sábado, 23 de abril de 2011

Tubo de pitot: como funciona?

O tubo de pitot é um sensor de pressão que possibilita o funcionamento de um dos mais importantes instrumentos de uma aeronave, o velocímetro.
Basicamente, é um tubo instalado paralelamente ao vento relativo e com um orifício voltado diretamente para o fluxo de ar resultante da velocidade aerodinâmica da aeronave. Esse orifício se comunica com o interior de uma cápsula aneróide, instalada no velocímetro da aeronave. A caixa do instrumento recebe a pressão estática do ar de uma fonte estática, que não é afetada pela variação de velocidade da aeronave.
Quando a aeronave está estacionária e não há vento relativo, nem real, a pressão que entra pelo orifício do pitot é somente a  pressão atmosférica estática. A cápsula aneróide permanece então em uma posição neutra e a velocidade indicada é zero. Quando a aeronave se desloca na massa de ar, o vento relativo causa um aumento na pressão de ar admitida pelo oríficio do tubo de pitot, em relação à pressão estática, e essa "pressão de impacto", somada à pressão estática, faz a cápsula aneróide expandir. O movimento de expansão da cápsula é transmitido aos ponteiros do velocímetro por hastes e engrenagens, do tipo setor e pinhão, o que faz o ponteiro se movimentar, indicando ao piloto a velocidade da aeronave.
A equação abaixo explica matematicamente o funcionamento do tubo de pitot:

p_t = p_s + \left(\frac{\rho V^2}{2}\right)

Então, temos para a velocidade:

V = \sqrt{\frac{2 (p_t - p_s)}{\rho}}

Sendo:
  • Pt: pressão total ou de estagnação;
  • Ps: pressão estática;
  • V: velocidade aerodinãmica
  • ρdensidade do ar
Teoricamente, então, o processo é muito simples. Na prática, é muito mais complicado. Para começar, uma aeronave não voa em ambientes de pressão constante e, consequentemente, de densidade constante do ar. Outro problema reside no fato de que as equações acima só valem para fluidos incompressíveis, e, em aeronaves que voam em alta velocidade, acima de 250 Knots, teremos que considerar os efeitos da compressibilidade decorrentes dessa alta velocidade.
Outros problemas a serem considerados são decorrentes do ponto da aeronave onde são instalados os tubos e os problemas práticos que o mesmo sofre em relação a obstruções por água, gelo, objetos estranhos ou insetos.
Os tubos de pitot geralmente são instalados sob as asas do avião, ou nas laterais do nariz. Em aeronaves supersônicas, é geralmente instalado em um longo tubo no nariz, para evitar quaisquer interferências provocadas pela passagem da estrutura do avião no fluxo de ar.

A curvatura das asas e do nariz influem na tomada de pressão, pois o ar acelera em uma curvatura, devido ao efeito de Bernoulli, e o engenheiro aeronáutico deve prover uma compensação ou correção para esse efeito para cada instalação específica.
Quando a aeronave se desloca, o tubo de pitot recebe a pressão dinâmica ou "pressão de impacto" e a pressão estática ao mesmo tempo. A soma de ambas as pressões é denominada pressão total ou pressão de estagnação. Como a cápsula aneróide do velocímetro recebe em seu interior essa pressão total, e a caixa do instrumento recebe somente a pressão estática, a expansão da cápsula será diretamente proporcional à pressão dinâmica que, por sua vez, é diretamente proporcional à velocidade aerodinâmica da aeronave.
O velocímetro, então, vai fornecer ao piloto uma informação de velocidade, que é denominada Velocidade Indicada - VI, ou, em inglês Indicated Airspeed - IAS. Em tese, a IAS é a velocidade aerodinâmica da aeronave em condições de atmosfera padrão, ao nível do mar.

O primeiro problema é a própria instalação do tubo de pitot e do instrumento no painel. Os tubos estão instalados, geralmente, próximos a áreas curvas da asa e do nariz do avião, causando erros devido ao efeito de Bernoulli, e o velocímetro geralmente está instalado à esquerda do painel do instrumento, fornecendo uma leitura com erro de paralaxe por não estar diretamente à frente dos olhos do piloto. As correções para esses erros são feitas experimentalmente e  fornecidas no Manual de Operação da aeronave, sob a forma de Velocidade Calibrada - VC ou, em inglês, Calibrated Airspeed - CAS.

A velocidade calibrada é, então, a velocidade indicada corrigida para os erros de instalação e posição do instrumento. A diferença entre a velocidade indicada e a velocidade calibrada não é muito grande, e é geralmente deixada de lado pelos pilotos, que geralmente voam com uma margem de segurança na velocidade suficiente para evitar problemas disso decorrentes.

