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domingo, 19 de dezembro de 2010

A grande epopéia dos PT-19 da FAB: 25 dias de viagem entre EUA e o Brasil

O Ministério da Aeronáutica foi criado no Brasil em 20 de janeiro de 1941. Nesse dia, a Aviação Militar e a Aviação Naval, incluindo aeronaves, oficiais, praças e instalações, foram fundidas em uma nova arma, a Força Aérea Brasileira - FAB.
Embora a FAB tivesse nascido com um grande acervo de aeronaves, a maior parte da frota consistia em uma coleção de aviões totalmente obsoletos, de muitos tipos diferentes, o que dificultava a operação e manutenção da Força. Uma das maiores deficiências estava na frota de aeronaves de instrução.

A Segunda Guerra Mundial chegou subitamente às Américas com o ataque a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941. O Japao atacou a frota americana ancorada naquela base, lançando imediatamente os dois países na Guerra. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra praticamente forçou o alinhamento do Brasil para o lado dos Aliados.

A FAB preocupou-se, imediatamente, com o reequipamento da força, a começar pelas aeronaves de instrução. Além da obsolescência crescente dos aviões existentes na Escola de Aviação, reunidos no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, o número de aeronaves era insuficiente para o treinamento de oficiais em tempo de guerra. Felizmente, o Governo Brasileiro conseguiu que os Estados Unidos cedessem, nos termos da Lend and Lease Act, as aeronaves de que o Brasil necessitava.

Mas a entrada dos Estados Unidos na Guerra significava também que o transporte marítimo estava bastante restrito e perigoso. Os navios só podiam navegar em comboios, para garantir proteção contra os submarinos do Eixo, e não havia espaço nem prioridade para trazer ao Brasil aeronaves de instrução encaixotadas por via marítima.

Foi então decidido que todas as aeronaves seria trazidas em voo, dos Estados Unidos ao Brasil, por oficiais da Força Aérea. Sem dúvida, isso significava que tais oficiais iriam cumprir uma missão do mais alto risco. Na década de 1940, existiam poucos campos de pouso na América Central e na região norte da América do Sul. Auxílios-rádio à navegação e infraestrutura de apoio logístico e de manutenção, então, eram praticamente inexistentes.
O maior problema estava em trazer os pequenos aviões Fairchild PT-19, de instrução primária. Esses aviões, construídos em madeira, tinham cockpits abertos e pequena autonomia, além de estarem desprovidos de rádios e de instrumentos de navegação adequados para tão longa e perigosa viagem (na foto acima, o painel de instrumentos do PT-19). Seus motores Ranger L-440, de seis cilindros invertidos, consumiam grande quantidade de óleo lubrificante, que poderia ser escasso, durante a jornada.
Mas não havia outra solução: ou os aviões viriam em voo, ou ficariam nos Estados Unidos. Finalmente, em julho de 1942, um mês antes do Brasil entrar definitivamente na Guerra, iniciou-se a grande epopéia.

Os aviões, recebidos novos na fábrica da Fairchild, em Hagerstown, Maryland, eram geralmente reunidos em grupos de 5 aeronaves, cada uma das quais pilotada por um único oficial. Na nacele dianteira, foi instalado um tanque suplementar de combustível, para aumentar o alcance do pequeno avião. Para cada uma das primeiras esquadrilhas, era incorporado um avião Fairchild UC-61, monomotor de asa alta e com capacidade de 4 tripulantes (foto abaixo). Nesse avião, viajavam o comandante da esquadrilha, o sargento mecânico e um piloto reserva. A quantidade de bagagem que cada avião trazia era mínima, devido à necessidade de se trazer várias latas de óleo lubrificante para os Ranger.
Entre julho e agosto de 1941, trinta PT-19 foram trazidos em voo, desde Hagerstown até o Campo dos Afonsos, através da América Central continental e do litoral da América do Sul. Era praticamente impossível, naquela época, sobrevoar a Amazônia pelo interior.

Essas primeiras esquadrilhas fizeram um voo realmente épico. Como o Brasil já estava praticamente às portas da guerra, não havia como esperar que a época das chuvas passasse. As condições meteorológicas, então, eram horríveis. Enquanto as aeronaves voavam acima do território dos Estados Unidos, o ar era quente e seco, e a névoa seca dominava amplas regiões. A partir da América Central, o ar era sempre muito úmido, com formação frequente de CBs e muitas pancadas de chuva, até o Rio de Janeiro.

Os pilotos voavam com capacetes de couro e óculos, nos cockpits abertos. Nos Estados Unidos, era possível obter-se previsões meteorológicas da etapa seguinte, mas do México e  da América Central em diante, os pilotos decolavam sem ter a menor idéia das condições que iriam enfrentar. Os campos de pouso eram distantes entre si, e havia poucos campos intermediários de apoio. Na maioria dos casos, depois de percorrida metade da distância em cada etapa, era impossível voltar, e o avião tinha que seguir em frente obrigatoriamente, pois não havia combustível suficiente para o regresso.
Os oficiais americanos, ao tomarem conhecimento da intenção dos pilotos brasileiros de levarem os PT-19 em voo para o Brasil, fizeram sombrias previsões: pelo menos 40 por cento dos aviões ficariam pelo caminho, pois as condições eram imprevisíveis e os aviões não eram feitos para isso.

Obviamente, houve problemas. Vários aviões pousaram em praias, à espera de condições meteorológicas mais favoráveis. Os motores Ranger (foto abaixo), por sua vez, revelaram-se extremamente confiáveis, e houve, relativamente, pouca incidência de panes de motor.
Embora o risco da viagem fosse óbvio, só houve uma perda de vida em todas as viagens feitas pelos PT-19 durante toda a Guerra: o Primeiro-Tenente Aviador QO Aux. Kenneth Lindsay Molineaux, acidentou-se com o seu PT-19 quando sobrevoava o Território do Amapá, já no Brasil, sob forte chuva. O seu avião chocou-se com as árvores, sendo totalmente destruído. 

Além dessa aeronave, houve somente mais duas perdas de aviões PT-19, mas ambos os pilotos sobreviveram. Isso dá um índice de perda de menos de 3 por cento do total de 106 aeronaves PT-19 que foram transportadas em voo dos Estados Unidos ao Brasil, durante toda a Guerra. As perdas de outros tipos de aeronaves foram ainda menores, furando as terríveis previsões dos americanos de perda de 40 por cento do equipamento durante a operação.

Durante os meses de outubro e novembro de 1942, mais 10 PT-19 foram levados ao Brasil em voo, perfazendo um total de 40 aeronaves durante o ano.

