Muitos problemas se escondiam, entretanto, por trás de todo esse luxo: os Constellation eram excelentes aeronaves, mas o mesmo não se pode dizer dos seus motores e hélices. A Varig chegou mesmo a perder um deles por problemas técnicos em 1957, na República Dominicana, embora seus mecânicos fossem muito competentes e experientes. Outro problema era a baixa velocidade dos aviões. Os voos frequentemente duravam cansativas 25 horas.
Na mesma época, no entanto, uma revolução estava em curso. Em 1958, a Pan Am introduziu na rota do Atlântico Norte uma aeronave a jato, o Boeing 707, que podia transportar um número bem maior de passageiros, com quase o dobro da velocidade e ainda por cima com custo menor. A Pan Am também introduziu em serviço, na mesma época, outro jato da mesma categoria, o Douglas DC-8.
É óbvio que tal revolução não poderia passar desapercebida das demais empresas aéreas. A Varig sentiu que, caso a Pan Am resolvesse voar para o Brasil de jato, os voos de Super Constellation estariam liquidados. Então, a diretoria da empresa resolveu adquirir aeronaves a jato. Em setembro de 1957, a Varig encomendou à Boeing 2 jatos 707-441. Adicionalmente, a empresa também encomendou dois jatos bimotores Sud Aviation Caravelle I, para atender as linhas domésticas principais.
Como a linha de produção do 707 estava repleta de encomendas, a entrega das aeronaves demorou muito. Os Caravelles chegaram primeiro, e ao invés de atender linhas domésticas, foram imediatamente colocados na linha para Nova York, em 12 de setembro de 1959, dividindo a mesma com os Constellation. Eram dois voos com os Caravelle e três com os Constellation por semana.
Finalmente, em 22 de junho de 1960, o primeiro Boeing 707-441, matriculado PP-VJA, chega ao aeroporto do Galeão, já trazendo passageiros pagantes de Nova York. A Varig deixou de usar a sequência de matrículas do lote PP-VEA a PP-VIZ e passou direto para VJA, o "J" significando "jato".
O PP-VJA foi apresentado ao público em Porto Alegre da mesma maneira como o Super Constellation cinco anos antes, com um voo rasante sobre a pista. Isso certamente ficou na lembrança de quem viu e, principalmente, ouviu. O ruído produzido pelos motores Rolls-Royce certamente deixou a sua marca. Uma banda, contratada pela Varig e que estava tocando na hora do pouso, ficou desconcertada com o barulho e saiu totalmente do ritmo.
Os dois primeiros 707 da Varig, os PP-VJA e PP-VJB, eram do modelo 441. Os Boeing 707 série 400 (41 identificava o operador inicial, no caso, a Varig) eram equipados com quatro motores turbofan Rolls-Royce Conway MK-508-40, de 17.500 lbf de empuxo cada um. Esses motores eram mais econômicos que os turbojatos Pratt & Whitney usados nos 707 da Pan Am, conferindo uma maior autonomia e que permitia voar entre o Brasil e Nova York sem escalas pela primeira vez na história.
No início da carreira no Brasil, a pista do Aeroporto do Galeão passou por uma ampliação, impedindo temporariamente a operação dos 707 na mesma. Os voos passaram então a sair do novíssimo aeroporto de Brasília, a recém inaugurada capital do Brasil, até a conclusão das obras. O trecho entre Brasília e o Galeão era feito com os Caravelle. Esses problemas baixaram o nível de utilização do avião e a Varig resolveu arrendar o PP-VJB para a companhia israelense El Al, entre dezembro de 1960 e maio de 1961. Essa aeronave passou a voar entre Nova York e Tel Aviv, com uma escala intermediária, com tripulação mista Varig - El Al.
Em agosto de 1961, a Varig adquiriu o controle acionário do consórcio REAL-Aerovias-Nacional. Entre as linhas operadas pelo consórcio, estava uma ligando o Rio de Janeiro a Los Angeles e Toquio, no Japão. A Varig colocou, a partir de 18 de novembro de 1961, o Boeing 707 nessa linha, mas somente até Los Angeles, com escalas em Lima, Bogota e Cidade do México.
Foi justamente nessa linha de Los Angeles que a Varig sofreu sua primeira grande tragédia da era do jato. A tripulação do PP-VJB, na madrugada do dia 27 de novembro de 1962, cometeu um erro de navegação na aproximação para o Aeroporto de Lima-Callao, no Peru, e o avião bateu na montanha de La Cruz, vitimando todos os 17 tripulantes e 80 passageiros a bordo. As 97 vítimas do voo 810 sustentaram por 11 anos o infeliz recorde de maior acidente com uma aeronave comercial brasileira, até o desastre do voo Varig 820, em Paris, em 1973.
