quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Resgate aéreo dramático: o incêndio do Edifício Andraus

O fogo destruiu o edifício inteiro em poucas horas
A tarde da quinta-feira, dia 24 de fevereiro de 1972, foi quente e abafada em São Paulo.  Centenas de pessoas trabalhavam nos escritórios do Edifício Andraus, um grande e imponente edifício na Avenida São João, quando uma dramática notícia se espalhou rapidamente por seus 32 andares: o prédio estava pegando fogo.
Um turbilhão de chamas destroi o Edifício Andraus
Aconteceu por volta das 16 horas e 20 minutos, entre a primeira e a segunda sobreloja das Casas Pirani, uma grande e já extinta loja de departamentos que ocupava o subsolo, o térreo e as sobrelojas do edifício. Há controvérsias sobre a origem do incêndio, mas é provável que tenha sido causado por uma sobrecarga na rede elétrica.
Helicóptero Enstrom no teto do Andraus
Construído em 1962, com 115 metros de altura e 32 andares, o Edifício Andraus tinha grande beleza arquitetônica, mas, assim como todos os prédios altos de São Paulo, na época, não possuia sistema de combate ao fogo, nem hidrantes, nem escadas de incêndio, e nem sequer extintores nos corredores. Como resultado, o fogo começou a subir para os andares superiores, e as pessoas que lá trabalhavam subitamente se viram encurraladas: não era possível descer, e o fogo subia rapidamente. Muitos se viram cercados pelo fogo nos andares, enquanto a maioria subia as escadas para atingir o terraço do prédio, onde havia um heliponto, raro naquela época.

O fato do prédio possuir um heliponto foi essencial para que aquelas pessoas fossem salvas, mas isso não quer dizer que uma operação de resgate fosse fácil. Um vento quente soprava no centro de São Paulo naquela tarde, atiçando as chamas em direção à Avenida São João, uma das mais movimentadas de São Paulo. O incêndio logo atingiu proporções devastadoras, tomando conta do prédio inteiro.
Resgate de uma criança, vítima do incêndio no Andraus
O Comandante Olendino Francisco de Souza, que comandava o SSA - Serviço de Salvamento Aéreo de São Paulo, foi convocado para levar o seu helicóptero, um Bell 204B, matriculado PP-ENC, para o Edifício Andraus, acompanhado do Coronel Gilson Rosemberg, da 4ª Zona Aérea da FAB. Souza foi, segundo ele, o primeiro a chegar no local, e manobrou o pesado helicóptero, uma versão civil do famoso "sapão", o Bell UH-1 Huey, no meio da fumaça e da grande turbulência criada pelo vento e pelo próprio incêndio. Cerca de 40 minutos já se haviam passado desde o início do incêndio, e nos andares abaixo, vítimas encurraladas se atiravam do prédio para não morrerem queimadas.
O Bel 204B pilotado pelo Cmte. Souza, resgatando sobreviventes do Edifício Andraus
Souza teve receio de apoiar o peso do helicóptero no pequeno heliponto, feito para aeronaves bem menores, e então manteve potência suficiente para que a máquina apenas tocasse o piso. Com o auxílio do Coronel Gibson, embarcou as pessoas que conseguiu e voltou ao Aeroporto de Congonhas para desembarcá-las. Muitos estavam feridos, queimados ou intoxicados pela fumaça. O DAC achou por bem fechar o aeroporto para as demais aeronaves, permitindo mais agilidade nas operações de resgate. Só reabriu após o último pouso dos helicópteros de resgate.
Após o PP-ENC levantar voo do terraço do Andraus, outros helicópteros da cidade logo manobravam em volta do edifício, agora totalmente tomado pelo fogo. O Comandante Walmir Fonseca Sayão, a bordo do PP-EES, um Hiller FH-1100, já tinha conseguido sobrevoar o terraço antes de Souza, e pediu para as cerca de 50 pessoas que estavam lá, que derrubassem as antenas e outros obstáculos que poderiam atrapalhar o pouso dos helicópteros. logo a área estava limpa, mas, ao tentar resgatar as vítimas, verificou que quase atingiu-as com o rotor de cauda. Verificou ainda que a temperatura do motor subiu rapidamente, e que o helicóptero perdeu potência. Abortou o resgate, desceu até um ponto logo acima da Praça da República, para esfriar o motor e recuperar potência, e depois, com pouco combustível, foi até Congonhas reabastecer.
O caos na Avenida São João
As 50 pessoas avistadas por Sayão subitamente se transformaram em uma multidão de mais de 300 pessoas. Muitas vítimas não estavam conseguindo acessar o terraço devido a um portão de ferro trancado, mas logo conseguiram arrombá-lo e chegar ao heliponto para esperar o resgate.