Esses primeiros voos eram feitos em 46 etapas, da fábrica até os Afonsos: Hagerstown, Washington, Greensboro, Atlanta, Mobile, New Orleans, Beaumont, San Antonio, Brownsville, Tampico (México), Vera Cruz, Minatitlan, Tapacula, El Salvador, Manágua (Nicarágua), San Jose da Costa Rica, Golfito, David, Rio Hato, Turbo (Colômbia), Barranquilha, Maracaibo (Venezuela), Coro, La Guaíra, Barcelona, Ciudad Bolivar, Tumereno, Georgetown (Guiana Inglesa), Panamaribo (Guiana Holandesa), Caiena (Guiana Francesa), Oiapoque (Brasil), Amapá, Macapá, Belém, Bragança, São Luiz, Parnaíba, Fortaleza, Mossoró, Natal, Recife, Maceió, Salvador, Ilhéus, Caravelas, Vitória, e, finalmente, Rio de Janeiro (Campo dos Afonsos).
Essas etapas eram cumpridas, normalmente, com 110 horas de voo, 15 mil Km. percorridos e em 25 dias de missão. A partir de 1943, a viagem ficou mais curta, pois todos os aviões destinados ao Brasil passaram a ser entregues em Kelly Field, em San Antonio, Texas.

As dificuldades encontradas no caminho eram muitas. Além das condições meteorológicas ruins, não era incomum que os aviões de cada esquadrilha perdessem contato visual entre si, gerando grande tensão. Panes de motor eram ocasionais, mas causavam grande dor de cabeça, devido à precariedade da assistência técnica disponível no caminho.
Um piloto de PT-19, o Primeiro-Tenente Jofre Nelson de Mello e Silva, por exemplo, teve pane no motor de seu avião e acabou pousando fora do campo, perto de Vera Cruz, no México. Demonstrando grande iniciativa e espírito militar, retirou o motor do avião com ajuda dos moradores locais e providenciou o transporte do motor, por todos os meios possíveis, até San Antonio, no Texas. Com o motor reparado, transportou-o de volta a Vera Cruz, colocou-o de volta no avião, abriu uma pista e decolou, reiniciando a viagem ao Rio de Janeiro, onde pousou com sucesso. O feito lhe valeu um elogio individual do Ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, pelo Aviso nº 55, de 12 de abril de 1943.

Durante o ano de 1943, foram trazidos, em voo, mais 63 aviões PT-19 dos Estados Unidos. Outros aviões do tipo vieram por via marítima dos Estados Unidos, quando o sucesso na guerra contra os submarinos viabilizou tal transporte, entre 1944 e 1945.
 
A fabricação dos PT-19 começou a ser feita no Brasil, pela Fábrica do Galeão, como modelo Galeão 3 FG, e não foi mais necessário trazer aviões desse tipo em voo dos Estados Unidos, nos anos de 1944 e 1945. No total, 103 aeronaves PT-19 chegaram com sucesso ao Campo dos Afonsos, até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Durante os quatro anos em que o Brasil esteve em guerra, foram trazidos em voo, dos Estados Unidos ao Brasil, por pilotos brasileiros, um total de 452 aviões, sendo 120 Vultee BT-15, 103 Fairchild PT-19, 87 North American AT-6, 34 Beechcraft C-43 monomotores, 26 Beechcraft AT-7, AT-11 e C-45 bimotores, 20 Cessnas UC-78 bimotores, 19 Noorduyn C-64 Norseman monomotores, 10 Fairchild C-61, 10 Grummans anfíbios, 6 Lockheed C-60 Lodestar, 5 Douglas C-17 e 12 de outros tipos, geralmente aeronaves "cansadas de guerra" destinadas às Escolas de Especialistas da Aeronáutica, para instrução no solo.
Os Fairchild PT-19 ficaram muitos anos em serviço na Força Aérea Brasileira, como aeronaves de instrução primária. A partir de 1960, as aeronaves em melhor estado começaram a ser desativadas na força e foram doadas aos aeroclubes (foto acima, em Juiz de Fora, MG), onde continuaram voando por muito tempo, principalmente na instrução de acrobacia básica. Até hoje, alguns aeroclubes preservam seus velhos PT-19, mas, em 2010, já é muito difícil encontrar um exemplar em condição de voo. Os aviões UC-61, que acompanharam os PT-19  nos primeiros voos, também foram destinados a alguns aeroclubes, mas já não resta nenhum em condição de voo, fora dos museus.
Todos os grandes museus aeronáuticos brasileiros tem pelo menos um exemplar. de PT-19 Um dos mais interessantes está no Museu de Bebedouro, onde existe um PT-19 com o interessante prefixo PP-GAY (fotos acima e abaixo).

sábado, 11 de dezembro de 2010

O incidente do Mig 25 em Hakodate: fim de um mito?

No início dos anos 70, as duas superpotências militares da época, URSS e Estados Unidos, estavam empenhadas no desenvolvimento de aeronaves militares cada vez mais velozes. Os americanos pareciam ter saído na frente, e em 1964 já tinham colocado em serviço o Lockheed SR-71 Backbird, e estavam prestes a fazer voar um gigantesco e impressionante protótipo de bombardeiro estratégico, o North American XB-70 Valkyrie, que, assim como o SR-71, tinha a capacidade de voar a Mach 3 ou mais.
Os soviéticos ficaram muito preocupados com essas aeronaves, que poderiam tornar seu país muito vulnerável a ataques, pela inexistência de um caça capaz de alcançar tais máquinas. Emitiram imediatamente um pedido para os escritórios de projetos de aeronaves, solicitando uma aeronave capaz de voar a 3.000 Km/h e capaz de alcançar 27 mil metros de altura, cerca de 88 mil pés.

A resposta a esse pedido veio na forma de um extraordinário avião de caça, o Mikoyan-Gurevich MiG 25, que voou pela primeira vez em 6 de março de 1964, na mesma época de entrada em serviço do Blackbird.

Obrigados a cancelar o programa do bombardeiro XB-70 Valkyrie (foto abaixo), devido ao altíssimo custo e mudanças de táticas da USAF, que passaram a priorizar ataques a baixa altura, era a vez dos americanos ficarem preocupados com o caça russo, sem par no inventário da USAF.
Embora o desenvolvimento do XB-70 tenha sido interrompido, a não ser para pesquisas científicas de voos de alta velocidade, o desenvolvimento do MiG 25 prosseguiu, e o avião entrou em operação em 1970. Recebeu a designação-código da OTAN de Foxbat.