A perda do PP-VJB foi desastrosa em todos os sentidos para a Varig. Era um dos únicos dois Boeing 707 da empresa, e sua perda teve que ser reposta às pressas nas linhas por qualquer avião que estivesse disponível. Até os Lockheed Electra II entraram em operação nos voos para os Estados Unidos. Somente em novembro de 1963, um ano depois, é que o PP-VJB foi substituído por um novo Boeing 707-441, matriculado PP-VJJ. O PP-VJJ foi o último Boeing 707 da série -400 a ser fabricado.
Em 1963, os dois Caravelles remanescentes, devido à sua pequena capacidade de passageiros, foram vendidos. A frota de jatos da Varig foi acrescida, entretanto, de três Convair 990 Coronado, adquiridos pelo consórcio REAL-Aerovias-Nacional, absorvido pela Varig. Em 1965, a Varig passou ainda a operar dois Douglas DC-8 que vieram da Panair do Brasil, cujas operações foram suspensas pelo Governo Federal por razões até hoje não muito bem explicadas. A Varig foi a única empresa aérea do mundo a operar simultaneamente os três modelos de quadrijatos americanos da primeira geração.
Em agosto de 1965, a Varig resolveu aumentar sua frota internacional, encomendando novas aeronaves Boeing 707 da série -300, com motores turbofan Pratt & Whitney JT-3D, que se tornaram depois os modelos definitivos do 707. Os primeiros aviões 707-341C a operar na Varig, matriculados PP-VJR e PP-VJS, chegaram ao Brasil em 28 de dezembro de 1966. Em 22 de março do ano seguinte, chegou o PP-VJT. Essas três aeronaves foram os únicos Boeing 707-341C encomendados diretamente ao fabricante pela Varig. As demais 14 aeronaves foram encomendadas por outros operadores antes da Varig e várias chegaram ao Brasil já bastante usadas.
Todos os Boeing 707 série -300 operados pela Varig eram tipo Combi, conversíveis carga-passageiro. Como as passagens eram caras, o transporte de carga compensava a eventual falta de passageiros. Os Boeing 707 foram o esteio da aviação internacional da Varig para a Europa, Estados Unidos e Japão até a chegada dos McDonnell-Douglas DC-10, em 1974. A linha para o Japão. via Los Angeles, foi reiniciada em 1968 com a chegada dos Boeing 707-300C.
Sem dúvida alguma, os Boeing 707 marcaram toda uma época na aviação brasileira, assim como aconteceu no resto do mundo. Mas a carreira deles foi bastante conturbada. A primeira perda, já citada, foi a do PP-VJB em 1962. Em 07 de setembro de 1968, o PP-VJR foi perdido em um incêndio no hangar da Varig no Aeroporto do Galeão, durante trabalhos de manutenção. Um mecânico, ao trocar as garrafas de oxigênio resolveu lubrificar as conexões com graxa, que entrou em combustão espontânea e incendiou a aeronave inteira.
Em 1969, o Boeing 707-345C PP-VJX foi sequestrado duas vezes e desviado para Cuba, mas sem vítimas a bordo. Em 1970, o PP-VJX foi novamente sequestrado, tornando-se uma espécie de recordista mundial nesse tipo de evento.
Em 9 de junho de 1973, o PP-VLJ, um B707-327C, acidentou-se na aproximação da pista 14 do Aeroporto do Galeão, proveniente de Viracopos. Era um voo de carga, com quatro tripulantes a bordo. O avião caiu no mar devido à operação marginal dos spoilers na aproximação, batendo nas torres do ALS e afundando na Baía da Guanabara. Dois dos quatro tripulantes faleceram no acidente.
Pouco mais de um mês depois, uma tragédia muito maior atingiu o voo Varig 820, operado pelo B707-345C matriculado PP-VJZ. Um incêndio na cabine de passageiros, iniciado em um dos toaletes traseiros, forçou a tripulação a pousar antes da pista do Aeroporto de Orly, em Paris, em 11 de julho de 1973. Embora o pouso tenha sido bem sucedido, somente um, dos 117 passageiros a bordo, sobreviveu.
Dos tripulantes, 10 dos 17 a bordo sobreviveram, se refugiando dentro do cockpit e saindo do avião pelas janelas do mesmo, após o pouso. As mortes foram causadas pela fumaça tóxica a bordo. Até aquela data, foi o pior desastre aéreo da Varig e de qualquer avião matriculado no Brasil.
A vítima seguinte foi o PP-VJT, um B707-341C, em 11 de junho de 1981. Essa aeronave fazia um voo de carga para o Aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus, e aquaplanou na pista encharcada quando pousou com velocidade de 148 Knots, batendo no balizamento, o que causou o colapso do trem de pouso direito e perda total da aeronave. Não houve vítimas entre os 3 tripulantes da aeronave.
