segunda-feira, 9 de maio de 2011

Boeing 747-400 X Volkswagen Gol 1.6: qual deles consome mais combustível?

A princípio, a resposta à pergunta acima pode parecer muito simples. Afinal, o enorme e poderoso Boeing 747-400 consome cerca de 15 mil litros de querosene de aviação por hora de voo, enquanto um Gol 1.6 lotado gastaria, no mesmo intervalo de tempo, pouco mais de 8 litros de gasolina, rodando a 100 Km/h em uma rodovia.
Todavia, a questão não é tão simples assim, pois temos que considerar outras variáveis importantes. Afinal, enquanto um Boeing 747-400 na sua configuração mais usual leva 416 passageiros, mais 20 tripulantes, um Gol 1.6 leva apenas 3 passageiros e um motorista. E devemos considerar também que, se, em uma hora, um Gol roda 100 Km, um Boeing 747-400, em voo de cruzeiro, voa aproximadamente 950 Km nesse mesmo tempo.
Considerando essas variáveis, o cálculo começa a ficar mais interessante, e a grande vantagem do Gol sobre o 747 já começa a ficar discutível. Então, nós resolvemos fazer um cálculo hipotético de uma viagem entre as cidades de Guarulhos, em São Paulo, e Manaus, para resolver a questão.

Para simplificar as coisas, resolvemos considerar apenas velocidade e consumo de cruzeiro, para o avião, e velocidade e consumo em rodovia, para o carro. Afinal, se um avião vai consumir mais e voar mais devagar na subida e nos circuitos de tráfego, por exemplo, o carro também enfrentará trechos urbanos em vários pontos da viagem, nos quais sua velocidade também será menor e seu consumo maior.
 
Outro ponto a ser considerado é a capacidade de passageiros de cada um dos veículos. Um Boeing 747-400 pode levar 524 passageiros em duas classes, ou até mesmo 624 passageiros em configuração doméstica (modelo 747-400D) mas, na prática, a grande maioria dos aviões atualmente em uso leva em média apenas 416, em três classes. Então, vamos considerar um avião com 416 passageiros a bordo, um 747-400 típico lotado.
Por sua vez, um Gol poderia levar quatro passageiros, mais o motorista, mas, convenhamos, isso não seria muito prático para uma viagem de quase 4.000 Km. Então, vamos considerar um carro com apenas 3 passageiros. Então, temos um equilíbrio relativo entre a capacidade de passageiros do avião e do carro.

As distâncias entre as duas cidades também varia, conforme seja feita por via rodoviária ou por via aérea. O avião, nesse caso, leva enorme vantagem, pois pode, ao contrário do carro, seguir uma rota mais ou menos direta.

Para o Boeing 747, consideramos uma rota por aerovias superiores, em uma carta FPC - 
Flight Planning Chart, em vigor a partir de 10 de março de 2011. A aeronave voaria, então, 67 NM (Milhas Náuticas) entre BCO (VOR Bonsucesso, em Guarulhos) até PCL (Poços de Caldas, MG), 348 NM até Goiânia, na Aerovia UL304, 278 NM de Goiânia até o fixo Teres, ainda na Aerovia UL304, e depois 768 NM de Teres até Manaus, na Aerovia UZ6. Considerando ainda umas 50 NM para os procedimentos de saída , eventuais órbitas de espera e aproximação, temos um total de 1511 NM de distância, 2.798 Km.

Para o Gol, consideramos uma rota sugerida pelo Google Maps, através de várias rodovias federais e estaduais, com os maiores trechos situados na  BR 364  (foto abaixo) até Porto Velho, e BR 319 de Porto Velho até Manaus, num total de 3.873 Km entre trechos de rodovia e urbanos, mais de 1.000 Km mais longo que a rota por via aérea.
O Volkswagen Gol 1.6, que pode ser considerado um típico automóvel brasileiro, consome cerca de 8,3 litros de combustível a cada 100 Km rodados, considerando um consumo médio de 12 Km/l em estrada, com 4 pessoas a bordo mais bagagem, ou seja, muito pesado. Considerando esse consumo, o Gol gastaria então 323 litros de gasolina para ir de Guarulhos até Manaus, um total de aproximadamente 108 litros de gasolina para cada um dos três passageiros a bordo.
O Boeing 747-400, por sua vez, considerando-se um consumo horário aproximado de 15.000 litros de querosene por hora em cruzeiro no FL (Flight Level = Nível de Voo) 340 (35 mil pés), e uma velocidade de cruzeiro de Mach 0,86, a 50ºC negativos de temperatura verdadeira do ar, vai  conseguir, aproximadamente, voar a 500 Knots (926 Km/h). Considerando esses dados, veremos que o voo vai durar, considerando a distância de 1511 NM, 3 horas e um minuto. Como o consumo é 15.000 litros a cada 60 minutos, a aeronave vai consumir um total de 45.250 litros de querosene, aproximadamente 109 litros para cada um dos 416 passageiros a bordo.
Então, a grande distância que separava o consumo do Boeing 747 do consumo do Gol 1.6 já não é tão grande assim. Deu um empate técnico, 108 litros de gasolina por passageiro, para o Gol, contra 109 litros de querosene por passageiro, para o Boeing 747, uma vantagem de menos de um por cento para o carro.
Ainda que o Gol tenha, teoricamente, ganhado a disputa, devemos considerar que o Gol, se mantivesse uma velocidade média de 80 Km/h na estrada, alta para os padrões das rodovias envolvidas, demoraria pelo menos  48 horas e meia para chegar a Manaus, rodando continuamente e sem considerar as paradas necessárias para repouso e reabastecimento, enquanto o Boeing faria a viagem em pouco mais de 3 horas de voo, sem nenhuma parada.