Uma grande aura de mistério cercava o avião: os americanos conheciam todos os problemas estruturais de aeronaves de alta velocidade, principalmente da necessidade de empregar ligas metálicas resistentes ao calor, resultante do voo a Mach 3. A dificuldade de desenvolver ligas satisfatórias de titânio foi enorme, mas os russos pareciam ter ultrapassado esse problema sem maiores dificuldades. Mas como, perguntavam-se os engenheiros?

A alta velocidade parecia não ser a única qualidade do caça soviético: bem cedo os operadores de contramedidas eletrônicas perceberam que o sistema de radar do MiG 25 era praticamente invulnerável à qualquer tipo de interferência eletrônica, e isso era intrigante, porque os próprios americanos ainda não eram capazes de fazer nada parecido.

Relatórios imprecisos dos serviços de inteligência faziam supor ainda que o MiG 25 seria um ágil caça de combate aéreo aproximado, capaz de manobras inimagináveis. Em resposta a essas supostas capacidades, os americanos imediatamente solicitaram especificações de aeronaves de caça mais avançadas, que acabaram resultando no McDonnell-Douglas F-15 Eagle, na década de 1970.

Os americanos tratavam do assunto "MiG 25" como informação altamente secreta, pois temiam até mesmo que a revelação ao público do seu potencial pudesse causar pânico generalizado. Mesmo as poucas fotos obtidas até então ficaram restritas aos militares e cientistas.

Subitamente, em 6 de setembro de 1976, um incidente extraordinário modificou todo o pensamento ocidental a respeito do MiG 25: um jovem piloto soviético, o tenente Viktor  Ivanovich Belenko (foto abaixo), então com 29 anos de idade, resolveu desertar, em seu novíssimo MiG-25.
Belenko decolou da sua base em Sakharovka, na Sibéria, onde fazia parte do 513º Regimento de Caças do Comando de Defesa Aérea Soviético. Ingressou tranquilamente no espaço aéreo japonês, na ilha de Hokkaido, humilhando as poderosas forças de caças F-104 Starfighter encarregadas de defender o Japão, e pousou sem qualquer oposição no aeroporto civil de Hakodate. O pouso foi algo desastrado, pois a aeronave ultrapassou os limites da pista, quebrando o trem de pouso do nariz e impossibilitando-a de voar novamente, por ora.
O empolgante acontecimento colocou em polvorosa todos os militares americanos. O avião teria que ser devolvido à União Soviética, mas os americanos não permitiriam que tal máquina deixasse o Japão sem ser cuidadosamente examinada. Imediatamente, um grupo de engenheiros e técnicos americanos, baseados em Wright Field, Ohio, embarcou para o Japão, a convite das autoridades civis e militares japonesas, para examinar o avião.
Após o incidente, o avião foi recolhido a um hangar na Base Aérea de Hyakuri, onde os japoneses permitiram aos americanos desmontar cuidadosamente o aparelho e acionar seus motores Tumansky, assim como seus sistemas de radar. Os manuais de operação toram  imediatamente traduzidos e examinados. Os mitos a respeito do avião foram então revelados, e os militares e engenheiros ficaram nitidamente perplexos com a aeronave que tinham, temporariamente, nas mãos.

Para começar, verificou-se que a estrutura do avião era muito mais convencional do que se supunha, na verdade análoga à dos primeiros McDonnell-Douglas F-4 Phanton. Nenhuma liga metálica avançada foi empregada extensivamente. Para superar o calor gerado em altas velocidades, o MiG 25 era construído simplesmente em liga de aço-níquel. Esse material era bem mais barato e fácil de trabalhar que as ligas de titãnio empregadas no SR-71, mas tinha o sério inconveniente do peso, resolvido pelos russos pela simples adição de mais potência no motor. Cerca de 80 por cento do peso do MiG 25 constituía-se de liga aço-níquel, 11 por cento de alumínio e apenas 9 por cento de titânio. Isso explica a facilidade e o baixo custo da construção do MiG 25, em evidente contraste com os caríssimos SR-71.

Evidentemente, o peso do aço e o empuxo adicional necessário influíram decisivamente no raio de alcance de combate do avião, reduzido a ridículos 300 Km, e do alcance em translado subsônico, de pouco mais de 1.200 Km. Isso eliminava o risco de um MiG 25, equipado eventualmente com um artefato nuclear, atacasse Tokyo, por exemplo, a partir da Sibéria, um dos temores mais frequentes dos estrategistas japoneses e americanos.

Os engenheiros também perceberam que a preocupação com o peso obrigou o MiG 25 a limitar o fator carga máximo a que o avião pudesse atingir. De fato, com tanques cheios, o MiG 25 estava limitado a apenas 2,2 G positivos, e o limite absoluto ficava em meros 4,5 G positivos. Isso, é claro, tornava o MiG 25 bem pouco manobrável e incapaz de fazer combates aproximados,  os dogfights. Toda a capacidade de combate do avião residia no poder de fogo BVR (Beyond Visual Range - além do alcande visual), justamente o contrário do que se pensava até então.

Os engenheiros americanos logo perceberam que soviéticos fizeram a estrutura primária do MiG 25 do modo mais simples possível, fazendo uso extensivo de solda manual de arco voltaico e rebites convencionais ("cabeçudos"), uma característica quase impensável para os americanos para um avião tão veloz, mas que facilitava enormemente a construção e a manutenção da estrutura. Mas o uso do aço fez com que o avião pesasse impressionantes 29 toneladas, desarmado.

Mesmo a capacidade do avião de voar a Mach 3 foi, na prática, desmentida: os velocímetros possuiam uma linha radial vermelha em Mach 2,8. Embora tivesse empuxo suficiente para voar mais rápido, pelo menos até Mach 3,2, os soviéticos limitaram a velocidade para evitar overspeed e superaquecimento dos motores acima de Mach 2,8.
Mas o grande mistério do avião era realmente o sistema de radar. Como o MiG 25 podia ser praticamente imune às contramedidas eletrônicas americanas? A resposta a essa questão foi simples, simples até demais: pela força bruta: o radar do MiG 25 tinha a formidável potência de 600 kW. Poderia resistir até mesmo aos pulsos eletromagnéticos de uma explosão nuclear. Tecnologicamente falando, usavam antigas válvulas de vácuo ao invés de componentes transistorizados, obsoletas, mas muito resistentes ao aquecimento das altas velocidades e às contramedidas eletrônicas. Foi uma interessante e surpreendente opção dos soviéticos (foto acima).
O que impressionou os técnicos foi o computador de bordo, um equipamento muito avançado de navegação e de rastreamento de alvos no solo, além de ter capacidade de rastrear alvos aéreos a uma distância de 500 Km, uma fantástica capacidade BVR na época.
A desmistificação do avião foi um grande trunfo para os americanos, e influenciaram em todos os projetos posteriores de aeronaves de combate, particularmente em relação à capacidade de combate BVR. No fim das contas, a velocidade do avião tornou-se apenas um mero detalhe do MiG 25, e todos os desenvolvimentos posteriores de caças procuraram melhorar a capacidade de atingir alvos à distância e o poder de fogo. Chegava ao fim a busca por mais velocidade nos aviões de caça.
Depois de 67 dias no Japão, o MiG 25 foi devolvido aos soviéticos por via marítima, parcialmente desmontado em cerca de 30 subconjuntos. Belenko pediu asilo político aos Estados Unidos, prontamente concedido pelo Presidente Gerald Ford. Estabeleceu residência em North Dakota.