Os Boeing 707 utilizados pela Varig frequentaram as principais rotas da empresa por muitos anos, e podiam ser vistos quase diariamente nos aeroportos de Paris, Nova York, Londres, Tóquio, Lisboa, Madri e Johannesburgo. Essa aeronave foi responsável pela grande expansão nas rotas internacionais da empresa nos anos 60 e 70.
Para os pilotos, era uma aeronave complexa e manhosa. Seus comandos de voo mecânicos exigia um bom preparo físico, por serem bastante pesados. Como jato de primeira geração, era muito pouco automatizado, dando muito trabalho a todos os tripulantes, mas em especial ao engenheiro de voo. O sistema de navegação por radar Doppler, introduzido nos pioneiros VJA e VJB, era bastante complicado e impreciso, e a margem de erro em um longo voo de 11 horas para a Europa, por exemplo, podia chegar a 20 milhas náuticas. O cockpit da aeronave era bastante apertado para os 6 tripulantes, especialmente em longos voos de carga, lembrando, nas palavras do experiente Comandante José Geraldo de Souza Pinto, um submarino.
A partir de 1974, os Boeing 707 começaram a ser progressivamente substituídos por aeronaves wide-bodies, os McDonnell-Douglas DC-10, inicialmente nas linhas de maior prestígio e movimento. Como resultado disso, muitos passaram a atender linhas africanas, como Abdijan e Joahannesburgo, e voos exclusivos de carga. Em 1979, os dois pioneiros 707-441 foram vendidos.
Ainda em 1979, ocorre o misterioso desaparecimento do PP-VLU. A aeronave decolou do Aeroporto de Narita, no Japão, com destino a Los Angeles e Galeão, às 20 horas e 23 minutos do dia 30 de janeiro de 1979. Era um voo de carga, que carregava, entre outros ítens, 153 quadros do pintor japonês, naturalizado brasileiro, Manabu Nabe. O comandante do avião, 22 minutos depois de decolar, fez a primeira comunicação com os órgãos de controle de tráfego aéreo, e tudo estava normal. Mas não houve nenhuma outra comunicação e o PP-VLU desapareceu para sempre, sem deixar vestígios. Até hoje, ninguém sabe o que aconteceu com o avião. O comandante do voo, Gilberto Araújo da Silva, que também comandava o malfadado voo 820 em Orly, em 1973, e mais cinco tripulantes se foram junto com o avião.
A década de 1980 representou o fim da linha para os Boeing 707 na empresa. Em 1982, a Transbrasil comprou o PP-VJS, último remanescente da encomenda original de 707-441C feita à Boeing em 1965. Em 1986, a Força Aérea Brasileira resolve adquirir da Varig quatro aeronaves, para convertê-los em aviões tanques para reabastecimento no ar KC-137.
O primeiro desses aviões deveria ter sido o PP-VJK. No último voo que a aeronave fazia na Varig, antes de ser entregue à FAB, em 03 de janeiro de 1987, o VJK perdeu o motor #1, algum tempo depois de decolar de Abdijan, Costa do Marfim. Ao retornar ao aeroporto, a tripulação perdeu o controle da aeronave e a mesma se precipitou na selva, matando 12 tripulantes e 38 passageiros. Milagrosamente, um dos passageiros sobreviveu ao desastre.
Os aviões selecionados pela FAB foram os PP-VJK (FAB 2400), PP-VJY (FAB 2401), PP-VJX (FAB 2402) e PP-VJH (FAB 2403). Com a perda do PP-VJK, a Varig substituiu-o em março de 1987 pelo PP-VLK, que se tornou o FAB 2404. As aeronaves começaram uma nova carreira como aviões militares, inclusive transportando por um bom tempo o Presidente da República, e permaneceram em serviço até outubro de 2013.
A história dos KC-137 da FAB foi contada no artigo publicado neste blog no link: http://culturaaeronautica.blogspot.com/2009/08/os-boeing-707-na-forca-aerea-brasileira.html.
Finalmente, a Varig retirou de serviço seus últimos 707 em 1989, e todos os remanescentes foram vendidos.
