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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Quanto tempo dura um avião comercial?

Responder à essa pergunta não é simples. Sendo uma máquina muito cara, obviamente uma aeronave deve durar muito tempo, para dar o melhor retorno financeiro possível ao seu operador. Todavia, ao final de muitos anos, ou algumas décadas, o seu fim, certamente, chegará.
Aeronaves retiradas de serviço sendo desmontados em Marana, Arizona
O fabricante de uma aeronave, desde a fase de projeto, estima um limite de vida útil de suas aeronaves. Vários ítens, como estruturas, segurança, economia e exigências legais, influem na determinação da durabilidade de uma aeronave comercial.

A durabilidade da estrutura da aeronave é um fator fundamental para se estabelecer a sua vida útil. Uma aeronave sofre muitos tipos de esforços quando está em operação: pousos, turbulências, acelerações (fator carga), pressurização e despressurização, manobras, e outros.
A estrutura é feita para suportar tais esforços, mas não vai poder suportá-los para sempre, há um limite prático para isso.
Após décadas de uso, o desmonte
Os engenheiro que projetam uma aeronave sabem que tipo de operação a aeronave vai fazer, as características do material de que é construída, os esforços que vai sofrer e podem estimar quanto tempo a aeronave pode voar sem sofrer reparos maiores. Mas os engenheiros sabem também que nenhuma máquina dura eternamente, e que vai chegar a um ponto no qual os reparos serão, tecnicamente ou economicamente, inviáveis.
Velha fuselagem repleta de reforços estruturais
A estrutura de uma aeronave sofre danos, durante o uso, que comprometem seu desempenho e segurança com o decorrer do tempo. Entre os principais problemas que afetam as estruturas, dois merecem destaque especial, a fadiga de material e a corrosão.

A fadiga é um processo físico, decorrente de esforços repetitivos no material. Se uma pessoa pegar um pedaço de arame de aço, por exemplo, e dobrá-lo repetidas vezes, ele vai se quebrar. O mesmo pode acontecer com todas as peças metálicas e algumas não metálicas dos aviões.
Dano típico em um componente causado por fadiga
As partes estruturais de um avião mais sujeitas à fadiga são as longarinas das asas, as estruturas de apoio dos trens de pouso e as fuselagens pressurizadas.
Linha das janelas reforçada por chapas sobrepostas em um Boeing 737
As longarinas das asas são um ótimo exemplo do efeito de fadiga de material, já que, enquanto o avião está voando, as asas sustentam o peso do avião, e enquanto o avião está no solo, é o avião que sustenta o peso das suas asas. São esforços de flexão em sentidos opostos, que se repetem a cada voo que o avião faz. Como as peças que suportam esses esforços da asa são as longarinas, elas estão sujeitas à fadiga depois  de um certo tempo de operação.
Lockheed C130 perdendo as asas por falha das longarinas
Embora o tempo no qual a fadiga das longarinas ocorre seja previsto pelos engenheiros, às vezes ocorre falha prematura, e com resultados catastróficos. Falhas prematuras ocorrem geralmente por carga excessiva, ultrapassagem de limites operacionais de velocidade ou manobra e operação em condições não previstas pelos fabricantes, mas podem ocorrer também em condições normais de voo, por erro dos projetistas ou por deficências de material.
Um grande reforço estrutural, logo abaixo da porta
Substituição ou reparo de longarinas afetadas por fadiga são procedimentos extremamente dispendiosos, e muito raramente são viáveis economicamente, o que condena a célula inteira para o uso e força a retirada definitiva de serviço da aeronave.

