A população em geral, aceita que o transporte aéreo é um dos mais seguros, mas, mesmo assim, tem medo dos aviões. As pessoas acreditam, ainda, que é difícil um avião se acidentar, mas se acidentar, a morte de todos a bordo é certeza.
Ilustração do desastre de Tenerife, em 1977 (Foto: NatGeo) |
Robina Van Lanschot: O desastre de Tenerife, em 27 de março de 1977, foi o mais mortífero desastre aéreo da história, com 583 mortos em duas aeronaves, que se chocaram no solo. Um dos aviões envolvidos foi um Boeing 747-121 da Pan Am, com 396 passageiros e tripulantes a bordo (voo 1736), e o outro foi um Boeing 747-206B da KLM, que tinha 248 pessoas a bordo (voo 4805).
61 pessoas que estavam no avião da Pan Am sobreviveram, mas todos os ocupantes do Boeing 747 da KLM faleceram no acidente. O acidente ocorreu quando o avião da KLM decolou no meio do nevoeiro, sem saber que o avião da Pan Am ainda estava taxiando pela pista.
No entanto, o voo KLM 4805, quando saiu de Amsterdam, com destino final em Las Palmas, Canárias, tinha uma passageira a mais. Robina Van Lanschot, com 24 anos de idade, era essa passageira. O avião alternou Tenerife devido à explosão de uma bomba terrorista no Aeroporto de Las Palmas, mas Robina tinha um namorado, Paul Wessels, em Tenerife, e decidiu abandonar o voo ali mesmo, para se encontrar com ele, ainda que os funcionários da KLM insistissem que ela deveria reembarcar.
Robina não embarcou, saiu do aeroporto e só ficou sabendo da tragédia que aconteceu algum tempo depois. Casou-se com o namorado, e o casal está junto até hoje. O amor salvou Robina da morte.
Ricardo Trajano: Em 11 de julho de 1973, Ricardo Trajano era um dos 117 passageiros a bordo do voo Varig 820, cumprido por um Boeing 707-345C, o PP-VJZ. Com 20 anos, estudava engenharia no Rio de Janeiro e guardou dinheiro para viajar a Londres, destino final do voo 820.
O voo transcorreu na mais absoluta normalidade até poucos minutos antes do pouso no Aeroporto de Orly - Paris. Um incêndio no lavatório traseiro não pode ser controlado pelos comissários, e uma densa fumaça preta e tóxica se espalhou pela cabine.
Trajano estava na penúltima fileira, perto do incêndio, e prontamente se afastou de lá, indo para a seção dianteira da cabine. Não conseguia ver nada, mas sentiu o baque do pouso de emergência feito em uma lavoura, antes do aeroporto. Não conseguiu ver ou sentir mais nada a partir daí, e só foi acordar em um hospital em Paris 30 horas depois.
Ricardo Trajano mal sabia que ele era o único passageiro sobrevivente daquele trágico voo. Todos os outros passageiros morreram, assim como sete tripulantes que estavam na cabine. Dez tripulantes, que se refugiaram no cockpit, sobreviveram ao acidente, incluindo os pilotos.
Trajano sofreu poucas queimaduras, mas sofreu lesões quase fatais nos pulmões, por conta da inalação de fumaça. Ficou 52 dias em um hospital na França e mais 29 em outro no Brasil, mas, graças à sua boa saúde, recuperou-se totalmente do acidente. Hoje, mora em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Neuba Yessoh: Yessoh era um professor universitário da Universidade da Costa do Marfim quando embarcou no voo Varig 797, no Aeroporto Port Bouet, em Abdijan, na madrugada do dia 3 de janeiro de 1987. Seu destino era a cidade do Rio de Janeiro.
O voo RG797 estava sendo cumprido, naquele dia, pelo Boeing 707-379C PP-VJK. Seria o último voo da aeronave pela Varig, pois a empresa tinha vendido o avião para a Força Aérea Brasileira.
20 minutos após a decolagem, um alarme de fogo no motor #1 coloca a tripulação em alerta. Embora houvesse indícios de que fosse um alarme falso, o comandante optou por voltar a Abdijan, mas a situação se deteriorou e o motor teve mesmo que ser cortado. Ao curvar para a esquerda, para pousar, no entanto, a tripulação acabou perdendo o controle do avião, que caiu numa área de floresta, inclinado a mais de 90 graus em relação à sua atitude normal de voo.
