quinta-feira, 25 de abril de 2013

Blog Cultura Aeronáutica: um milhão de páginas visitadas!

Menos de quatro anos após ser criado, em maio de 2009, o Blog Cultura Aeronáutica completou, às 23:59 do dia 25 de abril de 2013, nada menos que UM MILHÃO DE PÁGINAS VISUALIZADAS na internet.
Estatística do Blogspot, mostrando o momento em que um milhão de acessos foi registrado
Aproveitamos a ocasião para agradecer, imensamente, a todos os leitores assíduos ou eventuais, e espero ter colaborado para a disseminação da cultura aeronáutica e para aumentar o conhecimento de todas as pessoas que, de alguma forma, se interessam pela aviação, sua história, sua tecnologia, seus personagens, suas aventuras.
Acessos por país e por navegador
As estatísticas mostram que a maioria dos acessos veio do Brasil, vindo logo a seguir os acessos de Portugal e dos Estados Unidos. Na estatística, vejam os 10 países que mais acessam o "Cultura Aeronáutica. É realmente acessado do mundo inteiro.

URL de referência
O fato de ter tantos leitores me incentiva a escrever novos artigos, e com qualidade ainda melhor, pois acredito que a responsabilidade agora é grande. Lembramos que o blog não tem patrocinadores, e que é mantido apenas por satisfação pessoal, por ter tantos leitores fiéis.
Os artigos mais lidos do blog, em 25 de abril de 2013
Mais uma vez,muito obrigado aos meus leitores!


Professor JONAS LIASCH
Londrina/PR, 25 de abril de 2013.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Simulando o voo BA0247: de Heathrow a Guarulhos no Boeing 747



Esse voo, especificamente, é uma ficção, jamais ocorreu na realidade, mas está sendo descrito para dar a ideia aproximada do que se passa no cockpit de um Boeing 747-400 de uma companhia aérea real, a British Airways, no caso, entre os aeroportos de Heathrow, em Londres, e Guarulhos – São Paulo. Tentamos incluir o máximo de realismo possível nesse voo, mas trata-se, no caso de uma simulação, executada nos software MS Flight Simulator e PSS Boeing 747-400 criado para o FS2000, mas “rodando” em um FS2002.
Boeing 747-436 da British Airways, matriculado G-CIVW
Embora sejam relativamente antigos, esses softwares são completos o suficiente para reproduzir a maioria dos sistemas da aeronave, e permitem, inclusive, “pilotar” o avião com o uso do Flight Operation Manual do Boeing 747-400 real. O desempenho final não deixa a desejar, mesmo se comparado a softwares bem mais atuais, e permite reproduzir o voo com perfeição, inclusive quanto à meteorologia e aos regulamentos de tráfego aéreo. Alguns dados aqui relatados não podem ser realmente executados no computador, mas são elementos constituintes do voo real. Deve ser levado em conta que um simulador, mesmo o mais completo deles, jamais funcionará como um avião real. Esperamos que esse relato sirva como um guia para os fãs do Flight Simulator em seus voos virtuais. A data do voo foi fixada em uma data passada, por dificuldades encontradas em atualizar os bancos de dados do software de simulação.
O Manual do B747-441 foi utilizado como guia para a elaboração desse artigo, embora esse modelo -441 tenha motores GE CF-6, ao contrário do avião descrito no artigo, que é equipado com motores Rolls-Royce RB-211
Nosso voo, o BA0247, começa no aeroporto de Heathrow, em Londres, no Terminal 4, em um dia qualquer de abril de 2001. A aeronave é um Boeing 747-436, matriculado G-CIVW, e equipado com motores turbofans Rolls-Royce RB-211-524H, de 60 mil libras de empuxo cada um. Dois Comandantes e dois FO (First Officers – Primeiros-Oficiais) estão a bordo para o voo até São Paulo. São 21 horas e 10 minutos, horário local, e todos os tripulantes já estão há bordo.
O painel do Boeing 747-400, antes da partida dos motores
O Comandante “master”, o mais antigo a bordo, estará operando a aeronave, como PF – Pilot Flying, na fase inicial do voo, assistido por um SFO – Senior First Officer, como PNF – Pilot Not Flying, nessa fase do voo. Os dois outros tripulantes técnicos, outro Comandante e outro Primeiro Oficial Senior, estão no cockpit nesse momento, mas logo irão se retirar para descansar a bordo, para aguardar a hora de troca de tripulação, durante o voo.

Um Boeing 747-436, da British Airways
O SFO está programando o FMS – Flight Management System, para o voo até Guarulhos. O plano de voo prevê nível de voo inicial 310 (31 mil pés), fazendo um Step Climb para os FL 350 e 390 depois. Deve-se lembrar de que, em 2001, ainda não havia RVSM, e os níveis de voo acima de 29000 pés ainda eram separados de 2 em 2 mil pés.
CDU do FMS do Boeing 747-400
Para quem não está totalmente familiarizado com os termos técnicos e siglas da aviação, acrescentaremos um glossário nos comentários, ao final desse artigo.

Os três sistemas inerciais de navegação da aeronave já estão alinhados. Esse procedimento leva 15 minutos, desde o acionamento do equipamento e a seleção das chaves na posição “ALIGN”. Depois disso, com as chaves na posição NAV, os CDU (Control Displays Units) do FMS já podem ser programados. As chaves dos inerciais estão localizadas do lado esquerdo do Overhead Panel, painel localizado no teto do cockpit, logo acima da cabeça dos pilotos. Também são nesse painel que estão localizados os controles dos sistemas elétricos, hidráulicos, pneumáticos, de partida dos motores, de pressurização, de combate ao gelo e fogo, além de outros comandos.