A fadiga nas fuselagens pressurizadas ocorre com muita frequência, pois uma aeronave comercial é pressurizada e despressurizada a cada voo, causando esforços em milhares de peças que compõem a fuselagem. É natural que ocorra fadiga, especialmente em aeronaves de voo doméstico ou regional, que pousam e decolam várias vezes no mesmo dia.
Reforço estrutural sendo aplicado em uma aeronave
A fadiga na fuselagem causada pela pressurização é tão relevante que as aeronaves comerciais possuem limites de operação por ciclos de voo, e não por horas de operação. Cada ciclo corresponde a uma decolagem, um voo e um pouso, correspondendo a uma pressurização e a uma despressurização da cabine. 
DC-10 sendo desmontado. Reparem nos reforços aplicados ao longo do tempo
Uma aeronave de porte médio, como um Boeing 737 ou um Airbus A320, por exemplo, terá um número de ciclos muito mais próximo ao número de horas de voo do que um jato grande, como um Boeing 747, que faz voos de muitas horas em rotas internacionais. Teoricamente, a fadiga por pressurização deveria ser muito maior nas aeronaves de porte médio mas, como as deformações na fuselagem, resultantes da pressurização na cabine, são maiores nas aeronaves de grande porte, essas sofrem mais fadiga por ciclo que uma de porte médio.
reforços estruturais aplicados em grande quantidade em uma aeronave Boeing 737-300
Como, em geral, cada ciclo corresponde a um pouso completo, a fadiga nas estruturas que suportam os trens de pouso também é maior nas aeronaves de porte médio. Por isso, os projetistas colocam estruturas reforçadas nesse tipo de aeronave, para evitar que danos de reparo dispendioso encurtem a vida útil do avião.
Chapa de alumínio totalmente contaminada pela corrosão
Além da fadiga de material, outro grande fator limitador da vida útil do avião é a corrosão. A corrosão é um processo químico que afeta especialmente as estruturas metálicas, mas que pode atingir qualquer tipo de material, incluindo composites, plásticos, borrachas e equipamentos eletrônicos.

Corrosão intergranular em uma peça de aço inoxidável
A corrosão dos metais é a transformação desses em outros compostos, em geral óxidos, por exposição direta ao ar ou por processos eletroquímicos ou eletrolíticos. Essa transformação degrada os metais e suas ligas e diminuem drasticamente a sua resistência mecânica.
Corrosão intergranular em uma liga de alumínio
Embora as superfícies metálicas dos aviões sejam protegidas por pintura, anodização ou  produtos químicos, com a passagem do tempo essa proteção perde a eficiência e as estruturas podem sofrer corrosão, comprometendo a sua vida útil. Como ligas de alumínio podem sofrer corrosão em sua estrutura molecular interna, a chamada corrosão intergranular, o risco de ocorrer falhas catastróficas é grande em aeronaves mais antigas e/ou expostas a condições adversas, como atmosfera salina e úmida, por exemplo.

A corrosão intergranular, uma das formas mais destrutivas de corrosão, não é exclusiva das ligas de alumínio, pois ocorre também com o ferro e o aço, inclusive o aço inoxidável.
Resgate dos passageiros do Boeing 737 da Aloha
Um exemplo clássico de acidente relacionado tanto com a fadiga quanto com a corrosão foi o ocorrido com o Boeing 737-200 matriculado N73711, que fazia o voo 243 da Aloha Airlines em 28 de abril de 1988. Essa aeronave perdeu grande parte da fuselagem, na parte dianteira da cabine de passageiros. Apesar do grande dano, os pilotos conseguiram pousar a aeronave no Aeroporto de Kahului, no Havaí. O nariz baixou 5 graus, os cabos de comando ficaram quase travados, mas o pouso foi bem sucedido. Uma comissária, Clarabelle Lansing, estava recolhendo o serviço de bordo e acabou sendo sugada para fora do avião. Foi a única vítima fatal, mas 65 passageiros acabaram sofrendo ferimentos médios e leves.
O pesado dano no Boeing 737 da Aloha
O Boeing da Aloha foi sucateado. A falha fatal foi consequência tanto da corrosão marítima quanto da fadiga. O avião tinha nada menos que 89 mil ciclos, voados em geral a baixa altura acima do oceano no arquipélago do Havaí, uma atmosfera altamente salina e corrosiva. Foi uma combinação fatal, mas que deixou grandes ensinamentos.

Quando uma aeronave vai ficando mais velha, torna-se necessário executar custosas e demoradas inspeções e reparos nas partes danificadas. É usual reforçar o revestimento da fuselagem, por exemplo, com chapas sobrepostas às chapas danificadas, o que resolve o problema, mas cria outro, pois acrescenta mais peso ao avião.