O outro problema é que uma aeronave praticamente nunca voará em condições de atmosfera padrão ao nível do mar. Com a variação da altitude e da temperatura, ocorrerão grandes variações na velocidade aerodinãmica, em relação à velocidade indicada. Em média, a velocidade aerodinâmica da aeronave aumenta dois por cento, em relação à velocidade calibrada, a cada mil pés de altitude.

As correções para se obter a Velocidade Aerodinâmica Verdadeira - VA, em inglês True Airspeed - TAS, são feitas corrigindo-se a VC para os efeitos da temperatura do ar e para a altitude pressão, utilizando-se os conhecidos computadores analógicos de voo, ou por meios eletrônicos da própria aeronave. Outros fatores que influem na densidade do ar, como a umidade e a variação de pressão por motivos meteorológicos, são desconsiderados no cálculo, pois não chegam a influir decisivamente no mesmo. No voo em alta velocidade, os pilotos devem ainda considerar a correção da temperatura indicada em relação à temperatura verdadeira, já que a compressibilidade e o atrito com o ar elevam consideravelmente a temperatura indicada em relação à termperatura real do ar.
Alguns tubos de pitot incorporam também a tomada de pressão estática, através de um tubo que envolve coaxialmente o tubo da tomada de pressão de estagnação. Os orifícios da tomada estática são colocados na lateral do tubo, para que a velocidade do vento relativo não interfira na medição da pressão. O maior problema desse tipo de instalação é que uma eventual formação de gelo no pitot pode obstruir tanto a tomada "dinâmica" quanto a estática, e aí todos os instrumentos que trabalham com pressão, como velocímetro, altímetro e variômetro serão afetados.

Os tubos de pitot são componentes muito simples, sem peças móveis, mas mesmo assim podem sofrer problemas, quase todos relacionados com a sua obstrução. O problema de obstrução por água pode ser resolvido facilmente com a instalação de drenos adequados, não só no tubo, mas também na linha. Os maiores problemas de obstrução são ocasionados pelo gelo, que pode se formar rapidamente, especialmente em formações de nuvens cumuliformes.

Para evitar o gelo, os tubos de pitot são geralmente equipados com um sistema de aquecimento, do tipo resistência elétrica. Entretanto, o aquecimento do tubo também tem um limite de eficiência, e pode não ser suficiente para todas as situações de formação de gelo. Condições de gelo tais como a presença, nas nuvens, de água em estado de sobrefusão, podem tornar inúteis os melhores sistemas de aquecimento do tubo.

A obstrução dos tubos de pitot podem ter efeitos muito mais graves que a simples falta de indicação de velocidade. Os sistemas de automação e de alerta das aeronaves dependem de parâmetros corretos de velocidade para funcionar. Se os parâmetros de velocidade deixam de ter validade, os sistemas eletrônicos de gerenciamento de voo passam a fornecer informações díspares, e o piloto automático deixa de funcionar corretamente. Caso não se desconecte sozinho, os pilotos devem desconectá-lo e passar a voar a aeronave manualmente. Os sistemas de alarme ficam confusos, e não é incomum que ocorram, por exemplo, alarmes de estol e de sobrevelocidade simultâneos.

Nesse caso, o piloto ainda tem condições de voar a aeronave, pilotando por atitude, simplesmente olhando para fora, para o horizonte natural da Terra, ou para o indicador de atitude, e ignorar os alarmes falsos. Um instrumento muito útil nesse caso é o indicador de ângulo de ataque, presente em muitos tipos de aeronave a jato. O indicador de ângulo de ataque é muito útil também em grandes ângulos de ataque, quando o tubo de pitot é afetado devido ao fluxo de ar não estar paralelo com o mesmo.
Outros problemas de obstrução podem ser causados por insetos e F.O.D. (Foreign Objects Damage), quando a aeronave está no solo. Para minimizar o problema, é necessário proteger os tubos com uma capa. O uso da capa, no entanto, exige outros cuidados, pois a mesma, obviamente, deve ser removida antes do voo e não pode ser colocada no tubo ainda quente, pois pode se queimar e grudar no mesmo.
Alguns acidentes trágicos tiveram como fator contribuinte a obstrução do tubo de pitot. Um dos mais conhecidos, e mais trágicos, foi o acidente com o Boeing 757-225 que cumpria o voo Birgenair 301. A Birgenair era uma empresa aérea turca, e o Boeing 757 em questão estava parado havia 25 dias em Puerto Plata, na República Dominicana. Quando finalmente decolou, em 6 de fevereiro de 1996, tendo como destino Frankfurt, o velocímetro do comandante começou a dar indicações inválidas, afetando o piloto automático e o sistema de auto-throttle, e enganando os tripulantes. Apesar da falha afetar apenas o instrumento do comandante, a tripulação cometeu uma série de erros de coordenação e acabou caindo no Mar do Caribe, vitimando todos os 13 tripulantes e 176 passageiros a bordo,  o mais mortífero acidente já ocorrido com um Boeing 757.