Overhead Panel do B747-400
O SFO confere a planilha fornecida pelo Despacho. 389 passageiros já estão a bordo, mais 20,1 mil libras de bagagem e 15,9 mil libras de carga. O SFO sintoniza o rádio VHF no ATIS de Heathrow, e copia a mensagem, que informa vento de 175 graus com 4 knots, temperatura do ar de 9ºC, ajuste do altímetro de 1019 hPa, e pista em uso para decolagem 27L. O céu está claro e a visibilidade é, praticamente, ilimitada. Embora exista um pequeno componente de vento de cauda, em Heathrow se dá preferência para operações nas pistas 27R e 27L, desde que o componente de vento de cauda não ultrapasse 5 Knots e o componente de vento cruzado não ultrapasse 12 Knots.
Terminal 4 de Heathrow, local de partida do voo simulado
O Boeing 747-400 pode carregar combustível no tanque do estabilizador horizontal, no tanque central e em dois tanques principais, e um reserva em cada asa. Para o voo até Guarulhos, 54,2 mil libras de querosene foram carregadas no tanque central, 85,3 mil libras em cada um dos tanques principais internos 2 e 3, e 30,7 mil libras em cada um dos tanques principais 1 e 4. Cada tanque reserva contém 9 mil libras de combustível adicional. O combustível dos dois tanques de reserva será transferido automaticamente para os tanques principais quando atingirem um determinado nível durante o voo. Não sendo necessários para esse voo específico, os tanques do estabilizador horizontal estão vazios. Como o peso Zero Combustível do avião é 507,5 mil libras, com o combustível, o peso final, pronto para o táxi, é 811.700 libras, aproximadamente, 368,2 mil Kg.

Ambos os pilotos cumprem os check-listsBefore Start”, feitos antes da partida dos motores. No momento, a aeronave está sendo suprida de energia elétrica pelas fontes externas. A APU – Auxiliary Power Unit, somente será acionada pouco antes do push-back, quando tratores empurrarão a aeronave para trás, até o ponto onde a aeronave pode se movimentar com seus próprios motores.

O comandante recebe a informação das comissárias que o check de cabine está completo, e ordena o fechamento de todas as portas e o acionamento dos escape slides em cada um delas. O comandante aciona o botão que dá partida na APU, e monitora a partida no MFD – Multifunctional Display, um monitor que fica entre o pedestal das manetes e o painel principal do avião. A APU tem sua própria bomba de combustível e seu acionamento é todo automatizado. Estabilizada a APU, os geradores da unidade são colocados na barra e o comandante ordena aos mecânicos em terra que removam as fontes externas da aeronave. Uma vez fechadas as portas, o operador dos fingers os afastam das portas e a aeronave está livre para fazer o push back.
O Primeiro Oficial programa o CDU do FMS. A tela do MFD mostra o sistema de combustível
O SFO já obteve a autorização de voo do CLRD de Heathrow e a liberação de movimentação da aeronave pelo Ground Control, e o Comandante libera os mecânicos para fazerem o push-back, liberando, ao mesmo tempo, os freios de estacionamento da aeronave. As luzes anticolisão vermelhas são acionadas no Overhead Panel.

Enquanto a aeronave é empurrada para trás, toda a responsabilidade por essa movimentação é do pessoal de terra, e os pilotos cumprem os últimos itens do check-list “Before start”, colocando o estabilizador na posição correta, em +3.2, 9% da CMA – Corda Média Aerodinâmica, e ligando todas as bombas dos tanques que contém combustível, situadas no centro do Overhead Panel.
O SFO solicita e obtém autorização de acionamento dos motores, pouco antes de terminar o push-back, e informa o Comandante, que autoriza o acionamento dos motores 3 e 4. A APU do Boeing 747-400 tem 1.450 HP de potência, e suas bleed valves (válvulas de sangria de ar) conseguem suprir ar comprimido ao sistema de baixa pressão suficiente para acionar dois motores simultaneamente.
Boeing 747-436
A partida dos motores Rolls-Royce RB-211 é monitorada no MFD pelo parâmetro de N3, rotação do compressor de alta pressão. Motores Rolls-Royce possuem 3 eixos, do fan (N1), do compressor intermediário (N2) e do compressor de alta pressão (N3). Com 23 por cento de N3, indicados por uma linha magenta no indicador, as manetes de combustível são abertas, e os motores entram em funcionamento. A essa altura, o push-back já colocou o avião na posição, e o mecânico responsável monitora, pelo lado de fora, os motores, para informar qualquer anormalidade durante a partida. O SFO dá a partida nos motores 1 e 2 e, após a estabilização de todos os 4 motores, o sistema de Auto-Throttle é armado. O Flight Director também é acionado, o táxi é autorizado, e as luzes de táxi são acesas. Sendo uma aeronave pesada e com muita inércia, é necessário aplicar uma boa dose de potência para tirar a aeronave da imobilidade. Uma vez em movimento, o comandante recua as manetes para manter uma velocidade aceitável de táxi na congestionada área da rampa.
Motor Rolls-Royce RB-211-524H
Uma vez na taxiway que leva à cabeceira de decolagem, a velocidade poderia ser aumentada até 25 Knots, mas, ao invés, é reduzida para acompanhar o pesado tráfego à frente, cinco aeronaves que também aguardam a vez para decolar. Os flaps são acionados na posição 20, e o autobrake é colocado na posição RTO (Reject Take-off). Nessa posição, se durante a decolagem a aeronave sofrer uma pane, entre a velocidade de 85 Knots e a V1 (Velocidade de decisão), e as manetes forem recuadas até Idle (marcha lenta dos motores), o autobrake acionará os freios na máxima intensidade possível, para parar o avião com segurança, dentro do comprimento de pista disponível, rejeitando a decolagem sem necessidade de acionar os reversores de empuxo.
Pedestal das manetes do Boing 747-400, com o MFD e os CDUs
No EICAS – Engine Indicators and Crew Alert System, monitor que fica bem no meio do painel principal, os pilotos monitoram qualquer aviso de alerta (em amarelo) ou de perigo (em vermelho), além da posição correta dos trens de pouso e dos flaps. Os parâmetros principais dos motores, EPR (Engine Pressure Ratio: Razão de Pressão do Motor), N1 (Rotação do fan) e EGT (Exhaust Gas Temperature: Temperatura dos gases de escapamento) também são exibidos nessa tela. Os avisos ativos no momento são todos brancos, indicando que os avisos de cabine para não fumar e colocar os cintos estão ligados, os ignitores dos motores estão ligados em contínuo, e que as packs do sistema pneumático estão desligadas, a exceção da pack 2, que está sendo mantida pela APU.