Os destroços se incendiaram, mas, apesar da violência do choque, vários passageiros sobreviveram. Entretanto, o fogo acabou matando quase todos. Yessoh estava quase ileso, e ainda conseguiu puxar o passageiro inglês Ahmad Wansa para longe dos destroços. Infelizmente, Wansa acabou morrendo três dias depois, quando era levado para um hospital na França.
Yessoh foi o único sobrevivente dos 51 ocupantes do voo 797. Ele faleceu em 4 de março de 2015, de um ataque cardíaco, aos 72 anos de idade.
Keiko Kawakami: Keiko Kawakami era uma adolescente de 12 anos quando embarcou no voo Japan Airlines 123 no Aeroporto de Haneda, em Tókyo, na tarde do dia 12 de agosto de 1985. Estava acompanhada dos seus pais e uma irmã.
O voo JAL123 tinha como destino o Aeroporto de Osaka. Era cumprido por um Boeing 747SR, versão doméstica da aeronave criada especificamente para operar voos de alta densidade de passageiros no Japão.
O voo estava praticamente lotado, com 509 passageiros e 15 tripulantes. No entanto, o avião sofreu uma descompressão explosiva 12 minutos após a decolagem, que acabou separando sua deriva e os lemes da fuselagem.
A despeito de todos os esforços dos pilotos, que conseguiram manter o avião, ferido mortalmente, voando por mais de 30 minutos, o avião acabou se chocando com uma montanha. Milagrosamente, alguns passageiros sobreviveram. A demora no resgate fez com que muitos desses sobreviventes morressem, mas quatro passageiras, incluindo uma comissária da JAL, fora de serviço. Keiko Kawakami também foi uma dessas sobreviventes.
Keiko foi localizada pendurada em um galho de árvore, mas, entre todas as sobreviventes, foi a que teve menos lesões. Todos os demais 520 ocupantes do avião morreram, no que foi o pior desastre aéreo da história envolvendo um único avião.
Keiko Kawakami recuperou-se totalmente das suas lesões e foi a primeira das quatro sobrevivente a ter alta do hospital.
Bahia Bakari: A francesa Bahia Bakari, então com 12 anos de idade, embarcou em Paris com a sua mãe, num voo cujo destino final, após escalas e uma uma conexão, eram as Ilhas Comores. Era o dia 30 de junho de 2009, e o voo era o Yemenia 626, cumprido por um Airbus A310.
Bahia Bakari no hospital |
A despeito de ser noite, e o mar estar agitado, Bakari ainda conseguiu se manter à tona. Não tinha um salva-vidas, mas agarrou-se a alguns destroços flutuantes, até ser resgatada pelos marinheiros de um navio, o Sima Com 2. Vou levada a um hospital local, mas, no dia seguinte, um jato Falcon do Governo da França a levou para Paris, onde ficou três semanas internada.
A sobrevivência de Bahia Bakari era altamente improvável, e foi considerada milagrosa por alguns. Ela escreveu um livro contando sua experiência posteriormente.
Juliane Koepcke: O voo Lansa 508, cumprido por um Lockheed L-188 Electra, decolou do Aeroporto Internacional Jorge Chavez, em Lima, Peru, pouco antes do meio-dia da véspera de Natal de 1971. Seu destino era o Aeroporto de Iquitos.
Pouco mais de meia hora depois, voando a 21 mil pés de altitude, o avião passou por uma severa tempestade, e um raio atingiu um dos motores, causando uma falha estrutural que acabou separando a asa da fuselagem da aeronave.
O avião se desintegrou durante a queda, e uma das passageiras, ainda amarrada ao seu assento, caiu cerca de 10 mil pés abaixo, no meio da selva amazônica. Era Juliane Koepcke, de 17 anos, uma peruana descendente de alemães.
A despeito de ter quebrado uma vértebra cervical, e sofrido uma concussão, além de um profundo corte no braço e uma lesão ocular, Juliane conseguiu caminhar por dez dias na selva, até encontrar uma cabana de lenhadores, que a levaram, de canoa, à uma aldeia, de onde seguiu, de avião, para a cidade de Pucallpa, onde foi internada em um hospital.
