos, principalmente para a produção de bombardeiros de mergulho Junker 87 e, posteriormente, de caças Focke-Wulf 190.

Os soldados soviéticos tomaram posse de Tempelhof durante a Batalha de Berlim, em 24 de abril de 1945. O comandante militar do aeroporto, Rudolf Boettger desobedeceu às ordens superiores de explodir o aeroporto, que foi tomado com relativamente poucos danos. Quando os russos tentaram invadir os cinco níveis subterrâneos, onde eram fabricados os aviões militares, sofreram muitas baixas devido à armadilhas colocadas pelos soldados em fuga, e o comandante das tropas invasoras mandou então inundar os túneis inferiores, repletos de munições não detonadas, os quais se encontram cheios de água e inexplorados até hoje.

Os russos entregaram Tempelhof para as tropas americanas de ocupação, já que estava na área que deveria ser administrada pelos aliados depois da guerra, a futura Berlim Ocidental. Engenheiros do 852º Batalhão de Engenharia de Aviação americano chegaram em 10 de julho de 1945 para iniciar os trabalhos de reconstrução do aeroporto.

Em 20 de junho de 1948, os soviéticos tentaram isolar Berlim Ocidental durante a Guerra Fria, fechando todos os acessos terrestres por rodovia e ferrovia. As potências ocidentais, especialmente os americanos e os ingleses, ficaram entre o grande dilema de abandonar a cidade para os soviéticos ou tentar abastecê-la pelo ar, uma tarefa gigantesca por se tratar de uma população de 2,5 milhões de habitantes.

Por fim, foi decido tentar o abastecimento via aérea, que consistiu em uma das maiores proezas da aviação na história. Durante 15 meses, a cidade foi abastecida através de três corredores aéreos de 25 milhas de largura. O primeiro voo de abastecimento ocorreu em 26 de junho, com aeronaves Douglas C-47 da USAF (foto abaixo) transportando 80 toneladas de suprimentos diversos. Uma nova pista de 1840 metros foi construída para complementar a única pista original de 2094 metros. As duas pistas eram praticamente paralelas, no sentido leste-oeste.
Aeronaves da RAF britânica e empresas civis, contratadas pelos governos americano e britânico, assim como aeronaves da US Navy, se juntaram para criar o que, até hoje, foi a maior "ponte aérea" da história, realizando um total de 278 mil voos e transportando pouco mais de 2 milhões e 326 mil toneladas de suprimentos, dois terços das quais eram de carvão.

O último voo da ponte aérea de Berlim aterrisou em Tempelhof em 30 de setembro de 1949, quando os russos afinal cederam e reabriram os acessos terrestres para Berlim Ocidental. Uma estrutura logística de emergência foi mantida, para o caso dos russos fecharem novamente o acesso à cidade.
Embora os militares americanos administrassem e fossem os principais usuários do aeroporto, o mesmo serviu ao tráfego civil por muito tempo depois da guerra. A primeira empresa aérea a fazer voos internacionais depois do conflito foi a American Overseas Airlines - AOA, uma divisão internacional da American Airlines, a partir de 18 de maio de 1946, permanecendo ativa durante todos os meses do Bloqueio de Berlim.

A localização central do aeroporto em Berlim foi um dos grandes atrativos para sua operação comercial.

Várias empresas passaram depois a operar no aeroporto, quando os americanos resolveram abrir mão das restriçoes ao tráfego civil estabelecidos pelos militares que usavam o aeroporto. A Pan Am, a Air France e a BEA foram alguns dos operadores que passaram a usar Tempelhof durante esse período. Durante a década de 1960, a Air France mudou suas operações para o aeroporto de Tegel, pois as pistas curtas de Tempelhof não permitiam a operação dos jatos Sud Aviation Caravelle da empresa, com carga total.
Em 1961, com a construção do Muro de Berlim, o governo da Alemanha Ocidental introduziu um subsídio de 20 por cento nas passagens para Tempelhof, para manter o tráfego ativo.

A Boeing foi pioneira na operação com jatos em Tempelhof, em 2 de dezembro de 1964, utilizando um Boeing 727-100 alugado da Pan Am para demonstrar a capacidade desse avião de operar nas pistas curtas do aeroporto.