Logo muitos outros helicópteros, do poder público ou privados, estavam sobrevoando o local: PT-HCP, da Anhembi Aviação, pilotado por Judimar Piccoli; PT-HDH, um Bell 206 da Audi, pilotado pelo Capitão Portugal Motta; PP-HBN, um Bell 206 da Pirelli, pilotado por Carlos Zanini, PP-HBM, um Hughes 300 da Votec, pilotado por Leo Waddington Rosa; PT-HCM, um Hughes 300 pilotado por Silvio Monteiro; PT-HCB, um Enstrom F28 da Anhembi Aviação, pilotado por Cláudio Finatti; PT-HCQ, um Enstron F-28, particular, pilotado por Sérgio Bering; PP-MAB, da Prefeitura Municipal de São Paulo, pilotado pelo Coronel Fonseca; PP-HDC, um Bell 206 da Papel Simão, pilotado pelo Coronel Telmo Torres Ayres.

O espaço aéreo ao redor do Edifício Andraus ficou simplesmente caótico, com tantas aeronaves em meio à fumaça e à turbulência do incêndio. Os coronéis da FAB que estavam, então, coordenando as atividades aéreas, temeram pela segurança dos helicópteros, e resolveram ordenar que os helicópteros pequenos, os Hughes e os Enstrom, equipados com motores a pistão, se retirassem do local.
O edifício Andraus destruído. Seria restaurado posteriormente
A decisão foi acertada. Os pequenos helicópteros conseguiam tirar apenas um ou dois sobreviventes de cima do prédio de cada vez, atrasando o pouso das aeronaves maiores,, e o incêndio poderia ser muito perigoso para essas aeronaves, equipadas com motores que consumiam a volátil gasolina de aviação. Dessa forma, permaneceram na missão os Bell 206 PT-HDH, PP-HBN e PP-HDC, o Bell 204 PP-ENC e o Hiller FH-1100 PP-EES.

Apesar disso, os helicópteros menores fizeram um esforço heróico, e o piloto Leo Waddington Rosa foi o que mais resgatou sobreviventes entre os pilotos dessas aeronaves, cinco no total.

O fogo começou a esmorecer em torno das 19 horas, mas o resgate continuou até a retirada do último sobrevivente do terraço do Andraus, pouco antes das 22 horas.

O comandante Olendino Souza, que operou a maior aeronave envolvida no resgate das vítimas do incêndio do Edifício Andraus, foi a grande estrela da operação, pois resgatou 307, dos mais de 400 sobreviventes resgatados do topo do prédio. Souza percorreu 32 vezes o percurso de ida e volta entre o Andraus e o Aeroporto de Congonhas. Completamente exausto, deitou-se na pista, ao lado do helicóptero, e adormeceu profundamente. Acordou horas depois, cercado de enfermeiros e médicos, no ambulatório do aeroporto. Souza receberia diversas homenagens e condecorações das autoridades, depois do incêndio.
A tragédia do Edifício Joelma, em 1974, matou 187 pessoas
Embora trágico, o incêndio do Edifício Andraus teve um relativamente pequeno número de vítimas fatais, 16, muitas das quais se atiraram do alto do prédio. Cerca de 330 pessoas ficaram feridas. Dois anos depois, um incêndio de grandes proporções atingiu outro prédio de São Paulo, o Joelma. O número de vítimas, dessa vez, foi muito maior, 187 mortos. No Edifício Joelma, os helicópteros não puderam fazer praticamente nada, pois o prédio não possuía um heliponto, e nem mesmo um terraço adequado.

Sem a operação aérea de resgate, o número de vítimas fatais do incêndio do Edifício Andraus poderia superior a 400. Com grande risco de perder a vida em um acidente, os pilotos dos helicópteros foram os grandes heróis do ano de 1972, em São Paulo e no Brasil inteiro.
O edifício Andraus em 2010: sem cicatrizes
Com uma sólida estrutura em concreto armado, o Edifício Andraus sobreviveu ao incêndio. Sua estrutura pode ser restaurada, e o prédio voltou a ser ocupado por escritórios e repartições públicas alguns anos depois. É um dos prédios mais seguros de São Paulo. Se a sua estrutura fosse de aço, como a das torres gêmeas do World Trade Center de Nova York, teria, sem dúvida alguma, desabado. No inquérito policial feito em 1972, ninguém jamais foi responsabilizado pela tragédia.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Os Electras da Ponte Aérea Rio-São Paulo