Na investigação, constatou-se que um tipo de vespa nativa do Caribe fez um ninho no tubo de pitot, enquanto a aeronave esteve parada no aeroporto, durante 25 dias, e sem que a tripulação tivesse colocado as capas de proteção nos tubos.
Outro acidente que, muito provavelmente, está relacionado com obstrução nos tubos de pitot, dessa vez por gelo, é o do voo Air France 447, ocorrido em 1º de junho de 2009 no Oceano Atlãntico, quando voava do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, para o Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Embora os gravadores de voo desse Airbus A330 ainda não tenham sido encontrados, até a elaboração desse artigo, a aeronave, pouco antes do acidente, transmistiu diversas mensagens automáticas pelo sistema de HFDL (High Frequence Data Link) que fazem supor que houve falha de indicação de velocidade. Como a aeronave atravessava formações de cumulus-nimbus muito pesadas, uma das hipóteses é de que seus tubos de pitot foram obstruídos por gelo causado por água em estado de sobrefusão, situação que desafia até os mais eficientes sistemas de aquecimento. O acidente do Air France 447 vitimou 12 tripulantes e 216 passageiros. Não houve sobreviventes.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Lindbergh narra seu primeiro voo de guerra

Charles Augustus Lindbergh realizou, em 1927, a primeira travessia solitária do Oceano Atlântico, tornando-se, desde então, um herói nacional.  Todavia, no final da década de 1930 e começo da década de 1940, foi acusado de ser simpatizante do regime nazista. Visitou a Alemanha algumas vezes e chegou a ser condecorado por Hermann Goering.
Quando a Segunda Guerra Mundial começou, em 1939, Lindbergh tinha se tornado um ativista social, e defendia o isolacionismo e a neutralidade dos Estados Unidos na Guerra. Todavia, em 7 de dezembro de 1941, os japoneses atacaram Pearl Harbor, e os Estados Unidos declararam guerra ao Eixo.

Lindbergh imediatamente solicitou seu recomissionamento no U.S. Army Air Corps, mas, por ordens diretas do Secretário da Guerra, Henry Stimson, e da Casa Branca, seus serviços foram simplesmente recusados. Lindbergh, então, se ofereceu como consultor para a indústria aeronáutica, entre as quais a Vought. Em 1944, foi para o Teatro de Operações do Pacífico, como civil, onde atuou como representante técnico da Vought, demonstrando aos pilotos várias técnicas, como decolar com o dobro da carga de bombas até então levada nas missões. Durante essa missão, realizou sua primeira missão de combate, a bordo de um Vought F-4U Corsair da VMF-222, do Corpo de Fuzileiros Navais (Marines). É o próprio Charles Lindbergh quem narra, a seguir, sua primeira missão de guerra:

"Com as armas carregadas e os anéis de mira brilhando ao sol, nossos quatro Corsairs pairam como falcões por sobre a região em poder do inimigo. Embaixo ficam os montes cobertos de florestas da Nova Irlanda; adiante, os vulcões violáceos de Rabaul. Alhures, nossos olhos esbarram com uma confusão de de nuvens, céu e água azul do Pacífico. Estamos voando a 2400 metros de altura. Nossos aviões têm sua base num campo de pouso aberto numa região coralina das Ilhas Verdes - 640 quilômetros a leste da Nova Guiné, quatro graus ao sul do Equador.
São 22 de maio de 1944. É a minha primeira missão de combate. Meus sentidos estão livre das calosidades produzidas pela rotina cotidiana. Esta manhã eles despertaram gritando que eu ia partir para matar e correr o risco de morrer; que, à semelhança do homens das eras primitivas, seria ao mesmo tempo caçador e presa. Dentro de mim, a percepção civilizada e o institnto barbárico misturavam-se formando uma liga ainda não experimentada. Desde a alvorada, todas as coisas que me cercavam - o ar que respirava, o chão que pisava, as próprias árvores da selva - adquiriram  qualidades novas de beleza e de perigo.
Lá estava a graciosa curva da asa do meu avião de combate, quando subi para bordo antes de decolar, atestando a divina faculdade criadora do homem. Havia o volume incômodo da minha pistola a comprimir-me o peito e a lembrar-me o nosso poder destruidor. As copas aglomeradas dos coqueiros desfilavam para trás enquanto meu trem de pouso recolhia e a minha velocidade aumentava. A força de 2000 cavalos impelia-me em direção ao céu, para o reino sobre-humano da aviação, até que uma voz em meu receptor gritou: 'preparem suas armas!'
Agora nossos quatro aparelhos voam bem afastados uns dos outros, em formação de combate. Ao pé daqueles montes lá embaixo, escondidos no tapete de folhas e ramos de espessa floresta, estão nossos inimigos, homens de língua e idéias diferentes, mas dotados de corpo e cérebro semelhantes aos nossos. Sabemos que seus binóculos estão dirigidos para nós, que suas baterias carregadas nos antecederão em nossa corrida. A qualquer momento negras rajadas podem romper esta atmosfera clara como cristal. Estamos como os animais naquela floresta - prontos para saltar sobre nossa presa; alerta para que não saltem sobre nós. Desvaneceu-se repentinamente o encanto do voo. Vejo com olhos condicionados à guerra - voamos em aeroplanos de aspecto malvado, tripulados por pilotos desumanos, feitos para matar, adestrados para matar, ávidos de matar.