Belenko foi extensamente interrogado pelos militares americanos durante os cinco meses seguintes à sua deserção, fornecendo importantes informações acerca do poderio soviético na Sibéria Oriental e na Ilha Sacalina, além de detalhes acerca dos novos desenvolvimentos do MiG 25. O governo lhe concedeu uma generosa ajuda financeira para que sobrevivesse nos Estados Unidos, e empregou-o como consultor militar.

Belenko casou-se com uma professora de música americana, e tornou-se cidadão dos Estados Unidos em 1980. Teve dois filhos, divorciou-se posteriormente e até mesmo viajou a negócios para a Rússia, após a derrocada do regime Soviético, em 1995.

O MiG 25 continua em serviço limitado na Rússia, nos países da antiga União Soviética e em alguns países amigos da Rússia. Um MiG 25 do Iraque conseguiu abater um caça americano F/A-18 Hornet durante a primeira Guerra do Golfo, em 1991. Depois da desativação dos SR-71 (foto abaixo), o MiG 25 detém o título de aeronave militar mais veloz em serviço. Bateu diversos recordes de performance, inclusive o de maior altitude absoluta  atingida por uma aeronave a jato, de 123.523 pés, em 31 de agosto de 1977.
 
Quarenta e seis anos após o seu primeiro voo, e 34 anos após ser conhecido no Ocidente,  no Incidente de Hakodate, o MiG 25 ainda é uma das mais fascinantes aeronaves militares do mundo.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O Boeing B-17 na Força Aérea Brasileira: o bombardeiro salva-vidas

O quadrimotor Boeing B-17 foi um dos mais importantes aviões militares do Século XX, participando ativamente da Segunda Guerra Mundial. Embora tivesse sido projetado bem antes da Guerra, e voado pela primeira vez em 28 de julho de 1935, ainda era considerado muito atual em 1941. Foi dos bombardeiros americanos mais efetivos durante o conflito, tendo lançado mais de um terço (640 mil toneladas) dos 1,5 milhões de toneladas de bombas americanas lançadas na Europa e no Pacífico até o fim da guerra, em 1945.
Entretanto, com o final da Guerra, milhares de B-17, remanescentes dos 12.731 exemplares fabricados, foram desativados. Como tinham pouca utilidade para operadores civis, foram desmanchados aos milhares e transformados em sucata (ver artigo sobre o Aeroporto de Kingmann, nesse blog). Pode-se dizer que, como bombardeiro estratégico, sua missão terminou em 1945. Mas o B-17 era muito mais que um simples bombardeiro. Muitas dessas aeronaves foram fabricadas, ou convertidas, em aeronaves de reconhecimento, aerofotogrametria, carga e busca e salvamento. Essas versões tiveram uma sobrevida considerável como aeronaves militares depois da Segunda Guerra, especialmente as versões de busca e salvamento (B-17H, depois redenominadas SB-17) como veremos a seguir.

Em 1944, ainda durante a Guerra, foi realizada a Convenção de Chicago, a mais importante convenção de aviação civil até hoje realizada. Reuniu 52 países, inclusive o Brasil, e estabeleceu as bases para a reordenamento da aviação civil em todo o mundo. Como resultado da Convenção de Chicago, em 1947 foi estabelecida a ICAO - International Civil Aviation Organization, a mais importante organização relacionada à aviação civil no mundo.
A Convenção de Chicago estabeleceu diversas responsabilidades aos países signatários, visando a segurança e eficiência das operações da aviação civil, entre as quais estava a  obrigação de cada país manter unidades de salvamento, busca e reconhecimento de longo alcance, dentro da sua área de responsabilidade.

O Brasil, nos termos da Convenção, teria que proporcionar apoio e proteção às aeronaves em emergência que estivessem sobrevoando seu território e o Oceano Atlântico, provenientes ou destinadas à América do Sul.
Isso criou um problema para a Força Aérea Brasileira. Não existiam ainda aeronaves, unidades aéreas, doutrina militar, experiência ou adestramento para essa tarefa. Qualquer aeronave que tivesse dificuldades, ou se acidentasse sobre o Oceano Atlântico, por exemplo, dependeria inteiramente dos navios da Marinha Brasileira para o seu socorro, ou até mesmo de embarcações ou aeronaves privadas.

A FAB iniciou então um processo de adequação, criando uma unidade de busca e salvamento em Belém, utilizando um único avião Consolidated PBYCatalina (FAB 6516). No final de 1950, foi criado o Serviço de Busca e Salvamento Aeronáutico da FAB, vinculado à Diretoria de Rotas Aéreas do Ministério da Aeronáutica.

Um dos maiores problemas encontrados foi a falta de equipamento para tal missão, especialmente os de grande raio de ação. Em 1950, o Governo Brasileiro pediu ajuda à USAF, tentando adquirir aeronaves especializadas Boeing SB-17, para que pudesse atender os requisitos da ICAO. A USAF concordou em ceder seis aeronaves do tipo, sendo que as cinco primeiras chegaram ao Brasil em abril de 1951, na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Integraram o Centro de Treinamento de Qadrimotores - CTQ, uma unidade provisória criada em 24 de janeiro do mesmo ano, com a tarefa exclusiva de formar um grupo inicial de tripulantes e pessoal de terra para a operação dos B-17.
Apenas dois meses depois, em junho de 1951, os SB-17, aqui designados simplesmente como B-17, foram transferidos, junto com o CTQ, para a Base Aérea do Recife, em Pernambuco, onde se dedicariam ao treinamento de missões de busca e salvamento de longo alcance, além de missões de aerofotogrametria.

Durante a fase do CTQ, os aviões eram operados por instrutores americanos, cedidos pela USAF, e seus esquemas de pintura eram basicamente os mesmo da USAF, exceto pelo leme de direção pintado com duas faixas, uma verde e outra amarela. Na verdade, as aeronaves ainda não haviam sido oficialmente incorporadas à FAB, o que ocorreria somente em dezembro de 1953.

