sábado, 21 de agosto de 2010

Modificações SFP para os Boeing 737-800

Pouco depois de entrar em operação, a empresa aérea Gol estudou diversas maneiras de aumentar sua capacidade de operar na linha Congonhas - Santos-Dumont, o "filet-mignon" das linhas aéreas brasileiras. A aeronave padrão utilizada pela empresa, o Boeing 737-700 não se demonstrava suficiente para atender a grande demanda nesses aeroportos centrais, e o Boeing 737-800, maior, não era homologado para operar nas curtas pistas do Aeroporto Santos Dumont.
A Gol resolveu consultar a Boeing, para ver se não era possível incrementar a capacidade dos Boeing 737-800 de operar em pistas mais curtas. Os engenheiros da Boeing estudaram o problema e desenvolveram um "pacote" de modificações no modelo standard do avião, o qual foi denominado SFP - Short Field Performance.

O pacote de modificações Short Field Performance foi desenvolvido entre 2005 e 2006 especificamente para atender a GOL, que pretendia operar o modelo B737-800 nas pistas de 1.465 metros do Aeroporto Santos Dumont. 
As modificações permitem acréscimo de peso de aproximadamente 4.700 kg (10.000 libras) para pouso e 1.700 kg (3.750 libras) para decolagem de pistas curtas. O pacote SFP inclui as seguintes mudanças em relação aos modelos B737-800 Standard:
  • Os spoilers de voo são capazes de 60 graus de deflecção no pouso pela adição de atuadores hidráulicos com maior curso. Comparem isso com os atuais 33/38 graus dos modelos standard. A modificação reduz as distâncias de corrida na pista após o pouso e melhora a capacidade dos freios de para a aeronave dentro dos limites da pista;
  • Os slats (na foto abaixo, os slats standard) são selados para decolagem com flap 15 (comparado com o atual flap 10) para pérmitir que a asa gere mais sustentanção com ângulos de rotação mais baixos;
  • Os slats somente são estendidos totalmente quando os flaps estão além de 25 graus (comparado com os atuais 5). A função Autoslat é disponível de flap 1 até 25;
  • A função de alívio de carga do flap fica ativa de flap 10 graus ou mais;
  • Um tailskid (patim de proteção da estrutura da cauda) de duas posições fornece uma extensão extra de 127 mm (5 polegadas) para proteção da cauda no pouso. Isso permite maiores angulos de ataque e mais segurança para reduzir a Vref, o que diminui a corrida após o pouco, e oferece maior segurança de operação (foto abaixo);
  • Camber do trem de pouso principal reduzido em 1 grau para aumentar a uniformidade de frenagem entre todos os pneus do trem de pouso principal;
  • Redução do atraso de aceleração do motor entre idle e potência total de 5 segundos para 2 segundos;
  • Revisão dos softwares do FMC e do FCC.
O pacote SFP tornou-se disponível como opcional para todos os Boeing 737-800 (Boeing 737-800 SFP) e é equipamento padrão em todos os Boeing 737-900ER. Algumas das modificações também podem ser aplicadas aos modelos 600 e 700. 

O primeiro SFP voou pela primeira vez em 24 de janeiro de 2006 e foi operado pela Boeing em testes de certificação até a entrega da aeronave para a Gol, em 28 de julho de 2006. 
Atualmente, a aeronave opera na Gol com a matrícula PR-GTA. Mais de 250 aeronaves modificadas foram encomendadas, não apenas pela Gol, mas também por outras empresas como a All Nippon Airways, Japan Airlines, GECAS, Alaska Airlines e muitas outras.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Estranhas superstições e terríveis coincidências na aviação

Crendices e supertições existem desde a pré história, e o grande universo da aviação parece que não ficou imune. Também rondam a aviação algumas superstições, além de algumas terríveis e macabras coincidências.
Uma das mais conhecidas superstições da aviação dizem respeito a pessoas, principalmente pilotos, que posaram para fotos com uma mão na hélice. Dizem que dá azar, e que essas pessoas podem futuramente sofrer um desastre aéreo fatal. Será mesmo verdade?

Em muitos lugares, o número 13 é considerado de mau agouro, e muitos edifícios nos Estados Unidos e na Europa simplesmente não possuem o 13º andar, acima do 12º vem o 14º. Pois bem, as aeronaves da empresa aérea KLM, da Holanda, simplesmente não possuem a fileira nº 13 em nenhuma de suas aeronaves.