Entre os meses de maio e agosto de 1961, a Varig, pressionada pelo Governo Federal, adquiriu o consórcio Real-Aerovias, então repleto de dívidas e operando uma heterogênea frota de aeronaves.
O PP-VJW em voo acima de Porto Alegre, em voo de testes após revisão
Ruben Berta, o todo-poderoso presidente da Varig, teve o grande dissabor de saber que a Real-Aerovias tinha adquirido cinco aeronaves Lockheed L-188 Electra, de segunda-mão, da American Airlines. Os Electras tinham, então, má fama no mercado, apesar da bom desempenho operacional, pois o modelo tinha sofrido dois pavorosos desastres por falha estrutural, em 1959 e 1960. De fato, a fabricação do Electra foi encerrada em janeiro de 1961, com apenas 170 aeronaves fabricadas.
Electra estacionado no Aeroporto Santos-Dumont
Ruben Berta tentou cancelar o negócio a todo custo, mas sem sucesso. A contragosto, a diretoria recebeu a primeira aeronave, matriculada PP-VJM, no dia 31 de agosto de 1962. Em 10 de setembro chegaram outros dois aviões, matriculados PP-VJL e PP-VJN. As aeronaves vieram do Aeroporto de Tulsa, Oklahoma, até Congonhas, em São Paulo, fazendo escalas em Miami e Belém, ainda com o esquema de cores da American, e foram rapidamente repintados e reconfigurados para voos internacionais.
Electras da Ponte Aérea, em Congonhas
Em 30 de setembro, a Varig recebeu outra aeronave, o PP-VJO, e em 11 de outubro, o quinto e último dessa encomenda, matriculado PP-VJP.

A primeira linha a usar os Electra foi a de Nova York, em complemento aos Boeing 707 e Caravelle III e em substituição aos Constellations. Foi uma solução temporária, até a chegada dos jatos Convair 990, em 1963, quando a linha de Nova York passou a ser operada apenas com jatos. O primeiro voo do Electra para Nova York foi realizado em 25 de setembro de 1962.
Electras da Ponte Aérea no Aeroporto Santos-Dumont
Os Electras passaram então a operar, principalmente, voos internacionais da Varig na América Latina.

A próxima tarefa dos Electras foi operar os chamados Voos da Amizade, entre Brasil e Portugal. Os Voos da Amizade eram feitos através de um acordo entre as empresas TAP e Panair do Brasil (depois, Varig), que vendiam passagens de baixo preço  nos dois sentidos exclusivamente para cidadãos brasileiros e portugueses. O acordo previa a utilização exclusiva de aviões a hélice, sendo que a TAP utilizou na rota os Lockheed Super Constellation e a Varig utilizou os Electras. Inicialmente, a empresa brasileira que operava os Voos da Amizade era a Panair do Brasil, com os Douglas DC-7, mas com a falência da Panair, em fevereiro de 1965, a Varig assumiu todas as rotas internacionais daquela empresa, incluindo os Voos da Amizade, que tinham frequência semanal. O primeiro Electra a voar para a Europa foi o PP-VJO, em 22 de novembro de 1965.
O PP-VJO visto da janela de outro Electra, em São Paulo
Os Electras faziam a travessia do Atlântico saindo do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, passando por duas escalas, em Recife e na Ilha do Sal, em Cabo Verde, até Lisboa. Sem dispor de equipamentos eletrônicos de navegação para a travessia, os Electras necessitavam de um navegador para fazer a navegação astronômica no voo sobre o oceano.

Os Voos da Amizade foram encerrados em 1967, mas, por essa época, a Varig já estava tão satisfeita com a operação dos Electras, e os aviões já eram tão populares entre os passageiros, que resolveu comprar mais três aeronaves da American, os quais foram matriculados PP-VJU, que chegou ao Brasil em 22 de novembro de 1967, PP-VJV, chegado em 30 de novembro, e PP-VJW, chegado em 15 de março de 1968. Nessa época, os Electras atendiam 16 destinos domésticos, e a Varig oferecia a passagem com 10 por cento de desconto em relação à tarifa dos jatos. As aeronaves tinham 82 lugares normais e mais 7 no lounge.
O PP-VJN, no Aeroporto Santos-Dumont
Em 1970, a Varig comprou dois Electras da Northwest Orient Airlines, convertidos em cargueiro. Os dois aviões começaram a operar na Varig transportando carga, mas pouco tempo depois os dois foram reconvertidos para operação de passageiros. Eram diferentes dos demais aviões, pois não tinham o lounge de 7 lugares presente na parte traseira dos demais aviões da frota. Foram matriculados PP-VLA e PP-VLB, e ambos chegaram ao Brasil em 3 de junho de 1970.
Bela foto dos Electras no Aeroporto Santos-Dumont
Também em 1970, a Varig comprou mais um Electra da American, o qual foi matriculado PP-VLC, o qual foi entregue no dia 6 de abril de 1970.

