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segunda-feira, 28 de maio de 2012

Comissários de voo: história de uma profissão

O Comissário de Voo é um dos tripulantes mais importantes a bordo de uma aeronave de passageiros. Longe de serem simples atendentes dos passageiros, eles são responsáveis pela segurança de todas as pessoas a bordo, inclusive dos demais tripulantes. 
As oito primeiras comissárias de voo, todas enfermeiras
Desdenhados, às vezes, por alguns pilotos e passageiros como "garçons" ou "garçonetes" de avião, sua função vai muito além disso. Na verdade, comissários e comissárias de voo já salvaram dez vezes mais pessoas que o total de vitimas fatais da aviação desde o início de sua história, e raros foram os casos em que a atuação dos comissários foi realmente desastrosa.

Nos primeiros voos da aviação comercial, a bordo de dirigíveis, já existiam os hoje chamados "tripulantes de cabine", mas suas funções, nesse caso, eram mais especializadas. Os dirigíveis eram verdadeiros navios aéreos, e a composição da tripulação era muito mais parecida com a dos navios. Existiam garçons, camareiros, cozinheiros e comissários.

Quando os aviões começaram a prestar serviços comerciais, na década de 1920, o pequeno espaço disponível a bordo praticamente inviabilizava a manutenção de um tripulante de cabine. Os passageiros eram atendidos pelos pilotos, que entregavam um "serviço de bordo", muitas vezes reduzido a chicletes (para equilibrar a pressão interna dos ouvidos), enormes chumaços de algodão (para proteger o ouvido do ruído produzido pelos motores e sacos de indisposição, de papel encerado, e, depois, de plástico.

Algumas empresas contratavam atendentes, em geral adolescentes ou pessoas de baixa estatura, para acalmar passageiros nervosos, carregar bagagens e ajudar as pessoas a se acomodar. Eram sempre do sexo masculino. Tais tripulantes tinham pouco ou nenhum treinamento para isso e somente atendiam a bordo das maiores aeronaves. Não era raro que o copiloto acumulasse as duas funções. As empresas Daimler e Stout foram as pioneiras em contratar tais tripulantes, a partir de 1922.
Hellen Church, considerada a primeira comissária de voo
Em 1930, um executivo da Boeing Air Transport (antecessora da United Airlines), Steve Simpson, de San Francisco, auxiliado por uma enfermeira, Ellen Church, propôs um novo tipo de atendimento. Ellen Church, natutal de Cresco, Iowa, então com 26 anos de idade, era enfermeira e piloto de aeronaves, mas logo percebeu que a empresa não iria contratá-la como piloto. Ao invés, conseguiu convencer Simpson da necessidade de uma enfermeira a bordo dos aviões, para ajudar os passageiros que passavam mal, algo relativamente comum até então. Os aviões da época não eram pressurizados, voavam baixo, em ar turbulento, e eram muito barulhentos. O nervosismo dos passageiros era outro problema sério.
As 8 primeiras comissárias da Boeing
Simpson gostou da idéia, já que a simples presença de uma enfermeira a bordo já serviria para acalmar passageiros mais nervosos. Contratou Ellen Church como chefe das comissárias de voo da empresa. Sete outras comissárias, todas enfermeiras, foram contratadas por um período inicial de experiência de três meses.

As primeiras oito comissárias de voo foram: Ellen Church, Margaret Arnott, Jessie Carter, Ellis Crawford,  Harriet Fry, Alva Johnson, Inez Keller e Cornelia Peterman.
Rara foto colorida das oito comissárias pioneiras
A Boeing Air Transport denominou essas comissárias de "Sky Girls" (meninas do céu). Os requisitos de contratação eram rigorosos: a candidata não deveria ter mais de 25 anos, devia ter menos de 5 pés e 4 polegadas de altura (aproximadamente 1,62 m) e menos de 115 libras de peso (aproximadamente 52 Kg). Embora tal requisito não estivesse escrito em nenhum lugar, a candidata deveria ser atraente, pelo menos aos olhos do responsável pela contratação, já que a Boeing planejava uma jogada de marketing ao introduzir comissárias nas suas tripulações, para atrair mais passageiros.