Aeronaves muito antigas podem ter sua capacidade de carga e de passageiros reduzida, devido ao peso dos reforços estruturais e reparos introduzidos na estrutura, ao longo da sua vida útil.
Grande número de reforços em um Boeing 747 desativado, hoje em um museu
O resultado prático do envelhecimento do avião é o custo cada vez mais alto de manutenção e a disponibilidade para o voo cada vez menor. Embora isso possa ser parcialmente compensado por preços de aquisição ou de leasing menores, chegará certamente a hora em que a empresa não mais conseguirá manter a aeronave em operação.

Exigências legais e ambientais também podem trazer problemas para manter aeronaves antigas em voo, assim como Diretrizes de Aeronavegabilidade (AD - Airworthiness Directives) emitidas pelos fabricantes. Se o custo de se modificar ou reparar a aeronave, para que a mesma se adeque aos requisitos legais ou para cumprir  ADs, for muito elevado, certamente compensará mais desmontá-la para aproveitamento de componentes ou vendê-la como sucata.

Uma preocupação adicional com as velhas aeronaves veio com o acidente do voo TWA 800. Essa aeronave era um velho Boeing 747, que explodiu no ar após decolar de Nova York, sem qualquer aviso, em 1996. O acidente foi causado pela explosão do tanque central, que estava quase sem combustível. O tanque, superaquecido pelas packs do sistema pneumático, estava repleto de vapor altamente inflamável, e uma faísca elétrica, resultante de cabos com isolamento corroído, provocou uma explosão catastrófica. Verificou-se, depois, que poderiam haver de 220 a 2.000 fissuras nos cabos elétricos de uma aeronave tão antiga quanto o 747 da TWA, que tinha 26 anos de operação. Isso era devido à corrosão do revestimento dos cabos.
Fuselagem do Boeing 747 da TWA, reconstruída depois do acidente, durante as investigações
O acidente do voo TWA 800 provocou imediata reação das autoridades, fabricantes e operadores de aeronaves, que passaram a considerar o cabeamento elétrico com mais atençao, em seus programas de manutenção dos chamados "jatos geriátricos".

Com o crescente desenvolvimento de motores mais econômicos e mais silenciosos, equipamentos eletrônicos de navegação, comunicação e gerenciamento de voo mais avançados, torna-se vantajoso para a maioria das empresas substituir as aeronaves mais antigas, exceto se a capacidade financeira da empresa não puder suportar os custos de aquisição ou leasing mais altos de uma aeronave nova.

Passageiros geralmente não gostam de voar em aeronaves antigas, e o destino de muitos aviões bem voados é ser convertido para levar carga. Voos de carga são rentáveis e  não sofrem tantos prejuízos por atrasos e cancelamentos quanto os voos de passageiros.
Airbus A300 sendo convertido em cargueiro. Notem os reforços aplicados na fuselagem, em verde
A retirada de serviço e o desmonte da aeronave pode ocorrer prematuramente. O principal motivo para isso é o alto valor dos motores e outros componentes que, se retirados da aeronave e vendidos, podem render mais do que o valor da aeronave inteira. Uma aeronave Boeing 777-200, que voou pela British Airways como G-ZZZE e pela Varig como PP-VRD, foi desmontada em 2007, em Walnut Ridge, Arkansas, USA, pois era de um modelo de curto alcance, com mercado restrito, e que valia mais em componentes do que inteira. Tinha apenas 11 anos de uso quando foi desmontada.
Fuselagem do primeiro Boeing 777 a ser desmontado, em Walnut Ridge, Arkansas
A retirada prematura de serviço de aviões comerciais pode acontecer também em razão de evoluções tecnológicas. Um exemplo bem claro disso aconteceu no início da década de 1960, quando os grandes aviões a pistão de voo internacional, como os Lockheed Super Constellation e Douglas DC-7, foram substituídos pelos jatos. Grandes demais para serem utilizados como aviões domésticos, tiveram vida útil extremamente curta, de cinco anos ou até menos.

Em geral, a vida útil prevista para uma aeronave construída hoje é de cerca de 30 anos. É bem maior que a prevista para aeronaves mais antigas, e pode ser prorrogada no futuro. Afinal, algumas aeronaves antigas tiveram uma sobrevida muito longa, durando muito mais tempo que o previsto pelos projetistas. São exemplos de aeronaves longevas os Boeing 707, 727 e 737, e os Douglas DC-8. Alguns exemplares já passam dos 40 anos de uso e ainda permanecem em serviço.