No CDU (Control Display Unit) do FMS, a tela de decolagem está aberta, mostrando as velocidades V1 de 149 Knots, VR de 164 Knots e V2 de 176 Knots. Todas essas velocidades também são mostradas em verde no Speed Tape do velocímetro, no lado esquerdo dos PFD – Primary Flight Displays.
O G-CIVW, em Heathrow
No MCP – Mode Control Panel, os pilotos já deixaram os modos VNAV – Vertical Navigation e LNAV – Vertical Navigation armados. O MCP é o painel onde os modos do sistema de piloto automático são selecionados. Com um atraso de 20 minutos devido ao tráfego pesado, o Ground Control manda o SFO mudar a frequência para a TWR (Torre de Controle), que autoriza a decolagem da pista 27L. A Carta de Saída (SID – Standard Instrument Departure) a ser utilizada é a MID3G, balizada pelo VOR Midhurst, ao sul de Heathrow. O SFO comunica a tripulação de cabine que a decolagem será iniciada, e ajusta no MCP a altitude autorizada, 6.000 pés.

O Comandante alinha a aeronave cuidadosamente na pista 27L, usando o steering e acelerando levemente o motor 4 para fazer a apertada curva entre a interseção e a cabeceira. Uma vez alinhado na pista, os faróis são todos acesos, e as luzes da cabine de passageiros são reduzidas.
Recebida a autorização para a decolagem, o Comandante (no momento, o PF) avança as quatro manetes do motor até atingir EPR – Engine Pressure Ratio entre 1,00 e 1,20, e espera até que os quatros motores estejam estabilizados. Uma vez que isso acontece, o SFO (PNF – Pilot Not Flying) canta: “Engines Stabilized” (motores estabilizados), e o PF responde: “Setting Power” (Selecionando Potência), pressionando o TO/GA – Take-off/Go Around (botão situado nas manetes e acionado com o dedo polegar do piloto, quando suas mãos estão posicionadas sobres as mesmas).
Painel principal do B747-400. O MCP está logo acima. O ND do Primeiro Oficial está com o radar no modo MAP, mostrando elevaçõesdo terreno.
O anunciador de modos no PFD – Primary Flight Display (tela do painel imediatamente à frente de cada piloto, que mostra os instrumentos primários de voo, como altímetro, velocímetro, variômetro, indicador de atitude, diretor de voo e outros) mostra THR REF / TO/GA / TO/GA, significando que o Auto-Throttle (sistema de controle automático das manetes do motor) está seguindo os parâmetros de Thrust Reference (ajuste de tração selecionado), e que os modos de arfagem e rolamento do Piloto Automático estão ambos em Take-Off/Go Around.

Uma vez que os modos LNAV – Lateral Navigation e VNAV – Vertical Navigation estão armados no MCP – Mode Control Panel, os anunciadores desses modos aparecem em letras brancas e pequenas no PFD. O PNF vigia atentamente o EICAS, e canta “Power Set” quando a tração atinge o nível selecionado. Quando a aeronave atinge a velocidade de 65 Knots, o sistema de Auto Throttle se desacopla dos servos dos manetes, e o anunciador de modos no PFD passa de THR REF para HOLD, permitindo atuação manual nos manetes e aplicação de tração adicional, caso isso seja necessário.
O Overhead panel em modo noturno
Como o componente de vento lateral é muito pequeno, é desnecessário ajustar o compensador de aileron da asa do lado do vento. Com um vento lateral mais forte, tal ajuste seria necessário, para evitar a tendência que o Boeing 747 tem de levantar a asa do lado do vento, devido ao grande enflechamento.

Aproxima-se agora a importante velocidade de 80 knots, e o PNF checa a mesma em ambos os PFD e no velocímetro convencional stand-by. Uma vez confirmada a velocidade, canta: “eighty knots”. Abortar a decolagem a partir de 80 Knots é bastante perigoso, embora viável.

Enquanto a aeronave acelera na pista, a V1 (velocidade de decisão), de 149 knots, é mostrada em verde no speed tape do velocímetro, do lado esquerdo do PFD. Ao chegar a V1, velocidade na qual o piloto, a partir da mesma, não pode mais abortar, e deve obrigatoriamente prosseguir na decolagem, o PNF canta: “V one”. Nesse ponto, o piloto tira as mãos das manetes, colocando ambas no manche para rodar o avião. Logo a seguir, aparece na speed tape a VR – Velocity of Rotate, de 164 knots, o PNF canta: “rotate”, e o PF puxa suavemente o manche até o nariz subir 12,5º acima do horizonte, no indicador de atitude à sua frente.
Recolhimento dos trens de pouso
Uma vez no ar, o PNF liga o radioaltímetro e canta: “positive climb”, e o PF responde logo a seguir: “gear up”. O PNF também canta “gear up” e leva a mão à alavanca que recolhe o trem de pouso, movendo-a para a posição UP. A indicação dos trens de pouso no EICAS é um box verde, logo acima da indicação da posição dos flaps. Logo que as dezoito rodas do Boeing 747 estejam recolhidas e travadas, e as portas dos compartimentos estejam fechadas, o display mostra GEAR UP, e em seguida se apaga. 

Passando 500 pés, o modo LNAV engaja automaticamente, substituindo o TO/GA no indicador de centre mode roll (modo de rolamento) no PFD. A 400 pés, o modo VNAV engaja novamente o Auto-Throttle no modo THR REF. O pitch mode (modo de arfagem) passa para VNAV Speed, ligando o aviso de VNAV SPD no PFD. Esse modo gerencia a velocidade do modo como foi programado no sistema VNAV do FMS - Flight Management System (Sistema de Gerenciamento de Vôo). O sistema de Auto-Throttle simplesmente aciona as manetes de empuxo de acordo com a programação feita no sistema VNAV do FMS.
Carta SID atual de Heathrow, mostrando o procedimento MID 3G
A 500 pés AGL (Above Ground Level), o AP – Auto Pilot (piloto automático) central, um dos três, é engajado. Com um componente de vento e a SID – Standard Instrument Departure (Carta de Saída Padrão por Instrumentos) Midhurst 3G orientando uma apertada curva de poucas milhas de raio depois da decolagem, é melhor deixar a tarefa para o piloto automático, programando-o para seguir a rota da SID já inserida no computador. O trajeto programado na SID coincide com os procedimentos de abatimento de ruído que a British Airways e todas as demais empresas aéreas devem seguir, para não incomodar em demasia os bairros residenciais que circundam os aeroportos de Heathrow e Gatwick