Comissária atendendo passageiros a bordo de um Boeing 80A
Nessa época, as comissárias deveriam se aposentar ao completar 31 anos de idade.

A experiência foi bem  sucedida, e outras empresas aéreas logo imitaram a iniciativa. Como contratar exclusivamente mulheres não era o ideal, especialmente em uma época ainda muito "machista", muitos homens também foram contratados, especialmente nas empresas européias, e pouco tempo depois deixou-se de exigir a qualificação de enfermagem para o exercício da profissão. A exigência de baixa estatura e baixo peso, no entanto, perdurou até que as empresas começassem a usar os jatos, no final da década de 1950.

O salário inicial das comissárias de voo era atraente, na época: 125 dólares por mês.

O primeiro voo das comissárias, com  Ellen Church a bordo, ocorreu em 15 de maio de 1930, entre Oakland, Califórnia, a Chicago, Illinois, e durou 20 horas, com nada menos que 13 escalas.
 
Hellen Church durante a Segunda Guerra Mundial, no Exército
Nessa época, pouco glamour cercava a profissão: as comissárias tinham que distribuir e recolher os saquinhos de indisposição, verificar eventualmente a pressão arterial dos passageiros, ajudar a reabastecer a aeronave, conferir os bilhetes de passagem, consertar assentos quebrados durante o voo e ajudar os pilotos a empurrar o avião para dentro do hangar, ao final da jornada.
A United homenageou as 8 primeiras comissárias colocando seus nomes nesse avião, um Boeing 747-122
Ellen Church trabalhou como comissária na Boeing durante apenas 18 meses. Um desastre de automóvel a afastou do voo e da Boeing. Voltou a trabalhar como enfermeira, mas seus dias na aviação ainda não tinham terminado. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu no Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos como enfermeira de voo, e foi condecorada com a Air Medal pelos serviços prestados durante o conflito, na Europa e no Norte da África.
O Boeing 80A
Após a Guerra, estabeleceu-se como enfermeira em Terre Haute, Indiana. Em 1964, aos 60 anos de idade, casou-se com Leonard Briggs Marshall, Presidente do Terre Haute First National Bank. Infelizmente, um ano depois, em 22 de agosto de 1965, exatamente um mês antes de completar 61 anos, faleceu ao cair de um cavalo.
Aeroporto Ellen Church, em Cresco, Iowa
Em sua homenagem, o aeroporto municipal de Cresco, Iowa, sua terra natal, foi batizado com o seu nome.
Comissária da Imperial Airways recebendo seus passageiros, na década de 1930
No Brasil, as companhias aéreas somente passaram a contratar comissários após a Segunda Guerra Mundial, embora se saiba que algumas empresas chegaram a fazer experiências com esses tripulantes ainda durante as décadas de 1930 e 1940.
Turma de comissárias recém-formadas da Varig, 1960
As empresas pioneiras na contratação de comissários foram a Varig, a Real e o Lóide Aéreo. A Varig só contratava homens, mas a Real e o Lóide empregavam muitas mulheres na função. A Varig somente começou a contratar mulheres quando estava para iniciar os voos internacionais para Nova York, em 1954. Os aviões empregados na rota, os Lockheed Super Constellation, tinham leitos para os passageiros, e não era conveniente que comissários do sexo masculino atendessem mulheres e crianças nesses leitos. Posteriormente, as mulheres passaram a predominar na profissão.
Comissária de um Super Constellation, com o seu elegante uniforme de inverno
Uma dessas pioneira comissárias da Varig, Alice Editha Klausz, era bibliotecária até que que a Varig anunciou que contrataria comissárias, em 1954, para atender a linha de Nova York. Como era uma linha internacional, a empresa exigia que a candidata dominasse pelo menos dois idiomas, coisa raríssima na época. Depois de aprovada em rigorosas provas, Alice passou a voar na Varig, e foi ela quem escreveu todos os manuais usados pelos comissários da Varig, tarefa que lhe foi incumbida pessoalmente pelo presidente da Varig, Ruben Berta, que colocou à sua disposição um escritório completo e várias datilógrafas.
Alice Krausz, que ainda é comissária, aos 58 anos de serviço
Alice se aposentou da Varig aos 35 anos de serviço, em 1989, mas sua carreira como comissária de voo estava longe de terminar. Ela se candidatou à função no Proantar - Programa Antártico Brasileiro, por sugestão de um amigo.
Hercules C-130 da FAB na Antártica: uma comissária a bordo
Alice foi aprovada, e passou a atuar como comissária de voo nos Lockheed C-130 Hércules da Força Aérea Brasileira, que fazem os voos para o continente gelado. Embora já tenha passado dos 80 anos de idade, e se considere uma legítima "aerovelha", continua na função, sendo a comissária há mais tempo na função, no Brasil, e quem sabe do mundo inteiro. Também é a tripulante civil mais idosa do Brasil.
Comissárias da Brannif nos anos 60. Até hoje, as mulheres predominam na profissão
"Tia" Alice, como prefere ser chamada, trata tão carinhosamente seus passageiros nos C-130 que se tornou uma verdadeira lenda. Já fez mais de 140 voos, que duram pelo menos 20 horas cada um, ida e volta. É um trabalho voluntário, sem remuneração, ela sobrevive somente da  sua aposentadoria. Mas "tia" Alice se considera feliz e privilegiada em fazer esse trabalho, e pretende trabalhar até quando a sua saúde permitir. Vida longa à "tia" Alice.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Bogus parts: a aviação ameaçada pela falsificação

