domingo, 11 de setembro de 2011

Voo Vasp 375: como quase tivemos um 11 de setembro brasileiro

Em 11 de setembro de 2001, o mundo foi abalado pelos ataques terroristas em Nova York e em Washington, lançando o mundo em uma guerra que dura até hoje, 10 anos depois.
O PP-SNT, sequestrado em 1988 (Foto: Ken Meegan)
A idéia de lançar aeronaves comerciais cheias de passageiros contra prédios, no entanto, não era novidade em 2001, pois, em 1988, um brasileiro chamado Raimundo Nonato Alves da Conceição, de 28 anos de idade, pensou na mesma coisa. Nonato tentou, e quase conseguiu, executar um atentado contra o Palácio do Planalto e o então Presidente José Sarney, utilizando para isso um Boeing 737-300 da Vasp.
Raimundo Nonato da Conceição, o sequestrador, no hospital, após o incidente
O Brasil, naquela época, passava por sucessivas crises econômicas, hiperinflação e desemprego. Raimundo Nonato era uma das vítimas do desemprego. Trabalhava em Minas Gerais em uma grande construtora, que dispensou um grande número de empregados, entre eles Raimundo, devido à situação de estagflação (recessão com inflação) da economia.
Desesperado e sem expectativas, Raimundo Nonato arquitetou um diabólico plano de vingança contra o Presidente José Sarney, que considerava como o maior responsável pela caótica situação do país. Sua intenção era sequestrar um avião comercial e fazer o piloto jogar o avião contra o Palácio do Planalto, em Brasília, para matar o Presidente.

Raimundo recolheu suas poucas economias e comprou uma passagem da Vasp do Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, para o Rio de Janeiro. Seu voo era o VP 375, que se originava em Porto Velho, Rondônia, fazia escalas em Brasília, Goiânia, Confins e terminava no Rio. Era operado, naquele dia, 29 de setembro de 1988, pelo Boeing 737-300 matriculado PP-SNT.
O PP-SNT, um dos Boeing 737-300 da Vasp
Raimundo também comprou uma arma, um revólver calibre 32, e conseguiu embarcar com a mesma no voo sem ser incomodado pela segurança do Aeroporto de Confins. Naquela época, não existia ainda o processo de inspeção de passageiros e bagagens por raio-x.

O avião decolou de Confins às 10h 42min. Pouco depois das 11 horas, Raimundo levantou-se da sua poltrona, sacou a arma e foi direto para o cockpit do avião. O avião estava quase lotado, pois tinha a bordo seis tripulantes, 105 passageiros e mais dois tripulantes da Vasp voando de extras.

Um desses tripulantes extras, o copiloto Ronaldo Dias, tentou impedi-lo, e acabou sendo alvejado na orelha . Em seguida, Raimundo arrombou a porta do cockpit com 5 tiros, remuniciou rapidamente a arma e entrou no cockpit, anunciando o sequestro. Um dos tiros dados contra a porta feriu na perna um engenheiro de voo da Vasp, Gilberto Renher, que voava de extra no jump-seat, e anunciou o sequestro.

Na confusão estabelecida no cockpit pela invasão do sequestrador e pelo ferimento no engenheiro Renher, o Comandante Fernando Murilo Lima e Silva, de 41 anos de idade, conseguiu colocar o código 7700 no transponder do avião, deixando claro para os controladores de tráfego aéreo e autoridades que o avião tinha sido sequestrado. O relógio marcava então 11h 15 min.

O Cindacta I, em Brasília, ao constatar o código 7700 no radar secundário, ao lado do sinal do Boeing da Vasp, imediatamente entrou em contato com os pilotos. O copiloto Salvador Evangelista, carinhosamente apelidado de Vangelis pelos colegas, abaixou-se ligeiramente para apanhar o microfone e responder ao Cindacta, mas esse movimento foi mal interpretado pelo sequestrador, que friamente atirou na nuca do copiloto, matando-o na hora. A situação a bordo tornava-se cada vez mais dramática.
O copiloto Salvador Evangelista, com a filha Wendy (foto: Wendy Fernandes Evangelista)
Raimundo Nonato apontou a arma para o comandante Murilo, e ordenou que desviasse o voo para Brasília. A Força Aérea ordenou imediatamente que um elemento de caças Mirage III decolasse da Base Aérea de Anápolis e acompanhasse o voo, ao mesmo tempo em que avisava o Presidente José Sarney, que cancelou todos os seus compromissos naquele dia.