Durante a fase do CTQ, ocorreu o primeiro acidente grave dos B-17 brasileiros: em 23 de julho de 1952, um B-17 do CTQ (ainda matriculado como USAF 44-8557) equipado com bote e pilotado por um oficial da USAF, fazia uma demonstração de lançamento do bote sobre o mar, quando se chocou com um North American T-6, (o FAB 1555) que voava em formação com o quadrimotor para fazer a cobertura fotográfica da missão. Ambas as aeronaves caíram no mar, sem sobreviventes.
Em 1º de setembro de 1953, o CTQ realizou a primeira travessia oceânica de uma aeronave militar brasileira, quando um dos B-17 decolou do Recife, pousou em Dakar, no Senegal, e retornou ao Recife, demonstrando assim, pela primeira vez, a capacidade do Brasil em atender ao disposto na Convenção de Chigaco quanto aos serviços de busca e salvamento.

O CTQ foi extinto em 15 de outubro de 1953, sendo substituído pelo 1º Esquadrão do 6º Grupo de Aviação (1º/6º GAV), ainda baseado em Recife. Em dezembro do mesmo ano, as aeronaves finalmente entraram no acervo da FAB, sendo carregadas com as matrículas FAB 5400 a FAB 5404. A aeronave acidentada em 1952 jamais recebeu uma matrícula na FAB.
No final de 1954, a FAB recebeu mais sete aeronaves B-17 da USAF, as quais receberam as matrículas 5405 a 5411, totalizando então 12 aeronaves em serviço. Em 20 de novembro de 1957, o 6º GAV foi reorganizado, compondo dois grupos distintos de B-17: o 1º/6º GAV, que operou as aeronaves de busca e salvamento, e o 2º/6º GAV, que operou os B-17 de reconhecimento, meterologia e aerofotogrametria.

O auge das operações dos B-17 da FAB ocorreu em 1957, com o total de 5.800 horas voadas. Em março desse ano, a FAB utilizou os B-17 para apoiar o Batalhão Suez, uma unidade brasileira a serviço da ONU na Faixa de Gaza, na missão de pacificar a região logo após a Crise de Suez, desencadeada com a nacionalização do Canal de Suez pelo Presidente Gamal Abdel Nasser, do Egito, em 1956. Os B-17 voaram 24 missões ao Oriente Médio, até 1960, levando 50 toneladas de suprimentos e correio até 1960, num total de 2.071 horas de voo.
 
Além das missões de busca e salvamento no litoral, os B-17 realizaram muitas missões semelhantes na região Norte, na Amazônia, então praticamente inacessíveis por terra. Sua enorme autonomia possibilitou o salvamento de muitas vidas nessa região. As aeronaves B-17 de reconhecimento e fotogrametria fizeram os primeiros levantamentos topográficos da região amazônica durante os anos 50 e 60. 
Os B-17 revelaram-se aeronaves confiáveis e seguras durante a primeira metade dos anos 1960, mas a partir de 1965, começaram a aparecer os primeiros sinais de obsolescência e cansaço. Até então, além do B-17 acidentado na colisão em 1952, a FAB tinha perdido duas aeronaves em acidentes, um em Belém, em 08 de agosto de 1959, e outra em Recife, em 1962. Em 1965, o FAB 5410 acidentou-se no Recife, reduzindo o efetivo da frota para nove aeronaves, nem todas operacionais, pois algumas já estavam sendo canibalizadas para manter os outros em voo.

O PAMA/SP (Parque de Material Aeronáutico de São Paulo), responsável pela manutenção dos B-17, começou o processo de canibalização dos aviões em pior estado para manter os outros voando. Os primeiros B-17 desativados foram os FAB 5406, em 17 de maio de 1966, e o FAB 5409, em 21 de novembro do mesmo ano. Serviram como fonte de peças de reposição aos demais. Em 1967, os B-17 ainda voaram cerca de 3.260 horas, mas as condições de manutenção estavam ficando críticas, com mais aviões no solo servindo como doadores de peças para os que estavam em voo, como os FAB 5403, descarregado do inventário em 13 de março de 1967, e o FAB 5407, descarregado em 29 de setembro do mesmo ano.
Em 1968, o número de aeronaves operacionais, apenas duas, chegou a um ponto crítico, determinando o fim das atividades do B-17 na Força Aérea Brasileira. Nesse ano, a FAB ainda conseguiu voar, a duras penas, 1.965 horas com os B-17, mas o fim estava próximo. Pouco depois do começo do ano de 1969, nenhum B-17 voava mais. Em 07 de novembro de 1969, a FAB descarregou o FAB 5408, seguido rapidamente pelo FAB 5411, no dia 20 de novembro. Apenas 105 horas foram voadas pelos dois aviões no decorrer de 1969. Ainda em 1968, em 5 de outubro, a FAB tinha doado o FAB 5400, ainda em condições de voo, para o Museu da USAF.
De fato, quando a FAB descarregou o FAB 5411, em 20 de novembro de 1969, encerrou-se a longa carreira dos B-17 militares no mundo., que durou, portanto, 31 anos, desde a entrada em serviço ativo do primeiro, em abril de 1938, no USAAC. Alguns poucos B-17 civis ainda ficaram ativos, nas mãos de organizações de entusiastas da aviação, bombeiros florestais ou em transporte de carga no Altiplano Boliviano.

De todos os 13 B-17 operados pela FAB, em quase 19 anos, quatro perderam-se em acidentes, os FAB 5404, FAB 5405 e FAB 5409, além do USAF 44-85579, que nunca recebeu uma matrícula na FAB. Seis serviram como fonte de peças aos demais, sendo posteriormente desmanchados, os FAB 5401, FAB 5403, FAB 5406, FAB 5407, FAB 5409 e FAB 5411.