Juliane se recuperou totalmente, e foi a única sobrevivente do seu voo. Os demais 91 ocupantes do Electra, incluindo a sua mãe, não tiveram a mesma sorte e morreram no acidente.
Annette Herfkens: A holandesa Annete Herfkens nasceu em 1961, em Maracaibo, Venezuela. Ela trabalhava, em 1992, no Banco Santander, no setor de mercados emergentes, quando embarcou, no dia 14 de novembro, no voo 474 da Vietnan Airlines, na cidade de Ho-chi.Minh, com destino a Nha Trang.
O voo era cumprido por um avião Yakovlev Yak-40, de fabricação russa, que tinha a bordo 31 ocupantes, entre passageiros e tripulantes.
O tempo estava ruim durante todo o voo, afetado por uma tempestade tropical. A tripulação acabou conduzindo o voo abaixo do limite de segurança, e o avião acabou se chocando com uma montanha, num típico acidente do tipo CFIT - Controlled Flight Into Terrain.
Surpreendentemente, Annette Herfkens sobreviveu ao acidente. Os demais 30 ocupantes, incluindo seu noivo, morreram instantaneamente no momento do choque.
Herfkens ficou 8 dias no local, sobrevivendo apenas com a água da chuva, até ser resgatada. Acabou se recuperando totalmente. Hoje em dia, ela faz palestras motivacionais, não apenas em relação a acidentes aéreos, mas também em relação ao autismo, já que seu filho foi diagnosticado com a doença.
Vesna Vulovic: A comissária de voo sérvia Vesna Vulovic embarcou, no dia 26 de janeiro de 1972, no voo 367 da JAT Airways, empresa de bandeira da antiga Iugoslávia. O voo iria de Estocolmo, na Suécia, e tinha como destino Belgrado, com escalas em Copenhague e Zagreb. Vulovic assumiria seu lugar na tripulação em Copenhague, onde estava desde a manhã do dia anterior.
Vulovic não estava escalada originalmente para aquele voo, mas foi confundida com outra comissária com o nome Vesna. Apesar disso, gostou de ser escalada, pois nunca tinha ido para a Dinamarca, e gostaria de conhecer o país.
O voo decolou de Copenhague ás 15:15h, mas sofreu uma explosão em voo quando sobrevoava a aldeia de Srbská Kamenice, na Checoslováquia, às 16:01. Uma explosão devastou o compartimento de bagagem do avião, um McDonnell-Douglas DC-9. A aeronave se desintegrou no ar e Vulovic precipitou-se no ar, presa num pedaço de fuselagem por um trolle de serviço de bordo. O acidente foi causado por uma bomba terrorista colocada no avião por um nacionalista bósnio.
Essa parte do avião despencou por 33.330 pés e caiu sobre uma encosta arborizada e coberta de neve, o que amorteceu o impacto. Foi a maior queda sofrida por um sobrevivente humano sem paraquedas, segundo o Guinness Book, até hoje.
Vesna foi avistada, por sorte, por um aldeão local, que ouviu seus gemidos no meio dos destroços. Foi salva, levada para Belgrado, mas sofreu ferimentos gravíssimos, incluindo quebra do quadril, de três vértebras e das duas pernas, mas acabou se recuperando, embora sobrassem algumas sequelas. Ficou meses hospitalizada.
Voltou a trabalhar na JAT, dessa vez no solo, mas depois foi demitida por ter protestado contra o governo iugoslavo.
Vesna Vulovic faleceu de causas naturais em 23 de dezembro de 2016, aos 66 anos de idade, em Belgrado.
Ruben Van Assouw: o garoto holandes Ruben Van Assouw, então com apenas 9 anos de idade, foi o único sobrevivente do voo Afriqiyah 771, acidentado em Trípoli, na Líbia, no dia 12 de maio de 2010.
Assouw viajava com seus pais e um irmão de Johannesburgo, na África do Sul, para Tripoli, na Líbia. A aeronave, um Airbus A330 fabricado em 2009, era praticamente nova. O avião chocou-se com o solo pouco antes de tocar na pista no Aeroporto de Tripoli, devido a erro do piloto, que estava voando abaixo do limite de segurança.
Os socorristas chegaram ao local rapidamente, pois os destroços acabaram parando praticamente dentro da área do aeroporto. Assouw foi encontrado completamente sem roupas, ainda preso ao seu assento pelos cintos de segurança. Tinha lesões sérias nas pernas, mas seu estado geral era bom.