O comandante Murilo ficou estarrecido quando tomou conhecimento da real intenção do sequestrador. Se cumprisse suas ordens, todas as pessoas a bordo estariam condenadas, e poderia ocorrer uma tragédia sem precedentes em Brasília.
O ex-Presidente José Sarney
Murilo era uma pesssoa calma e tranquila. Jamais chegou a pronunciar a palavra "sequestrador" pelo rádio, preferindo chamar o elemento de "passageiro". O comandante tentou ganhar tempo. Afirmou que não teria condições de mirar o avião no Palácio, que estaria, supostamente, encoberto por uma camada de nuvens. Depois, chamou a atenção de Raimundo para o baixo nível de combustível nos tanques, que poderia acabar a qualquer momento, derubando o avião.
O Palácio do Planalto, sede do Governo Brasileiro
Raimundo hesitou, chegou a desistir de jogar o avião no Palácio do Planalto, mas depois começou a dar ordens conflitantes. Não aceitou a proposta do comandante de pousar no Aeroporto de Brasília ou na Base Aérea de Anápolis, para onde o avião foi depois, pois sabia que não teria condições de escapar de nenhum desses lugares.
A rota do Boeing sequestrado
A um certo momento, o nível de combustível tornou-se realmente crítico. As ordens dadas pelo sequestrador tornaram-se confusas e contraditórias, e até mesmo a idéia de jogar o avião no Palácio voltou a ser cogitada por Raimundo.

O comandante tomou a proa de Goiânia, e resolveu tomar uma medida deseperada para tentar derrubar e dominar o sequestrador. Perto de sobrevoar Goiânia, resolveu executar um tounneau barril, uma manobra na qual o avião executa um giro longitudinal ao redor de um eixo imaginário. Nunca, na história, um Boeing 737 tinha executado tal manobra. Não surtiu efeito, e Murilo então resolve estolar o avião e comandar um parafuso. Dessa vez, Raimundo caiu, mas os tripulantes também foram afetados pela manobra e não conseguiram dominar totalmente o sequestrador. As acrobacias, no entanto, desorientaram suficientemente o sequestrador para permitir que o comandante, na sequência, executasse um pouso rápido na pista de Goiânia. O relógio marcava, então, 13h 45min, e o combustível do avião tinha praticamente se esgotado.

De fato, a situação do combustível a bordo do Vasp 375 era tão crítica que as autoridades em terra não viam mais alternativas para o avião. Uma nota oficial, lamentando a tragédia, chegou a ser redigida pelo Ministério da Aeronáutica.

A bordo, no entanto, a situação estava longe de ser resolvida, pois o sequestrador continuava ameaçando a tripulação e os passageiros com a sua arma. Mas, sem combustível e sem possibilidades de decolar, o sequestrador começou a fazer exigências para tentar escapar. Começou a negociar, exigindo, a princípio, mais combustível, depois um caça Mirage para fugir, terminando por aceitar um Bandeirante, que foi então colocado de prontidão, ao lado do Boeing.

As negociações, no entanto, eram conduzidas pelas autoridades só com o intuito de ganhar tempo. Nunca houve a menor intenção de aceitar que Raimundo Nonato escapasse daquela ação. O único objetivo era tirar o sequestrador do avião, matá-lo ou prendê-lo, e nada mais.

Depois de algum tempo, Raimundo desceu do avião, conduzindo o comandante Murilo com escudo, mas terminou alvejado, por três tiros no quadril, pelos atiradores de elite da Polícia Federal, que estavam a postos. A ação foi criticada pelos riscos envolvidos, pois o comandante ainda acabou ferido na perna por um tiro dado por Raimundo, quando tentava fugir. O relógio marcava 19 horas. Terminava aí o sequestro, oito horas depois.
O PP-SNT pousado em Goiânia, ainda com o sequestrador a bordo
O sequestrador e os três tripulantes feridos foram encaminhados para o hospital, e o corpo do copiloto Evangelista foi encaminhado ao necrotério. Nenhum passageiro ficou ferido, assim como os comissários, apesar da violência das manobras e dos tiros dados a bordo.
O Comandante Murilo, ferido após o sequestro
Constatou-se que o único responsável pelo crime foi Raimundo Nonato. Não havia cúmplices, foi uma ação individual de uma pessoa claramente desequilibrada. Raimundo, mantido sob severa vigilância da Polícia Federal no hospital, recuperava-se bem dos seus ferimentos, quando morreu misteriosamente, alguns dias depois.