Outra vantagem que o Boeing 747-400 teria sobre o Gol é a sua imensa capacidade de carga. Além dos passageiros e de suas bagagens, o 747 poderia levar muitas toneladas que carga, que facilmente anulariam a ínfima vantagem em favor do Gol, mesmo considerando que o querosene de aviação custa 30 por cento a mais que a gasolina automotiva, no Brasil.
O leitor deve ter em mente que todos esses cálculos referem-se, unicamente, ao consumo de combustível entre dois veículos totalmente diferentes, não considerando, portanto, outros custos embutidos, tanto na viagem por rodovia quanto na viagem por via aérea, como tripulação, manutenção, tarifas aeroportuárias, pedágios, refeiçoes e hospedagem.
Uma questão interessante, neste caso, é o impacto ambiental provocado por ambos os meios de transporte. Os aviões são acusados, frequentemente, de provocar um impacto ambiental, proporcionalmente, muito maior que o impacto provocado por outros meios de transporte. 
Como o impacto ambiental está diretamente relacionado com o consumo de combustível, podemos chegar á conclusão que isso não é verdade, ou que, pelo menos, é altamente discutível. Se é verdade que os aviões menores que o 747 consomem mais combustível por passageiro, também é verdade que uma parcela considerável de automóveis consome mais combustível que o Gol 1.6, e muitas vezes levam apenas seu condutor a bordo, a baixa velocidade e no trânsito urbano.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Beechcraft Twin Bonanza: o avô do King Air

No final da década de 1940, a Beechcraft produzia o monomotor Modelo 35 Bonanza e o grande bimotor executivo Model 18, da década anterior, ambos grandes sucessos no mercado. Entretanto, não oferecia, ainda, um modelo de avião intermediário entre esses dois modelos.
Para preencher essa lacuna de mercado, a Beech projetou um avião executivo bimotor, cinquenta por cento maior que o Bonanza, e muito mais pesado que esse, e que seria designado Modelo 50 Twin Bonanza. Embora a designação sugerisse uma aeronave derivada e ampliada do pequeno monomotor, o projeto do Twin Bonanza nada tinha em comum com o do Bonanza. Era uma aeronave bem maior e muito mais potente, com um projeto totalmente inovador.

O desenvolvimento do projeto foi extremamente rápido. O avião começou a ser projetado em abril de 1949 e o protótipo foi concluído já no segundo semestre do mesmo ano, voando pela primeira vez no dia 15 de novembro.

A Federal Aviation Administration - FAA, certificou o avião em 1952, e imediatamente o primeiro Modelo 50 foi colocado no mercado. Eram apenas 13 aeronaves de produção, das quais seis foram compradas pelo Exército dos Estados Unidos, para avaliação, e o restante foi vendido para operadores civis. Duas aeronaves do Exército permaneceram na fábrica da Beech, para testes, e os outros quatro foram entregues para testes operacionais, como modelo YL-23. Esse modelo inicial era equipado com motores Lycoming GO-435-C2 de 240 HP cada um (foto abaixo).

O Exército dos Estados Unidos precisava de uma aeronave de ligação, e interessou-se imediatamente pelo Beech 50. Os Estados Unidos estavam então envolvidos na Guerra da Coréia, o que aumentava a demanda por equipamentos militares, incluindo aeronaves. O primeiro Twin Bonanza foi avaliado pelo Exército em Fort Bragg, na Carolina do Norte, em 1951, e os outros quatro aviões foram entregues ao Exército, em 1952, sendo designados YL-23, aeronaves de ligação.