O início dos anos 70 foi marcado por uma série de acidentes na Ponte Aérea Rio-São Paulo, um serviço operado sob a forma de consórcio então operado entre as empresas Varig, Cruzeiro, Sadia e Vasp. Para garantir maior segurança, o Departamento de Aviação Civil determinou, em 1974, que somente aviões quadrimotores poderiam operar na Ponte Aérea. A Varig já operava seus Electras na rota, e Vasp operava seus últimos Vickers Viscount Mk 827. Como a Cruzeiro e a Sadia não possuiam quadrimotores, passaram a arrendar os Electras da Varig, para se manterem no consórcio. Em 1975, a Vasp vendeu os Viscount, e a Ponte Aérea passou a operar exclusivamente os Electras, alugando o equipamento para os outros operadores, já então reduzidos a Transbrasil, sucessora da Sadia, e Vasp, uma vez que a Varig passou a controlar a Cruzeiro em 1975.
O PP-VLA era um dos dois Electras que não tinham o lounge na traseira
Em 1975, a Varig, já operando jatos domésticos Boeing 727-100 e 737-200, retirou definitivamente os Electras das outras linhas e passou a operá-los com exclusividade na Ponte Aérea.
Orla marítima do Rio de Janeiro, visto da janela de um Electra
Como a Varig passou a operar o equipamento exclusivo da Ponte Aérea, passou a buscar no mercado outras aeronaves para suprir a rota e arrendá-la para os outros operadores. Acabou adquirindo duas aeronaves da Aerocondor, da Colômbia, os quais passaram a operar na Varig a partir de novembro de 1976, como PP-VLX e PP-VLY. A essa altura, a Varig operava 12 Electras: PP-VJL, PP-VJM, PP-VJN, PP-VJO, PP-VJU, PP-VJV, PP-VJW, PP-VLA, PP-VLB, PP-VLC, PP-VLX e PP-VLY. O PP-VJP acidentou-se em Porto Alegre, no dia 5 de fevereiro de 1970, durante um voo de treinamento. O acidente não deixou vítimas, mas a aeronave, que fez um pouso muito duro, perdendo um dos trens de pouso principais, foi considerada como de recuperação economicamente inviável, e acabou servindo de fonte de peças de reposição para os demais aviões da frota. Foi o único acidente de Electra registrado no Brasil.
O PP-VLB: notem a ausência das janelas do lounge, que não era existente nessa aeronave
A despeito da idade e da operação incessante, os Electras se deram bem na Ponte Aérea, mantendo uma pontualidade e uma regularidade inigualáveis. Atendendo a pedidos da Vasp e da Transbrasil, a Varig retirou seus logotipos e sua marca de quatro aeronaves, PP-VLC, PP-VJW, PP-VJU e PP-VJN, mantendo, todavia, seu esquema básico de pintura da época. Em 1979, no entanto, todos os quatro aviões voltaram a exibir suas logomarcas. Até o fim de suas carreiras, todos os Electras mantiveram um único esquema básico de pintura.
O PP-VNJ operou tardiamente na Varig, a partir de 1986
Na Ponte Aérea, todos os Electras eram operados por tripulações técnicas da Varig e por tripulantes de cabine da empresa operadora do voo, Varig, Vasp ou Transbrasil.

Em 1986, a Varig adquiriu mais dois Electras, os quais foram matriculados PP-VNJ e PP-VNK. Essas aeronaves vieram da TAME - Transportes Aéreos Militares Ecuatorianos. A TAME tinha 4 Electras em pobres condições, parados, e entregou dois aviões em troca da recuperação dos outros dois.