No hospital, correram rumores de que os policiais tinham executado o sequestrador com uma injeção letal. O legista chamado para atestar a causa da morte foi Fortunato Badan Palhares, que concluiu que Raimundo Nonato tinha falecido de anemia falciforme, uma doença congênita, sem relação com os seus ferimentos. Os médicos do hospital, no entanto, recusaram-se a assinar tal laudo, o que deu mais credibilidade aos rumores de execução.

Badan Palhares tornou-se depois o mais polêmico legista brasileiro, ao participar da investigação do homicídio de Paulo César Farias, o P.C. Farias, ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello à Presidência da República, em 1989, e um dos assessores mais suspeitos do ex-Presidente. Nessa investigação, ele assinou um laudo de que P.C. Farias tinha sido assassinado pela sua namorada Susana Marcolino, que teria se suicidado depois, mas, depois, suspeitou-se que o legista teria sido pago, pelo irmão de P.C., para fazer tal laudo, e que o casal tivesse sido assassinado por outras pessoas.

Outro laudo polêmico feito por Palhares foi o do suposto corpo do carrasco nazista Josef Mengele, o qual foi dado como inconclusivo pelo próprio Palhares. Isso foi contestado depois, pelos caçadores de nazistas, que pediram outro laudo que acabou confirmando que o cadáver era mesmo de Mengele.
Dr. Fortunato Badan Palhares
Badan Pallhares fez laudos tão controvertidos que até hoje, vinte anos depois dos casos P.C. Farias e Raimundo Nonato da Conceição, ainda circulam piadas atribuindo ao médico os laudos cadavéricos de Osama Bin Laden e do alienígena de Roswell, entre outros.

O comandante Fernando Murilo foi premiado anos depois, pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas, em outubro de 2001, pela sua atuação na crise, e foi considerado herói, ao salvar a vida das mais de cem pessoas a bordo. É provável que, se não fosse a calma e a coragem do comandante Murilo, o onze de setembro talvez tivesse tido um grande precedente brasileiro.

O avião, o PP-SNT, fabricado em 1986, ficou danificado no estabilizador pelas arrojadas manobras do comandante Murilo, mas foi reparado. Foi devolvido para a GPA em 1993 e opera até hoje na Southwest Airlines, com a matrícula N698SW.

Em 24 de julho de 2011, quase 23 depois do sequestro que vitimou seu pai, Wendy Fernandes Evangelista, filha do copiloto Salvador Evangelista, conseguiu ganhar na justiça uma indenização de 250 mil reais da Infraero, pela negligência na inspeção de bagagens no Aeroporto de Confins.

Raimundo Nonato da Conceição não conseguiu atirar um avião no Palácio do Planalto, mas, em maio de 1989, um motorista desempregado e alcoolizado, o pernambucano João Antônio Gomes, de 36 anos, conseguiu invadir o Palácio pela porta principal, com um ônibus roubado, em alta velocidade. Na época, a popularidade do Presidente Sarney estava no fundo do poço, e as más linguas diziam que "o palácio desgovernado chocou-se com um ônibus em Brasília". Um espelho d'água foi construído às pressas, em frente ao Palácio, para evitar incidentes semelhantes no futuro.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A trágica carreira dos DeHavilland Comet 1

Os motores a jato, durante a Segunda Guerra Mundial, representaram um dos maiores avanços tecnológicos da aviação. Mas, por algum tempo, tiveram o seu uso restrito às aeronaves militares, até que se tornassem confiáveis e duráveis o suficiente para serem utilizados na aviação civil.
O Comet I G-ALYV, da BOAC
De fato, entre o final da década de 1940 e começo da de 1950, os fabricantes ingleses saíram na frente, lançando as primeiras aeronaves comerciais equipadas com motores a reação: um jato comercial, o DeHavilland Comet 1, e um turboélice, o Vickers Viscount.
Protótipo do Comet
O primeiro protótipo do Comet 1 voou em 27 de julho de 1949, e menos de três anos depois, em 2 de maio de 1952, o avião foi colocado em serviço pela British Overseas Airways Corporation - BOAC.