Apesar das graves fraturas nas pernas, Ruben Van Assouw se recuperou totalmente e hoje mora na casa dos seus tios, na Holanda. Embora pretendesse voltar à Líbia, até hoje não conseguiu realizar seu desejo, já que a situação política naquele país tornou-se muito instável depois do seu acidente.
Cecelia Chichan: Cecelia Chichan tinha apenas 4 anos de idade quando embarcou no voo Northwest 255 no Aeroporto Metropolitano de Detroit, Michigan, na manhã do dia 16 de agosto de 1987. Estava acompanhada de de seus pais e de um irmão de 6 anos.
O voo 255 ia do Aeroporto MBS - Saginaw, Michigan, até Phoenix, Arizona, com escala em Detroit, onde a família Chichan embarcou. A aeronave era um McDonnell-Douglas MD-82.
Aparentemente, a tripulação não cumpriu corretamente os checks lists para a decolagem, que foi feita sem flaps e slats estendidos. A aeronave saiu da pista quase estolando e caiu logo após, cerca de 900 metros depois do final da pista, atravessando uma rua e se chocando com vários carros, antes de parar completamente.
Os destroços se incendiaram, mas os bombeiros conseguiram ver a pequena Cecelia Chichan ainda presa no seu assento, com os cintos. Não estava ilesa, mas foi resgatada e imediatamente mandada para um hospital. Os demais 154 passageiros e tripulantes do voo 255 morreram, incluindo os pais e o irmão de Cecelia, além de mais duas pessoas atingidas pela aeronave no chão.
Cecelia se recuperou totalmente, embora tenha ficado com cicatrizes da tragédia sofrida durante a infância. Se casou e usa agora o sobrenome de Crocker, e raramente fala da sua experiência, da qual diz não se lembrar mais.
Jonas Liasch Filho: Por ter envolvido o autor desse texto, que também sobreviveu a um grave acidente aeronáutico, vou me permitir falar na primeira pessoa.
Em 2001, comprei uma aeronave ultraleve básica, um avião Fox V-2, fabricado em 1987, que foi matriculado, por eu e meu sócio, Marco Antônio (Marquinho) Freire Gomes, como PU-TOM. Essa aeronave foi muito voada por nós e trouxe muitas alegrias. Ficava baseada no CAEP - Clube de Aviação Experimental do Paraná, em Ibiporã, na região metropolitana de Londrina.
Foto do Fox V-2 PU-TOM em abril de 2003, e seus dois sócios, eu e o Marquinho Gomes |
Infelizmente, na tarde do dia 30 de abril de 2003, eu e meu sócio resolvemos abastecer a aeronave no vizinho Aeroporto 14Bis, no distrito da Warta, em Londrina. O voo até o Aeroporto 14Bis ocorreu sem incidentes, e a tarde estava magnífica.
Perto do por do sol, decolamos de volta para o CAEP. Ao atingir 700 pés de altura, meu sócio Marquinho, que estava no assento dianteiro e pilotava o avião, resolver fazer uma curva de 360 graus, para que pudéssemos admirar o magnífico por do sol que estava atrás de nós.
Durante a curva, no entanto, o entelamento da asa esquerda rasgou-se na costura e a maior parte dele se soltou, fazendo o avião despencar como uma pedra. A perda de controle foi praticamente inevitável, mas Marquinho reduziu toda a potência, e o avião acabou se chocando contra uma grande árvore, bem na borda de um bosque.
O avião foi se despedaçando enquanto passava, na vertical, através da árvore, mas o cockpit acabou passando incólume e só parou quando, literalmente, encostou no chão, apenas empurrando delicadamente o tubo de pitot para dentro da carenagem.
Soltei os cintos de segurança e pulei para o chão, assim como o Marquinho. Estávamos ilesos, mas o avião ficou totalmente destroçado e com restos espalhados pela árvore, que também foi bastante destruída pelo acidente. Não acreditei que ainda estava vivo, assim como também nossos amigos do CAEP, que vieram resgatar os destroços.
A causa do acidente foi a deterioração da tela, que estava desbotada e bastante ruim, e que ia ser trocada assim que tivéssemos levantado recursos para tanto. Mas, deveríamos ter deixado de usar o avião enquanto isso, e acabamos por perdê-lo.