A falsificação é um dos crimes mais disseminados no mundo, e movimenta um mercado de bilhões de dólares ao redor do globo. Longe de ser um simples problema econômico, a falsificação hoje é uma das ameaças mais prementes à segurança do transporte aéreo.
Aeronave americana em manutenção na China: controle difícil dos componentes instalados
Antes de lançar no mercado um novo modelo de aeronave, seu fabricante pode submetê-la a um processo de certificação perante as autoridades aeronáuticas. As autoridades aeronáuticas, por sua vez, deve submeter essa aeronave a extensos e rigorosos testes que irão comprovar sua segurança. Concluídos tais testes, a autoridade concede ao novo modelo de aeronave um Certificado de Aeronavegabilidade - CA, o que autoriza a exploração econômica dessa aeronave. Embora seja permitido operar uma aeronave sem o Certificado de Aeronavegabilidade, como experimental, o CA é exigido para todos os casos nos quais a aeronave irá prestar serviços remunerados, com a exceção, no Brasil, da instrução de voo de aeronaves ultraleves.
Aeronaves acidentadas são potenciais fontes de bogus parts
A certificação é um processo bastante complexo, e não atinge apenas a aeronave. Atinge também seus componentes, seu processo de fabricação, seu projeto original, suas modificações e sua documentação. O CA não é um documento eterno, pois tem um prazo de validade predeterminado, 6 anos, no caso do Brasil, devendo ser renovado ao final desse prazo por oficinas também devidamente certificadas para isso.
Os tristes restos do Boeing 737 da Vasp, PP-SMG, irão alimentar um crescente mercado paralelo de componentes
O problema é que, uma vez colocada em serviço, a aeronave irá passar por inúmeros procedimentos de manutenção, cuja finalidade é manter a aeronave em condições de uso como se nova estivesse. Tais procedimentos exigem substituição de componentes desgastados, danificados ou cuja vida útil certificada tenha se esgotado. Obviamente, os componentes de reposição devem ser certificados e de origem comprovada e documentada, capazes de serem rastreados desde a sua origem até a instalação na aeronave.
Rolamento SKF falso, aparentemente melhor até que o original
Assegurar que as peças instaladas durante a manutenção das aeronaves sejam realmente certificadas e aprovadas para uso, no entanto, está longe de ser um processo fácil. Peças de aeronaves são componentes caros, e isso atrai um crescente número de falsificadores, ávidos de lucro fácil.
Rolamento SKF autêntico: parece inferior à sua cópia, mas é de qualidade muito superior
Praticamente tudo pode ser falsificado, e quanto mais caro o produto, mais atraente e lucrativa se torna a sua falsificação. Mas, no caso de peças de aeronaves, o uso de peças falsificadas, ou simplesmente não aprovadas para uso, nao é um simples problema de ordem econômica, mas sim de segurança operacional, pois não existe nenhuma garantia de que o componente falsificado tenha a mesma qualidade de fabricação, durabilidade, resistência e confiabilidade de um componente submetido ao rigoroso processo de certificação. Tal componente, potencialmente, pode até mesmo derrubar um avião.
Embora o B-52 seja uma aeronave militar, possui muitos componentes em comum com várias aeronaves da Boeing
Tecnicamente, não existe grande dificuldade em se falsificar um componente aeronáutico. Qualquer torneiro mecânico consegue copiar uma peça a partir de uma original, usando material ordinário e de qualidade inferior. Também é perfeitamente viável recuperar (ao menos na aparência) um componente usado, cuja vida útil certificada tenha se esgotado.
Restos de aeronaves da VASP em leilão: valem mais do que pesam, devido à possibilidade de se vender peças no mercado negro
Então, uma peça não aprovada (unapproved part) é uma peça ou material destinado à instalação em uma aeronave ou produto aeronáutico certificado, que não foi nem fabricado (ou recuperado) de acordo com procedimentos aprovados, nem está de acordo com um projeto de tipo aprovado, ou que não obedeçam a padrões técnicos aceitáveis e devidamente certificados pela autoridade aeronáutica. Na aviação, os componentes não aprovados são designados, informalmente, como bogus parts.