A 3000 metros inclinamos nossas asas e circunvoamos a cidade de Rabaul, esburacada pelas bombas. Seu porto está atravancado de navios afundados - monumentos a bombardeios anteriores. Uma única rajada de fogo antiaéreo, alta e disparada a esmo, anuncia a nossa chegada.
Os bombardeiros pesados B-25 do Exército enxameiam no céu acima de nós. Estão chegando do oeste aviões torpedeiros da marinha. Bando de P-40 de combate voam alto, em cobertura. Começou o ataque. A muito menor altura, os monomotores de caça Airacobras mergulham sobre os seus alvos. Nuvens negras de fogo antiaéreo pontilham o ar.

O rádio só faz tagarelar: foi assinalada no mar uma balsa salva-vidas e está chegando um hidroavião para socorrer o homem abatido. Viramos para o sul. Colunas de fumaça e chamas produzidas por grupos de bombas incendiárias de magnésio sobem como cogumelos... um depósito de combustível inimigo. O rádio anuncia um avião de combate inimigo. Mergulhamos. É apenas um P-39 desgarrado da esquadrilha, receoso que o tomemos por um Zero.

Desapareceram os B-25. Vejo os aviões torpedeiros se reagrupando ao largo do mar. Um traço de fumo assinala um que foi atingido.
Terminou o bombardeio, os céus de Rabaul estão desertos. No solo arde uma dúzia de fogueiras. Como nossas caixas de munição ainda estão cheias, temos alvos a bombardear antes de voltarmos à nossa base.
Duque de York é uma ilha situada no canal entre a Nova Bretanha e a Nova Irlanda. Nela foi construído um campo de pouso japonês. Nas proximidades da base há diversas aldeolas onde, segundo diz o nosso serviço de informações, se achama aquarteladas tropas inimigas. Aviões de patrulhamento receberam instruções no sentido de bombardearem impiedosamente aldeias e se guardarem das armas de terra. Que é feito dos nativos? 'Há muito se refugiaram nas montanhas.'

Baixamos sobre as palmeiras e subimos 150 metros para iniciarmos as nossas incursões. Vejo uma fileira de cabanas no meu aparelho de pontaria e despejo fogo de enfiada através delas, enquanto ergo o nariz do avião... poeira que levanta... fragmentos saltando... projéteis incendiários ricocheteando em todas as direções... cuidado com as palmeiras... horizontalizar... voar rasante para que as baterias inimigas não possam seguir-nos.

Desfazemos a formação. Agora cada aparelho está por conta própria. Viro para a costa. Encarapitada num rochedo há uma construção com paredes de colmo; ao lado dela, barris de aço. Deixo minhas balas cortarem o ar até que chego a uns 100 metros de distância... inclino para a esquerda... outra fileira de cabanas... uma breve rajada... circular para voltar à base.

Ganho altura para localizar minha posição... mergulhar para evitar as metralhadoras inimigas... centralizar um edifício na alça de mira... apertar o gatilho... não!... um campanário!... uma igreja... suspender fogo... puxar o manche... Os Corsairs, caças monomotores da Marinha Americana, estão se reunindo ao largo do mar. Junto-me a eles e empreendemos o regresso à base. Minhas rodas tocam no chão às 12 horas e 30 minutos; a missão durou três horas e 40 mintos.

