domingo, 10 de julho de 2011

Os Zeppelins nos céus brasileiros

A aviação comercial internacional, durante a década de 1930, foi fortemente marcada pelos grandes dirigíveis alemães Zeppelin. Numa era na qual os aviões não tinham autonomia suficiente para cruzar os oceanos, os Zeppelins eram, praticamente, a única opção para se viajar da Europa para as Américas por via aérea.
O Graf Zeppelin pousado no Campo dos Afonsos
As principais rotas dos Zeppelins ligaram a Alemanha aos Estados Unidos e ao Brasil. Os alemães sempre privilegiaram o Brasil, ao implantar suas linhas aéreas comerciais, e os Zeppelins foram assíduos frequentadores dos céus brasileiros por sete anos, entre 1930 e 1937.
O Graf Zeppelin
O primeiro dirigível Zeppelin chegou ao Brasil no final da tarde de 22 de maio de 1930. Já estava escuro, às 18 horas e 35 minutos, quando a grande aeronave pousou no campo de Jiquiá, em Recife, que tornou-se, assim, o primeiro aeródromo para dirigíveis do Brasil. O prefeito conseguiu alguns holofotes, e a fuselagem prateada do Graf Zeppelin, matriculado D-LZ127, brilhava na noite e encantava o público presente. Tinha decolado de Friedrichshafen, às margens do Lago Constança (em alemão: Bodensee), às 17 horas de 18 de maio.
O Graf Zeppelin em Jiquiá, Recife
De fato, o Graf Zeppelin impressionava pelo tamanho: tinha 236,6 metros de comprimento e 30 metros de altura, maior do que muitos navios transatlânticos e muito maior do que qualquer aeronave atual, já que, em comparação, um Boeing 747-400 tem apenas 76,3 metros de comprimento.
O gigantesco Graf Zeppelin, na Alemanha
Uma torre metálica foi construída em Jiquiá para permitir a atracação do dirigível. O Governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, estabeleceu um extenso decreto para "disciplinar" a população de Recife durante a visita do dirigível, e o prefeito da cidade decretou feriado municipal.

Mais de 15 mil pessoas estavam presentes a Jiquiá na chegada do Graf Zepellin na tarde daquela quinta-feira. Praticamente todos os carros da cidade estavam lá, cerca de 2 mil, e fizeram um "buzinaço" durante o procedimento de atracação. O prefeito cobrou ingresso da população para acessar o local, e mais de mil policiais foram destacados para garantir a segurança de todos.
A cabine de comando do Graf Zeppelin
Essa primeira viagem era experimental. Tinha como missão principal avaliar o tempo de voo e os ventos no trajeto da Alemanha até o Recife e o Rio de Janeiro, para o estabelecimento de uma linha comercial regular.
Ponte de comando, o "cockpit" do Graf Zeppelin
O primeiro passageiro brasileiro a viajar no Graf Zeppelin, o engenheiro Vicente Licínio Cardoso, veio da Alemanha nesse voo inaugural.
Sala de rádio
Ao decolar de Recife, em 24 de maio,a aeronave tomou o rumo do Rio de Janeiro, onde pousou no Campo dos Afonsos, no dia 26.
O Graf Zeppelin sobrevoando a Ponta do Calabouço, onde hoje está o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.
Assim como aconteceu no Recife, a chegada do Graf Zeppelin ao Rio de Janeiro causou uma profunda impressão na população. A frase mais ouvida nas ruas da cidade, naquele dia, foi: "Olha, é o Zeppelin!"

O Graf Zeppelin, no retorno dessa viagem experimental, voltou para a Europa via Estados Unidos. Foi uma das cinco únicas vezes que esse dirigível esteve nos Estados Unidos.
O Graf Zeppelin sobrevoando a enseada do Botafogo
Em 1931, o Graf Zeppelin veio ao Brasil três vezes, e mais nove vezes em 1932.
Timetable dos voos dos Graf Zeppelin, 1934
A linha regular foi estabelecida somente dois anos depois. Inicialmente, o Graf Zeppelin vinha somente até o Recife, e de lá retornava para a Alemanha, em Friedrichshafen, e posteriormente, Frankfurt-Main. Os passageiros com destino ao Rio de Janeiro faziam uma conexão com as aeronaves do Sindicato Condor, que completava a viagem com seus hidroaviões.
O Graf Zeppelin sobrevoando o lago Constança, praticamente ao nível da água.
Posteriormente, o Graf Zeppelin passou a voar regularmente para o Rio de Janeiro, e depois a Luftschiffbau Zeppelin passou a operar voos também para Buenos Aires, a partir de meados de 1934.
Sala dos mapas
É interessante notar que o Graf Zeppelin tinha autorização para fazer voos domésticos entre o Rio de Janeiro e Recife, e até mesmo o Presidente Getúlio Vargas fez tal viagem.