Com o VNAV agora engajado, a aeronave seleciona automaticamente CLIMB Power (potência de subida) ao passar 1000 pés. Isso é indicado pelo anunciador CLB no topo do EICAS. O Comandante anuncia: “speed intervene”, alertando o Primeiro Oficial para abrir a janela do bug de velocidade (no MCP) e girar para “Flap 10 Retraction Speed” (velocidade de retração do Flap em 10º) mais 10 knots. A indicação “-10” aparece na speed tape, próximo da velocidade de 198 knots. Essa é a velocidade de retração do flap 10. Pela adição de 10 knots a essa velocidade, 208 knots é a velocidade lida no bug de velocidade. Esse procedimento tira temporariamente a aeronave do modo VNAV, e a aeronave é controlada manualmente, com o PF se orientando pelo speed bug.
Painel do 747 e seus detalhes. Notem a posição avançada do MCP, acima
Uma vez que a aeronave atinge a velocidade de retração do flap 10, o comandante canta: “Flap Ten”. O SFO seleciona flap 10 na alavanca de seleção do flap, e canta de volta “Flap ten selected”. A alavanca do trem de pouso é levada então à posição OFF, e tão logo a barra indicadora da posição do flap no EICAS atinja a linha verde que indica 10 graus, o Primeiro Oficial canta: “Flap 10 green”.

Passando 2.500 pés, as packs (unidades de aquecimento, condicionamento e pressurização de ar) 1 e 3 são ligadas, e tão logo estejam estabilizadas, as válvulas de isolação entre as packs são abertas. Até esse ponto, tais válvulas eram mantidas fechadas. Os procedimentos de abatimento de ruído usados no Boeing 747-400 da BA exigem que a aeronave mantenha essa configuração até 4.000 pés. Acima de 4.000 pés, uma simples pressão no bug de seleção de velocidade fecha a janela e faz a aeronave voltar ao controle no modo VNAV.
Visão noturna do painel
Vendo os numerosos alertas de tráfego e os sinais no TCAS do ND – Navigation Display (tela de navegação, que também agrega o radar meteorológico e o TCAS, sistema que evita colisões com outras aeronaves no ar), fica evidente para a tripulação que o controle de tráfego aéreo deve segurar a aeronave em 6.000 pés até Midhurst, para evitar os numerosos tráfegos em procedimento de aproximação vindos do sul. 

Para que essa transição (de nivelamento temporário) seja feita de modo mais suave possível para os passageiros, a aeronave é tirada do modo CLB da página Thrust Reference do FMS e mudada para potência de CLIMB 1. O modo CLIMB 1 prove uma redução de empuxo dos motores e é usada preferencialmente depois que a aeronave está limpa (flaps e trens totalmente recolhidos), para aumentar a vida útil dos motores. Usando CLIMB 1, a aeronave terá uma aceleração e redução de empuxo mais suave quando a aeronave nivelar a 6.000 pés de altitude, que também é a Altitude de Transição. Nessa altitude, o botão Standard (STD), no MCP, é pressionado, e os altímetros dos PFD são ajustados imediatamente para a pressão padrão de 1013 hPa. O altímetro stand-by também é ajustado, manualmente, para essa pressão.
Boeing 747 da BA em LHR
Com uma velocidade mínima de manobra de 276 knots (V2 + 100 knots), o ATC autoriza a aeronave a acelerar até a velocidade de 280 knots. Para acelerar, a restrição de velocidade de 250 knots abaixo de 10.000 pés é deletada da página “CLIMB” do FMS. A um certo ponto, durante a subida, a APU – Auxiliary Power Unit (Unidade Auxiliar de Potência) deve ser desligada. Novamente, ambos os pilotos devem checar a posição do botão quando tal procedimento é feito. Os sinais de “Apertar os Cintos” são colocados em AUTO, e, ao passar 10.000 pés, os sinais serão desligados automaticamente. Os avisos de não fumar ficam em ON e nunca são desligados.
Painel de controles de rádios e outros equipamentos, no pedestal
Depois de sobrevoar o VOR Midhurst a 6000 pés, a aeronave volta a subir e finalmente nivela no FL inicial 310, 31 mil pés com ajuste padrão do altímetro, sendo liberada para voar diretamente ao waypoint ORTAC, no curso (rumo magnético) 225. O Primeiro Oficial abre a tela do sistema de combustível no MFD, para fazer a verificação do combustível. As verificações de combustível são realizadas começando no primeiro fixo após o nivelamento, e prossegue durante todo o restante do voo, com pelo menos uma verificação de combustível por hora. Para fazer o cross-check do combustível, o piloto simplesmente pega o total de combustível mostrado no EICAS e escreve esse total na planilha correspondente do SWORD – System World-Wide Operational Route Data. A partir daí, o combustível remanescente no destino pode ser calculado com segurança.

Apesar do atraso causado pelo congestionamento das pistas em Heathrow, o 747-400 demonstra notável flexibilidade em aproveitar tempo, em um longo voo transatlântico. Um Cost Index Number (número de índice de custo) faz um balanço entre o combustível levado a bordo e o tempo de voo que pode ser economizado, e é inserido no FMS - Flight Manager System, num esforço para recuperar o tempo perdido no solo. Depois de buscar os dados sobre o vento no restante do voo, um Cost Index de 400 é selecionado. Isso permite que a aeronave ganhe pelo menos dois minutos por hora de voo. Embora isso não pareça muito, em um voo de 11 a 12 horas de duração resulta em um tempo considerável. No fim, isso permite algumas órbitas de espera sobre o destino e ainda alternar o Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, caso necessário. Em voos que estão dentro do horário previsto, é normalmente usado um Cost Index 90. Com o Cost Index 400, a aeronave irá manter a impressionante velocidade de Mach .88, 88 por cento da velocidade do som, 10 por cento mais alta que a dos demais jatos comerciais atuais.
Painel de um Boeing 747-400
Na Posição NASAS, os dois pilotos serão substituídos pela segunda tripulação, que será responsável por voar a aeronave a partir dessa posição, por aproximadamente 7 horas, até a posição RIVER, quando a aeronave estará a voando sobre o Brasil. As condições meteorológicas são boas, mesmo sobre a Zona de Convergência Intertropical, nas imediações da Linha do Equador, segundo os informes meteorológicos mais recentes.