 Peças não aprovadas para uso aeronáutico podem ter várias origens:
  • Componentes usados recuperados sem autorização do fabricante ou da autoridade aeronáutica;
  • Componentes de uso automotivo, doméstico ou industrial modificados, marcados, documentados ou simplesmente comercializados como componentes aeronáuticos;
  • Componentes oferecidos no mercado pelos subcontratantes de um fornecedor original, sem o seu conhecimento e autorização;
  • Componentes que não tenham sido mantidos, reparados ou revisados de acordo com os requisitos técnicos de aeronavegabilidade, ou que tenham sido reparados ou revisados por pessoal não autorizado a efetuar esses serviços.
  • Componentes simplesmente falsificados, fabricados por pessoas que não sejam os fornecedores certificados ou seus subcontratados, mas marcados, embalados, documentados e comercializados como se assim o fossem;
Em vários casos, há conivência da oficina de manutenção na instalação de componentes não aprovados. Muitos operadores de aeronaves compram os componentes de fontes confiáveis, mas, ao não fiscalizar sua instalação, as oficinas instalam componentes "vencidos" ou falsificados, e depois comercializam as peças originais, fornecidas pelo cliente, "por fora". Depois de instalados na aeronave ou conjunto, é muito difícil reconhecer o problema, podendo resultar até graves acidentes.
Motores militares à venda no AMARG, em Tucson: fonte de bogus parts
Existe, também casos de má fé do operador das aeronaves, que, querendo reduzir seus custos operacionais, autorizam a instalação de componentes não aprovados.
A desmontagem de aeronaves fornece uma grande quantidade de componentes, muitos não aprovados
O aproveitamento de peças usadas e cuja recuperação e uso não sejam legalmente permitidos é uma permanente fonte de problemas. As fontes desse material são muitas:
  •  Desmonte de aeronaves ou conjuntos fora de serviço, ou acidentados: embora tal prática não seja essencialmente proibida, as peças recuperadas devem passar por uma rigorosa inspeção e reparos, caso isso seja permitido pelo fabricante, ou pelas autoridades. Mas muitas peças são simplesmente removidas de uma sucata ou destroço e colocadas em serviço, sem reparo, sem laudo técnico, sem registro e sem documentação;
  • Uso de material militar excedente, vendido no mercado civil:  as forças militares de muitos países costumam desativar aeronaves obsoletas e comercializá-las inteiras ou desmontadas para sucateiros. O problema é que muitas aeronaves, conjuntos e peças têm similares em uso civil, mas os militares seguem suas próprias regras de manutenção e uso de aeronaves, a maior parte das quais totalmente incompatível com o uso civil, portanto fora das regras de certificação. Peças militares, mesmo assim, infestam o mercado civil como uma verdadeira praga;
  • Peças rejeitadas no controle de qualidade dos fornecedores ou subcontratantes certificados, mas desviadas e vendidas em um mercado paralelo. Deveriam ser sumariamente destruídas;
  • Saques de destroços de aeronaves acidentadas;
  • Reaproveitamento de peças removidas pelas oficinas de manutenção, que deveriam descartar tal material, mas que, em alguns casos, vendem, recuperam ou fazem, ilegalmente, uma "restauração cosméstica" nas mesmas, abastecendo um perigoso mercado de componentes não aprovados.
Com a crescente perseguição policial e uma perigosa concorrência, muitos criminosos estão deixando para trás atividades como o tráfico de drogas e entrando no mercado de peças aeronáuticas falsificadas. Isso afligiu, e ainda aflige, principalmente, os norte-americanos, mas a eficiência das autoridades policiais dos Estados Unidos está provocando uma emigração dos criminosos para países economicamente emergentes, como o Brasil. Então, todo cuidado é pouco.
Cartaz de prevenção: "conheça o seu fornecedor!"
Ainda assim, os maiores fornecedores mundias de peças aeronáuticas não aprovadas estão no sul dos Estados Unidos, particulamente nos Estados da Flórida, Texas, Arizona e Califórnia. A China e alguns países do Sudeste Asiático são os maiores produtores de componentes falsificados desde a sua origem.