A fúria estrepitosa da nossa guerra é substituída pelo silêncio tropical, úmido e opressivo. Lambuzo o pescoço com um insetífugo e sento-me nuam caixa de granadas, Não consigo esquecer aquela igreja. Campanários não combinam com alças de mira. A idéia de Deus é antagônica à idéia da guerra.
- Hoje quase fiz fogo contra um igreja - disse eu a um jovem capitão dos fuzileiros. - Reconheci-a em tempo.

- Oh! Refere-se àquela igrejinha da Ilha Duque de York? - disse ele, rindo. - Nós a bombardeamos em todas as missões. Os nipônicos usavam-na como quartel.
Presumo que nossos inimigos dizem o mesmo sobre as igrejas que destroem. Ambas as partes encontram desculpas para fazer tudo o que querem em guerra, e é sempre 'o outro' quem pratica a primeira atrocidade. Se Deus tem sobre o homem o poder alegado por seus Discípulos, por que permite a guerra? Como pode alguém voltar da guerra e crer que um Deus todo-poderoso deseja 'paz na terra e boa vontade entre os homens?' Somos tentados a por em dúvida a extensão do poder divino. Somos tentados a duvidar da própria existência de Deus.

A brisa agita as folhas das palmeiras. As ondas do Pacífico quebram-se mansamente na praia. Meus pensamentos dão meia volta ao mundo, transportando-me até o meu lar. Acho difícil situar-me no espaço e no tempo. Minha família está quase de cabeça para baixo, em relação a mim, e para ela aproxima-se o dia em vez da noite. Meu lar não está na direção que meu braço apontaria, para as bandas de nordeste; está realmente debaixo dos meus pés. Imagino-me a olhar através da terra para as solas dos sapatos dos meus filhos.
Mas esse solo úmido que meus pés estão pisando não está, para o meu senso infantil, embaixo de mim; é uma parede vertical de terra, girando a mais de 1600 quilômetros por hora. Somente uma força misteriosa, chamada gravidade, me dá a sensação de estabilidade e me impede de ser precipitado no espaço. Precipitar-me no espaço... em direção a que estrela? Onde é para cima, ou para baixo, na vastidão dos céus?

O alto para meus filhos e o alto para mim são agora direções opostas. Não existe um plano universal que se possa tomar com termo de referência; planetas rodopiando em torno de bolas de fogo, sóis precipitando-se com velocidades celestes... Precipitando-se para onde? Continuarão assim para sempre? Seguirão alguma prodigiosa órbita própria? Como pode ser infinito o Universo? Mas o que poderia haver além do seu fim?
Perscruto os ínvios espaços onde a luz, saltando para a Lua enquanto um homem dá um passo, viaja durante bilhões de anos entre galáxias de estrelas, onde toda a duração da vida na Terra nada mais é que um momento do tempo celeste; onde há calor para vaporizar o carbono, frio para liquefazer o ar, o nada imensurável, a substância da qual proveio o mundo e o homem também. Como foi criado este Universo? O que fez as leis que o regem - a perfeição matemática, a complexidade das minúcias, a simplicidade do plano, a importância de um mero átomo, a trivialidade de um milheiro de estrelas?

São os homens também rigorosamente limitados de compreensão, como os insetos que rastejam e zumbem à minha volta? Amplia-se sempre a inteligência, como o espaço, enquanto a vida se desenvolve em formas cada vez mais elevadas? E se existe uma escala graduada de conhecimento, que marca alcançaram os seres humanos? Em grandeza mental e física, corresponderia a diferença entre o inseto e o homem à diferença entre o homem e Deus? Talvez Deus não possa ser avaliado com medidas terrenas; talvez Ele prefira não ter forma nem tangibilidade.

Mas o poder e o plano aí estão, manifestos na órbitas dos céus, na gravitação terrestre, na existência do olho e do espírito humanos.

Um motor tosse e ronca. Levanto-me da caixa de granadas e me dirigo para a minha barraca. Onde, na vida, no espaço e na matéria, haverá lugar para a guerra? Como justificar uma igreja numa alça de mira? É a luta uma parte essencial do plano universal? Ou encontrará o homem, evolvendo, um caminho que conuza à paz mundial?"

Fonte: publicado originalmente e na íntegra no The Saturday Evening Post; condensado e publicado por Seleções do Reader's Digest em 1962.

A tela na primeira figura, com os Corsairs voando sobre Rabaul, é de Steve Heyenart.


quinta-feira, 7 de abril de 2011

Artigos do blog "Cultura Aeronáutica" copiados e publicados sem citação de autoria

Caros leitores do Blog "Cultura Aeronáutica".

