sábado, 24 de novembro de 2012

Aeronaves muito estranhas, algumas muito feias

Certamente a imaginação humana não conhece limites. Desde o início da história da aviação, projetistas profissionais e amadores se esmeram em conseguir melhor desempenho de suas máquinas, muitas vezes em detrimento da aparência. Diz um ditado na aviação que, se um avião é bonito, certamente voa bem. Isso certamente foi ignorado pelos projetistas das aeronaves listadas abaixo, que parecem nuito mais "Frankensteins" aeronáuticos:

Bay Super-V
Essa aeronave, a Bay Super-V, foi construída no Canadá pela empresa Bay Aviation Services, que adquiriu os direitos do projetista Dave Peterson, que modificou um Beechcraft Bonanza de monomotor para bimotor em 1955. A Bay construiu apenas 5 aeronaves, certificada na FAA e no Canadá, antes de vender os direitos para uma empresa de Savannah, na Geórgia, a Mitchel Aircraft. Cerca de 14 aeronaves foram convertidas a partir de modelos Bonanza. Sem um verdadeiro leme de direção, o comportamento da aeronave em caso de pane de um dos motores Lycoming O-360 A1A de 180 HP devia ser singular.
Givaudan 1909
Existem asas enfechadas, trapezoidais e elípticas, mas o Givaudan 1909 certamente foi o único avião a possuir asas cilíndricas. Não se sabe qual era o raciocínio que impulsionou o projetista a montar uma asa com esse formato, pois a área de sustentação era muito ineficaz para ser bem sucedido. A asa dianteira era totalmente móvel, servindo como superfície de controle. Fazer o rolamento devia ser problemático, se tivesse voado... A aeronave demonstrou ser totalmente impraticável. Tinha um motor V-8 Vermorel de 40 HP.
Junkers G-38
Certamente uma das aeronaves mais feias já produzidas na história, o Junkers G-38 foi um grande quadrimotor alemão dos anos 30. Dois protótipos foram produzidos como aeronaves comerciais, ambas operadas pel Deutsche Luft Hansa. Tinha acomodações luxuosas, e a cabine avançava para dentro das asas, podendo observar a paisagem através de janelas instaladas no bordo de ataque. As asas espessas permitiam também aos mecânicos acessar e reparar os motores Junkers, dois V-12 e dois de 6 cilindros, em voo.
Wagner Twin Tri-Pacer
O projetista americano Harold Wagner fez essa interessante, mas terrivelmente feia, conversão a partir de um Piper PA-22 Tri-Pacer. Instalou no nariz do avião dois motores Lycoming O-290 de 125 HP lado-a-lado, em 1952. Para que os discos das hélices não interferissem um com o outro, Wagner colocou um espaçador no cubo de uma delas, para que ficasse um pouco mais à frente. O desempenho não agradou, e o avião posteriormente retornou à sua configuração monomotor original.
Wagner Twin Cub
Harold Wagner foi um projetista prolífico em produzir bimotores pouco convencionais. Além do Twin Tri-Pacer citado acima, produziu outros projetos utilizando fuselagens gêmeas. O Twin Cub da foto acima é um exemplo notável, especialmente porque os dois aviões utilizados na sua montagem não eram iguais. Um era o famoso Piper J-3 Cub, e o outro era um Piper PA-11. Wagner colocou um motor Continental C-85 e uma carenagem na fuselagem do J-3 para equilibrar a potência e o arrasto. Como as duas fuselagens eram bem próximas, um espaçador foi colocado no cubo da hélice de uma das aeronaves para que uma hélice ficasse um pouco mais à frente, como no protótipo Twin Tri-Pacer. Wagner também produziu um protótipo de fuselagens duplas a partir de duas aeronaves leves Ercoupe, denominado Twin Ercoupe (foto abaixo), que foi utilizado para fazer acrobacias em shows aéreos.
Wagner Twin Ercoupe

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Mil Mi-24: o mais poderoso helicóptero militar russo