Quando matriculam as aeronaves, algumas empresas aéreas, por superstição, evitam colocar certas letras nessas matrículas. Nenhuma aeronave da empresa brasileira GOL, por exemplo, tem matrículas que terminam com a letra "S". Não se sabe bem o motivo, mas muitos empregados e executivos da GOL vieram da extinta Transbrasil, que perdeu em 1980 um Boeing 727, matriculado PT-TYS, em Florianópolis e um Boeing 707, matriculado PT-TCS, em Guarulhos, em 1989. Então, pode estar aí o motivo da superstição.
A GOL não é exclusiva nisso, pois nenhuma aeronave da KLM tem matrícula terminada em "J". Nesse caso, não se sabe mesmo o motivo. A KLM perdeu um Douglas DC-7 em Frankfurt, matriculado PH-TBJ, em 1952, mas acidentes muito piores já aconteceram na empresa, como o terrível desastre de Tenerife. Esse acidente, que envolveu o Boeing 747-200 matriculado PH-BUF, matou 583 pessoas em 1977. Nesse caso, a letra "F" é que deveria ser banida das matrículas dos jatos da KLM, mas isso não acontece.

No Brasil, matrículas terminadas com a letra "K" parecem trazer muito mau agouro. Por uma estranha coincidência, muitas aeronaves comerciais cujas matrículas terminavam com a letra "K" sofreram desastres terríveis, como por exemplo:

PT-MRK: Fokker 100 da TAM que caiu pouco depois da decolagem em outubro de 1996, matando 99 pessoas;
Dano provocado por atentado a bomba no PTY-WHK
 PT-WHK: Fokker 100 da TAM, antes operado pela TABA: essa aeronave sofreu uma explosão na cabine de passageiros, em 16 de julho de 1997, e um passageiro morreu em consequência disso. Foi um atentado a bomba até hoje bem pouco esclarecido.
PR-MBK: Airbus A320 da TAM que se acidentou ao tentar pousar em Congonhas, em 2007, e que vitimou 199 pessoas;
PP-SRK: Boeing 727-200 da Vasp, que bateu em um morro quando se aproximava do aeroporto de Fortaleza, no Ceará, em 1982, vitimando 137 pessoas;
PP-VMK: Boeing 737-200 da Varig, que caiu na Selva Amazônica em 1989, depois de se perder por um erro de navegação, vitimando 13 passageiros;
PP-VJK: Boeing 707-300 da Varig, que caiu em Abdijan, Costa do Marfim, em 1987, vitimando 50 pessoas. Estava fazendo o último voo comercial da aeronave, que tinha sido vendida para a FAB, onde seria um avião presidencial;
Entre outras aeronaves comerciais brasileiras cujas matrículas terminavam com "K", também se acidentaram as aeronaves PP-VAK, PP-CCK, PP-YPK, PP-VCK, PP-ANK e PT-MFK.

A extinta VASP parece que não tinha sorte com as aeronaves cujas matrículas terminavam com a letra "E": perdeu em acidentes as aeronaves PP-SPE (Junkers 52), PP-SBE (Bandeirante), PP-SME (Boeing 737-200), PP-SQE (Saab Scandia) e PP-SRE (Viscount).

Aeronaves com esquemas especiais de pintura, ou que apareciam em anúncios ou maquetes com suas matrículas originais também não deram sorte. O Fokker 100 da TAM PP-MRK, acidentado em Congonhas, tinha uma pintura toda em azul, que comemorava o prêmio ganho pela TAM como "Número 1" entre as empresas regionais do mundo inteiro.

O Super Constellation da Varig PP-VDA foi reproduzido em fotos e maquetes oficiais da empresa, e acabou sendo o único avião do tipo perdido em acidente na Varig. Desde então, a empresa sempre adotou a matrícula fictícia PP-VRG, nunca utilizada em nenhum avião, para todas as maquetes e fotos de anúncios. A Transbrasil proibia também que as suas aeronaves aparecem em fotos de anúncios com suas matrículas reais.

O interessante é que o Boeing 707-320C da Varig PP-VJZ quebrou essa regra, e apareceu em um anúncio da Varig Cargo com a sua matrícula real. Algum tempo depois, o VJZ acidentou-se em Paris, matando 123 dos seus 134 ocupantes.

Entre os números de voo, merece destaque a terrível coincidência entre os números dos voos GOL 1907 e o Kazakhstan Airlines 1907. Ambos se perderam em acidentes, do mesmo tipo, pois colidiram com outras aeronaves. O GOL 1907 chocou-se com um jato executivo Legacy, vitimando 154 pessoas, e o Kazakhstan Airlines 1907 chocou-se com um Boeing 747 da Saudi Arabian na Índia, vitimando 349 pessoas.

Parece que o espanhol da piada tinha uma certa razão quando disse: "Yo no creo en brujas, pero que las hay, hay..." (Eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem...)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O Diário da Morte de Milton Terra Verdi

Em um já distante agosto de 1960, o piloto Milton Terra Verdi pousava em emergência  numa clareira na selva bolliviana. Sem socorro, sem água e sem comida, Terra Verdi passou 70 dias escrevendo um diário, que terminaria pouco tempo antes da sua morte. O diário virou um livro, o "Diário da Morte". 
 