Voando sobre o Atlântico Norte, o piloto deve pensar antecipadamente sobre os problemas de ter que desviar o trajeto para um possível pouso de emergência. O Aeroporto de Porto Santo, no Arquipélago da Madeira, território português, é um estratégico ponto de apoio na travessia, assim como os aeroportos da Ilha do Sal, no Arquipélago de Cabo Verde, também um território português, e de Las Palmas, nas Ilhas Canárias. Já sobre o território brasileiro, uma das melhores opções é o Aeroporto de Recife. A tripulação deve considerar vários fatores ao escolher um aeroporto para pouso de emergência, como o ACN (Aircraft Classification Number) da aeronave e o PCN (Pavement Classification Number) da pista de alternativa. O ACN sempre deve ser menor, ou igual, pelo menos, que o PCN. Isso determinará se serão necessários procedimentos especiais, como alijamento de combustível, por exemplo, ou outros cuidados, inclusive com a decolagem posterior ao pouso de emergência.
B747 em procedimento de subida
Na posição NASAS, há troca da tripulação, e ambos os tripulantes, que até agora voavam o Speedbird 247 Heavy vão agora descansar por algumas horas. Na posição BIMBO, a aeronave faz um Step Climb para o FL 350, já previsto no plano de voo e autorizado pelo ACC Atlântico. Já não há combustível no tanque central, desde as 00:21 UTC. 
O ND e o PFD do Boeing 747-400
Entre BIMBO e o VOR Natal, o radar meteorológico acusa pesadas formações de cumulus-nimbus, com topos a 50 mil pés, à frente, e o Comandante, voando como PNF, ordena ao Primeiro-Oficial que está voando a aeronave que desvie para o lado esquerdo, tomando a proa magnética 195. Isso tira a aeronave temporariamente do modo VNAV do Piloto Automático, que passa então para o modo HDG (Heading: Proa). A aeronave está a 1080 NM de Natal quando o Comandante ordena nova mudança de proa, dessa vez para a Proa Magnética 230, o que levará a aeronave, ao cabo de mais algumas dezenas de milhas náuticas, ao curso original.

O VOR Natal é bloqueado às 05:12 UTC, e um novo Step Climb é autorizado pelo ACC Recife, dessa vez para o FL 390, 39 mil pés. O Oceano Atlântico já ficou para trás, e agora a aeronave passa a voar sobre o continente. Voando de Leste para Oeste, os ventos quase sempre são de proa, e o desafio do planejamento desses voos consiste justamente em planejar o nível onde há o menor vento de proa possível. O voo 247 está no horário, no entanto, apesar do atraso inicial da decolagem e dos desvios para evitar as formações sobre o oceano. Os ventos estão bem mais fracos que os previstos nas cartas.
PFD - Primary Flight Display
Sobre a posição RIVER, a primeira tripulação retorna aos comandos da aeronave, mas o Comandante agora volta como Pilot Not Flying – PNF, e o Primeiro Oficial opera os comandos do 747. Às 05:42 UTC, o nível de combustível nos tanques internos se igualou ao nível dos tanques externos, e o comandante fecha duas válvulas Crossfeed, e desliga as 4 bombas OVRD. Agora, cada tanque de asa alimenta apenas seu motor mais próximo.

O VOR CNF - Confins, acima da cidade de Belo Horizonte, é bloqueado às 07:17 UTC, e a aeronave voa agora em direção ao VOR BGC - Bragança, já nas proximidades de São Paulo. 80 NM antes de BGC, a aeronave atinge o ponto ideal de descida, e o ACC Brasília autoriza a aeronave descer para o FL 250. O Primeiro Oficial libera 25 mil pés no MCP, e logo o AP reduz os motores e inicia uma descida, pelo modo VNAV do Piloto Automático, com razão de 2500 pés por minuto. O FL 200 é logo autorizado também. Há pouco tráfego aéreo nessa hora da manhã na região, e as condições meteorológicas são boas. A velocidade indicada é reduzida para 280 Knots.
17 NM antes de BGC, o controle autoriza o nível 100, e a velocidade é novamente reduzida, agora para 250 Knots indicados. Sendo uma aeronave pesada e com muita inércia, 0 747 demora para desacelerar, e o acionamento dos spoilers de voo é necessário. O ATIS Guarulhos informa teto de 1500 pés acima do aeródromo, temperatura de 16ºC, vento de 300 graus com 6 knots, visibilidade horizontal de 3000 metros e ajuste do altímetro de 1021 hPa. A pista em uso para pouso é a 27L. A partir de BGC, o comandante volta aos comandos do avião, para pousar, e o Primeiro Oficial volta à posição de PNF. O Primeiro Oficial ajusta os altímetros para 1021.
Carta de Aeródromo atual de Guarulhos
O APP Guarulhos solicita que o Speedbird 247 Heavy aproe o VOR BCO – Bonsucesso, e inicie um procedimento ILS para a pista 27L de Guarulhos. O comandante ordena Flaps 5, e reduz a velocidade para 210 Knots. Abre a curva, que é feita no modo HDG do Piloto Automático. No bloqueio de BCO, a tripulação aciona Flaps 10 e reduz a velocidade para 170 Knots indicados. O comandante passa o Piloto Automático para o modo LOC, e a aeronave busca o sinal do localizador da pista 27L. 
O G-CIVW decola rumo a Ezeiza
O pouso é autorizado pela Torre Guarulhos, e o comandante ordena: "Gear Down". O Primeiro Oficial baixa os trens de pouso e o Comandante coloca o botão do autobrake na posição 2. Os faróis de pouso estão acesos desde BGC, e a aeronave agora faz a aproximação final. O comandante aciona agora o modo APP no Piloto Automático, a 4700 pés de altitude. O comandante arma os spoilers automáticos, enquanto o Primeiro Oficial checa, no CDU do FMS, a VREF para Flaps 30, 147 Knots. O comandante ordena: “Flaps 30”, e a aeronave segue os sinais do Localizador e do Glide Slope do ILS - Instrument Landing System, até o Comandante desacoplar o AP e o Auto Throttle, a 400 pés acima da pista. 
Os terminais de passageiros do Aeroporto de Guarulhos
O Comandante opera agora a aeronave manualmente, até tocar suavemente na pista 27L de Guarulhos, às 07:42 UTC, 04:42, hora local. Os reversores de empuxo são acionados, para poupar os pneus e os freios. O voo chegou adiantado. O táxi é feito vagarosamente até a posição nos fingers, e, enquanto isso, os faróis de pouso são apagados, a APU é religada e seus geradores colocados na barra. Os motores 1 e 4 são cortados antes da parada total da aeronave, e os motores 2 e 3 logo após a aeronave parar definitivamente. São 05:00, hora local. Os comissários desarmam os Escape Slides, e aguardam que o pessoal de terra posicione os fingers na aeronave. Guarulhos é apenas uma escala para o voo 247, pois logo mais a aeronave irá voar ao Aeroporto Ezeiza, em Buenos Aires, destino final do voo. A aeronave silencia quando os mecânicos colocam as fontes externas e desligam a APU. As primeiras luzes do dia já aparecem no horizonte sobre o Aeroporto de Guarulhos e a grande cidade de São Paulo.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Os Douglas DC-7 na Panair do Brasil