Poucas aeronaves na história se tornaram tão emblemáticas quanto o helicóptero russo Mil Mi-24. Em um certo momento, foi considerado um verdadeiro símbolo do poder militar soviético. O Mi-24, denominado pela OTAN como "Hind", quarenta anos após entrar em serviço, ainda continua em produção e é uma referência em poderio aéreo.
A concepção do Mi-24 "Hind" vem da década de 1960. Nessa época, auge de tensão na Guerra Fria, tornou-se evidente para os soviéticos, e para o designer aeronáutico Mikhail Leont'yevitch Mil, que a crescente mobilidade no campo de batalha tornaria necessário um apoio aéreo mais eficaz. Mil começava, então, a conceber o conceito de um verdadeiro "tanque voador", que acompanharia os tanques terrestres no campo de batalha e que teria poderio suficiente para destruir os tanques inimigos. Além disso, essa máquina deveria ter capacidade de transportar tropas ao campo de batalha.
Mil, a partir de um projeto anterior, o V-22, helicóptero utilitário que jamais chegou a voar, desenvolveu uma nova máquina, materializada na forma de um mock-up apresentado em 1966 em uma exposição de aeronaves experimentais para o Ministro das Aeronaves, como projeto nº 329. Esse mock-up, designado V-24, idealizava uma aeronave capaz de levar oito soldados armados a bordo, e era equipado com duas pequenas asas instaladas na parte traseira da cabine de passageiros, onde foram instalados cabides para seis mísseis ou foguetes. Um canhão de cano duplo GSh 23L, com calibre de 23 mm, instalado no esqui do trem de pouso, complementava o armamento.
Mikhail Mil, o maior de todos os projetistas de helicópteros da Rússia
Logo Mikhail Mil sentiu oposição de alguns militares soviéticos, que preferiam ver os seus recursos investidos em máquinas mais convencionais. Continuou insistindo, no entanto, e convenceu o Vice-Ministro da Defesa Andrey A. Grenchko, a convocar um conselho de especialistas para analisar seu conceito.
Nessa época, os americanos estavam empregando helicópteros de transporte de tropas e de combate na Guerra do Vietnam. O principal helicóptero americano empregado no Vietnam, o Bell 205, designado militarmente como UH-1, e apelidado Huey, foi concebido para transportar tropas ao campo de batalha, mas logo foi equipado com armamentos como canhões e lançadores de foguetes. O sucesso do Huey no Vietnam foi decisivo para convencer os militares soviéticos que o conceito do V-24 de Mil não apenas era válido, como poderia ser essencial nos campos de batalha do futuro.
Cockpit do Mi-24
Os engenheiros de Mil projetaram duas versões para o -24: o primeiro era um helicóptero monomotor de 7 toneladas, e o outro um bimotor de 10,5 toneladas. Ambas as versões seriam equipadas com motores turboeixo Isotov TV3-177A, de 1700 SHP cada.
O Escritório de Projetos Kamov ofereceu uma opção de baixo custo, uma versão para o Exército do helicóptero naval Ka-25. Todavia, tal projeto foi preterido pela versão bimotor do V-24. Mil construiu três mock-ups da cabine para definir o posicionamento dos tripulantes e passageiros. Por fim, o projeto foi aprovado em 6 de maio de 1968, e Mikhail Mil ficou como projetista-chefe até sua morte, em 1970, aos 60 anos de idade.
Mi-24 disparando suas armas
 O projeto detalhado do Mi-24 foi iniciado em agosto de 1968, sob o nome-código Amarelo 24. Em fevereiro de 1969, o mock-up em escala 1:1 da aeronave foi concluído e aprovado. O primeiro protótipo foi testado em voo pairado e cativo em 15 de setembro de 1969, seguido pelo primeiro voo livre quatro dias depois. Um segundo protótipo foi construído logo após, seguido de um lote de 10 aeronaves de pré-série, destinados à avaliação operacional.
Painel principal do Mi-24
Os testes de avaliação da aeronave começaram em junho de 1970, e prosseguiram por 18 meses. Algumas modificações foram introduzidas no decorrer desse tempo, visando principalmente a aumentar a resistência estrutural, a redução de vibração e a minimização da fadiga. A aeronave tinha tendência ao Dutch Roll em velocidades acima de 200 Km/h, e a solução encontrada foi instalar as asas com um ângulo diedro negativo de 12 graus. Essas asas deram um aspecto bastante característico e agressivo ao helicóptero. Outras modificações foram introduzidas, como reposicionar o rotor de cauda da direita para a esquerda, e inverter o sentido de rotação, para que o mesmo aproveitasse o downwash do rotor principal e tivesse sua eficiência aumentada. Os pylons dos mísseis antitanque Falanga foram reposicionados, da fuselagem para as asas.