Sobrevivem até hoje, portanto, apenas três, dos treze aviões. São eles:

FAB 5400: essa aeronave Boeing B-17G-90-DL, fabricada pela Douglas, c/n 33204, Ex-USAF 44-83663, entrou em serviço na USAAF em 1º de maio de 1945. Ainda estava em condições de voo quando foi doada ao USAF Museum, em 5 de outubro de 1968. O USAF Museum considerou a aeronave excedente, pois já tinha muitas aeronaves do tipo, e cedeu o avião para uma organização privada, a Yesterday Air Force, onde o B-17 recebeu a matrícula civil N47780. Voou muitos anos até ser desativada, mas permanece em exposição estática em Hill AFB, em Ogden, Utah, USA, nas cores da USAAF  da Segunda Guerra e batizado de "Short Bier" (foto abaixo);
FAB 5408: essa aeronave Boeing B-17G-95-DL, c/n 32359, ex-USAF 44-83718A, fabricada pela Douglas, ficou estocada por três anos em Recife, após ser desativada, e depois foi transferida para a Base Aérea de Natal. A Base Aérea de Natal colocou o avião em exposição estática no Aeroclube do Rio Grande do Norte no dia do Aviador, 23 de outubro de 1972, com grande festa. Infelizmente, sem conservação adequada, a aeronave deteriorou-se muito, e acabou transferida para o Museu Aeroespacial - MUSAL, em 1980. A aeronave foi desmontada e transportada para o Rio de Janeiro, sendo as partes maiores, fuselagem e asas, levadas pelo navio Soares Dutra, e as menores, como partes da empenagem e motores, por caminhão. As partes que vieram por navio ficaram bastante danificadas no transporte, e chegaram ao MUSAL em 29 de dezembro de 1980. Foram estocadas no hangar de restauração do MUSAL por muitos anos, e alguns trabalhos de recuperação chegaram a ser feitos nesse tempo, até meados da década de 2000. Com a reorganização e remodelação do hangar de restauração do MUSAL, o avião foi retirado de seu interior e armazenado ao ar livre, protegido das intempéries por lonas plásticas, e assim se encontra até hoje, dezembro de 2010. Não existe previsão para a conclusão dos serviços de restauração desse avião, por falta de recursos financeiros (foto abaixo);
FAB 5402: essa aeronave Boeing B-17G-95-VE, c/n 8492, ex-USAF 44-8558, fabricada pela Vega (Lockheed), depois de retirada de serviço, foi designada para ficar em exposição estática na sua própria base, em Recife, onde se encontra até hoje, nas cores e configuração originais do SAR. Embora esteja ao ar livre, é cuidadosamente preservada pelo pessoal da base e é a única aeronave do seu tipo preservada no esquema e configuração pelos quais operou na FAB, pelo menos até uma futura restauração do FAB 5408 do MUSAL. É o único avião B-17 atualmente exposto no Brasil.

Na FAB, os B-17 foram substituídos pelos Lockheed RC-130E Hércules. O 2º/6º GAV foi desativado e seu pessoal e equipamento foi transferido para o 2º ETA - Esquadrão de Transporte Aéreo. O 1º/6º GAV opera até hoje com os RC-130, na mesma missão original dos velhos B-17, que deixaram saudades na Força Aérea.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Telefone celular em aeronaves: por que é proibido?

Na última década, o mundo assistiu a um assombroso crescimento do uso da telefonia celular, e em alguns países, o número de aparelhos superou o número de habitantes. Mesmo no Brasil, isso já está bem perto de acontecer.
 Naturalmente, o usuário de um aparelho celular aprecia a comodidade de poder se comunicar em praticamente qualquer lugar ou mesmo em deslocamento. Claro que as regras da boa educação devem ser obedecidas, e o usuário não deve usar, ou mesmo deixar ligado o aparelho, durante cultos religiosos, cerimônias, palestras ou aulas.

Uma restrição de uso do aparelho, entretanto, costuma irritar os usuários: a proibição de se falar ao celular a bordo de aeronaves em voo. Em geral, o passageiro de uma aeronave comercial necessita ou deseja se comunicar com alguém durante o voo, como pessoas que o esperam no aeroporto, casa ou empresa, locadoras de veículos, hotéis ou restaurantes.

Em geral, a proibição do uso do celular a bordo irrita as pessoas, especialmente porque elas não tem a menor idéia do motivo que leva à essa proibição.

Pela atual legislação brasileira, o uso do telefone celular é proibido em todas as fases do voo e também no pátio do aeroporto, no trajeto entre as salas de embarque/desembarque e a aeronave, sendo todavia permitido a bordo do avião quando o mesmo está no solo, com as portas abertas e os motores desligados.
Para se entender a proibição do uso do celular a bordo, é preciso entender primeiro o que é um telefone celular. Ele nada mais é do que um sofisticado aparelho de rádio, que recebe e transmite ondas eletromagnéticas de e para antenas no solo, cada uma delas capaz de receber e retransmitir sinais, com alcance limitado a uma determinada área, denominada célula, daí o nome de telefone celular (em Portugal, chama-se telemóvel).

As ondas eletromagnéticas recebidas e transmitidas pelos aparelhos estão em diversas faixas de frequência, na banda denominada UHF (Ultra High Frequency - Frequências Ultra Altas), mais precisamente nas frequências de 415 MHz, 900 MHz e 1,8 GHz, com pequenas variaçãoes entre as diversas regiões do mundo, isso para o sistema digital.

Mesmo em modo de espera (stand-by), os aparelhos se comunicam  frequentemente  e automaticamente com as antenas de terra, para manter o contato com a rede. A potência de transmissão do aparelho varia automaticamente com a distância entre o telefone celular e a antena de terra. Pode variar entre 20 miliwatts até 3 watts. Quanto mais distante a antena, mais potência é requerida para que a comunicação seja estabelecida e mantida.
 
Isso pode ser facilmente percebido por qualquer usuário de telefone celular. Quando o mesmo é utilizado dentro da área urbana, próximo das antenas, a bateria dura muito mais tempo, pois uma potência muito baixa é exigida para estabelecer a comunicação com uma antena. Mas quando o celular é utilizado em uma viagem, por exemplo, a bateria esgota sua carga rapidamente, pois o aparelho tem que transmitir com maior potência para estabelecer contato com uma antena mais distante.

A possibilidade de uma onda eletromagnética transmitida por um celular interferir em algum sistema do avião é tanto maior quanto maior for a potência do sinal, e aí é que pode ocorrer algum problema, pois um avião em voo quase sempre estará muito distante das antenas. Na maior parte das vezes, na verdade, estará fora do alcance das mesmas. Mesmo assim, um aparelho em stand-by emitirá sinais continuamente, na máxima potência possível, tentando encontrar uma antena, pois foi projetado para isso.

Outra questão importante refere-se ás frequências utilizadas pelos sistemas de telefonia celular e a transmissão de dados, tanto por ondas eletromagnéticas tanto por cabos, dentro de uma aeronave ou entre a aeronave e o solo. Obviamente, a faixa de frequências utilizada nos celulares não é a mesma utilizada para transmitir dados entre os computadores do avião ou para os seus sistemas de navegação.

Teoricamente, não deveria haver interferência, pois os sinais são transmitidos em frequências precisas e devidamente autorizadas e certificadas. Na prática, porém, as coisas são muito diferentes, devido à existências das ondas harmônicas. Uma onda harmônica é gerada em frequências que são múltiplos inteiros da frequência fundamental. Ou seja, um aparelho que transmita uma onda eletromagnética de 20 KHz também vai transmitir ondas harmônicas de 40 KHz, 60 KHz, e assim por diante, embora mais fracas que a onda da frequência fundamental.

