O mundo da aviação é cheio de siglas e neologismos misteriosos, que muitas vezes não são compreendidos corretamente nem por pessoal que trabalha diretamente no ramo.
As cores mais claras no mapa indicam onde se pode voar com menores limitações |
A sigla ETOPS, que significa Extended Twin Engine Operations, ou, em livre tradução, "operações prolongadas em aeronave de dois motores" é uma certificação concedida pela International Civil Aviation Organization - ICAO, que permite a uma aeronave comercial bimotora operar em rotas que, em alguns pontos, estejam a mais de 60 minutos de voo afastadas de um aeródromo de alternativa, em caso de pane em um dos motores.
Tal limitação de 60 minutos foi imposta às aeronaves da aviação comercial, inicialmente, pela Federal Aviation Administration - FAA, nos Estados Unidos, em 1953, e foi depois aplicada por recomendação da ICAO à todos os países signatários da Convenção de Chicago, de 1944.
Limitações para aeronaves bimotoras, antes da adoção da certificação ETOPS |
Nos tempos da aviação comercial com motores a pistão, isso era uma necessidade de segurança. Os últimos grandes motores a pistão da aviação comercial já tinham atingido os limites práticos de desenvolvimento e de confiabilidade, na década de 1950, e limitações foram previstas de modo que, em caso de pane em um dos motores, as aeronaves deveriam poder alcançar, com segurança, um aeródromo de alternativa, de qualquer ponto da rota em que estivessem, voando em velocidade de cruzeiro e sem vento, em 60 minutos, se fossem bimotoras, ou em 120 minutos, se fossem trimotoras ou quadrimotoras.
Entretanto, no final da década de 1950, a aviação comercial começou a operar aeronaves com motores a jato, que se mostraram, desde o início, serem muito mais confiáveis que os antigos motores a pistão.
Boeing 707-121 da anitga Pan Am |
Não houve, inicialmente, nenhuma preocupação das empresas aéreas, e nem das autoridades aeronáuticas, em alterar essas regras, já que quase todas as aeronaves que faziam voos internacionais, na época, possuíam quatro motores, tais como os Boeing 707, Douglas DC-8, Convair 880/990 e Vickers VC-10. Além disso, em virtude da maior velocidade, tais aeronaves podiam percorrer o dobro da distância que uma aeronave a pistão poderia percorrer em 120 minutos, o limite para trimotores e quadrimotores.
Limites para aeronaves bimotoras e com ETOPS-120 sobre o Atlãntico Norte |
Algumas limitações ainda existiam, especialmente sobre as rotas polares antárticas e sobre os oceanos Atlântico e Pacífico, no hemisfério sul, mas as rotas sobre esses pontos eram de pouca importânica comercial.
Na prática, uma aeronave de 4 motores podia voar a maior parte das rotas, ao longo da década de 1960, quase sem restrições. Os trimotores de longo alcance, com os Lockheed Tristar e McDonnell-Douglas DC-10, também podiam operar a grande maioria das rotas sem problemas com as normas.
Essa situação começou a se alterar com a criação das aeronaves wide-bodies bimotoras. A primeira dessas aeronaves, o Airbus A300, visava mais as rotas domésticas de grande densidade do que rotas internacionais, mas a reação da Boeing a esse avião, o Boeing 767, demonstrou potencial para voar rotas transoceânicas, sendo um sucessor em potencial dos velhos Douglas DC-8 e Boeing 707, especialmente sobre o Atlântico Norte.
Boeing 767-200 da antiga TWA |
Pode-se dizer que o Boeing 767 foi o "divisor de águas" na questão da limitação de 60 minutos de voo em operação com um motor inoperante, até então em vigor e sem exceções.
Em resposta à solicitação dos operadores, a FAA autorizou uma exceção à "Regra dos 60 minutos" para a TWA operar o Boeing 767 na rota entre St. Louis, no Missouri, e Frankfurt, na então Alemanha Ocidental. Depois de várias avaliações operacionais, a FAA, e depois a ICAO, autorizaram a primeira operação ETOPS, inicialmente para 90 e depois para 120 minutos, em 1985.
Douglas DC-8 da antiga Varig |
A implantação do ETOPS-120 significou, praticamente, o fim dos Boeing 707 e dos Douglas DC-8 nas rotas internacionais de longo alcance e de menor densidade de tráfego. Afinal, os Boeing 767 poderiam fazer tais rotas com muito melhor rentabilidade e economia que os velhos quadrimotores.