O impacto tecnológico provocado pelo jato foi enorme. Sua velocidade era 300 Km/h mais rápida que a dos melhores aviões de motor a pistão então existentes, os Douglas DC-7 e os Lockheed Super Constellation. Além disso, os aviões voavam muito mais alto, acima das turbulências, e seus motores eram de funcionamento muito mais suave que os grandes motores radiais.
Comet I da BOAC em voo
O Comet 1 da BOAC, matriculado G-ALYP, foi o primeiro jato comercial a levar passageiros pagantes, voando entre Londres e Johannesburgo, na África do Sul. O avião foi imediatamente aprovado pelos passageiros, e uma nova era começava na aviação comercial.
Decolagem do primeiro voo comercial de passageiros em um avião a jato
Infelizmente, não demorou para que os primeiros problemas aparecessem. No dia 26 de outubro de 1952, menos de seis meses depois do primeiro voo, um Comet 1, matriculado G-ALYZ, acidentou-se durante a decolagem, no Aeroporto de Ciampino, em Roma. Os pilotos tentaram decolar antes da hora, e o avião, sem conseguir ganhar velocidade com o nariz erguido, varou a pista e se espatifou. Embora apenas dois passageiros tivessem sofrido ferimentos leves, o avião sofreu danos irreparáveis.
O G-ALYZ, acidentado em Roma, sem vítimas
Um acidente muito parecido ocorreu com um Comet da Canadian Pacific Airlines, o CF-CUN, no Aeroporto de Karachi, no Paquistão, em 3 de março de 1953. Ao varar a pista, no entanto, a aeronave canadense encontrou um canal de drenagem e uma barreira de contenção de aterro no caminho, o que tornou o acidente muito mais grave. De fato, os cinco tripulantes e seis passageiros a bordo morreram, as primeira vítimas fatais de um acidente envolvendo um jato comercial na história.
Comet CF-CUN, da Canadian Pacific
Ambos os acidentes foram atribuídos a falhas operacionais. Era trágico, mas de se esperar, já que tais aeronaves tinham um comportamento muito diferente dos velhos aviões a pistão. Toda transição oferece seus riscos. Nenhuma falha foi encontrada nos aviões em si.
Cockpit do Comet 1
Menos de dois meses depois, em 2 de maio, outro Comet da BOAC, o G-ALYV, desintegrou-se no ar seis minutos após a decolagem, ao entrar em uma severa tempestade tropical, perto de Calcutá, na Índia. Todos os 43 ocupantes do avião morreram.

Calcutá também foi palco de um incidente com outro Comet 1, o G-ALYR. Ao taxiar, o piloto verificou que as luzes da taxiway eram muito fracas, o que forçou-o a usar os farois de pouso, alternadamente, para que não superaquecessem.
O G-ALYR, perdido em um acidente no táxi
Ao tirar a mão do volante de steering, durante uma curva no táxi, para trocar os faróis, a roda do nariz se autoalinhou, e o avião foi parar fora da taxiway, provocando o colapso do trem de pouso direito. O avião foi enviado de volta à Grã-Bretanha, para reparos, que nunca foram feitos, devido aos fatos supervenientes, e acabou sendo desmontado.
O G-ALYR, enviado para reparos na Grã-Bretanha, jamais foi reparado.
Houve falha estrutural do avião no caso do G-ALYV. Testemunhas observaram que a asas do avião separaram-se da fuselagem, que precipitou-se em chamas no Oceano Índico.

Investigações promovidas pelas autoridades indianas concluíram que a aeronave sofreu grande fator carga "G", provocado tanto pelas correntes descendentes dentro de um aguaceiro quanto por overcontrol pelos pilotos. Ninguém percebeu, naquela época, que as longarinas das asas, muito aquecidas pelos motores embutidos na raiz das asas, se enfraqueciam perigosamente.
Os motores do Comet eram embutidos na raiz da asa
Como resultado desse acidente, radares meteorológicos foram introduzidos nas aeronaves, assim como um sistema para diminuir a sensibilidade dos comandos de voo, minimizando situações de overcontrol. Os pilotos reclamaram dessa última modificação, alegando que os comandos passaram a responder com atraso e lentamente, mas o piloto de testes John Cunninghan rebateu tais críticas, afirmando que o avião tornou-se mais suave de comando e mais seguro de se operar.