Logo abaixo, pode se ver a relação completa dos Boeing 707 operados pela Varig em seus 29 anos de carreira. Seis dos vinte aviões foram perdidos em acidentes na empresa, e um foi destruído no hangar:
PP-VJA: Boeing 707-441, c/n 17905, comprado novo e entregue em 07 de junho de 1960. Foi vendido em 10 de abril de 1979 para a RDC Marine, como N59RD. Desmontado em Houston em 1990;
PP-VJB: Boeing 707-441, c/n 17906, comprado novo e entregue em 16 de junho de 1960. Acidentou-se com perda total em Lima, Peru, em 27 de novembro de 1962;
PP-VJH: Boeing 707-320C, c/n 20008, comprado novo e entregue em 14 de julho de 1969. Vendido para a FAB em 13 de março de 1986, onde operou como FAB 2403.Foi desmontado;
PP-VJK: Boeing 707-379C, c/n 19822, comprado novo e entregue em 04 de novembro de 1968. Acidentou-se com perda total em Abdijam, Costa do Marfim, em 03 de janeiro de 1987;
PP-VJJ: Boeing 707-441, c/n 18694, comprado novo e entregue em 22 de outubro de 1963. Vendido em 03 de setembro de 1979 para a RDC Marine, como N58RD. Provavelmente desmontado em Goma, Uganda, onde sofreu um incidente em 20 de dezembro de 1991;
PP-VJR: Boeing 707-341C, c/n 19320, comprado novo e entregue em 28 de dezembro de 1966. Foi destruído em um incêndio no hangar da Varig no Aeroporto do Galeão, em 07 de setembro de 1968;
PP-VJS: Boeing 707-341C, c/n 19321, comprado novo e entregue em 28 de dezembro de 1966. Foi vendido para a Transbrasil em 29 de setembro de 1982. Desmontado em Kansas City entre 1999 e 2000;
PP-VJT: Boeing 707-341C, c/n 19322, comprado novo e entregue em 22 de março de 1967. Acidentou-se com perda total em Manaus/AM, em 11 de junho de 1981;
PP-VJX: Boeing 707-345C, c/n 19842, comprado pela Seabord, mas não entregue. Veio novo e entregue em 06 de agosto de 1968. Foi sequestrado três vezes. Foi vendido para a FAB em 12 de novembro de 1986, onde operou como FAB 2402; Permanece estocado e à venda na Base Aérea do Galeão (jan/2017);
PP-VJY: Boeing 707-345C, c/n 19840, arrendado da Seabord em operação de lease back, veio novo e entregue em 26 de fevereiro de 1968. Foi vendido para a FAB em 04 de julho de 1986, onde operou como FAB 2401. Voou muito tempo como aeronave presidencial, e foi apelidado pejorativamente de "Sucatão"; Foi desmontado, a despeito do seu grande valor histórico;
PP-VJZ: Boeing 707-345C, c/n 19841, arrendado da Seabord em operação de lease back, veio novo e entregue em 06 de março de 1968. Acidentou-se com perda total nas proximidades de Orly, França, em 11 de julho de 1973 (foto abaixo);
PP-VLI: Boeing 707-385C, c/n 19433, fabricado em 1966, comprado usado da American Airlines, onde era N8400 e entregue em 1º de setembro de 1971. Vendido em junho de 1989 para a ALG/Buffalo AW. Acidentou-se em Asmara, na Eritréia, em 25 de março de 1991;
PP-VLJ: Boeing 707-327C, c/n 19106, fabricado em 1966, foi comprado usado da Braniff, onde era N7097, e entregue em 24 de novembro de 1971. Acidentou-se com perda total no Rio de Janeiro, em 9 de junho de 1973;
PP-VLK: Boeing 707-324C, c/n 19870, fabricado em 1968, foi comprado usado da Continental, onde era N47332, e entregue em 30 de março de 1972. Foi vendido para a FAB em 16 de março de 1987, onde operou como FAB 2404;
PP-VLL: Boeing 707-324C, c/n 19871, fabricado em 1968, foi comprado usado da Continental, onde era N67333, e entregue em 14 de abril de 1972. Foi vendido para a Ecuator Leasing em 2 de dezembro de 1987. Desmontado em Luanda, Angola, em 1999;
PP-VLM: Boeing 707-324C, c/n 19869, fabricado em 1968, foi comprado usado da Continental, onde era N47331, e entregue em 04 de setembro de 1972. Vendido para a Ecuator Leasing em 14 de novembro de 1987. Estocado em Luanda, Angola, desde 1999.
PP-VLN: Boeing 707-324C, c/n 19177, fabricado em 1966, foi comprado usado da Continental, onde era N17325, e entregue em 7 de abril de 1973. Foi vendido para a ALG/Buffalo em agosto de 1989. Desmontado em Ostende, Bélgica, onde foi abandonado pela Uganda Airways, em 30 de junho de 2004 (foto abaixo).