Eventualmente, a frequência de uma dessas ondas harmônicas pode coincidir com um sinal de rádio comunicação ou rádio-navegação do avião, causando interferência ou fading do sinal, tendo o resultado prático de perturbar a comunicação ou causar erros na navegação, o que pode ter um efeito potenciamente desastroso.

A interferência não está restrita às ondas eletromagnéticas que viajam pelo ar. Um cabo lógico utilizado para comunicação entre diversos sistemas da aeronave pode funcionar como uma antena, captando uma onda eletromagnética de um celular ou suas harmônicas,  interferindo na informação conduzida por esse cabo.
Se pensarmos que grande parte das aeronaves atualmente fabricadas possuem comandos de voo primários operados por computador e cabos lógicos, fica evidente a extensão dos problemas que um aparentemente inocente celular pode, potencialmente, causar em um avião.

É claro que o engenheiro aeronáutico pensou nisso, ao projetar os sistemas eletrônicos de uma aeronave. Pode-se isolar um cabo lógico através de uma blindagem, devidamente aterrada, que consiste na prática em encapar os fios com uma malha metálica ou embutí-los em um tubo  metálico. Mas isso não exclui totalmente a possibilidade de interferência. Para comprovar isso, basta fazer uma experiência muito simples: liguem as caixas de som de um computador doméstico, coloquem um arquivo *.mp3, por exemplo, para tocar, e coloquem um aparelho celular ao lado do computador. Liguem para o celular e vejam o que acontece.

Os cabos de computador também possuem blindagem, como os cabos usados em aeronaves. Mas haverá interferência na reprodução do som, na forma de um ruído irritante, em grande parte dos casos.

Então, existe a possibilidade, não tão remota, de um aparelho celular interferir não somente nos sinais de rádio comunicação e navegação transmitidos ou recebidos pelas aeronaves, mas também nas informações transmitidas por cabeamento entre os diversos sistemas do avião. Nas aeronaves com comandos fly-by-wire, hoje muito comuns, não se pode descartar inclusive a possibilidade de interferência direta nos comandos de voo por um telefone celular.

Em testes conduzidos pelos fabricantes de aeronaves e de aviônicos, já se verificou diversos problemas, como desconexão acidental do piloto automático, congelamento da bússola ou diferença considerável na indicação da proa magnética, erros de até 5 graus na indicação do curso em equipamento de VOR, instabilidade do CDI tanto no modo VOR quanto no modo ILS (com e sem indicação da bandeira de inoperabilidade), indicação invertida da bandeira TO-FROM (eliminador de ambiguidade), redução da sensibilidade do Localizador do ILS e ruído de fundo nas comunicações por rádio ou intercomunicador interno. Os problemas acima foram detectados e comprovados pela Boeing, utilizando-se um celular operando em potência máxima a 30 cm do aparelho em teste.

Testes em condição de voo ou situações mais realistas são difíceis de conduzir, pois é difícil que um aparelho emita as mesmas ondas harmônicas em todas as situações. Ademais, nos testes em terra, geralmente existem antenas de celular próximas, fazendo o aparelho transmitir em potência muito baixa e com baixo risco de interferência.

Até hoje, não se conhece nenhum acidente que, comprovadamente, tenha sido causado por interferência eletrônica de aparelhos celulares, embora haja um bastante suspeito: em 11 de dezembro de 1998, um Airbus A310, operando o voo 261 da Thai Airways, da Tailândia, caiu quando tentava pousar, pela terceira vez, no aeroporto de Surat Thani, Bangkok. A grande quantidade de aparelhos celulares encontrados nos destroços, muitos ainda ligados, levaram à suspeita de que os aparelhos estivessem sendo usados pelos passageiros para avisar seus familiares que o voo estava atrasado.

Os fabricantes de aeronaves e de sistemas eletrônicos estão, obviamente, atentos a essa vulnerabilidade dos sistemas à interferência eletrônica. Diariamente, técnicos e engenheiros testam os sistemas com todos os tipos possíveis de aparelhos celulares, para excluir qualquer possibilidade de interferência. Em alguns países e algumas empresas, já foi possível liberar total ou parcialmente o uso de celular, depois de se descartar qualquer possibilidade de interferência em testes exaustivos.

No Brasil, a TAM já liberou o uso do celular em alguns voos. Para evitar a frustração do passageiro, cujo celular não vai conseguir achar uma antena de solo na maior parte do voo, a TAM equipou uma aeronave Airbus A321 com uma antena retransmissora, o que o torna, na prática, uma "célula". Essa antena, por sua vez, se comunica com a rede de satélites Inmarsat SwiftBroadband, que por sua vez a retransmite para a rede de celulares em terra. O sistema permite que até 8 passageiros falem ao celular ao mesmo tempo. Também estão disponíveis serviços de Internet pela rede GPRS ou enviar mensagens SMS, sem limitação de uso simultâneo de aparelhos.
Os celulares operarão em regime de Roaming internacional, e a tarifa será cobrada pela operadora de celular do usuário de acordo com as suas tabelas normais. O serviço foi certificado pela ANAC e pela ANATEL, e não interfere em sistemas do avião, pois como a antena está localizada na própria aeronave, os celulares transmitem em potência baixa  demais para causar problemas.
Futuramente, após o período de experiência com esse único A321, outras aeronaves da TAM deverão ser equipadas com o sistema. É de se esperar que outras empresas sigam o exemplo e passem a equipar suas aeronaves com sistemas semelhantes.

Enquanto o sistema de telefonia celular não é liberado nos aviões, o que poderá ocorrer em breve, o passageiro deve se abster do seu uso durante o voo. Caso desobedeça à proibição, poderá, a critério do comandante da aeronave, ser denunciado às autoridades aeronáuticas e civis, podendo ser inclusive acusado de afetar a segurança de voo e ser desembarcado compulsoriamente na primeira escala, sem prejuízo das sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Viação Aérea Arco-Íris: a primeira companhia aérea em Londrina

Em 1945, com o final da Segunda Guerra Mundial e do Governo Getúlio Vargas, também chegava ao fim um período de grandes provações, racionamento e autoritarismo político. Em todo o mundo, os anos que se seguiram à Segunda Guerra foram de esperança, reconstrução, otimismo e progresso.
A aviação comercial já deixara a sua infância, e entrava em um período de prosperidade e profissionalismo. No Brasil, país de dimensões continentais, era uma interessante e prática opção para se alcançar o interior, então em ascenção econômica, mas servido por uma fraquíssima infraestrutura de transportes.