No início da década de 1950, a Panair do Brasil, então a maior empresa aérea internacional do Brasil, encomendou quatro aeronaves a jato De Havilland Comet II, com opção para dois Comet III. Jatos comerciais eram novidade absoluta nessa época, e a Panair se esforçava por se manter a vanguarda da aviação comercial brasileira.
O PP-PDL em voo de provas, na Califórnia, 1957.
A introdução dos jatos na aviação comercial sofreu grave revés, no entanto, em 1954. Dois graves acidentes, resultados de graves falhas estruturais, interromperam subitamente a carreira do Comet. As aeronaves existentes foram condenadas para o voo, e a linha de produção foi paralisada, até que as falhas detectadas fossem sanadas.
O painel principal de instrumentos do DC-7: era uma aeronave de alta complexidade
O então presidente da Panair, Paulo Sampaio, manteve as encomendas dos Comet, acreditando que o problema seria rapidamente resolvido, mas outros diretores da empresa não pensavam da mesma forma. Na verdade, os problemas do Comet somente foram resolvidos em 1958, com o modelo IV, que entrou em serviço pouco antes do Boeing 707.
Em 1955, houve uma crise na Panair, com uma greve geral dos trabalhadores. O desenrolar da crise acabou resultando na demissão de Paulo Sampaio da empresa, praticamente o único defensor do Comet na diretoria. A nova diretoria cancelou o pedido dos jatos e encomendou quatro Douglas DC-7C diretamente ao fabricante.
O PP-PDL, em voo de testes de fábrica, em 1957
Os Douglas DC-7C eram, à época, as aeronaves a pistão de maior alcance, com capacidade de atravessar o Atlântico Norte sem escalas. A Panair queria empregar tais aeronaves nos seus voos para a Europa, em complemento aos Lockheed Constellation. A Douglas batizou a aeronave, orgulhosamente, de "Seven Seas", uma referência à sua capacidade de atravessar os oceanos.
O PP-PDM no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo
O primeiro DC-7C foi recebido pela Panair no dia 5 de abril de 1957, e foi batizado com o nome de "Bandeirante Fernão Dias Paes". Recebeu a matrícula PP-PDL. Em 11 de maio, chegou a segunda aeronave, batizada de "Bandeirante Antônio Raposo Tavares", e matriculada PP-PDM. Poucos dias depois, em 23 de maio, chegou o terceiro, batizado como "Bandeirante Nicolau Barreto", e matriculado no Registro Aeronáutico Brasileiro como PP-PDN.

Antes mesmo que chegasse o último avião, a Panair colocou o DC-7C na linha para a Europa, e o PP-PDN pousou no Aeroporto de Heathrow no dia 11 de julho de 1957. No dia seguinte, a empresa recebeu seu último avião da encomenda original, o PP-PDO, batizado como "Bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva". O PP-PDO foi um protótipo do DC-7C, operado pela Douglas, e havia sido utilizado nos testes de fábrica e como demonstrador para clientes, antes de ser entregue à Panair.
O PP-PDL em manutenção
Os DC-7C eram bastante luxuosos, possuindo acabamento superior ao dos Constellation da Panair. A primeira classe dispunha de camas. O desempenho dos DC-7C também era muito superior ao dos Constellation, pois voavam 40 Knots mais rápido em cruzeiro e tinham um alcance de 1.500 milhas náuticas a mais que o avião da Lockheed, o que permitia redução do número de escalas.
Um DC-7C da Panair. O aeroporto provavelmente é Heathrow. Reparem no Tupolev Tu-114 Rossiya, ao fundo
O maior defeito dos DC-7C era a baixa confiabilidade dos seus motores Wright Cyclone R-3350 988TC18EA1-2. Equipados com um novo recurso tecnológico para aumentar sua potência, o Turbo Compound, podiam desenvolver até 3400 HP na decolagem, mas tal desenvolvimento estava além da tecnologia de materiais da época, o que resultava num motor relativamente frágil e pouco confiável em serviço. As hélices reversíveis também tinham problemas de baixa confiabilidade. Como resultado, os DC-7 acabaram, em sua maioria, substituídos pelos novos jatos antes que seu modelo antecessor, o DC-6, menor e menos potente, mas bem mais confiável e seguro.
O potente, mas problemático motor Wright TC-18 do DC-7C e sua característica hélice quadripá
De fato, a Douglas produziu o DC-7 durante apenas 5 anos, entre 1953 e 1958, e apenas 338 aeronaves do tipo foram produzidas, em contraste com os 704 exemplares de DC-6 fabricados.
Um DC-6A e um DC-7C da Panair em Heathrow, 1959
Entre 1957 e 1959, os DC-7C complementavam os Constellations, nos voos para a Europa. Todavia, os Constellation já revelavam sinais de cansaço, depois de 12 anos voando através do Atlantico Sul. Problemas estruturais forçaram a Panair a desativar o sistema de pressurização dos velhos aviões, e relegá-los a voos domésticos de longa duração. Para complementar os DC-7C, a Panair arrendou quatro Douglas DC-6A (posteriormente denominados DC-6C) do Lóide Aéreo, em 1959. O Lóide tinha adquirido as aeronaves novas do fabricante, mas não tinham linhas com demanda suficiente para operá-las, e os seus DC-6 foram utilizados, inicialmente, pela Panair.