Em 2004, Enzo Fregonese, então com 75 anos de idade, antigo dono da Panaviation, ​​uma empresa que fornecia peças de reposição de aeronaves,  localizada em Roma, Itália, foi condenado, em 26 de fevereiro, pelo Tribunal Distrital de Tempio Pausania, na Sardenha, a uma pena de 15 meses de prisão. O crime foi distribuir peças de aeronaves não aprovadas em toda a indústria da aviação.  

A decisão final saiu após uma investigação criminal de três anos, denominada "Operação América Phoenix", que foi conduzido pelo procurador da República italiano e uma unidade especial da polícia financeira italiana (Guardia di Finanzia). A investigação revelou que, via Panaviation e vários comerciantes de peças de aeronaves, peças altamente questionáveis ​foram distribuídas em todo o mundo. Esta foi a primeira sentença penal aplicada em um caso de peças não aprovadas na aviação europeia.

Entre os clientes da Panaviation, estavam fabricantes como a Airbus e operadores como a Swissair, Lufhansa, Air France, Northwest, Crossair e Alitalia, entre muitos outros. Por essa relação, pode-se entender a gravidade do problema.
Nave Kepler, cujo lançamento foi adiado em nove meses ao se descobrir componentes falsificados
Nem mesmo a NASA ficou isenta de usar peças falsificadas. Em março de 2009, Christopher Scolese, então administrador em exercício da agência, foi obrigado, em uma subcomissão do Congresso Americano, a admitir que peças falsificadas foram instaladas em uma nave espacial, a Kepler, cuja função era encontrar planetas semelhantes á Terra em outros sistemas solares. A descoberta desses componentes atrasou o lançamento da nave em 9 meses, com inacreditáveis prejuízos ao orçamento da NASA.