33 comentários:

  1. Prof. Jonas,

    na minha singela opinião, uma das melhores postagens do blog.
    Parabéns mais uma vez!!!!

    Só uma constatação:
    Acho que os "dois-sete" da Total não seguem muito o padrão de tempo de envelhecimento das aeronaves, né!? hehehehehehe

    Abç mestre,
    Heinz Burda Filho

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  2. Obrigado, Heinz. Acho que a tendência dos artigos é melhorar de qualidade, ja que estou aprendendo mais, hahaha. Já fico meio constrangido quando leio meus artigos mais antigos, parecem meio toscos.

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  3. Sou mais um curioso sobre a aviação em geral e seu blog é uma fonte de conhecimento que sou obrigado a visitar praticamente diariamente na busca de um novo texto!
    Fantástico!!

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  4. Grande professor Jonas, enciclopédia aeronáutica.. Muito bom seu tópico, já li, mas estava com pressa no dia, não deu pra comentar e hoje voltei para ver se tinha alguma postagem nova, aí aproveitando para dar os parabéns... Esse blog não pode parar..

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  5. Excelente, muito bem escrito e explicado!

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  6. Deu uma passeada geral nas informações sobre aviação. Muito bom. Erudição aeronáutica é isso aí, professor.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Parabéns ótimo artigo!!! http://www.tecnosaber.com.br/

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. parabéns pelo blog minhas duvidas foram
    respondidas!!!

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  11. E muito gratificante seu artigos bem escritos e fácil de entender sem usar termos e jargão da aviação que para os leigos e inútil.

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  12. FAÇO INSTRUÇÃO DE PPA EM UM T-23 DE MAIS DE 50 ANOS. 160 HP DE POTÊNCIA. É UM TOURINHO VOADOR. ACABA DE SAIR DA REVISÃO DE 7.000 HRS. PELO JEITO VAI LONGE.

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    1. Adoro ler isso, que alguém ainda voa as velhas máquinas, e que nutre um apreço e um amor por elas. Sou louco pra voar em T-23, T-6, PT-19... Te considero um privilegiado em voar um Uirapuru... Meus parabéns.

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  13. Muito obrigado por compartilhar conosco este conteúdo. Ficou excelente, parabéns!

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  14. BOA!!!
    Obrigado professor são informações muito úteis onde aqueles que amam a aviação fica com sua mente atenta. Parabéns forte abraço. E me adiciona na sua pagina.

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  15. Excelente materia coloca muito jornalista no bolso fácil.

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  16. Muito boa essa matéria mesmo, agora mais coisas sobre aviação aprendi. Ótimo!

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  17. BELA MATÉRIA E MUITO INTERESSANTE.PARABENS PROFESSOR JONAS.

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  18. obrigado Professor Jonas!
    A matéria é muito interessante e fantástica. Não sabia nada sobre aviões, continue assim,municiando-nos com conhecimentos tecnológicos.

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  19. Mesmo que os materiais compósitos não sejam, de fato, invulneráveis à corrosão ou à fadiga, tem se mostrado promissores nas novas gerações de aeronaves. A dificuldade no momento é diagnosticar a fadiga e definir quais métodos de reparo seriam aplicáveis numa fuselagem de fibra de carbono, por exemplo.

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  22. Eu gostaria saber qual é formula qual é a formula que se usa para calcular o tempo de vida útil de uma estrutura

    Da aeronave?

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  23. Excelente matéria, elucudativo até para leigo!

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  24. Após visitar o Museu Aeroespacial da Aeronáutica aqui no RJ. É ter visto alguns Boeings no påtio desativados;me veio a curiosidade dessa pesquisa,e agradeço ao Professor Jonas que com seus artigos me esclareceu e me fez ter uma visão que não tinha sobre aeronaves. Obrigado e parabéns pelo blog.

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  25. Parabéns pela matéria mas eu queria saber mais pois vejo anúncios de aeronaves monomotores a venda da década de 60 70 80 fiquei pensando se é seguro e que tipo de revisão elas deveriam ter.

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  26. VAI SER A PRIMEIRA VEZ QUE VOU ACOMPANHAR UM SITE A PRIMEIRA VISTA , gostei muito .

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  27. Parabéns pela matéria. Muito legal gostei..

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  28. Muito bom esse texto, explica muito bem, bagual barbaridade

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