Entre 1957 e 1961, as rotas da Panair servidas pelos Douglas DC-7C atingiram os aeroportos de Buenos Aires, Montevideo, Porto Alegre, São Paulo (Congonhas), Rio de Janeiro (Galeão), Recife, Dakar, Lisboa, Roma, Paris, Londres, Zurich, Dusseldorf, Hamburg e, possivelmente, Beirute.
Um DC-7C da Panair sobrevoando a cidade do Rio de Janeiro
A Panair teve a mais longa linha internacional já operada por aeronaves DC-7. O voo PB 278 tinha início em Buenos Aires, todas as quartas-feiras, às 9 horas da manhã. Fazia escalas em Montevideo, Porto Alegre e São Paulo, até chegar ao Rio de Janeiro, de onde partia para a travessia noturna do Atlântico direto para Dakar, onde chegava às 6 horas e 35 minutos da quinta-feira, horário local. De Dakar, o avião seguia para o aeroporto de Ciampino, em Roma, prosseguindo depois para Zurich, Frankfurt, Dusseldorf até pousar no seu destino final, em Hamburgo, onde pousava à 1 hora e 45 minutos da sexta-feira, hora local. Depois de um breve pernoite, decolava de Hamburgo na manhã da sexta-feira e iniciava o retorno, como vôo PB 279. Ao todo, o voo percorria quase 14 mil Km, com pelo menos 10 horas de escalas.
DC-7 da Panair no Aeroporto de Dusseldorf
As travessias diretas do Atlântico Sul, entre o Rio de Janeiro e Dakar, e entre Recife e Lisboa, foram pioneiras para aeronaves de motor a pistão, e nenhuma outra aeronave comercial a pistão jamais teve alcance suficiente para isso.

Em 1961, a Panair recebeu seus primeiro jatos Douglas DC-8. As principais linhas européias passaram a operar a jato, e os DC-7 foram deslocados para "serviços especiais" da empresa. O principal desses "serviços especiais" foi o serviço denominado "Voos da Amizade". Os Voos da Amizade resultaram de um acordo entre a Panair do Brasil e a TAP - Trasnportes Aéreos Portugueses, em 1960. Foi o primeiro acordo de code-share internacional firmado por uma empresa aérea brasileira. Consistia de um voo low-cost & low-fare, exclusivo para cidadãos brasileiros ou portugueses. O acordo previa utilização exclusiva de aeronaves a hélice, e os voos foram operados por aeronaves DC-7C da Panair e Lockheed L-1049G Super Constellation da TAP. Os DC-7 da Panair foram utilizados até o fechamento da empresa, em fevereiro de 1965, e foram substituídos pelos Lockheed L-188 Electra da Varig até o fim dos Voos da Amizade, em 1967. Os voos do DC-7C da Panair voavam com comissárias de voo da TAP, e tripulantes técnicos da Panair.
O PP-PDO com a pintura especial dos Voos da Amizade (Panair-TAP)
O registro de segurança dos DC-7C da Panair foi, no entanto, bastante ruim. Dos quatro aviões iniciais, três se perderam em acidentes. O primeiro DC-7C a ser perdido foi o PP-PDL. O avião reportou problemas hidráulicos, vazamento de fluido, uma hora depois de decolar do aeroporto de Ponta Pelada, em Manaus, em 14 de outubro de 1961. Com os freios comprometidos, solicitou um pouso de emergência no aeroporto de Belém. Pousou, mas quando os pilotos aplicaram os reversores da hélices, a aeronave derivou para fora da pista, parando em uma vala de drenagem, e teve os trens de pouso severamente danificados. Não houve vítimas, mas o avião foi considerado financeiramente irrecuperável, sendo sucateado pouco tempo depois.
O PP-PDO, em Heathrow, 1958
Duas semanas depois, em 1º de novembro de 1961, o PP-PDO, cumprindo um dos Voos da Amizade, sofreu o pior desastre da história da Panair do Brasil. O avião vinha de Lisboa, de onde decolara às 16 horas de 31 de outubro, e tinha cumprido uma escala de reabastecimento na Ilha do Sal, em Cabo Verde, necessária nos voos entre a Europa e o Brasil devido aos ventos predominantes de oeste. A aeronave era comandada por Pery Moacir Huber, que tinha como copiloto, no trecho, Hugo Tenan.
O PP-PDO foi perdido em 1961, em Recife
O PP-PDO executou um procedimento para a pista 15 de Recife, que tinha 2300 metros de extensão. Na época, a pista mais extensa, a 18-36, estava interditada para obras. Na aproximação, as condiçoes meteorológicas eram um extensa camada baixa de nuvens, a 2000 pés de altura, e visibilidade horizontal praticamente ilimitada. No entanto, o avião fez uma aproximação muito baixa, entrou na camada e acabou batendo no solo antes da pista. Das 88 pessoas a bordo, 45 pereceram no local do acidente, e 43 foram removidas para os hospitais de Recife. Alguns sobreviventes pereceram depois nos hospitais, elevando o total de mortos para 52. A causa do acidente foi falha humana, do tipo hoje conhecido como CFIT (Controlled Flight Into Terrain).
O PP-PDM no Aeroporto de Orly, em Paris
Em 8 de abril de 1963, o PP-PDM, durante um voo de treinamento, no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, teve o trem do nariz recolhido acidentalmente, por um problema mecânico na decolagem, pouco depois da V-1. A decolagem foi abortada, mas o avião sofreu danos que inviabilizaram sua recuperação, e foi removido para as instalações da Panair, onde foi sendo progressivamente canibalizado.
O PP-PEG chegou em 1964, para substituir as aeronaves acidentadas
Com um único DC-7C voando, o PP-PDN, a Panair se viu obrigada a arrendar dois outros aviões da Pan Am, que receberam as matrículas PP-PEG e PP-PEH. O PP-PEG deveria vir primeiro, mas parece que sua entrega foi retardada, e o PP-PEH teria vindo no seu lugar, ainda em 1963. Há sérias dúvidas se o PP-PEH teria realmente operado na Panair, pois não existem sequer registros fotográficos de sua passagem pela empresa. O fato é que o PP-PEG foi entregue à Panair em 20 de janeiro de 1964, e voou na empresa até o seu fechamento. Foi retomado pela Pan Am em 9 de setembro de 1965. O PP-PEG recebeu na Panair o nome de batismo "Bandeirante Brás Esteves Leme". Aparentemente, o PP-PEH jamais operou na Panair e sequer recebeu nome de batismo. Foi oficialmente devolvido em 1965, antes da falência da empresa, e não existe um registro confiável de sua operação em território brasileiro.
O PP-PDM entre outras aeronaves típicas dos anos 50. O aeroporto é Heathrow
Em 7 de fevereiro de 1965, um dos DC-7C retornou de Lisboa para o Rio de Janeiro, via São Paulo. Foi o último voo comercial dessa aeronaves no Brasil. Três dias depois, o governo cassava as linhas da empresa, sem qualquer explicação razoável. Em 16 de fevereiro, era decretada a falência da Panair do Brasil.
O PP-PEG, que foi retomado pela Pan Am em setembro de 1965.
Restavam, no Galeão três aeronaves DC-7C remanescentes: os restos canibalizados do PP-PDM, o PP-PEG e o PP-PDN. Em setembro de 1965, a Pan Am veio buscar o PP-PEG, que ainda teria uma longa sobrevida no exterior, tendo voado até 1980. Os restos do PP-PDM foram leiloados como sucata, junto com os restos do Caravelle PP-PDU, acidentado, e os Constellation restantes. Foram desmanchados a machado. O PP-PDN, ainda intacto e oferecido à venda em leilão como aeronave operacional, não teve compradores. Aviões DC-7 já eram impopulares no mercado por conta dos motores problemáticos. Restou intacto nas antigas instalações da Panair, até ser rebocado para o Parque de Material Aeronáutico do Galeão - PAMA-GL, onde foi provavelmente desmontado para servir de fonte de peças de reposição para os Douglas C-118 (DC-6B) da FAB.