domingo, 6 de maio de 2012

Davis-Monthan AFB - o maior cemitério de aeronaves do mundo

Em setembro de 1945, terminou a Segunda Guerra Mundial. Seis anos de tragédia e sofrimento para a humanidade finalmente chegaram ao fim. Logo a seguir, milhares de soldados, unidades militares e equipamentos começaram a ser desmobilizados.
Vista panorâmica do cemitério de aeronaves militares do AMARG
A aviação tinha desempenhado um papel fundamental durante a guerra, e milhares de aeronaves foram produzidas pelos americanos durante os anos em que estiveram envolvidos na guerra. Subitamente, deixou de haver necessidade de tantas aeronaves, e seus tripulantes estavam retornando à atividade civil. Restava, então, uma imensa tarefa: encontrar um destino adequado para essas aeronaves. Muitas sequer tinham sido entregues pelos fabricantes às forças armadas.
Republic F-84 empilhados para venda aos sucateiros, na década de 1960
Antes e durante a guerra, muitas bases aéreas de treinamento foram construídas em lugares remotos, longe da atividade de aeronaves civis e de lugares densamente povoados. Grande parte dessas bases foram construídas nos desertos do sudoeste americano. Uma dessas bases, denominada Davis-Monthan Landing Field, foi construída como aeroporto municipal na cidade de Tucson, Arizona, em 1925. O nome da base homenageou dois pilotos nascidos em Tucson, da época da Primeira Guerra Mundial, que morreram em desastres separados, Samuel H. Davis e Oscar Monthan. Os militares começaram a usar o aeroporto a partir de 1927, e em 1940, o campo foi denominado Tucson Army Air Field. A partir dessa época, o aeroporto civil de Tucson foi realocado para outro lugar. Em 3 de dezembro de 1941, o campo foi rebatizado de Davis -Monthan Army Airfield, às vésperas do ataque japonês a Pearl Harbor.
Impressionante número de aeronaves fora de serviço no AMARG. A maioria jamais voltará a voar novamente
Davis-Monthan serviu como base de treinamento para, pelo menos, 20 unidades de bombardeiros pesados e muito pesados, que utilizavam, principalmente, aeronaves Boeing B-17 Flying Fortress, Consolidated B-24 Liberator, e Boeing B-29 Superfortress, durante a Segunda Guerra Mundial. No fim da guerra, no entanto, tais unidades foram praticamente desfeitas e a situação da base ficou em um impasse, e considerou-se a hipótese de sua total desativação.
Os McDonnell-Douglas F-4 Phanton dominam a paisagem no AMARG
Todavia, como o Exército precisava de locais para armazenar as aeronaves retiradas de serviço ativo, a base foi mantida. O clima seco e de solo alcalino de Tucson era ideal para preservar aeronaves, pois evitava a corrosão das suas estruturas. O solo endurecido possibilitava armazenar aeronaves fora das áreas pavimentadas, mesmo se fossem muito pesadas. Davis-Monthan passou a servir, então, como muitos outros campos no deserto do sudoeste, como cemitério de aeronaves inservíveis, até que se encontrasse um destino final para as mesmas.
Belo exemplar do Convair B-58 Hustler, salvo entre as aeronaves do tipo sucateadas em Davis-Monthan AFB, em 1976.
As atividades de armazenamento e reciclagem das aeronaves militares ficaram a cargo do 4105th Army Air Force Unit. Em setembro de 1945, tais atividades empregavam 11.614 pessoas. Durante essa época, entre junho de 1945 e março de 1946, alguns dos alojamentos da base também serviram como campos de prisioneiros de guerra.
Míssil nuclear de médio alcance Thor, desmontado no AMARC
As principais aeronaves armazenadas em Davis-Monthan foram, inicialmente, os Boeing B-29 Superfortress e os Douglas C-47. Como tais aeronaves tinham grandes chances de reaproveitamento posterior, foram preservadas cuidadosamente. Entre os aviões preservados nessa época na base estavam os dois B-29 que lançaram as bombas atômicas sobre o Japão, em agosto de 1945, o Enola Gay e o Bock's Car.
F/A 18 Hornet armazenados no AMARG
Em 1948, com a criação da United States Air Force (USAF), a base foi redenominada Davis-Monthan Air Force Base (AFB). A unidade que administrava as aeronaves armazenadas foi denominada 3040th Aircraft Storage Depot. Em 1965, o 3040th foi redenominado Military Aircraft Storage and Disposition Center (MASDC), e passou a abrigar todas as aeronaves desativadas das forças armadas americanas. A marinha americana, que tinha mantido, até então, seu próprio cemitério de aeronaves em NAS Litchfield Park, em Goodyear, Arizona. Em fevereiro de 1965, cerca de 500 aeronaves da Marinha, Fuzileiros Navais e Guarda Costeira, fora de serviço, foram deslocadas para o MADSC. A NAS Litchfield Park foi desativada em 1968, e virou um aeroporto civil. Continuou a servir como cemitério de aeronaves, agora civis, e até hoje mantém tal atividade, como destino final de aeronaves comerciais.
Aeronaves salvas da destruição e agora expostas no Pima Air & Space Museum
Ao redor da base, foram se estabelecendo, gradativamente, empresas civis de processamento de metais reciclados, assim como um Museu, o Pima Air & Space Museum, aberto ao público em maio de 1976. O Pima Museum tornou-se um dos maiores museus aeroespaciais do mundo, com mais de 300 aeronaves em exposição, muitas delas de grande porte e raras, como os Boeing B-52, Convair B-58 Hustler, Lockheed SR-71A Blackbird, Lockheed Constellation, Boeing KC-97, Convair B-36 Peacemaker e outras igualmente muito interessantes.