A Pan Am adquiriu depois 8 jatos 727-100, configurados para levar 128 passageiros em classe única a partir de Tempelhof. A BEA, posteriormente, utilizou aeronaves BAC One-Eleven 500 em suas operações, que substituíram os Vickers Viscount então em uso.

Em 1971, Tempelhof teve o seu pico de atividade comercial, atendendo 5,5 milhões de passageiros no ano, de um total de 6,1 milhões de passageiros atendidos por todos os aeroportos de Berlim Ocidental naquele ano. Posteriormente, o tráfego foi sendo direcionado para Tegel, então bastante sub-utilizado. Os russos também relaxaram o controle no tráfego terrestre, a partir de 1972, reduzindo a demanda pelo transporte aéreo.
Quando a British Airways (sucessora da BEA) e a Pan Am transferiram suas operações para o novo terminal de Tegel, em 1975, Tempelhof ficou restrito ao tráfego militar americano por 10 anos, até 1985.

Embora o Aeroporto de Tempelhof tivesse pistas curtas para operação de jatos, aeronaves de grande porte como os Boeing 747, McDonnell-Douglas DC-10 e Lockheed L1011 Tristar chegaram a operar eventualmente no aeroporto. Aeronaves de carga Lockheed C-5A Galaxy eram operados regularmente pelos militares americanos.

Depois de 49 anos de operação, a USAF deixou Tempelhof em agosto de 1994, entregando a sua administração para as autoridades alemãs.

Depois da unificação alemã, o governo alemão deu início a planos de desativar Tegel e Tempelhof e concentrar todo o tráfego aéreo de Berlim em Shönefeld, cujo aeroporto seria ampliado e transformado no Berlin-Brandemburg International Airport. A conclusão desse aeroporto está prevista para 2011.

Tegel ainda continua em operação, mas Tempelhof, depois de ser considerado para operar aeronaves da aviação geral e voos regionais, teve seu fechamento decretado pelas autoridades. Um movimento de berlinenses contrários ao fechamento do aeroporto não conseguiu reverter essa decisão. Um referendo foi realizado pela população, e mais de 60 por cento dos votantes opinaram pela manutenção das operações, mas somente 21 por cento dos eleitores participaram da votação, e eram necessários pelo menos 25 por cento para que o referendo tivesse algum valor legal.
Em 30 de outubro de 2008, o último voo regular decolou de Tempelhof, às 22 horas e 17 minutos, em direção à Manheim: um Dornier 328 da Cirrus Airlines. À meia noite, as luzes do pátio e das pistas foram desligadas para sempre. Três pequenos aviões que operavam apenas VFR permaneceram no aeroporto até 24 de novembro, encerrando definitivamente as operações de voo no aeroporto. Na foto abaixo, uma cerimônia de despedida realizada no último dia de operação oficial do aeroporto.
O uso futuro do aeroporto permaneceu incerto por mais de um ano, e suas instalações serviram eventualmente para feiras e shows de música. Finalmente, em agosto de 2009, as autoridades berlinenses anunciaram a criação de um grande parque público, o Tempelhof Feld, que foi inaugurado no final de semana de 8 e 9 de maio de 2010 (foto abaixo).

terça-feira, 4 de maio de 2010

Mistérios das descargas elétricas atmosféricas

As descargas elétricas atmosféricas sempre despertaram temor e, ao mesmo tempo, curiosidade aos homens desde os primeiros tempos de sua existência. Já foram consideradas manifestações divinas e eram geralmente associadas à ira dos deuses.
Na verdade, a verdadeira natureza desses fenômenos somente foi compreendida no Século XVIII, quando começaram os estudos a respeito da eletricidade. Benjamim Franklin foi o primeiro a comprovar a natureza elétrica dos raios, e inventou o pára-raios, dispositivo que, ao atrair o raio para si, protege as pessoas e construções ao redor.

Todavia, ainda hoje restam muitos mistérios a respeito da eletricidade atmosférica. A despeito da alta tecnologia hoje disponível, ainda não se sabe exatamente, por exemplo, porque as cargas elétricas se separam dentro das nuvens.