Histórico da frota de Douglas DC-7 da Panair do Brasil:

PP-PDL: c/n 45122/790, "Bandeirante Fernão Dias Paes"; Comprado novo e entregue em 5 de abril de 1957. Acidentado com perda total em Belém, em 14 de outubro de 1961.

PP-PDM: c/n 45124/808, "Bandeirante Antônio Raposo Tavares"; Deveria ter ido para a Pan Am, como N757PA, mas não entregue; Comprado novo e entregue em 11 de maio de 1957. Acidentado em voo de treinamento no Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, em 8 de abril de 1963. Considerado irrecuperável, foi canibalizado. Seus remanescentes foram vendidos como sucata no final da década de 1960.
O PP-PDN no cemitério da Panair, no Aeroporto do Galeão
PP-PDN: c/n 45125/814, "Bandeirante Nicolau Barreto"; Comprado novo e entregue em 23 de maio de 1957. Voou até o fechamento da Panair, em fevereiro de 1965. Foi armazenado no Aeroporto do Galeão, intacto. Oferecido à venda em leilão como aeronave operacional, em 1969, não obteve compradores. Rebocado posteriormente para o PAMA-GL, foi provavelmente desmontado pela Força Aérea Brasileira para servir de fonte de peças de reposição para aeronaves Douglas C-118.
O PP-PDN, parado no Galeão depois da falência da Panair. Jamais voltou a voar
PP-PDO: c/n 44872/643, "Bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva"; Operado pela Douglas Aircraft Co. como protótipo do modelo DC-7C, de longo alcance, e matriculado como N70C. Vendido à Panair e entregue em 12 dse junho de 1957. Acidentado com perda total em Recife, em acidente do tipo CFIT, em 1º de novembro de 1961. Das 88 pessoas a bordo, 52 faleceram.
O N75000, ex Panair do Brasil PP-PEG
PP-PEG: c/n 45094/769, "Bandeirante Brás Esteves Leme"; Entregue em 21 de fevereiro de 1957 à Pan American Wordl Airways, como N750PA, batizado como "Clipper Matchless". Arrendado à Panair e entregue em 29 de janeiro de 1964. Operou até a falência da Panair, sendo retomado pela Pan Am em 9 de setembro de 1965, e rematriculado como N75000. Operou depois em diversas empresas, como Hammong Leasing Corporation, Waterman Industries Corp (1968), Global AL (09/1972), Yankee Traders (1975), Fischer Aviation (01/1978), Jenneth L. Meek (03/1980). Perdido num incêndio em 1980.
Esse DC-7C teria voado na Panair como PP-PEH
PP-PEH: c/n 45092/759; Entregue em 26 de janeiro de 1957 à Pan American Wordl Airways, como N748PA, batizado como "Clipper Georgia". Arrendado à Panair, mas é improvável que tenha realmente operado pela empresa, devido à inexistência de fotografias e outros registros de sua presença no Brasil. Provavelmente, foi uma alternativa ao PP-PEG. Retomado pela Pan Am e rematriculado em fevereiro de 1965 como N7481. Operou depois pela Intercontinental Air, a partir de janeiro de 1966, e pela Trans Europa como EC-BCH, a partir de junho de 1966. Retirado definitivamente de serviço, foi desmontado em Palma de Mayorca em março de 1970.

Fontes: Aeroforum, Vito Cedrini, Revista Flap, Emerson Daniel, Daniel Carneiro, Carlos Ary César Germano da Cunha.