A região Norte do Paraná, nessa época, ainda era esparsamente povoada, mas o trabalho de colonização empreendido pela empresa inglesa Companhia de Terras Norte do Paraná - CTNP, loteou as áreas urbanas e rurais, com a finalidade específica de cultivar café, então o maior produto de exportação brasileiro.

Com a Guerra, os ingleses venderam todos os seus interesses na região, para se concentrar na defesa do seu país, mas o progresso continuou a passos largos, e a região começou a gerar uma riqueza considerável com o cultivo do café. A região tornou-se um "Eldorado" para milhares de agricultores, comerciantes, aventureiros e até mesmo malfeitores, gerando a necessidade de um meio de transporte que ligasse a região aos grandes centros urbanos, particularmente São Paulo.

O epicentro da colonização do Norte do Paraná foiLondrina. Fundada entre 1929 e 1930, ganhou status de Município em 10 de dezembro de 1934, e seu crescimento foi tamanho que, no final de 1938, ganhou um aeroporto, aberto em uma área cedida pelos irmãos Edson e Mábio Palhano, próximo ao atual Patrimônio Espírito Santo, local hoje denominado Aviação Velha, já que o aeroporto foi substituído em 1953 pelo atual aeroporto de Londrina.

O Aeroporto serviu inicialmente a pequenos aviões particulares e táxis-aéreos, além de basear o aeroclube local, mas com o início da Guerra, em agosto de 1942, o racionamento de gasolina e as demais dificuldades, ficou praticamente em estado de abandono, pelo menos até o final de 1945.

A riqueza gerada na região chamou a atenção de uma pequena empresa aérea, a Viação Aérea Arco-Íris S/A - VAA, baseada no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Essa empresa começou a operar em 12 de julho de 1946, e servia inicialmente uma linha que ligava São Paulo às cidades paulistas de Ourinhos, Assis e Presidente Prudente.
Ao contrário de inúmeras empresas aéreas surgidas nessa época, que estavam comprando aeronaves Douglas C-47 e DC-3 usadas na Guerra e colocadas  à venda pelos americanos como "War Surplus" (sobras de guerra"), a VAA adquiriu seis aeronaves britânicas De Havilland DH-89A Dragon Rapide.

Os seis aviões foram matriculados como PP-AIA, PP-AIB, PP-AIC, PP-AID, PP-AIE e PP-AIF. Os Dragon Rapide eram biplanos bimotores, capazes de transportar  de 6 a 8 passageiros em linhas curtas, além de um ou dois tripulantes.

Embora os Dragon Rapide fossem aeronaves bem sucedidas nos anos 30 e durante a Guerra, já eram tecnicamente obsoletos em 1946. Construídos em grande parte de madeira, e equipados com motores Gipsy Six de 200 HP, ofereciam pouco conforto aos passageiros, que se sentavam em cadeiras de vime, bem ao estilo colonial inglês. Não havia divisão entre o cockpit e a cabine de passageiros. O avião tinha um desempenho surpreendente,  pois podia voar em velocidades de até 210 Km/h, tornando as viagens muito rápidas, se comparado com o trem, que podia levar até 24 horas para ir de Londrina a São Paulo, com baldeação em Ourinhos, ou com os ônibus, ainda mais demorados, devido às péssimas condições das rodovias.
A VAA foi, ainda em 1946, a primeira empresa aérea a operar no Aeroporto de Londrina, constituindo na verdade uma extensão dos voos para o oeste paulista. Era uma opção interessante para os passageiros que precisavam ir a São Paulo ou às outras cidades servidas pela empresa, mas a pequena capacidade dos aviões estava aquém da demanda pelo serviço.

A operação dos Dragon era muito tosca, não havia serviço de bordo e o atendimento em terra era extremamente precário. Segundo o site "Pioneiros do Ar" (http://www.pioneirosdoar.com.br/), um dos comandantes da empresa costumava  levar uma espingarda e seu cachorro perdigueiro a bordo, que auxiliava o dono em caçadas de codornas em pleno aeroporto de Ourinhos, uma das escalas do avião.

A empresa, na verdade, tinha pequena capacidade de investimento, e bem cedo os problemas começaram a se revelar. Logo após o início das operações, o Dragon Rapide PP-AID perdeu-se em uma trágico acidente em Congonhas. Ainda segundo o site "Pioneiros do Ar", um dos passageiros desse avião sobreviveu ao desastre, pois caiu da aeronave quando se encontrava na porta da mesma, antecipando o pouso. A porta abriu-se em uma rajada de vento que pegou o avião, e o passageiro caiu em um dos eucaliptos que então margeavam a Avenida Indianópolis, saindo praticamente ileso. A única reclamação que fez à VAA foi a perda do seu chapéu. O acidente foi atribuído à forte rajada de vento pouco antes do pouso em Congonhas. A aeronave capotou e incendiou-se imediatamente, vitimando fatalmente seus ocupantes.

O ano de 1946 ainda não havia acabado quando, na véspera de Natal, 24 de de dezembro de 1946, um segundo Dragon Rapide, o PP-AIB, acidentou-se, com perda total, em Fartura/SP. Embora a VAA tenha adquirido um sétimo DH-89A, matriculado PP-AIG, perdeu um terceiro avião em Araranguá/SC, o PP-AIE, em 31 de outubro de 1948.

Por volta dessa época, a VAA estava tentando operar para a região sul do país, mas a situação ficava cada vez mais difícil, pois dezenas de empresas, operando DC-3 bem mais espaçosos e confortáveis, já estavam atuando no mercado.

Por fim, os proprietários da VAA venderam a empresa para um grupo de empresários de Caxias do Sul/RS, que passou a ser a sede da empresa. As operações a partir de São Paulo foram encerradas, mas a empresa não conseguiu deslanchar no Sul, premida pela feroz concorrência oferecida pela Varig, já então uma poderosa empresa, e que dominava o mercado de transporte aéreo no Rio Grande do Sul. Os proprietários tentaram capitalizar a empresa por meio de uma subscrição pública de ações, mas houve pouco interesse dos investidores.

Praticamente sem condições de continuar operando, a VAA teve suas linhas cassadas em junho de 1950. Os quatro aviões remanescentes foram vendidos, encerrando-se assim a curta vida da empresa.
O Aeroporto de Londrina não ficou sem transporte aéreo regular, com o encerramento dos voos da VAA. Em 1948, a REAL inaugurou uma linha regular para Londrina, utilizando aeronaves Douglas DC-3. O voo inaugural foi comandado pelo Comandante Linneu Gomes, então presidente da empresa. A REAL permaneceu como a principal operadora de voos regulares em Londrina até a sua incorporação pela Varig, em agosto de 1961.