Com 14 Electras em operação, a Ponte Aérea atingiu seu auge entre os final dos anos 80 e o começo dos anos 90, com 88 operações diárias em ambos os sentidos.
O PP-VLY, no Santos-Dumont
Na Ponte Aérea, os Electras eram o transporte diário de centenas de executivos, artistas, celebridades diversas e gente comum das 6 até as 23 horas. Os voos saiam de 15 em 15 minutos, na maior parte do dia, e duravam cerca de 50 minutos, pouca coisa a mais que os jatos que os substituíram. A frequência era reduzida aos finais de semana para um voo a cada 30 minutos, nos horários de pico. Quando o tempo estava claro, sem nebulosidade, os voos que partiam do Rio de Janeiro sobrevoavam a orla marítima do Rio a uma altitude relativamente baixa, para os passageiros aproveitarem a paisagem.
O PP-VLC, no Santos-Dumont
Em 1991, os tempos de glória do Electra na Ponte Aérea chegavam rapidamente ao fim. A Boeing já havia experimentado o Boeing 737-300 no Aeroporto Santos-Dumont, comprovando que sua operação poderia ser tão segura quanto a dos velhos turboélices, e as três empresas participantes da Ponte já operavam, então, o equipamento da Boeing.
Electra pousando no Aeroporto Santos Dumont
O fim dos Electras na Ponte foi quase abrupto. No dia 10 de novembro de 1991, o PP-VJO fez seu último voo na linha, e no dia seguinte, 11 de novembro, dois novos Boeing 737-300, matriculados PP-VOS e PP-VOT, fizeram companhia aos veteranos turboélices pela primeira vez na Ponte Aérea Rio-São Paulo.
Electra ao lado de um Boeing 737-300 no Santos-Dumont: o fim estava próximo
Em seguida, foram paralisados as aeronaves PP-VLA, em 17 de novembro de 1991, PP-VJV, em 28 de novembro, PP-VLB, em 9 de dezembro, PP-VLY, em 12 de dezembro, PP-VJU, em 23 de dezembro, PP-VNK, em 24 de dezembro, PP-VJM e PP-VLC, em 28 de dezembro, PP-VJW, em 29 de dezembro, PP-VJL, em 30 de dezembro, PP-VLX e PP-VJN, em 5 de janeiro de 1992. O último voo regular dos Electras na Ponte Aérea (SDU-CGH) foi cumprido pelo PP-VJN, em 5 de janeiro, seguido de um voo especial que conduziu passageiros VIP no dia seguinte de Congonhas até o Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro.
PP-VNJ
Das aeronaves retiradas de serviço, a Varig colocou todas à venda, revisadas e em condição de aeronavegabilidade, exceto o PP-VJM, o primeiro dos Electras a chegar ao Brasil, em 1962, o qual foi doado ao Museu Aeroespacial no dia 27 de maio de 1992. Esse avião permaneceu em Congonhas até o dia 26 de maio, quando decolou em direção ao Aeroporto Internacional do Galeão, dando, antes de pousar, 4 toques e arremetidas no Aeroporto Santos-Dumont, além de um espetacular voo rasante sobre a pista. No dia 27, decolou do Galeão e deu um novo rasante no Santos-Dumont, antes de pousar no Campo dos Afonsos, tripulado pelos Buchrieser e Lott, e pelo Engenheiro José Aparecido. O avião foi colocado dentro do hangar do Musal, tendo os seus pneus esvaziados para que a cauda ficasse abaixo do batente da porta, até que estivesse no seu lugar, onde está até hoje. É o único Electra sobrevivente de todos os 15 que operaram na Varig, durante 30 anos.
O PP-VJM preservado no MUSAL: é, provavelmente, o último existente dos 15
Passados 22 anos, os Electras já fazem parte da história. 14, dos 15 operados, já foram destruídos. Mas esse avião ficará, para sempre, ligado à história da Ponte Aérea Rio-São Paulo, mais do que qualquer outro tipo de aeronave.
Nostálgica cena do pouso do Electra no Rio de Janeiro, vista por um passageiro a bordo
Abaixo, temos o histórico resumido de cada aeronave, em ordem de matrícula no Registro Aeronáutico Brasileiro - RAB:

PP-VJL: c/n: 1024, primeiro voo em 28 de dezembro de 1958. Operou na American Airlines como N6103A "Flagship Detroit", PP-VJL na Varig entre 10 de setembro de 1962 e 29 de julho de 1993; Foi para a Blue Airlines, do Zaire (atual Congo), onde voou como 9Q-CDK "Lodja Putu" até ser desativado em 1995, e canibalizado. Desmontado completamente em 1999.
Interior do PP-VJM, em configuração 2-3
PP-VJM: c/n: 1025, primeiro voo em 31 de dezembro de 1958. Operou na American Airlines como N6104A "Flagship Washington", PP-VJM na Varig entre 30 de agosto  de 1962 e 27 de maio de 1992; Foi doado para o Museu Aeroespacial - MUSAL, onde se encontra preservado e visitável até hoje.
Entrega do PP-VJM ao Musal, em 1992
PP-VJN: c/n: 1037, primeiro voo em 27 de janeiro de 1959. Operou na American Airlines como N6108A "Flagship Buffalo", PP-VJN na Varig entre 10 de setembro de 1962 e junho de 1993; Foi para a Blue Airlines, do Zaire (atual Congo), onde voou como 9Q-CDI "Dominique Misenga" até se acidentar, com perda total e sete mortos em 8 de fevereiro de 1999, no aeroporto de N' Dijili, Congo.