Frequentemente estou me deparando com textos publicados no Blog em outros blogs e emails que me são enviados, SEM A CITAÇÃO DA AUTORIA DO MESMO!

O Blog "Cultura Aeronáutica" não tem fins lucrativos, e autoriza expressamente a reprodução dos artigos nele publicados, DESDE QUE CITADA A AUTORIA, nada mais do que isso.

O trabalho de pesquisa para manter o Blog funcionando é grande, envolve não apenas eu, mas também meus alunos e amigos entusiastas da aviação. O mínimo que pedimos para as pessoas que acharam os artigos interessantes e desejam divulgá-los por aí é CITAR A FONTE E A AUTORIA DO TEXTO copiado. Não custa nada, nem sequer um centavo.

Se, infelizmente, nós continuarmos a ver nossos textos publicados por aí sem a citação da autoria, o Blog "Cultura Aeronáutica" irá desaparecer, vamos tirá-lo do ar e cessar todas as pesquisas, pois é degradante ver tanto trabalho nosso ser copiado por aí e nem sequer  os copiadores se darem ao trabalho de citarem a fonte e a autoria dos textos, sendo que isso não lhes custa nada...

Muito obrigado a todos os leitores e colaboradores.

Prof. JONAS LIASCH FILHO
UNOPAR - Londrina - PR

domingo, 3 de abril de 2011

Mathias Rust: o piloto alemão que invadiu a União Soviética em um Cessna

Durante toda a Guerra Fria, as superpotências mundias, Estados Unidos e União Soviética, se orgulhavam de possuírem espaços aéreos inexpugnáveis, e faziam questão de fazer enorme propaganda disso, como demonstração de poder.
O espaço aéreo da União Soviética era tão bem defendido que, dentro da doutrina militar americana, as possíveis missões contra alguns alvos específicos, em caso de guerra aberta, eram considerados, praticamente, como missões suicidas. Particularmente, a cidade de Moscou era considerada como uma das cidades melhor defendidas no mundo contra um ataque aéreo direto.

Todavia, nenhuma defesa é perfeita, e sempre haverá algum ponto vulnerável. De fato, um piloto ocidental conseguiu burlar todas as defesas russas, e não somente conseguiu sobrevoar boa parte da União Soviética e de Moscou, como também pousou lá, em pleno coração da cidade, na Praça Vermelha.
Esse piloto não operava, no entanto, uma sofisticada aeronave invisível militar. Ele nem sequer era militar, era civil, e pilotava um simples e pacato Cessna 172 Skyhawk. Mathias Rust era um piloto amador alemão, e tinha então apenas19 anos de idade. Rust  alugou o Cessna para fazer a mais extraordinária aventura da sua vida: invadir o espaço aéreo da União Soviética e pousar em Moscou, em uma missão idealista de "promover a paz".

Mathias Rust, na sua "missão", demonstrou uma boa dose de coragem, sangue frio, capacidade de planejamento e... ingenuidade. Era evidente que se tratava de uma aventura extremamente arriscada: durante a Guerra Fria, qualquer avião vindo do Ocidente sem o conhecimento e autorização dos soviéticos era considerado hostil, e estava a sujeito a destruição sem aviso prévio. Mas Rust resolveu desafiar abertamente os soviéticos, sem apoio e nem conhecimento de mais ninguém. Era uma aventura particular de adolescente.
 
Sua jornada começou no Aeroporto de Uetersen, perto de Hamburgo, na então Alemanha Ocidental, em 13 de maio de 1987. Tinha como destino o Aeroporto Helsinki-Malmi, na Finlândia. Quinze dias depois, na manhã de 28 de maio, após encher os tanques do avião, e com uma generosa quantidade de combustível extra a brodo, Rust fez um plano de voo para Stockholm, na Suécia. Após fazer uma última comunicação com o Controle de Tráfego Aéreo finlandês, mudou o rumo para Sudeste e voou em direção à Estônia, na então União Soviética.

O Cessna de Rust sumiu dos radares finlandeses quando sobrevoava Sipoo, no litoral do Golfo da Finlândia. Como Rust deixou de se comunicar pelo rádio, seu Cessna foi considerado desaparecido, e provavelmente acidentado, no mar. Uma missão de busca e salvamento foi organizada. Os barcos de patrulha da Finnish Border Guard encontraram uma mancha de óleo no mar, que  presumiram se tratar de vestígios do Cessna, mas não conseguiram confirmar, obviamente, pois Rust ainda estava voando.