Durante os voos de demonstração para o Exécito, em Fort Bragg, ocorreu um acidente com um Twin Bonanza, conduzido pelo piloto de testes Claude Palmer, que se chocou contra árvores quando tentava pousar. O avião estava lotado de soldados e sacos de areia de lastro.A grande resistência estrutural do avião garantiu a sobrevivência de todos a bordo. O fato impressionou os generais do Exército,  que aprovaram imediatamente o modelo, que foi denominado L-23 Seminole (foto acima). Àquela época, o Seminole era o maior avião operado pelo Exército americano.


O Exército dos Estados Unidos, em função da Guerra da Coréia, acabou absorvendo boa parte da produção inicial dos Twin Bonanza, entre os anos de 1952 e 1953. Ao todo, o Exército operou 216 das 994 aeronaves produzidas.

O modelo B-50, lançado logo após os 13 modelos 50 originais, tinha janelas adicionais na cabine e um sistema de aquecimento de cabine melhorado. 139 B50 foram construídos, dos quais 40 foram para o Exército.

Um dos defeitos dos dois modelos iniciais do Twin Bonanza era a pouca potência desenvolvida pelos motores GO-435, de 6 cilindros, com caixa de redução e derivado dos antigos motores O-290, de 4 cilindros. O modelo seguinte, o C50, incorporou então novos motores Lycoming GO-480-F1A6, de 275 HP (foto abaixo), também um motor de 6 cilindros com redução, mas derivado dos motores O-320 de 4 cilindros.

A Força Aérea dos Estados Unidos - USAF adquiriu um modelo C50 para avaliação, mas não fez mais encomendas.

Os modelos iniciais do Twin Bonanza tinham um cockpit tão espaçoso que uma terceira pessoa podia sentar ao lado direito do copiloto, que sentava no meio da aeronave. Nos modelos posteriores, os controles foram reposicionados, eliminando essa possibilidade.

O modelo D50, dos quais  foram produzidos 347 aeronaves, pode ser considerado como o modelo definitivo do Twin Bonanza, já que todas as versões posteriores foram modelos D50 equipados com motores supercomprimidos.

Entre as melhorias introduzidas nesse modelo, estão motores mais potentes, os Lycoming GO-480-G2C6 (D50), GO-480-G2D6 (modelos D50A, D50B e D50C) e GO-480-G2F6 (D50E), todos com 295 HP. Várias outras modificações foram introduzidas, para melhorar o avião.

Os Twin Bonanza modelo E50 e F50 eram modelo D equipados com motor GSO-480B1B6, carburados, mas com supercompressor, o que podia fazer o avião atingir um teto máximo de 30 mil pés, desde que, é claro, a tripulação usasse equipamento de oxigênio, já que a aeronave não tinha cabine pressurizada.

Com supercompressores, o motor conseguia atingir 340 HP, mesmo em aeródromos mais elevados, o que conferiu um desempenho espetacular ao avião. A Beech construiu 228 aeronaves de ambos os modelos, mas a maior parte desses aviões foi utilizada por militares do Exército dos Estados Unidos e pela Força Aérea da Suiça (foto abaixo).

Os modelos G50, H50 e J50 foram os modelos finais de produção e eram, essencialmente, os mesmos modelos D equipados com motores IGSO-480-A1B6, também supercomprimidos de 340 HP mas com injeção mecânica de combustível. 80 desses modelos foram construídos até 1963, ano final de produção, mais um modelo F50 que foi convertido para G50.

A linha de produção do avião foi interrompida, em 1963, para dar lugar a um novo avião, baseado no projeto do Twin Bonanza, com as mesmas asas, flaps, painéis, células de  combustível e trens de pouso, mas com fuselagem alongada e redesenhada, denominado modelo 65 Queen Air. Essa aeronave era equipada com os mesmos motores dos modelos G50, H50 e J50, os IGSO 480, de 340 HP.

Um modelo turboélice da Beech, lançado logo após o Queen Air, o  modelo 90 King Air, também compartilhava do mesmo projeto básico do Twin Bonanza e do Queen Air, mas incorporou uma cabine pressurizada, além dos motores turboélice Pratt & Whitney Canada PT-6A, especialmente projetados e produzidos para essa aeronave.

O Queen Air permaneceu em produção por 17 anos, até 1977, e o King Air, descendente direto do Twin Bonanza, ainda permanece em produção, cinquenta anos depois da sua concepção.