PP-VJO: c/n: 1041, primeiro voo em 2 de janeiro de 1959. Operou na American Airlines como N6109A "Flagship Toronto", PP-VJO na Varig entre 30 de setembro de 1962 e novembro de 1993; Foi para a Filair Congo, do Zaire (atual Congo), onde voou como 9Q-CXU de 1994 até ser desativado em 1997 e canibalizado.

PP-VJU: c/n: 1119, primeiro voo em 13 de janeiro de 1960. Operou na American Airlines como N6128A "Flagship San Diego", PP-VJU na Varig entre 22 de novembro de 1967 e julho de 1993; Foi para a Blue Airlines, do Zaire (atual Congo), onde voou como 9Q-CDG até ter uma pane hidráulica e pousar de barriga em N' Dijili, Congo, em 13 de março de 1995. Irrecuperável, foi desmontado.
O 9Q-CDG, ex-PP-VJU da Varig, voou na Blue Airlines com o mesmo esquema básico de pintura da Varig
PP-VJV: c/n: 1126, primeiro voo em 4 de março de 1960. Operou na American Airlines como N6135A "Flagship San Antonio", PP-VJV na Varig entre 30 de dezembro de 1967 e julho de 1993; Foi para a New ACS do Zaire (atual Congo), onde voou como 9Q-CRS e depois foi 5H-CRM na Trans Service Airlift. Rematriculado 9Q-CCV. Depois de um incidente com o trem de pouso do nariz, em 21 de janeiro de 1994, foi desativado, canibalizado e sucateado.

PP-VJW: c/n: 1124, primeiro voo em 19 de fevereiro de 1960. Operou na American Airlines como N6133A "Flagship Baltimore", PP-VJW na Varig entre 15 de março de 1968 e outubro de 1993; Foi para a África, mas registrado em Honduras como HR-AMM. Voou pela Interlink Congo até agosto de 1995, quando foi levado para Lanseria, África do Sul, para venda. Foi adquirido pela Air Spray, do Canadá, e entregue em 25 de outubro de 2002. Foi avião bombeiro, como C-GZYH, na Air Spray, e utilizado até 22 de junho de 2003, quando foi encostado e canibalizado.
O C-GZYH, canibalizado em Red Deer, Canada. Outrora, foi o PP-VJW
PP-VJP: c/n: 1049, primeiro voo em 25 de março de 1959. Operou na American Airlines como N6110A "Flagship Detroit", PP-VJP na Varig entre 11 de outubro de 1962 e 5 de fevereiro de 1970; Acidentou-se no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, e foi desmontado.
Incomum disposição de assentos do Electra, em "club seat"
PP-VLA: c/n: 1139, primeiro voo em 31 de janeiro de 1961. Operou na Northwest Orient Airlines como N134US, convertido para cargueiro em 1969, PP-VLA na Varig entre 3 de junho de 1970 e novembro de 1993. Foi vendido para a Filair Congo, onde voou como  9Q-CVK e 9Q-CGD. Acidentou-se, com perda total, em julho de 1994, em Angola.
Electra da Filair, ex-Varig PP-VNK
PP-VLB: c/n: 1137, primeiro voo em 18 de janeiro de 1961. Operou na Northwest Orient Airlines como N133US, convertido para cargueiro em 1969, PP-VLB na Varig entre 3 de junho de 1970 e julho de 1993. Foi vendido para a Filair Congo, onde voou como 9Q-CUU. Deixou de voar em julho de 1997 e foi encostado no Aeroporto de Kinshasa, Congo, onde foi visto pela última vez em 11 de setembro de 2003.
Painel do PP-VLA
PP-VLC: c/n: 1093, primeiro voo em 1º de setembro de 1959. Operou na American Airlines como N6122A "Flagship Albany". PP-VLC na Varig de 6 de abril de 1970 até 10 de agosto de 1993. Vendido para a Blue Airlines como 9Q-CDL, voou até janeiro de 1995 e sucateado em março do mesmo ano.


PP-VLX: c/n: 1063, primeiro voo em 27 de maio de 1959. Operou na American Airlines como N116A "Flagship Cincinnati", foi para a Aerocondor, da Colômbia, em 12 de janeiro de 1971, como HK-1416. Foi PP-VLX na Varig entre novembro de 1976 até abril de 1994; Vendido para a Aero Spray, do Canadá, onde foi C-FQYB, voou até 16/10/2000. Destruído em um incêndio no hangar, quando estava em mantenção.