PP-VLO: Boeing 707-324C, c/n 19350, fabricado em 1966, foi comprado usado da Continental, onde era N17327, e entregue em 7 de abril de 1973. Foi vendido para a Heavylift em 23 de janeiro de 1990 e provavelmente ainda opera na Trast Aero, no Quirquistão, como EX-120;
PP-VLP: Boeing 707-323C, c/n 18940, fabricado em 1965, foi comprado usado da American Airlines, onde era N7561A, e entregue em 20 de abril de 1973. Foi vendido em 20 de junho de 1989 para a ALG/Buffalo. Voou provavelmente até 2006 e está estocado em Sharjah, Emirados Árabes Unidos
PP-VLU: Boeing 707-323C, c/n 19235, fabricado em 1966, foi comprado usado da Continental, onde era N7562A, e entregue em 28 de março de 1974. Desapareceu no Oceano Pacífico, após decolar de Narita, Japão, em 30 de janeiro de 1979.
Na mesma época, no entanto, uma revolução estava em curso. Em 1958, a Pan Am introduziu na rota do Atlântico Norte uma aeronave a jato, o Boeing 707, que podia transportar um número bem maior de passageiros, com quase o dobro da velocidade e ainda por cima com custo menor. A Pan Am também introduziu em serviço, na mesma época, outro jato da mesma categoria, o Douglas DC-8.
É óbvio que tal revolução não poderia passar desapercebida das demais empresas aéreas. A Varig sentiu que, caso a Pan Am resolvesse voar para o Brasil de jato, os voos de Super Constellation estariam liquidados. Então, a diretoria da empresa resolveu adquirir aeronaves a jato. Em setembro de 1957, a Varig encomendou à Boeing 2 jatos 707-441. Adicionalmente, a empresa também encomendou dois jatos bimotores Sud Aviation Caravelle I, para atender as linhas domésticas principais.
Como a linha de produção do 707 estava repleta de encomendas, a entrega das aeronaves demorou muito. Os Caravelles chegaram primeiro, e ao invés de atender linhas domésticas, foram imediatamente colocados na linha para Nova York, em 12 de setembro de 1959, dividindo a mesma com os Constellation. Eram dois voos com os Caravelle e três com os Constellation por semana.
Finalmente, em 22 de junho de 1960, o primeiro Boeing 707-441, matriculado PP-VJA, chega ao aeroporto do Galeão, já trazendo passageiros pagantes de Nova York. A Varig deixou de usar a sequência de matrículas do lote PP-VEA a PP-VIZ e passou direto para VJA, o "J" significando "jato".
O PP-VJA foi apresentado ao público em Porto Alegre da mesma maneira como o Super Constellation cinco anos antes, com um voo rasante sobre a pista. Isso certamente ficou na lembrança de quem viu e, principalmente, ouviu. O ruído produzido pelos motores Rolls-Royce certamente deixou a sua marca. Uma banda, contratada pela Varig e que estava tocando na hora do pouso, ficou desconcertada com o barulho e saiu totalmente do ritmo.
Os dois primeiros 707 da Varig, os PP-VJA e PP-VJB, eram do modelo 441. Os Boeing 707 série 400 (41 identificava o operador inicial, no caso, a Varig) eram equipados com quatro motores turbofan Rolls-Royce Conway MK-508-40, de 17.500 lbf de empuxo cada um. Esses motores eram mais econômicos que os turbojatos Pratt & Whitney usados nos 707 da Pan Am, conferindo uma maior autonomia e que permitia voar entre o Brasil e Nova York sem escalas pela primeira vez na história.
No início da carreira no Brasil, a pista do Aeroporto do Galeão passou por uma ampliação, impedindo temporariamente a operação dos 707 na mesma. Os voos passaram então a sair do novíssimo aeroporto de Brasília, a recém inaugurada capital do Brasil, até a conclusão das obras. O trecho entre Brasília e o Galeão era feito com os Caravelle. Esses problemas baixaram o nível de utilização do avião e a Varig resolveu arrendar o PP-VJB para a companhia israelense El Al, entre dezembro de 1960 e maio de 1961. Essa aeronave passou a voar entre Nova York e Tel Aviv, com uma escala intermediária, com tripulação mista Varig - El Al.
O PP-VJA carregando um motor extra, em um pod abaixo da asa |
Foi justamente nessa linha de Los Angeles que a Varig sofreu sua primeira grande tragédia da era do jato. A tripulação do PP-VJB, na madrugada do dia 27 de novembro de 1962, cometeu um erro de navegação na aproximação para o Aeroporto de Lima-Callao, no Peru, e o avião bateu na montanha de La Cruz, vitimando todos os 17 tripulantes e 80 passageiros a bordo. As 97 vítimas do voo 810 sustentaram por 11 anos o infeliz recorde de maior acidente com uma aeronave comercial brasileira, até o desastre do voo Varig 820, em Paris, em 1973.