Quando começaram os voos para Buenos Aires, em 1934, o Graf Zeppelin passou a sobrevoar outras cidades brasileiras, além de Olinda, Recife, Rio de Janeiro e outras poucas outras cidades no Nordeste.
O Graf Zeppelin sobrevoando o Bairro Água Verde, em Curitiba, 1934
De fato, em 1934, o Graf Zeppelin sobrevoou, entre outras cidades, Santos, São Paulo, Curitiba, Joinville, Porto Alegre e Pelotas, ao longo da sua rota até Buenos Aires. Não chegou a pousar em nenhuma dessas cidades, que não possuiam nenhuma infraestrutura para atracação da grande aeronave.
Notícia de jornal anunciando o voo para Buenos Aires
Em Porto Alegre, por exemplo, o Graf Zeppelin passou uma única vez, no dia 29 de junho de 1934, ao fazer um leve desvio da rota, atendendo um pedido das autoridades gaúchas e da Sociedade Austríaca de Beneficência. e depois seguiu seu caminho, sobrevoando a Lagoa dos Patos, a baixa altura.
O sobrevoo de Porto Alegre, junho de 1934
Em Buenos Aires, o dirigível atracava no Campo de Mayo.
Sobrevoo de Joinville/SC
Para atender os dirigíveis alemães no Rio de Janeiro, a Luftschiffbau Zeppelin recebeu um terreno de 80 mil metros quadrados, no subúrbio de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, doados pelo Ministério da Agricultura, próximo á Baía de Sepetiba. Lá foi contruído um aeroporto para dirigíveis, ao qual foi dado o nome de Bartolomeu de Gusmão, em homenagem ao pioneiro balonista brasileiro.
O Graf Zeppelin sobrevoando o vale do Anhangabaú, em São Paulo, 1933
Em 1933, os alemães vieram ao Brasil, para projetar um hangar para as aeronaves, em Santa Cruz. Tal hangar, pré-fabricado, foi construído pela Guttehoffnungshutte Aktien Geselschaft, na Alemanha, transportado por vida marítima e montado em Santa Cruz pela Companhia Construtora Nacional, durante 23 meses, empregando 5.500 operários, a partir de 1934.

O gigantesco hangar, ainda existente, tem 274 metros de comprimento, 58 metros de altura e 58 metros de largura, e é orientado no sentido norte-sul. os dirígíveis entravam pela porta sul, rebocados pela torre, que era móvel e se deslocava sobre trilhos.
Hangar de Santa Cruz, na atualidade
Um ramal de estrada de ferro chegava até o aeroporto, para conduzir os passageiros de e para o centro do Rio de Janeiro, um trecho de aproximadamente 35 Km até a Estação Dom Pedro II, atual Central do Brasil.

Em todos os sete anos de operação dos dirigíveis no Brasil, houve apenas um incidente, e nenhum acidente. O incidente ocorreu quando um dos homens que seguravam as cordas de amarração, no solo, não ouviu a ordem de "soltar a corda" e ficou pendurado, a grande altura do solo, até que a aeronave voltasse ao solo, alertada pelo pessoal em terra. Durante a descida, o homem bateu as pernas no telhado de uma construção, quebrando algumas telhas e machucando a perna, sem gravidade.

Viajar no Zeppelin era um luxo permitido para poucas pessoas. A passagem para a Alemanha era muito cara, algo equivalente a 10 mil Euros atuais (2011). O trecho doméstico entre o Rio e Recife também era caro, e poucos lugares eram disponíveis.
Planta da gôndola do Graf Zeppelim
O Graf Zeppelin oferecia grande conforto. Apenas 35 lugares eram disponíveis, e normalmente a lotação não ultrapassava 20 passageiros.

Os passageiros dispunham de cabines duplas, com beliches, sala de estar e de jantar, e até um salão para fumar, cuidadosamente isolado para não incendiar o perigoso e inflamával gás de sustentação da aeronave, o hidrogênio.
Porcelana do Graf Zeppelin, de 1928
Exceto no salão de fumar, era proibido o uso de cigarros, charutos e cachimbos em qualquer lugar do dirigível. 
Sala de estar e jantar do Graf Zeppelin
Os passageiros eram revistados no embarque, e o porte de isqueiros e fósforos era rigorosamente proibido. Os isqueiros do salão de fumar eram presos às mesas por correntes.
Corredor das cabines
O serviço de bordo era comparável ao da primeira classe dos melhores navios de passageiros. A aeronave era bastante estável,  devido ao seu tamanho.
Cozinha do Graf Zeppelin
Uma cozinha, cujos equipamentos operavam eletricamente, funcionava quase ininterruptamente, para fornecer a sofisticada alimentação disponível aos passageiros e tripulantes.
Sala de estar e jantar do Graf Zeppelin
A altitude de cruzeiro era de 3 mil pés, mas, quando a aeronave sobrevoava cidades ou a linha litorânea, era comum voar bem mais baixo, entre 300 e 1000 pés, para que os passageiros pudessem apreciar a paisagem.
Cabine em configuração diurna