Mas o pior ainda estava por vir. Até agora, nada menos que três Comet se perderam em apenas um ano de operações, mas a reputação do avião não estava arranhada. Os próximos acidentes, no entanto, iriam modificar dramaticamente essa situação.

O voo BOAC 781, então realizado pelo G-ALYP, decolou normalmente de Ciampino, Roma, no dia 10 de janeiro de 1954, mas, onze minutos depois, explodiu sem qualquer razão aparente, caindo ao largo da Ilha de Elba, no Mar Tirreno, vitimando todas as 35 pessoas a bordo. Não houve testemunhas, nem chamada de emergência, nada que indicasse uma emergência ou situação de perigo.

A mídia levantou uma possibilidade de sabotagem. A investigação preliminar levantou várias hipóteses, como explosão de vapor de combustível em um tanque vazio, flutter, carga excessiva sobre estruturas fatigadas de asa, descompressão explosiva ou fogo no motor.

A Marinha Real conduziu uma operação de recuperação dos destroços, e os primeiros pedaços foram trazidos à tona em 12 de janeiro. Até agosto, cerca de 70 por cento da estrutura primária, 80 por cento dos motores e 50 por cento dos sistemas do avião tinham sido recuperados do fundo do mar.
Em cinza, as partes recuperadas dos destroços do G-ALYP
A investigação, levada a cabo pelo Abbel Commitee, não conseguiu chegar a nenhum fator contribuinte decisivo. A maior suspeita era relacionada com fogo, e modificações foram planejadas para melhorar a proteção contra o fogo nos motores, que eram embutidos dentro das asas. 

Em 4 de Abril, Lord Brabazon escreveu ao Ministro dos Transportes, "Embora nenhuma razão definitiva para o acidente tenha sido estabelecida, modificações estão sendo incorporados para cobrir qualquer possibilidades que a imaginação tenha sugerido como uma causa provável do desastre. Quando estas modificações forem concluídas e tenham sido satisfatoriamente testadas em vôo, o Conselho não vê razão para que os serviços de passageiros não devam ser retomados. "

Na verdade, os voos comerciais do Comet 1 já tinham sido retomados alguns dias antes, em 23 de março de 1954. A carta de Lord Brabazon era somente uma justificativa para isso.

A investigação, no entanto, estava no caminho errado. O problema não estava nos motores e nem nas asas, mas sim na estrutura da fuselagem do avião. As asas sofriam com o aquecimento dos motores, mas problemas ainda piores estavam afetando a aeronave


Poucos dias depois, no entanto, uma nova tragédia acontece com o Comet. Dessa vez, foi com o Comet G-ALYY, que tinha sido arrendado para voos fretados para a South African Airways. O voo South African 201 tinha decolado de Roma, rumo ao Cairo, em um longo voo que tinha como destino final Johannesburgo. Morreram todas as 21 pessoas a bordo, 14 passageiros e 7 tripulantes.


O acidente com o G-ALYY foi muito parecido com o acidente que ocorreu ao largo da Ilha de Elba. Algum problema muito grave estava ocorrendo com os Comet. O avião foi novamente afastado do serviço, até que a investigação fosse concluída. A linha de produção também foi paralisada, e o Certificado de Aeronavegabilidade do Comet foi cassado.


O Primeiro Ministro, Sir Winston Churchill, encarregou a Marinha Real de resgatar os destroços do avião, que tinha caído no mar, ao largo de Nápoles. Um comitê foi formado para fazer uma ampla investigação, muito mais extensa que as anteriores, que não surtiram qualquer efeito.


A investigação foi muito minunciosa, e não excluiu nenhuma hipótese, dessa vez. Sob o comando de Sir Arnold Hall, diretor do Royal Aircraft Establishment RAE em Farnborough, a comissão levantou a hipótese de fadiga estrutural como possível causa dos acidentes no Mediterrâneo. Uma grande parte da estrutura recuperada do G-ALYP, que caiu em Elba, e uma aeronave intacta requisitada da BOAC, o G-ALYU, foram escolhidos para os ensaios estruturais.