A eletricidade atmosférica está associada a nuvens do tipo cumulus-nimbus. Essas nuvens, extremamente comuns, são formadas em ar instável, por correntes convectivas de ar quente subindo cada vez mais alto na atmosfera. Os cumulus-nimbus formam células, cada uma por si só capaz de produzir uma tempestade. Calcula-se que se formam 40 mil dessas células por dia, no mundo inteiro.
A grande quantidade de água dentro de uma célula, ao subir sob o efeito de uma forte corrente ascendente de ar, chega ao ponto de congelamento ao atingir certa altitude, e volta a se liquefazer, ao se precipitar para altitudes mais baixas, sob o efeito do seu próprio peso ou de correntes descendentes. É nesse processo de sobe-e-desce e congela-e-descongela que as cargas elétricas se separam. As cargas elétricas positivas se acumulam no topo da nuvem, e as negativas na base da mesma.
Obviamente, a maioria das cargas elétricas formadas dentro de uma célula se descarregam entre o topo e a base de uma mesma nuvem, gerando o relâmpago. Entretanto, ocorrem descargas de eletricidade para o solo e também para a alta atmosfera, assim como para outras células próximas.

Tanto as cargas positivas quanto as negativas alcançam grandes diferenças de potencial em relação ao solo. O ar é mau condutor de eletricidade, sendo necessário uma grande diferença de potencial para vencer a sua resistência à passagem da corrente elétrica. Quanto maior for a distância da nuvem ao solo, maior terá que ser a diferença de potencial para que ocorra um raio.
Como a base da nuvem está mais próxima do solo, a maioria dos raios são negativos, já que a base da nuvem tem carga elétrica negativa. Inicialmente, as cargas elétricas ionizam um trajeto entre a nuvem e o solo. Esse caminho de ar ionizado segue o caminho de menor resistência dielétrica do ar, sendo muito tortuoso, e pode se originar tanto da nuvem quanto do solo. Quando uma corrente iônica se aproxima do solo, ou da nuvem, induz à formação de outras, originadas no sentido oposto. Esse caminho, chamado de líder ou precursor, fornece um condutor iônico por onde o raio irá passar. A ionização do ar, nesse momento, pode produzir fenômenos de eletroluminescência, chamados de fogos-de-santelmo (foto abaixo, no parabrisas de uma aeronave)
Pode-se, portanto, saber se um raio se originou na nuvem ou no solo. A origem é em um único ponto, e os pontos de descarga são múltiplos, dando origem a ramificações do raio. Se um raio se ramifica ao chegar à terra, é um raio descendente negativo. Se a ramificação ocorre em direção à nuvem, trata-se de um raio ascendente negativo, ou seja, o raio, predominantemente, sobe da terra, e não "cai" da nuvem.
A grande maioria dos raios são descendentes negativos. Mas pode ocorrer raios que saem do topo das nuvens, onde as cargas elétricas são positivas. Esse tipo de raio é muito mais raro e intenso, pois é necessário uma enorme diferença de potencial para vencer a distância do topo das nuvens ao solo. Nuvens cumulus-nimbus alcançam facilmente altitudes de 33 a 50 mil pés, e algumas chegam a até 85 mil pés.
O mecanismo de formação de um raio positivo (fotos acima e abaixo) é o mesmo dos raios negativos, ou seja, também há a formação de uma corrente iônica precursora e também existem raios ascendentes e descendentes. A maior diferença está na intensidade da corrente, muitas vezes maior nos raios positivos. Por isso, esses raios são chamados, às vezes, de "super-raios". Quando se ramificam para baixo, são raios descendentes positivos, e quando se ramificam para cima, de raios ascendentes positivos.
Ao contrário do ditado popular, os raios tendem a cair sempre nos mesmos lugares. Isso pode ocorrer em frações de segundos, pois descargas elétricas mais fracas podem seguir uma mais forte, aproveitando o canal ionizado formado pela primeira descarga.
Por muito tempo, acreditou-se que que as descargas sempre ocorriam dentro da nuvem, entre duas nuvens ou entre a nuvem e o solo. Mas não é isso o que acontece, pois também ocorrem fenômenos semelhantes na alta atmosfera, entre a nuvem e a ionosfera, camada da atmosfera ionizada principalmente pela radiação solar.
Os mais comuns desses fenômenos são os sprites (imagem acima), descargas positivas que ocorrem alguns milissegundos após a descarga de um raio negativo para o solo. Alcançam altitudes que vão de 45 a 90 km acima do topo das nuvens. Outros fenômenos semelhantes, como os jatos azuis e os elves, esses últimos com formato de halo, também ocorrem entre as nuvens e a alta atmosfera (figura abaixo).
Esses fenômenos da alta atmosfera são de baixa luminosidade, razão pela qual somente foram detectados a partir de 1989. São gerados pela interação elétrica e eletromagnética dos relâmpagos e raios com a alta atmosfera. Quando ocorre um raio, essa descarga produz correntes induzidas, que geralmente são incapazes de formar um novo raio, mas que são suficientes para romper a fraca resistência dielétrica do ar rarefeito acima da nuvem, criando fenômenos fracamente luminosos muitos quilômetros acima desta.