CAbine em configuração noturna
A viagem entre o Rio e a Alemanha durava 5 dias. Dois dias eram necessários para a travessia do Atlântico. A velocidade máxima era de 128 Km/h, muito mais rápida que a velocidade dos navios de passageiros da época, que variava entre 25 e 40 Km/h.
Passageira em sua cabine
A grande maioria dos voos do Graf Zeppelin para Brasil foi comandada por Hugo Eckener. Eckener, que além de pilotar, também foi um dos construtores dos dirigíveis alemães, acabou excluído dos últimos voos dos Zeppelins, especialmente os do Hindenburg, sucessor do Graf Zeppelin, por sua insistente oposição ao uso das aeronaves como propaganda para o regime nazista. Foi substituído por Ernst Lehmann, um aviador pró-nazista que acabou falecendo no desastre do Hindenburg, em maio de 1937.

O Graf Zeppelin completou, no total, 147 voos ao Brasil (sendo 64 transatlânticos) entre os 590 voos da sua longa carreira de 17.177,48 horas de voo, em nove anos de operação (1928-1937), o que tornou-o o mais bem sucedido dirigível da história da aviação. Foi uma fantástica e impecável carreira para uma aeronave que foi projetada e construída como protótipo, mas que, de tão perfeita, acabou sendo colocada em serviço. Transportou um total de 34 mil passageiros, 30 toneladas de carga, incluindo duas aeronaves de pequeno porte e um carro, e 39.219 malas postais, com total segurança e sem acidentes.
O Hindenburg em Santa Cruz, 1936. Ao fundo, o hangar em construção
A temporada de 1936 dos dirígiveis alemães foi marcada pelo primeiro voo comercial do D-LZ129 Hindenburg, sucessor do Graf Zeppelin. Esse voo inaugural, comandado por Lehmann, foi feito para o Brasil, e decolou para o Rio de Janeiro em 31 março de 1936. O grande maestro Heitor Villa-Lobos foi dos passageiros do Hindenburg, quando este retornou à Europa, em abril.
O Hindenburg
Entre os luxos introduzidos no Hindenburg, estava um piano Blüthner, especialmente fabricado em alumínio, e que pesava apenas 162 Kg. Em 1937, esse piano foi removido da aeronave, para aliviar o peso, o que salvou-o da destruição quando o Hindenburg se acidentou, em maio. Entretanto, esse notável instrumento musical acabou destruído em um bombardeio, na Segunda Guerra Mundial.
O piano de alumínio do Hindenburg
Infelizmente,apenas 14 meses depois, o Hindenburg acidentou-se em Lakehurst, New Jersey, nos Estados Unidos. Pouco antes de pousar, a aeronave incendiou-se, por motivos até hoje não esclarecidos, no dia 6 de maio de 1937. 61 tripulantes e 36 passageiros estavam a bordo. Desses, faleceram 13 passageiros e 22 tripulantes, além de uma pessoa no solo. Essas 36 vítimas encerraram definitivamente a carreira dos dirígiveis Zeppelin.
Timetable dos voos dos Graf Zeppelin, 1934
Foi o fim de uma era. Apenas um mês depois, o Graf Zeppelin foi retirado de serviço. O dirigível-irmão do Hindenburg, o LZ-130 Graf Zeppelin II, já concluído, nunca chegou a entrar em serviço ativo. Depois de passar alguns anos em um museu, ambos foram desmontados em 1940, para aproveitamento do seu alumínio em aviões militares, por ordem do Marechal do Reich Hermann Goering.
O Hindenburg entrando no hangar, em Santa Cruz
O grandioso hangar de Santa Cruz foi usado por apenas nove vezes, cinco vezes pelo Graf Zeppelin e quatro vezes pelo Hindenburg. Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, o Governo Brasileiro expropriou o Aeroporto Bartolomeu de Gusmão dos alemães e implantou lá uma base da Força Aérea Brasileira, ainda existente, Santa Cruz.
Torre de atracação de Jiquiá, em Recife
Passados 75 anos, pouca coisa resta da história dos Zeppelins no Brasil. A maior e mais notável é o hangar de Santa Cruz, ainda intacto e em uso pela Força Aérea Brasileira. Não é o último hangar de Zeppelins ainda existente, como reza a lenda, pois o hangar de Lakehurst ainda permanece igualmente intacto. Em Recife, ainda resta, relativamente intacta, a torre de atracação de Jiquiá. O Museu Aeroespacial, do Rio de Janeiro, tem em seu acervo uma das hélices de madeira do Graf Zeppelin e alguns pedaços de tela rasgada, resultado de trabalhos de manutenção, e nada mais.

O Graf Zeppelin e o Hindenburg foram as maiores e mais luxuosas aeronaves a atender voos internacionais de e para o Brasil, e as que tiveram as passagens mais caras, mesmo considerando as caras passagens dos voos servidos pelo Concorde. Também serviram as linhas para a América do Sul com total segurança, sem um único acidente. Mas, hoje, não passam de uma distante lembrança, de uma era que não volta mais.