Poucos livros são tão dramáticos. É comparável ao antológico "Diário de Anne Frank". O texto abaixo foi extraído, na íntegra, do interessante blog "Coisas para se pensar", de autoria de Chang Tsai. No mês em que se completam 50 anos do pouso forçado do Cessna 140 de Milton Terra Verdi na inóspita selva boliviana, e que terminaria com a sua morte por inanição, é preciso repensar certos valores e crenças. 

A aeronave de Terra Verdi foi recuperada pela Fundação EducTam, com autorização da família, da clareira na qual pousou na Bolívia, em 1960, e exposta no Museu da TAM, em um dramático diorama, que reproduz exatamente as condições nas quais foi encontrada quase cinco décadas depois.
Eis o texto de Chang Tsai:

Num mundo em que vivemos onde muitos ostentam sem necessidade e são ingratos, eu recomendo a leitura do livro O Diário da Morte de Milton Terra Verdi. Ele e o cunhado, Antônio Augusto Gonçalves, tiveram que fazer um pouso forçado do Cessna 140 em que viajavam no meio da selva boliviana, entre Corumbá e Santa Cruz de La Sierra por falta de combustível.
O registro começa no dia do pouso forçado, em 29 de agosto de 1960. De acordo com o relato de Milton, seu cunhado morreu de inanição mais de uma semana depois. Verdi esperava por um socorro que nunca chegou a tempo. Foram 70 dias de angústia, tendo que conviver com a decomposição do corpo de Antônio. Só podia contar com a água da chuva que vinha de vez em quando. Foram feitas tentativas de se embrenhar na mata fechada, porém em vão. Com fome e sede constantes e mesmo assim ainda conseguia escrever usando mapas e documentos para se manter lúcido. À medida que o tempo ia passando e o socorro não chegava, a solidão e o desespero tomavam conta.

No 65º dia, ele escreve sobre como o sofrimento muda a nossa forma de pensar, pedindo a Deus por nova oportunidade de ser bom pai, bom filho e bom marido. Do outro lado, o pai de Milton tentava vencer a burocracia e conseguir ajuda por parte dos órgãos responsáveis pela aviação brasileira. Os bolivianos foram muito mais solícitos no pedido de ajuda. Se a aviação brasileira é um caos nos tempos atuais, imagine como era há 50 anos atrás! Infelizmente, o socorro chegou apenas no dia 24 de dezembro daquele ano, mais de um mês depois de Milton falecer, também de inanição.

A seguir, trecho do diário escrito no 9º dia e trecho de uma carta escrita à sua esposa:

"Como se acabam as ilusões de um homem. Hoje para mim, um litro d'água que é a coisa mais barata que nós temos, vale mais que todo o dinheiro do mundo e um prato de arroz com feijão não tem dinheiro que pague. Se Deus nos der nova chance, temos planos de ser os homens mais humildes do mundo, querendo apenas ter nossa comida, água em abundância e o carinho das esposas, filhos e familiares".

"Minha querida esposa e dedicada mãe de meus filhos, primeiramente, peço que me perdoe pelos maus momentos que te fiz passar, vejo agora que tudo não passa de ilusão, o que vale mais no mundo é a água, a comida de todo dia e o carinho da nossa querida esposa e filhos. Saiba que você foi o único amor da minha vida, não duvides porque é um moribundo quem está falando. Nunca deixes ninguém passar sede, pois é a pior coisa do mundo".

Eu também prefiro um estilo de vida simples, sem muito luxo, cuidando da saúde física e mental para durar muitos anos. Pergunte a um desempregado o que é importante para ele. Pergunte a um doente crônico o que é importante para ele. Pergunte a um solitário o que é importante para ele. As pessoas que se apegam muito a coisas e são ingratas com tudo em sua volta, estas não quero perto de mim por muito tempo. Já vi e convivi com muitos deste tipo na escola e na universidade. Com a certeza de que não acrescentam em nada na minha vida.

Autor: Chang Tsai, blog "Coisas para se pensar"
(http://outsidethebox2006.blogspot.com/)

domingo, 8 de agosto de 2010

O grande incêndio do Aeroclube de São Paulo

O Aeroclube de São Paulo foi fundado em 08 de junho de 1931 e sempre foi um dos maiores do Brasil. Ao contrário da grande maioria dos aeroclubes, o Aeroclube de São Paulo há décadas tem uma frota praticamente desprovida dos populares aviões de treinamento CAP-4 e P-56 Paulistinhas.
A razão para esse fato é uma tragédia: em 1967, a quase totalidade dos aviões do Aeroclube foi destruída em um incêndio, que quase encerrou a história dessa grande instituição.