Os sprites se manifestam como figuras avermelhadas na alta atmosfera. Os elves são fenômenos mais altos ainda, em forma de halo, que se dispersam a partir do centro, e os jatos azuis são fenômenos mais baixos que se aparentam com fachos de luz azul, daí o seu nome. Sempre se soube que deveria haver uma conexão entre os fenômenos elétricos da troposfera e da ionosfera, para manter o equilíbrio elétrico da atmosfera, e os sprites, jatos azuis e elves eram os "elos perdidos" desse equilíbrio. Todavia, embora se conheçam os princípios básicos da formação desse fenômenos, não se sabe ainda quais são os impactos provocados pelos mesmos no delicado mecanismo de equilíbrio da atmosfera terrestre.

Se os sprites, jatos azuis e elves já estão mais ou menos descritos e explicados, resta ainda um tipo de descarga elétrica atmosférica muito misterioso: o raio globular. É um globo de plasma ou de gás ionizado, de pequeno tamanho, variando entre alguns centímetros a um metro (foto abaixo). Geralmente tem cor vermelho-alaranjada e pode durar entre alguns segundos a, excepcionalmente, vários minutos. É um fenômeno natural, que produz ruídos como estados e zumbidos e deixa um odor de ozônio ou enxofre à sua passagem. Esses raios podem ser deslocar próximo à superfície da terra, e seu movimento é totalmente independente da direção do vento e correntes convectivas.
Os raios globulares são geralmente associados com tempestades, desprendendo-se da nuvem, mas podem ocorrer em tempo claro, e ainda não são bem explicados pela ciência.

Os efeitos dos raios nos aviões são geralmente mais impressionantes do que perigosos, mas já chegaram a provocar acidentes. Tal assunto, assim como os efeitos dos raios nos seres humanos em geral, merece um artigo à parte, que muito brevemente será publicado aqui nesse blog.

Nuvens de cinza vulcãnica, compostas de partículas sólidas vitrificadas, produzem muita eletricidade, mais do que a produzida pelos cumulus-nimbus (foto abaixo).
Quando os raios atingem dunas, praias ou outros solos arenosos, podem penetrar vários centímetros terra abaixo da superfície, derretendo a areia e produzindo um tipo de rocha denominado fulgurito (foto abaixo). Essas rochas reproduzem o exato caminho percorrido pelo raio dentro da areia, e podem inclusive estar ramificadas, como o raio que lhes deu origem.
Sabe-se que os raios são os responsáveis pela formação de ozônio na estratosfera, assim como se sabe que a formação de moléculas de aminoácidos a partir de compostos inorgânicos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio abundantes na atmosfera primitiva também ocorreram devido às descargas elétricas na atmosfera. A partir dos aminoácidos, formaram-se todas as moléculas orgânicas que, em última análise, geraram a vida na Terra.

Quem sabe então se os antigos não tinham razão, afinal: os raios podem ser realmente a manifestação de Deus na Terra, pois foram eles que, de algum modo, propiciaram o surgimento da vida no nosso planeta.