No final de 1970, a versão de produção Mi-24A entrou na linha de montagem, atingiu seu IOC (Initial Operating Capability - Capacidade Operacional Inicial) em 1971 e foi aceita oficialmente no Arsenal das forças armadas soviéticas em 1972. A OTAN atribuiu o codinome "Hind" para a aeronave.
Vista em corte do Mi-24
Sob qualquer ponto de vista, o Mi-24A era impressionante. Os dois motores foram posicionados bem juntos, no alto da cabine, com entradas de ar duplas. O rotor principal tinha 5 pás de 17,3 metros de comprimento cada, e o rotor de cauda 3 pás. A cabine e o cockpit eram pressurizados, não tanto para aumentar o teto operacional, mas para melhor proteger os ocupantes de armas químicas ou biológicas. Toda a parte inferior e boa parte da lateral foram protegidas com uma blindagem balística de titânio, capaz de absorver até munições calibre .50. O cockpit recebeu painéis de vidro plano, a prova de balas. Até mesmo as pás do rotor, feitas em titânio, podiam resistir a projéteis calibre .50. Essa proteção valeu ao Mi-24 o apelido de Tanque de Guerra Voador. Nos meios russos, no entando, o apelido mais comum do Mi-24 era Krokodil (crocodilo), devido à sua camuflagem e ao seu aspecto agressivo.
Cabine de "passageiros" do Mi-24, para 8 soldados equipados
Mil dedicou considerável esforço no sentido de obter alta velocidade, embora isso implique em problemas para uma aeronave de asa rotativa. Para prevenir a assimetria de sustentação do rotor em alta velocidade, o mastro foi inclinado 2 graus e meio para a direita. Para manter o rotor paralelo ao solo, quando pousado, o trem de pouso era assimétrico. Dessa forma, quando a aeronave estava no chão, a fuselagem ficava inclinada ligeiramente, 2,5º, à esquerda.
Mi-35 afegãos, no deserto do Afeganistão
O trem de pouso triciclo era escamoteável. As asas fixas forneciam até um quarto da sustentação total em alta velocidade. A superfície de aerofólio da cauda era assimétrica, fornecendo um esforço lateral antitorque em alta velocidade, o que aliviava a pressão sobre o rotor de cauda.

Quando foi colocado em serviço, o Mi-24 demonstrou ser uma máquina aterrorizante, mas sua capacidade simultânea de ataque/transporte de tropas não foi tão eficaz como se pretendia. Na verdade, para se aproveitar a aeronave como transporte, muitas vezes se removia parte da blindagem para reduzir o peso, anulando as vantagens de resistência a projéteis de armas leves em campo de batalha. Tornou-se comum, assim, utilizar uma combinação de helicópteros de transporte Mi-8 e os Mi-24 como escolta. Na guerra dos soviéticos no Afeganistão, no entanto, a capacidade multifuncional ataque/transporte do Mi-24 foi muito utilizada.
Mi-24 oferecido à venda
A estréia do Mi-24 em combate ocorreu na Guerra de Ogaden, entre a Etiópia e os guerrilheiros somalis, entre 1977 e 1978, na qual a aeronave foi muito bem sucedida. Mas a Guerra do Afeganistão, entre 1979 e 1989,  é que foi a maior experiência bélica dos Mi-24. Não se sabe ao certo quanto desses helicópteros foram utilizados no Afeganistão, tanto por forças afegãs contra os guerrilheiros rebeldes Mujahedin, quanto pelos próprios soviéticos, mas algumas fontes afirmam que podem ter sido utilizados até 600 helicópteros por ano na guerra, 250 dos quais eram Mil Mi-24.