O PP-VJB, acidentado em Lima, no Peru em 1962. |
O PP-VLK, operando exclusivamente carga, em Los Angeles, 1984 |
Em 1963, os dois Caravelles remanescentes, devido à sua pequena capacidade de passageiros, foram vendidos. A frota de jatos da Varig foi acrescida, entretanto, de três Convair 990 Coronado, adquiridos pelo consórcio REAL-Aerovias-Nacional, absorvido pela Varig. Em 1965, a Varig passou ainda a operar dois Douglas DC-8 que vieram da Panair do Brasil, cujas operações foram suspensas pelo Governo Federal por razões até hoje não muito bem explicadas. A Varig foi a única empresa aérea do mundo a operar simultaneamente os três modelos de quadrijatos americanos da primeira geração.
Em agosto de 1965, a Varig resolveu aumentar sua frota internacional, encomendando novas aeronaves Boeing 707 da série -300, com motores turbofan Pratt & Whitney JT-3D, que se tornaram depois os modelos definitivos do 707. Os primeiros aviões 707-341C a operar na Varig, matriculados PP-VJR e PP-VJS, chegaram ao Brasil em 28 de dezembro de 1966. Em 22 de março do ano seguinte, chegou o PP-VJT. Essas três aeronaves foram os únicos Boeing 707-341C encomendados diretamente ao fabricante pela Varig. As demais 14 aeronaves foram encomendadas por outros operadores antes da Varig e várias chegaram ao Brasil já bastante usadas.
Decolagem de Boeing 707 da Varig |
Um erro de manutenção colocou fim prematuro na carreira do PP-VJR |
Sem dúvida alguma, os Boeing 707 marcaram toda uma época na aviação brasileira, assim como aconteceu no resto do mundo. Mas a carreira deles foi bastante conturbada. A primeira perda, já citada, foi a do PP-VJB em 1962. Em 07 de setembro de 1968, o PP-VJR foi perdido em um incêndio no hangar da Varig no Aeroporto do Galeão, durante trabalhos de manutenção. Um mecânico, ao trocar as garrafas de oxigênio resolveu lubrificar as conexões com graxa, que entrou em combustão espontânea e incendiou a aeronave inteira.
Em 1969, o Boeing 707-345C PP-VJX foi sequestrado duas vezes e desviado para Cuba, mas sem vítimas a bordo. Em 1970, o PP-VJX foi novamente sequestrado, tornando-se uma espécie de recordista mundial nesse tipo de evento.
Em 9 de junho de 1973, o PP-VLJ, um B707-327C, acidentou-se na aproximação da pista 14 do Aeroporto do Galeão, proveniente de Viracopos. Era um voo de carga, com quatro tripulantes a bordo. O avião caiu no mar devido à operação marginal dos spoilers na aproximação, batendo nas torres do ALS e afundando na Baía da Guanabara. Dois dos quatro tripulantes faleceram no acidente.
O PP-VJZ, destruído num acidente em Orly, 1973. |
Pouco mais de um mês depois, uma tragédia muito maior atingiu o voo Varig 820, operado pelo B707-345C matriculado PP-VJZ. Um incêndio na cabine de passageiros, iniciado em um dos toaletes traseiros, forçou a tripulação a pousar antes da pista do Aeroporto de Orly, em Paris, em 11 de julho de 1973. Embora o pouso tenha sido bem sucedido, somente um, dos 117 passageiros a bordo, sobreviveu.
Dos tripulantes, 10 dos 17 a bordo sobreviveram, se refugiando dentro do cockpit e saindo do avião pelas janelas do mesmo, após o pouso. As mortes foram causadas pela fumaça tóxica a bordo. Até aquela data, foi o pior desastre aéreo da Varig e de qualquer avião matriculado no Brasil.
A vítima seguinte foi o PP-VJT, um B707-341C, em 11 de junho de 1981. Essa aeronave fazia um voo de carga para o Aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus, e aquaplanou na pista encharcada quando pousou com velocidade de 148 Knots, batendo no balizamento, o que causou o colapso do trem de pouso direito e perda total da aeronave. Não houve vítimas entre os 3 tripulantes da aeronave.
Os Boeing 707 utilizados pela Varig frequentaram as principais rotas da empresa por muitos anos, e podiam ser vistos quase diariamente nos aeroportos de Paris, Nova York, Londres, Tóquio, Lisboa, Madri e Johannesburgo. Essa aeronave foi responsável pela grande expansão nas rotas internacionais da empresa nos anos 60 e 70.