Na década de 1980, o MASDC passou a servir como centro de reciclagem de antigos mísseis balísticos intercontinentais nucleares (ICBM - Intercontinental Ballistic Missiles), sendo redenominado Aerospace Maintenance and Regeneration Center (AMARC), para refletir sua real função.
Fim da linha para os Lockheed Galaxy C-5, no AMARG
Normalmente, Davis-Monthan armazena somente aeronaves militares. Eventualmente, aeronaves civis aparecem por lá, no entanto. Durante a década de 1980, o Departamento da Defesa iniciou um programa de remotorização dos aviões-tanque Boeing KC-135 Stratotanker, para um modelo denominado KC-135E. Os Boeing KC-135 são originários do mesmo protótipo que originou os Boeing 707, e mostraram ser excelentes aviões-tanques, exceto quanto à motorização. Equipados com motores turbojatos Pratt & Whitney J-57-P59W, que desenvolviam 10.000 lbf de empuxo seco e 13.000 lbf de empuxo "molhado" (com injeção de água), essas aeronaves tinham sérias restrições de peso e de consumo, além de não serem equipadas com reversores de empuxo.
Alguns Boeing 707 civis comprados para o Programa KC-135E
Quando as empresas aéreas passaram a substituir suas frotas de 707 por aeronaves mais modernas, entre o final do anos 70 e começo dos anos 80, a Força Aérea começou a adquirir, agressivamente, todas as células disponíveis no mercado, por preços que variavam de US$ 850.000 A US$ 950.000, dependendo da condição geral do avião. 
Restos de aeronaves vendidas à Southwest Alloys. Notem o Boeing 707 antes operado pela Transbrasil, com matrícula brasileira PT-TCQ.
Entre setembro de 1981 e novembro de 1990, 186 Boeing 707 e 720 foram removidos para o AMARC, acrescidos por mais 102 células quase completas até 1993. No AMARC, esses aviões tiveram seus econômicos e potentes motores Pratt & Whitney JT-3D removidos, para reequipar os KC-135. 
Pátio do ferro velho da Southwest Alloys, um dos muitos instalados ao redor do AMARC
Uma vez despojados dos seus componentes mais úteis aos KC-135, os aviões tinham suas derivas removidas, para compensar o deslocamento do centro de gravidade pela remoção dos motores, e eram, finalmente, colocados à venda no mercado civil de sucata. Alguns desses antigos Boeing 707 ainda permanecem em poder dos militares.
B-52 esperando pela guilhotina
Em 31 de julho de 1991, os Estados Unidos e a União Soviética assinaram um acordo de redução de armas estratégicas, o SALT 1 (STrategic Arms Reduction Treaty), que incluiu a eliminação de 365 bombardeiros Boeing B-52. Como tal destruição deveria ser conferida por fotos de satélite pelos soviéticos, os aviões foram cortados por guilhotinas de 13 mil libras, erguidas por guindastes e cabos de aço, e depois por serras circulares elétricas, para melhor eficiência e possibilidade de reaproveitar peças de reposição. A maior parte desses B-52 cortados em pedaços ainda permanece em Davis-Monthan AFB. O número de peças de reposição disponibilizados no AMARC para os B-52 e para os KC-135 contribui, sem dúvida, para que a vida útil dessas aeronaves possa ser prorrogada até a década de 2040.
Super Guppy ex-NASA em Davis-Monthan, após o fim do Projeto Apollo
Durante os últimos anos, uma média de 4.500 aeronaves têm permanecido no AMARC, ao mesmo tempo. Se a unidade fosse uma força aérea independente, seria a segunda maior do mundo.