Os modelos militares do Exército americano, os L-23, ficaram operacionais por cerca de 40 anos, sendo redesignados U-8 (utilitários) a partir de 1962. Eram aeronaves tão robustas que encontraram compradores civis, tão logo foram desativados, ganhando uma sobrevida considerável, e até hoje alguns estão em condições de voo. Deve-se notar que os Twin Bonanza e os Queen Air eram tão semelhantes em projeto que o Exército adotou as mesmas designações militares L-23 e U-8 para ambas as aeronaves. Entre ambos os modelos, o Exército usou 288 aeronaves do tipo, sendo 216 Twin Bonanzas e 71 Queen Airs (foto abaixo).

Além do Exército dos Estados Unidos, outras forças aéreas utilizaram o Twin Bonanza, como a forças aéreas da Suíça, Chile, Uruguai e Colômbia.
A Swearingen modificou algumas aeronaves Twin Bonanza, durante os anos 1960, para utilizar os potentes motores Lycoming IO-720 de 8 cilindros opostos e 400 HP de potência. A aeronave foi redesignada Excalibur 800 (foto acima), e é facilmente reconhecível pelas naceles de formato mais retangular que as do Twin Bonanza e  do Queen Air, que são arrendondadas. Outras modificações também foram introduzidas, como as portas de acesso modificadas e as portas do trem de pouso, que passaram a cobrir totalmente as rodas quando recolhidas.


No Brasil, os Twin Bonanza foram pouco comuns. O Táxi Aéreo RETA, de Londrina,  Paraná, operou três dessas aeronaves, o PP-APQ (D50), o PT-BTA e o PT-BXL (ambos modelos J50). Das seis aeronaves não acidentadas ainda constantes do RAB - Registro Aeronáutico Brasileiro, nenhuma estava em condição de voo até abril de 2011.

Todavia, o PT-BXL fez um voo de translado, de Campo Grande, no  Mato Grosso do Sul,  para uma oficina de aeronaves em Londrina, no início de 2011, para recolocar a aeronave em voo. Segundo informações da oficina, a aeronave deve voltar a operar em breve, na região Norte do Brasil.


Londrina, no Paraná, é, talvez, o principal ninho dos Twin Bonanza no Brasil. Além das aeronaves operadas pela antiga RETA - Redes Estaduais de Táxi Aéreo, um J50 encontra-se parado no pátio de uma oficina desde 1990, com pendências judiciais, ao relento e, atualmente, está em sofríveis condições de preservação, o PT-KSD (foto abaixo). Este avião foi um dos últimos Twin Bonanza produzidos.

Outro exemplar interressante de Twin Bonanza sobrevivente no Brasil é o PT-AZG, um Beech BE50D que pousou na rodovia BR 381 em São Gonçalo do Rio Abaixo, MG, a 85 Km de Belo Horizonte e hoje permanece exposto no Restaurante Campolar. A foto abaixo é de Lucas Vieira, que autorizou a publicação da mesma neste Blog.
 
A designação Twin Bonanza foi aplicada somente aos modelos 50 da Beech, mas uma aeronave, produzida pela Bay Aviation, o Super V, pode induzir alguém a erro. Trata-se de uma modificação do Bonanza C35, de cauda em V, para bimotor. A aeronave é tão diferente do Bonanza que foi certificada no FAA como aeronave totalmente nova, e não com Certificado Suplementar de Tipo do Bonanza. Mas é realmente um Bonanza bimotor, e tem um desempenho espetacular, apesar do seu desenho inusitado, como um teto monomotor de 11 mil pés, por exemplo. Atinge nada menos que 205 Knots de TAS.
O Bay Aviation Super V possui dois motores Lycoming O-360 carburados, de 180 HP. Apesar de ser certificado e do seu ótimo desempenho, apenas 9 aeronaves foram produzidas, a partir de 1955, e desconhece-se quem é o detentor atual do seu Certificado de Tipo do FAA, já que a Bay Aviation saiu do negócio há muitos anos.

Um mistério a respeito do Bay Super V é a sua capacidade de voar monomotor sem  usar um leme de direção.

Ficha Técnica do Beechcraft E50 Twin Bonanza:
  • Tripulação: 1 ou 2 pilotos
  • Capacidade: 5 passageiros
  • Comprimento: 31 pés 6 (9,61 m)
  • Envergadura: 45 pés 3 (13,78 m)
  • Altura: 11 ft 6 (3,51 m)
  • Área da asa: 277 ft ² (25,7 m²)
  • Peso vazio: 5.010 libras (2.270 kg)
  • Peso máximo de decolagem: 7300 libras (3311 kg)
  • Motorização: 2 × Lycoming GSO-480-B1B6, 340 hp (253 kW) cada;
  • Velocidade máxima: 229 mph (199 knots, 366 km/h);
  • Alcance : 1.000 milhas (870 nm, 1,600 km)
  • Teto de serviço: 30.000 ft (9.144 m)
  • Razão de subida: 1.614 pés / min (8.2 m / s).