Em meados dos anos 60, o Aeroclube de São Paulo tinha uma grande frota de aeronaves, a maioria deles composta de modelos CAP-4 e P-56 Paulistinha, como praticamente todos os aeroclubes. Os Paulistinhas são aeronaves enteladas e com estrutura da asa feita em madeira. Danificam-se facilmente se estacionados por muito tempo ao ar livre. Como o espaço nos hangares era pouco para uma frota tão grande, o Aeroclube utilizava uma prática de erguer a cauda dos aviões e apoiar a hélice em um suporte de madeira bem baixo. Os Paulistitnhas ficavam quase na vertical, e isso aumentava o espaço no hangar para as aeronaves (ver fotos abaixo, do Aeroclube de Bragança Paulista, de autoria de Irineu Moura).

Embora possibilitasse a hangaragem de praticamente todos os aviões, essa prática também tinha seus riscos. Os Paulistinhas tinham um tanque superior, no teto do cockpit. Esse tanque deveria estar vazio quando se erguia a cauda da aeronave, pois o combustível do mesmo vazava quando o avião estava nessa posição. Evidentemente, em alguns casos algum combustível sobrava no tal tanque, e os vazamentos invariavelmente deixavam o hangar com uma explosiva mistura de ar com vapor de gasolina. Só faltava alguém ou alguma coisa causar a ignição.

Na tarde do dia 14 de outubro de 1967, um aluno, que tinha feito um voo de instrução pela manhã, voltou ao hangar para buscar um molho de chaves que tinha perdido e que deveria estar, provavelmente, dentro do avião em que voara. O hangar estava fechado e quente, e o característico cheiro de gasolina de aviação impregnava o ambiente.

Ao procurar suas chaves, na escuridão do hangar, o aluno resolveu acender um isqueiro para iluminar o interior do avião. Tão logo fez isso, ocorreu uma explosão dos vapores de combustível. O fogo tomou conta do avião rapidamente, e o aluno, bastante queimado, saiu correndo para fora, sem tempo hábil para pegar um extintor. Outras pessoas que estavam no local sairam correndo também, e logo o fogo se alastrou para todo o hangar.

Cerca de 30 aeronaves Paulistinha estavam no interior do hangar, e infelizmente nada sobrou delas. O fogo demorou horas para ser contido pelos bombeiros, e de um momento para o outro o Aeroclube de São Paulo perdeu a quase totalidade da sua frota. Felizmente, nenhuma vida humana foi perdida.

O Aeroclube só não parou por completo porque alguns poucos aviões não estavam no hangar e sobreviveram à tragédia. Mas a sobrevivência da instituição estava seriamente ameçada, e a diretoria resolveu tomar medidas para recompor a frota. Infelizmente, o Departamento de Aviação Civil não tinha aeronaves disponíveis para ceder ao Aeroclube, já que a Neiva já havia encerrado a produção do P-56 há anos.

A solução encontrada foi pedir a colaboração dos sócios. Um programa de venda de títulos de sócio remido foi iniciado, e alguns sócios abastados, grandes industriais e comerciantes, colaboraram com grandes somas em dinheiro.

O Aeroclube fez uma grande encomenda de aeronaves junto à americana Piper, de 12 aeronaves Cherokee 140 de instrução básica, e 6 Arrows, para instrução avançada.

Em 1973, seis anos depois do grande incêndio, vários sócios e pilotos do Aeroclube foram aos Estados Unidos buscar os aviões. Todos os 18 aviões foram transladados em voo para o Brasil, fazendo escalas em 14 cidades atraves das Américas.

O voo dessas aeronaves constituiu-se em uma grande aventura, tanques externos foram adaptados para aumentar a autonomia dos aviões, e os aviões Arrow, mais bem equipados em instrumentação, serviram de guia aos Cherokees na longa viagem de mais de 7.000 Km. A operação foi muito bem sucedida, e os Cherokees e Arrows do Aeroclube de São Paulo logo entraram em operação na instrução, tornando-se assíduos frequentadores dos céus paulistanos.

A entrada em operação dos Pipers no Aeroclube de São Paulo marcou um momento de renascimento da instituição, que esteve perto da extinção depois do incêndio. Embora a frota tenha sido numericamente reduzida, a qualidade da instrução melhorou muito com as então novas e avançadas aeronaves, e até hoje várias daqueles aeviões permanecem em uso, quase 40 anos depois. Alguns Cherokees desativados foram vendidos,  mas um foi colocado como monumento em um pedestal no Aeroclube e outro foi pendurado no interior do Bar Brahma, lembrando o renascimento do Aeroclube de São Paulo como uma das melhores escolas de aviação do Hemisfério Sul.