Para os pilotos, era uma aeronave complexa e manhosa. Seus comandos de voo mecânicos exigia um bom preparo físico, por serem bastante pesados. Como jato de primeira geração, era muito pouco automatizado, dando muito trabalho a todos os tripulantes, mas em especial ao engenheiro de voo. O sistema de navegação por radar Doppler, introduzido nos pioneiros VJA e VJB, era bastante complicado e impreciso, e a margem de erro em um longo voo de 11 horas para a Europa, por exemplo, podia chegar a 20 milhas náuticas. O cockpit da aeronave era bastante apertado para os 6 tripulantes, especialmente em longos voos de carga, lembrando, nas palavras do experiente Comandante José Geraldo de Souza Pinto, um submarino.
Boeing 707 cargueiro da Varig, em Zurich, 1978 |
A partir de 1974, os Boeing 707 começaram a ser progressivamente substituídos por aeronaves wide-bodies, os McDonnell-Douglas DC-10, inicialmente nas linhas de maior prestígio e movimento. Como resultado disso, muitos passaram a atender linhas africanas, como Abdijan e Joahannesburgo, e voos exclusivos de carga. Em 1979, os dois pioneiros 707-441 foram vendidos.
O PP-VLO em Los Angeles, 1980 |
Ainda em 1979, ocorre o misterioso desaparecimento do PP-VLU. A aeronave decolou do Aeroporto de Narita, no Japão, com destino a Los Angeles e Galeão, às 20 horas e 23 minutos do dia 30 de janeiro de 1979. Era um voo de carga, que carregava, entre outros ítens, 153 quadros do pintor japonês, naturalizado brasileiro, Manabu Nabe. O comandante do avião, 22 minutos depois de decolar, fez a primeira comunicação com os órgãos de controle de tráfego aéreo, e tudo estava normal. Mas não houve nenhuma outra comunicação e o PP-VLU desapareceu para sempre, sem deixar vestígios. Até hoje, ninguém sabe o que aconteceu com o avião. O comandante do voo, Gilberto Araújo da Silva, que também comandava o malfadado voo 820 em Orly, em 1973, e mais cinco tripulantes se foram junto com o avião.
A década de 1980 representou o fim da linha para os Boeing 707 na empresa. Em 1982, a Transbrasil comprou o PP-VJS, último remanescente da encomenda original de 707-441C feita à Boeing em 1965. Em 1986, a Força Aérea Brasileira resolve adquirir da Varig quatro aeronaves, para convertê-los em aviões tanques para reabastecimento no ar KC-137.
O primeiro desses aviões deveria ter sido o PP-VJK. No último voo que a aeronave fazia na Varig, antes de ser entregue à FAB, em 03 de janeiro de 1987, o VJK perdeu o motor #1, algum tempo depois de decolar de Abdijan, Costa do Marfim. Ao retornar ao aeroporto, a tripulação perdeu o controle da aeronave e a mesma se precipitou na selva, matando 12 tripulantes e 38 passageiros. Milagrosamente, um dos passageiros sobreviveu ao desastre.
Os aviões selecionados pela FAB foram os PP-VJK (FAB 2400), PP-VJY (FAB 2401), PP-VJX (FAB 2402) e PP-VJH (FAB 2403). Com a perda do PP-VJK, a Varig substituiu-o em março de 1987 pelo PP-VLK, que se tornou o FAB 2404. As aeronaves começaram uma nova carreira como aviões militares, inclusive transportando por um bom tempo o Presidente da República, e permaneceram em serviço até outubro de 2013.
A história dos KC-137 da FAB foi contada no artigo publicado neste blog no link: http://culturaaeronautica.blogspot.com/2009/08/os-boeing-707-na-forca-aerea-brasileira.html.
Finalmente, a Varig retirou de serviço seus últimos 707 em 1989, e todos os remanescentes foram vendidos.