PP-VLY: c/n: 1073, primeiro voo em 28 de julho de 1959. Operou na American Airlines como N119A "Flagship Cleveland", foi para a Aerocondor, da Colômbia, em 18 de setembro de 1969, como HK-775. Foi para a New Air Charter Service (ACS) com a matrícula 9Q-CRM. Em outubro de 1993, foi vendido à Trans Service Airlift, mantendo a mesma matrícula. Em 2000, foi para a Air Transport Office, onde foi re-matriculado como 9Q-CTO. Em 2001 foi encostado em Kinshasa, onde, segundo alguns relatos, permanece quase intacto.
Lounge do ex-PP-VNK, aqui na operando no Canadá na Air Spray
PP-VNK: c/n: 1040, primeiro voo em 4 de agosto de 1959. foi o primeiro Electra da Braniff, matriculado N9701C. Voou até 1970 para a Braniff, sendo dado como parte de pagamento na compra do Boeing 727 que o substituiu. Por sua vez, a Boeing vendeu-o à FB Ayer que o arrendou à Universal Airlines em abril de 1972. Ficou parado até fevereiro de 1975, quando foi vendido aos Transportes Aéreos Militares Ecuatorianos (TAME) para quem voou até 1986 como FAE 1040/HC-AZT. Desativado por falta de peças de reposição, foi novamente encostado no aeroporto Mariscal Sucre em Quito, Equador, até novembro de 1993. Foi vendido para a Varig em 1986, onde ficou até novembro de 1993. Foi para a Filair, baseada na República Democrática do Congo, como 9Q-CDU. Detido por problemas de documentação em Calgary, no Canadá, em 4 de março de 1994, foi comprado pela Air Spray, de Red Deer, Canadá, em 22 de outubro de 1994, onde voou como C-GFQA "Tanker 86". Acidentado com perda total em Cranbrook, em 16 de julho de 2003, com 3 vítimas fatais.
PP-VNK no Santos-Dumont
PP-VNJ: c/n: 1050, primeiro vôo em 8 de abril de 1959, voou na American Airlines como N6111A "Flagship Tulsa". Vendido em 30 de novembro de 1966 para a Air California com o prefixo N278AC. Vendido à GATX em 18/12/68 e repassado à F.B Ayer, que o arrendou a Universal e à Ecuatoriana de Aviación. Comprado pela TAME do Equador em 17 de outubro de 1974, onde voou com a matrícula FAE1051/HC-AZL até ser negociado com a Varig, em 1986, a exemplo do que ocorreu com o PP-VNK. Ficou na Varig até outubro de 1993, quando partiu com a matrícula HR-AML, vendido para a Interlink, também da República Democrática do Congo - apesar de receber uma matrícula hondurenha. Ficou na Interlink até ser levado Victoria Falls, sendo posteriormente trasladado para Lanseria, próximo a Johannesburg, África do Sul. Em 11 de dezembro de 1997, partiu para Linz, na Áustria. comprado pela Amerer Air, como EL-WSS, nunca mais voou, tendo sido canibalizado.
O ex-PP-VNK, operando como avião bombeiro no Canadá
 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

St. Cloud: o primeiro hangar do mundo

Na virada do Século XIX para o Século XX, o Aeroclube da França mantinha uma aeroestação no bairro de St. Cloud, em Paris. Essa aeroestação ficava na hoje denominada Avenue du Maréchal Jean de Lattre de Tassigny, entre as avenidas Clodoald e Longchamps. Esse local era a base de lançamento de balões dos sócios do Aeroclube, e era sempre muito movimentado, exceto durante os meses do inverno.
O primeiro hangar do mundo em St. Cloud
 O Aeroclube da França foi fundado em 1898 e já contava com cerca de 400 membros  em 1900. Santos-Dumont foi um dos seus fundadores e fazia parte do primeiro Comitê de Direção, integrado também por  Henry de La Valx, Gustave Eiffel, Ernest Archdeacon e Paul Tissandier, entre vários outros. O Aeroclube era presidido pelo Conde Albert de Dion, que também havia fundado o Automóvel Clube da França alguns anos antes.
Aeroestação de St. Cloud 1899
O Aeroclube da França comprou o terreno em St. Cloud, o que permitiu aos seus sócios dispor de um espaço exclusivo para o lançamento dos balões, até então lançados de parques públicos de Paris, como o Jardim de Aclimação.
Localização do hangar e da Aeroestação de St. Cloud (foto: Luiz Pagano)
A personalidade prática e irrequieta de Santos-Dumont, no entanto, logo se fartou dos complicados e procedimentos de lançamento de balões. A cada voo, era necessário produzir o gás hidrogênio, estender cuidadosamente o invólucro do balão e enchê-lo para voar. Depois, era preciso esvaziar o balão e dobrá-lo novamente, já que não havia como mantê-lo cheio para outros voos, pois ficava exposto às intempéries. O hidrogênio era desperdiçado.