O Comet intacto, o G-ALYU, foi submetido a uma simulação de esforços repetitivos de pressurização e despressurização. Sua célula já tinha 1.221 ciclos quando foi retirada de serviço, e os ensaios foram executados em um tanque de água, para conter os destroços em caso de explosão da estrutura. O tanque foi construído ao redor da fuselagem inteira, ficando somente as asas e a empenagem para fora.
O G-ALYU no tanque de teste de fadiga
Após 1.836 ciclos simulados no tanque, em 24 de junho de 1954, a fuselagem do G-ALYU finalmente se rompeu e explodiu dentro do tanque. O tanque foi drenado, e verificou-se que a falha catastrófica originou-se de um canto vivo da porta lateral de emergência. A análise dos destroços constatou danos extensos de fadiga em cantos vivos das janelas retangulares do avião e em outros pontos como instalações de antenas e furos de rebites.


A fadiga de material constatada na estrutura do G-ALYU era muito superior e prematura que a esperada pelos projetistas. As janelas tinham sido submetidas, durante o desenvolvimento do avião, a pressões extremas, que foram suportadas sem maiores problemas. O que não era esperado é que os cantos vivos originassem tantas trincas devido à fadiga do metal.
Danos provocados por fadiga nos destroços do G-ALYP
Nos restos da estrutura do G-ALYP, verificou-se que a falha estrutural que destruiu o avião originou-se de uma janela aberta na fuselagem para a instalação de uma antena de ADF - Automatic Direction Finder. A antena e sua base, feita em fibra de vidro, foram fixadas por rebites nessa janela, e as trincas originaram-se justamente dos furos dos rebites, abertos com punção, como era comum na época. As trincas originárias dos furos desses rebites acabaram por comprometer, devido à fadiga, toda a fuselagem, que literalmente explodiu em voo, dividindo o avião em vários pedaços. Não houve chance dos pilotos fazerem qualquer coisa para salvar a aeronave.
A janela aberta para instalação da antena de ADF do G-ALYP, que provocou a perda da aeronave
Os testes no tanque, com o G-ALYU, demonstrou que as fuselagens poderiam se romper a qualquer tempo, entre 1.000 e 9.000 ciclos, sem qualquer aviso prévio. Quando caiu, o G-ALYP tinha 1.290 ciclos. O G-ALYY tinha somente 900 ciclos quando explodiu acima do Mediterrâneo. Entretanto, jamais foram determinadas, com certeza, as falhas estruturais que levaram à perda do G-ALYY


Em 19 de outubro de 1954, uma corte de inquérito presidida por Lord Cohen se reuniu para examinar as causas dos acidentes do Comet em 1954, e os testes em Farnbourough realmente comprovaram que a estrutura do avião era perigosa, e que não havia outra solução possível, a não ser a retirada definitiva do avião de serviço. O revolucionário Comet 1, primeiro jato comercial da história, estava condenado. 

As células remanescentes foram transformadas em sucata. Componentes das aeronaves ainda em fase de produção foram utilizadas em protótipos civis, como os modelos Comet 2 e 3, que nunca chegaram a entrar em serviço,  e programas militares de aeronaves de transporte e contramedidas eletrônicas, para a RAF - Royal Air Force.
Raro exemplar do Comet 1, operado pela RAF, no Museu de Cosford, UK
Somente em 4 de outubro de 1958 um jato De Havilland Comet voltaria a entrar em serviço no transporte comercial de passageiros, dessa vez no serviço transatlântico entre Londres e Nova York. O modelo então usado, denominado Comet 4, tinha uma elegante fuselagem alongada, isenta de todos os trágicos defeitos que condenaram seu antecessor quatro anos antes. Tiveram uma longa carreira, e o último avião foi retirado de serviço somente em 14 de março de 1997.
Boeing 707-121 da Pan Am
As lições aprendidas com os acidentes do Comet 1 em 1954 foram dolorosas, mas possibilitaram a construção de fuselagens pressurizadas muito mais seguras. A Boeing, que não conseguiu colocar no mercado um jato comercial antes dos ingleses, por estar profundamente envolvida nos programas militares dos bombardeiros B-47 e B-52, aproveitou sabiamente a experiência dos Comet. O Boeing 707 foi colocado em serviço ativo alguns dias depois, em 26 de outubro, no serviço transatlântico, pela rival da BOAC, a Pan Am, e acabou se tornando um sucesso muito maior que o Comet, que pagou o preço do pioneirismo.