Após cruzar a linha de costa da Estônia, Rust tomou uma proa para Moscou. Voando baixo, mas sem se preocupar em voar rente ao solo, foi interceptado pelos radares do PVO (ProtivoVozdushnoy Oborony - Forças de Defesa Aérea), pela primeira vez, às 14 horas e 29 minutos, hora local. Sem nenhuma identificação como aeronave amiga e em silêncio de rádio, o Cessna foi declarado invasor. O PVO declarou alerta vermelho, colocando mísseis antiáreos em prontidão e despachou dois caças para interceptar o intruso.

Os mísseis não foram disparados, pois era necessário obter autorização superior para isso, e tal autorização nunca foi concedida. Um dos dois caças fez contato visual com o Cessna de Rust, às 14 horas e 48 minutos, perto de Gdov, na Estônia, e identificou seu alvo como um pequeno avião branco, similar a um avião leve russo Yakovlev Yak-12, de asa alta. Pediu para engajar o alvo, mas tal autorização foi negada.

É de se duvidar que os caças, ou mesmo os mísseis antiaéreos, pudessem destruir o pequeno Cessna. O avião de Rust era tão pequeno, manobrável e lento que tornaria o seu abate uma proeza equivalente a caçar pardais com canhão.

Pouco tempo depois, os caças perderam o contato com o Cessna. Quando sobrevoava a região de Starava Russa, já na Rússia, o avião também sumiu dos radares. Especulou-se que Rust talvez tivesse pousado em  algum lugar dessa região, para trocar de roupas, descansar um pouco e, possivelmente, reabastecer os tanques com a gasolina extra que carregava a bordo, mas isso nunca foi confirmado.

O PVO ainda conseguiu detectar o avião várias vezes, mas, contando com uma sorte incrível, Rust e seu avião foram confundidos com aeronaves russas. Próximo a Pskov, foi confundido com aeronaves de treinamento que usavam o local como área de manobras, e cujos inexperientes pilotos frequentemente se esqueciam dos códigos IFF (Identification Friend or Foe - Identificação de Amigo ou Inimigo) corretos. Em consequência, todos os aviões na área foram considerados "amigos", inclusive Rust.

Quando sobrevoava Torzhok, o Cessna foi confundido com um dos helicópteros que faziam uma missão de busca e salvamento de um acidente aeronáutico ocorrido no dia anterior. Depois, sempre contando com uma sorte incrível, Rust  continuou sendo confundido com aeronaves russas de treinamento e continou seu voo sem ser perturbado. 

Embora voando sobre a superdefendida União Soviética, que enchia de temores qualquer piloto militar americano, Rust só passou medo real por uma única vez, quando percebeu a aproximação dos caças sobre a Estônia. Procurou espantar o medo recordando do incidente do voo KAL 007, um Boeing 747 civil coreano que foi abatido, cheio de passageiros, em espaço aéreo soviético, alguns anos antes, e que provocou protestos do mundo inteiro. Julgou que os soviéticos não iriam se arriscar a novos protestos por causa de um simples monomotor civil. Mas Rust manteve-se tenso durante o voo inteiro, e não era para menos.

Sem ser incomodado, Rust começou a sobrevoar os arredores de Moscou no final da tarde. Sua intenção era pousar dentro do Kremlim, mas pensou melhor e mudou seu objetivo para a Praça Vermelha. Afinal, o Kremlim era um local fechado ao público em geral, e a KGB poderia muito bem eliminá-lo lá dentro, sem chamar a atenção de mais ninguém, e ocultar o incidente do resto do mundo. Já a Praça Vermelha era um lugar público, tinha turistas estrangeiros, o que tornaria o incidente imediatamente conhecido.de todos e da imprensa. Isso poderia protegê-lo de ser simplesmente executado.
Pouco antes da 19 horas, Rust sobrevoava a Praça Vermelha, procurando um local para pousar. Não era fácil, pois a praça sempre tem intenso tráfego de pedestres. Afinal, encontrou um espaço livre na ponte próxima à Catedral de São Basílio, e lá pousou sem maiores dificuldades, às 19 horas. Ainda era céu claro, nessa época do ano. Taxiou como se fosse um carro de passeio na avenida, parou ao lado da Catedral,  a 100 metros da Praça Vermelha, desligou o motor e desceu do avião.
Sua extraordinária sorte o protegeu até esse instante: a ponte era protegida contra pousos de aeronaves por cabos de aço, que foram removidos para manutenção justamente na manhã daquele mesmo dia. Seriam reinstalados no dia seguinte.