Em 1988, as regras ETOPS foram novamente alteradas pela FAA, dessa vez estendendo para 180 minutos o limite para operação com um motor inoperante, tanto para bimotores quanto para trimotores e quadrimotores americanos, devidamente certificados. A regra logo passou a valer, também, para aeronaves de outras nacionalidades, quando foi adotada pela ICAO.
A adoção do ETOPS-180 permitiu que, na prática, um bimotor poderia voar onde quadrimotores e trimotors não poderiam voar, a não se que fossem devidamente certificados.
MacDonnell-Douglas MD-11 da antiga Varig |
Com o ETOPS-180, 95 por cento do globo poderiam ser voados sem restrições, possibilitando rotas mais curtas, mais baratas para os passageiros e mais rentáveis para as empresas. Todavia, isso acabou decretando a extinção dos grande wide-bodies trimotores, como os McDonnell-Douglas DC-10 e MD-11. Mesmo o grande e eficiente Boeing 747 não escapou de ser preterido em favor de aeronaves bimotoras mais econômicas, como o Boeing 777. Até mesmo o Airbus A340, quadrimotor projetado justamente para operar com menores limitações em rotas transoceânicas, tornou-se uam aeronave pouco atraente para as empresas aéreas.
Airbus A380 |
Em 2001, a FAA, a pedido da American Airlines e da United Airlines, condedeu certificados de ETOPS com mais 15 por cento de extensão, em relação ao ETOPS-180, para os aviões Boeing 777, colocando praticamente um fim a qualquer limite nas congestionadas rotas do Atlântico e do Pacífico Norte, assim como sobre o Ártico. Tal ETOPS-207, no entanto, não foi adotado pela Joint Aviation Authorities - JAA, a autoridade aeronáutica conjunta da Europa Ocidental, e nem pela ICAO.
Boeing 777-300ER da American Airlines |
A JAA e a ICAO consideram que o ETOPS-207 compromete a segurança dos voos, ao menos por enquanto, já que se trata da "extensão da extensão" de uma regra. Porém, o FAA, a pedido da Boeing e da ALPA (Air Lines Pilots Association), já desenvolve estudos para regras ETOPS-240 ou mesmo 330, o que removeria praticamente qualquer limitação de alcance para aeronaves com um dos motores inoperantes, tornando possíveis rotas através da Antártica e dos pontos mais remotos dos oceanos Atlântico e Pacífico Sul.
As cores mais claras no mapa indicam onde se pode voar com menores limitações |
Na figura acima, as áreas ETOPS 180 estão em cores mais claras. Como se pode ver, as áreas proibidas para o voo ETOPS 180 são muito poucas, como o corredor África do Sul - Sul da América do Sul, e entre a América do Sul e a Oceania.
Airbus A350, atualmente em desenvolvimento |
Se a proposta de ETOPS-240 e ETOPS-330 forem, um dia, aceitas pela JAA e pela ICAO, isso poderá significar o fim dos grandes quadrimotores ainda em produção, como os Boeing 747-8 e Airbus A380, em favor de bimotores mais eficiente, como os Boeing 777/787 e Airbus A350.
Limites ETOPS-180 |
Pode-se ver na figura abaixo que, exceto para uma remota região no continente antártico, praticamente não existirão áreas proibidias para o voo certificado com ETOPS-330.
Limites ETOPS-330 |
Para certificar uma aeronave para operações ETOPS são necessárias duas etapas: Em primeiro lugar, a combinação de estrutura e motores deve obedecer aos requisitos básicos do ETOPS durante a certificação da aeronave, é o chamado “ETOPS Type Approval”. Entre os procedimentos previstos nesse processo, deve-se desligar um dos motores e voar ate o aeroporto de alternativa previsto.
Boeing 747-8I |
Em outra fase, a operadora da aeronave deve satisfazer os regulamentos de seu próprio país em relação a sua capacidade de conduzir vôos ETOPS. Este procedimento recebo o nome de “ETOPS Operacional Approval”. Isso quer dizer que não basta o simples fato de uma aeronave ter condições de operar ETOPS, mas que a empresa aérea também tem que demonstrar ter condições para isso.
Autores do artigo: Prof. Mestre Jonas Liasch Filho (Unopar-PR) e Adenilton Francisco dos Santos (INFRAERO-LDB, acadêmico de Ciências Aeronáuticas da Unopar-PR)
Autores do artigo: Prof. Mestre Jonas Liasch Filho (Unopar-PR) e Adenilton Francisco dos Santos (INFRAERO-LDB, acadêmico de Ciências Aeronáuticas da Unopar-PR)