No Afeganistão, a simples presença dos Hind aterrorizava os guerrilheiros. As máquinas eram praticamente invulneráveis às metralhadoras e outras armas de baixo calibre, de modo que não adiantava muito atirar contra elas. O guerrilheiros Mujahedin apelidaram os Mi-24 de "Shaitan-Arba", a Carruagem de Satanás.

O primeiro helicóptero Mi-24 foi abatido no Afeganistão em 30 de maio de 1979, mas a máquina permaneceu como alvo extremamente difícil de ser abatido até que os americanos começaram a fornecer mísseis portáteis Stinger, guiados por infravermelho, aos Mujahedin. Os Stingers foram as únicas armas realmente perigosas para os Mi-24, e pelo menos 27 Hind foram derrubados no Afeganistão por essas armas. Os mísseis Stinger, com apenas 10,1 Kg de peso eram disparados do ombro de um soldado, dispensando instalações em solo para seu disparo. Podiam atingir velocidade de Mach 2,2 antes de atingir o alvo.

Ao todo, entre 78 e 80 Mi-24 foram perdidos na Guerra do Afeganistão, embora muitas perdas fossem creditadas ao ambiente inóspito e acidentes. Muitos Mi-24 sobreviveram ao armamento antiaéreo, incluindo mísseis, no entanto, e a máquina mostrou ser altamente resistente mesmo no hostil ambiente do deserto, com areia e calor intenso.

Os Mi-24 sobreviveram a várias guerras, além do Afeganistão, como a Guerra do Golfo, Guerra Irã-Iraque, Guerra do Iraque e vários outros conflitos, especialmente guerras civis envolvendo países e povos pertencentes à ex-União Soviética. Até hoje, os helicópteros Mi-24 estão envolvidos em conflitos regionais, como as guerra civis na Líbia e na Síria (2011-2012).
Nariz do Mi-24
 Os Hind foram uma das aeronaves soviéticas/russas mais populares no resto do mundo. Acima de 50 países operam ou já operaram esses helicópteros. Os russos desenvolveram versões de exportação, algumas ocidentalizadas, denominada Mil Mi-25 e Mi-35, a última das quais permanece em produção e continua interessando forças armadas de muitos países, devido à sua versatilidade, resistência, poder de fogo e baixo custo operacional.
Mi-35 da Força Aérea Brasileira, designado AH-2 Sabre
Os Mil Mi-35 são as primeiras aeronaves russas a serem operadas pela FAB - Força Aérea Brasileira. Tratam-se de versões atualizadas Mi-35M com aviônica israelense. Doze aeronaves são operadas pelo 2º/8º GAV, baseadas em Porto Velho, Rondônia. Na FAB, os Mi-35 foram redesignados como AH-2 Sabre.
AH-2 Sabre da FAB em Porto Velho/RO
Desde 1969, Mil desenvolveu muitas versões dos Mi-24/25/35, sendo algumas para uso policial e paramilitar. Nas figuras abaixo, pode-se ter uma idéia das variantes fabricadas. A aeronave permanece em produção, e acima de 2 mil aeronaves já foram fabricadas até hoje. Nas forças russas, sua desativação estava prevista para 2015, mas várias aeronaves foram atualizadas recentemente e devem permanecer em serviço muito além disso. A longevidade dessas aeronaves é uma prova de sua eficiência e de sua popularidade, como provavelmente o melhor helicóptero russo já fabricado.