Os transeuntes perplexos não foram hostis com Rust e até o cumprimentaram. Mas não demorou muito para a polícia chegar e prender o audacioso piloto.
O julgamento de Rust pela Justiça Soviética começou no dia 2 de setembro de 1987. Ele foi sentenciado a 4 anos de prisão por baderna, infração às regras de tráfego aéreo e invasão de fronteira, e enviado à Prisão Lefortovo em Moscou. Foi uma sentença relativamente leve, pois, em outros tempos, talvez fosse mandado para a Sibéria pela KGB  por espionagem e nunca mais saísse de lá, vivo. 

Não chegou a cumprir a pena integralmente. Dois meses depois de Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan assinarem um tratado de eliminação de mísseis nucleares de médio alcance instalados na Europa, o Soviete Supremo, em um gesto de boa vontade, mandou libertar Rust, que foi deportado para a Alemanha, Ocidental. Desembarcou naAlemanha Ocidental no dia 3 de agosto de 1988.

A aventura pessoal de Mathias Rust teve consequências inimagináveis na História. Naquela época, Mikhail Gorbachev defendia uma ampla reforma e uma abertura do regime soviético, a  Perestroika e a Glasnost, que tinham, no entanto, grande oposição por parte dos militares russos. O incidente de Rust, no entanto, desmoralizou e humilhou os militares russos no mundo inteiro. Afinal, um simples avião civil, com um piloto amador quase adolescente, passou por todas as defesas e pousou sem oposição no centro da capital soviética, ao lado do Kremlin.

Gorbachev soube aproveitar muito bem o incidente: demitiu o Ministro da Defesa Soviético, Serguei Sokolov, o Chefe de Defesa Aérea, Alexander Koldunov e centenas de outros oficiais. Com a desmoralização dos militares, Gorbachev conseguiu implantar as reformas que queria, que acabaram criando um caos econômico que desembocou na queda do Muro de Berlim, no fim da Guerra Fria e no fim da União Soviética, em dezembro de 1991. Pequenas causas criaram grandes efeitos.

Do jovem idealista Mathias Rust, que queria, com seu voo épico, fazer um gesto em favor da paz, sobrou pouco. Depois de voltar à Alemanha Ocidental, recusou-se a fazer o Serviço Militar Obrigatário, por razões de consciência, pois era a favor da paz. Provou isso com o seu voo. Suas razões foram aceitas, e, em alternativa, teve que prestar serviços comunitários em um hospital alemão.

Enquanto estava no hospital, apaixonou-se perdidamente por uma enfermeira que, no entanto, não correspondeu ao seu amor. Acabou esfaqueando a enfermeira, e recebeu uma sentença de 4 anos de prisão por tentativa de homicídio. Foi libertado depois de 15 meses.

Depois disso, casou-se, divorciou-se e voltou a casar. Cometeu vários pequenos delitos, como roubar um casaco de cashemira em uma loja, não pagar dívidas e cometer pequenas fraudes. O Governo da Finlândia apresentou-lhe uma conta de 100 mil dólares pela missão de busca e salvamento levada a cabo no dia do seu voo histórico. Graças à fama que ganhou com a sua "missão" a Moscou, conseguiu amealhar uma pequena fortuna e fundou uma organização dedicada à paz, denominada Orion and Isis, que, todavia, nunca fez nada muito relevante, até hoje.

Hoje, aos 42 anos de idade, Mathias Rust é sócio de uma empresa de investimentos na Estônia, mas sobrevive mesmo como jogador profissional de poker. Parece que sua sorte ainda não o abandonou, pois consegue grandes lucros com isso.


O avião que Rust usou para chegar a Moscou, um Cessna F172P, fabricado  sob licença pela Reims, da França, em 1983, foi matriculado na Alemanha como D-ECJB, e ficou apreendido na Rússia durante algum tempo, até ser devolvido para a sua proprietária, a  Atlas, de Ganderkesee, Alemanha. Foi posteriormente exportado para o Japão. mas, provavelmente, nunca recebeu uma matrícula japonesa. Em 2008, o Deustches Technikmuseum Berlin levou o avião do Japão de volta para a Alemanha (foto acima, ainda com a matrícula original), onde está hoje em exibição pública, totalmente restaurado (foto abaixo). O Cessna de Rust é uma aeronave histórica, pois chegou onde nenhum avião militar ocidental jamais conseguiu sequer se aproximar, durante a Guerra Fria.
Mesmo sendo um típico anti-herói, Mathias Rust teve um papel desproporcionalmente grande na história, pois o seu voo provocou uma desmoralização geral nos militares soviéticos, que perderam poder e acabaram cedendo às reformas de Gorbachev. Em última análise, Mathias Rust e seu pequeno Cessna podem ter precipitado o fim da União Soviética, do Muro de Berlim e da Guerra Fria.