Em maio de 2009, o comando do AMARC foi transferido para  o 309th Maintenance Wing, e redenominado AMARG - 309th Aerospace Maintenance and Regeneration Group.

Existem quatro categorias de armazenamento para aviões dentro do AMARG:
  • Longo Prazo: As aeronaves são mantidas intactas e cuidadosamente preservadas para uso futuro;
  • Recuperação de Peças: As aeronaves são armazenadas para desmontagem, sendo utilizadas como fonte de peças de reposição;
  • Aeronaves em Stand-by de curto prazo: As aeronaves são mantidas intactos para estadias mais curtas do que as de longo prazo, para possível reutilização imediata;
  • Aeronaves excedentes do Departamento da Defesa: As aeronaves são vendidas inteiras ou em partes, para civis ou governos de nações amigas.
O AMARG emprega, atualmente, 550 pessoas, quase todas civis. Os 2.600 hectares (11 km2) das instalações estão adjacentes à Davis Monthan AFB . Para cada dólar que o governo gasta funcionamento da estrutura do AMARG, ele recupera ou produz 11 dólares pela recuperação, reutilização ou venda de aeronaves ou peças de reposição no mercado. O Congresso dos Estados Unidos determina quais são os equipamentos que podem ser vendidos, e para quais clientes.
Lockheed C-141 Starlifter, cortado para venda como sucata
Um avião removido para armazenamento sofre os seguintes tratamentos:
  • Todas as armas, cargas de cadeiras de ejecção e hardware (aviônicos) classificados como de uso restrito às Forças Armadas são removidos;
  • O sistema de combustível é protegido por esgotamento, reabastecendo-se com óleo leve, e depois esgota-se novamente. Isso deixa uma película de óleo protetor no interior do tanque;
  • A aeronave é selada e protegida da luz solar, poeira e temperaturas elevadas. Isto é feito utilizando uma variedade de materiais, que vão desde um composto de plástico de vinil em spray, chamado spraylat, fornecido pela Spraylat Corporation, de uma cor opaca branca e pulverizado sobre a aeronave, até simples lonas e sacos de lixo, de material plástico. A aeronave é, então, rebocada por um jipe ou trator até a sua posição de armazenamento.

    Destruição de um Grumman F-14, no AMARG
Recentemente, o AMARG esteve envolvido na destruição sumária e total das aeronaves Grumman F-14 Tomcat. Apreensivos com a possível venda de componentes dessas aeronaves à Força Aérea do Irã, no mercado negro, que ainda utiliza o tipo, o Departamento da Defesa ordenou a total destruição desses aviões, retirados de serviço pela marinha americana, sem oferecer sequer um componente intacto para o mercado civil. Até mesmo alguns F-14 cedidos para museus foram confiscados e destruídos.
Fim de um F-14, no AMARG
O acesso ao AMARG é, obviamente, restrito a empregados civis e militares das forças armadas, ou a pessoas por eles autorizadas. Entretanto, a sua visitação é possível, a bordo de ônibus operados pelo vizinho Pima Air & Space Museum, exceto nos finais de semana. Não é permitido descer do ônibus durante o passeio. O Pima Museum também oferece um passeio ao Titan Missile Museum, um silo de míssil ICBM, com um míssil desarmado Titan II ainda em seu interior,  Um passeio no Pima Air & Space Museum, então, é um programa realmente imperdível para o turista que visita o Arizona.