Logo abaixo, pode se ver a relação completa dos Boeing 707 operados pela Varig em seus 29 anos de carreira. Seis dos vinte aviões foram perdidos em acidentes na empresa, e um foi destruído no hangar:
PP-VJA: Boeing 707-441, c/n 17905, comprado novo e entregue em 07 de junho de 1960. Foi vendido em 10 de abril de 1979 para a RDC Marine, como N59RD. Desmontado em Houston em 1990;
PP-VJB: Boeing 707-441, c/n 17906, comprado novo e entregue em 16 de junho de 1960. Acidentou-se com perda total em Lima, Peru, em 27 de novembro de 1962;
PP-VJH: Boeing 707-320C, c/n 20008, comprado novo e entregue em 14 de julho de 1969. Vendido para a FAB em 13 de março de 1986, onde operou como FAB 2403.Foi desmontado;
PP-VJK: Boeing 707-379C, c/n 19822, comprado novo e entregue em 04 de novembro de 1968. Acidentou-se com perda total em Abdijam, Costa do Marfim, em 03 de janeiro de 1987;
PP-VJJ: Boeing 707-441, c/n 18694, comprado novo e entregue em 22 de outubro de 1963. Vendido em 03 de setembro de 1979 para a RDC Marine, como N58RD. Provavelmente desmontado em Goma, Uganda, onde sofreu um incidente em 20 de dezembro de 1991;
PP-VJR: Boeing 707-341C, c/n 19320, comprado novo e entregue em 28 de dezembro de 1966. Foi destruído em um incêndio no hangar da Varig no Aeroporto do Galeão, em 07 de setembro de 1968;
PP-VJS: Boeing 707-341C, c/n 19321, comprado novo e entregue em 28 de dezembro de 1966. Foi vendido para a Transbrasil em 29 de setembro de 1982. Desmontado em Kansas City entre 1999 e 2000;
PP-VJT: Boeing 707-341C, c/n 19322, comprado novo e entregue em 22 de março de 1967. Acidentou-se com perda total em Manaus/AM, em 11 de junho de 1981;
PP-VJX: Boeing 707-345C, c/n 19842, comprado pela Seabord, mas não entregue. Veio novo e entregue em 06 de agosto de 1968. Foi sequestrado três vezes. Foi vendido para a FAB em 12 de novembro de 1986, onde operou como FAB 2402; Permanece estocado e à venda na Base Aérea do Galeão (jan/2017);
PP-VJY: Boeing 707-345C, c/n 19840, arrendado da Seabord em operação de lease back, veio novo e entregue em 26 de fevereiro de 1968. Foi vendido para a FAB em 04 de julho de 1986, onde operou como FAB 2401. Voou muito tempo como aeronave presidencial, e foi apelidado pejorativamente de "Sucatão"; Foi desmontado, a despeito do seu grande valor histórico;
PP-VJZ: Boeing 707-345C, c/n 19841, arrendado da Seabord em operação de lease back, veio novo e entregue em 06 de março de 1968. Acidentou-se com perda total nas proximidades de Orly, França, em 11 de julho de 1973 (foto abaixo);
PP-VLI: Boeing 707-385C, c/n 19433, fabricado em 1966, comprado usado da American Airlines, onde era N8400 e entregue em 1º de setembro de 1971. Vendido em junho de 1989 para a ALG/Buffalo AW. Acidentou-se em Asmara, na Eritréia, em 25 de março de 1991;
PP-VLJ: Boeing 707-327C, c/n 19106, fabricado em 1966, foi comprado usado da Braniff, onde era N7097, e entregue em 24 de novembro de 1971. Acidentou-se com perda total no Rio de Janeiro, em 9 de junho de 1973;
PP-VLK: Boeing 707-324C, c/n 19870, fabricado em 1968, foi comprado usado da Continental, onde era N47332, e entregue em 30 de março de 1972. Foi vendido para a FAB em 16 de março de 1987, onde operou como FAB 2404;
PP-VLL: Boeing 707-324C, c/n 19871, fabricado em 1968, foi comprado usado da Continental, onde era N67333, e entregue em 14 de abril de 1972. Foi vendido para a Ecuator Leasing em 2 de dezembro de 1987. Desmontado em Luanda, Angola, em 1999;
PP-VLM: Boeing 707-324C, c/n 19869, fabricado em 1968, foi comprado usado da Continental, onde era N47331, e entregue em 04 de setembro de 1972. Vendido para a Ecuator Leasing em 14 de novembro de 1987. Estocado em Luanda, Angola, desde 1999.
PP-VLN: Boeing 707-324C, c/n 19177, fabricado em 1966, foi comprado usado da Continental, onde era N17325, e entregue em 7 de abril de 1973. Foi vendido para a ALG/Buffalo em agosto de 1989. Desmontado em Ostende, Bélgica, onde foi abandonado pela Uganda Airways, em 30 de junho de 2004 (foto abaixo).
PP-VLO: Boeing 707-324C, c/n 19350, fabricado em 1966, foi comprado usado da Continental, onde era N17327, e entregue em 7 de abril de 1973. Foi vendido para a Heavylift em 23 de janeiro de 1990 e provavelmente ainda opera na Trast Aero, no Quirquistão, como EX-120;
PP-VLP: Boeing 707-323C, c/n 18940, fabricado em 1965, foi comprado usado da American Airlines, onde era N7561A, e entregue em 20 de abril de 1973. Foi vendido em 20 de junho de 1989 para a ALG/Buffalo. Voou provavelmente até 2006 e está estocado em Sharjah, Emirados Árabes Unidos
PP-VLU: Boeing 707-323C, c/n 19235, fabricado em 1966, foi comprado usado da Continental, onde era N7562A, e entregue em 28 de março de 1974. Desapareceu no Oceano Pacífico, após decolar de Narita, Japão, em 30 de janeiro de 1979.