Santos-Dumont logo pensou, então, em construir um abrigo para os balões já inflados para evitar todo esse trabalho e desperdício de gás. Obteve autorização do Aeroclube para construir um grande galpão em madeira na Aeroestação de St. Cloud. Estava nascendo o primeiro hangar de aeronaves da história.
O hangar de St. Cloud (foto: Luiz Pagano)
O termo "hangar" veio do inglês hangar, que originalmente significava "depósito de veículos de tração animal", e a palavra tem provável origem holandesa, uma modificação de ham-gaerd, que significa "galpão ao lado da casa".

Santos-Dumont concluiu a construção do seu hangar em junho de 1900. Era um grande galpão de madeira, de 30 metros de comprimento, 11 metros de altura e 7 metros de largura na base, excluindo os suportes das duas portas corrediças, uma grande novidade criada pelo inventor brasileiro.
Interior do hangar de St. Cloud (foto: Luiz Pagano)
Portas corrediças eram inexistentes à época. Os construtores do hangar de Santos-Dumont consideravam tal idéia impraticável, e duvidavam que funcionasse, mas o inventor apoiou a porta em grandes rolamentos, que corriam sobre trilhos acima e abaixo, e seu funcionamento era tão suave que até uma criança conseguia abri-la sem fazer grande esforço. A porta era voltada para o lado sul do hangar. O terreno em frente não era plano, tinha um forte declive para o lado leste, em direção ao vale do Rio Sena.
O dirigível nº 6 no hangar de St. Cloud
Um pequeno anexo do hangar continha barris de ácido sulfúrico e uma caixa de limalha de ferro. O ferro reagia com o ácido, produzindo o hidrogênio, que era canalizado para o interior do hangar e para os balões por uma mangueira.

O primeiro dirigível de Santos-Dumont a ser montado e experimentado no hangar foi o nº 4. Os dirigíveis nº 5, nº 6 e nº 7 também foram construídos lá, mas Santos-Dumont logo concluiu que o hangar de St. Cloud não era mais adequado. Novas construções foram feitas nas proximidades, inclusive uma fábrica de balões do empresário Henri Deutsch de La Meurthe, tornando o lugar um tanto perigoso para manobrar dirigíveis.
O hangar de Neuilly, que substituiu o pioneiro de St. Cloud
Santos-Dumont construiu um novo hangar em Neuilly, relativamente próximo dali, e que foi inaugurado na primavera de 1903. O dirigível nº 7, embora tivesse sido construído em St. Cloud, foi montado já em Neuilly, e Santos-Dumont não usou mais seu hangar pioneiro, que teve, então, vida muito curta. Não se sabe qual foi o destino que o Aeroclube da França deu ao hangar, pois a Aeroestação de St. Cloud também logo deixou de existir.

Monumento a Santos-Dumont em St. Cloud
Em St. Cloud, o Aeroclube da França mandou fundir uma estátua em bronze, representando o Ícaro da mitologia grega, em homenagem a Santos-Dumont.Tal monumento foi colocado em uma pequena praça redonda, próxima à antiga Aeroestação de St. Cloud, e foi inaugurada em 19 de outubro de 1913. Em sua base, está escrito: "Ce monument a eté éleve par L' Aero Club de France pour commemorer le experiénces de Santos-Dumont, pionnier de la locomotion aérienne." (Este monumento foi erigido pelo Aeroclube da França para comemorar as experiências de Santos-Dumont, pioneiro da locomoção aérea.
Santos-Dumont posando junto ao monumento original em St. Cloud
Infelizmente, durante a ocupação nazista de Paris, durante a Segunda Guerra Mundial, a estátua original foi removida pelos alemães e destruída para reciclar o bronze, para finalidades militares.
Na década de 1920, o local antes ocupado pela Aeroestação de St. Cloud e pelo hangar pioneiro de Santos-Dumont (à esquerda da foto) já estava ocupado por casas
Uma réplica, aproximadamente igual à original, foi recolocada no local, por brasileiros, em 1952 e está lá até hoje. A simples praça que a envolve é denominada Praça Santos Dumont, e está na confluência das Avenue de Longchamp, Avenue du Maréchal Jean de Lattre de Tassigny, Avenue Duval Le Camus, Avenue Romand e Avenue de Suresnes. Nada mais resta da Aeroestação de St. Cloud além dessa praça e de seu monumento. No lugar onde existiu o pioneiro hangar de Santos-Dumont, foram construídas casas elegantes.
Nesse endereço, na Avenue du Maréchal De Lattre de Tassigny, ficava o primeiro hangar de aeronaves da história.