sábado, 27 de novembro de 2010

Mayday: crocodilo vivo a bordo do Let-410

Acidentes aeronáuticos geralmente são causados por fatores operacionais, que, geralmente, tendem a se repetir. É muito raro ocorrer um acidente, sem que haja um precedente.
Entretanto, por vezes isso pode acontecer. Em 20 de agosto de 2010, uma aeronave de fabricação tcheca Let-410, da empresa aérea congolesa Filair, fazia um voo regional entre Kinshasa e Bandundu, na República Democrática do Congo, completamente lotado. Seus pilotos eram o comandante belga Danny Philemotte, de 62 anos, e o copiloto britânico Chris Wilson, de 39 anos.

 O Let-410 envolvido no acidente era o 9Q-CCN, comprado pela Filair da Airest, uma companhia regional da Estônia, em 2009.

O voo transcorreu normalmente, e os pilotos já estavam na aproximação do aeroporto regional de Bandundu, quando um crocodilo invadiu subitamente o corredor da cabine de passageiros do avião. A comissária, apavorada, correu para o cockpit, seguida pelos passageiros em pânico.

A corrida dos passageiros em direção ao cockpit deslocou o centro de gravidade do avião, fazendo abaixar o seu nariz quando já estava lento e próximo ao solo, totalmente configurado para o pouso. O súbito deslocamento do centro de gravidade surpreendeu os pilotos, que não tiveram tempo hábil para salvar o avião.
 A aproximadamente mil metros da pista, o Let-410 mergulhou e chocou-se com uma casa, ficando completamente destruído. Dos 18 passageiros e 3 tripulantes, apenas um passageiro sobreviveu, gravemente ferido. Felizmente a casa estava vazia, no momento do acidente, e não houve vítimas em terra.
A comissão governamental de investigação atribuiu oficialmente o acidente à falta de combustível, seguido de pânico dos passageiros. A Filair contestou o relatório, afimando que o avião tinha aproximadamente 150 Kg de querosene quando se acidentou.

Entretanto, o Comité Professionnel des Transporteurs Aériens - CPTA, uma associação de profissionais do setor aéreo do Congo, teve acesso aos relatórios oficiais e aos destroços e, baseada no testemunho do único sobrevivente, verificou que a verdadeira causa do acidente foi realmente o crocodilo à solta na cabine.

O vice-ministro dos transportes do Congo,  Laure Marie Kawanda Kayena, posteriormente admitiu que realmente não foi confirmada a falta de combustível na aeronave da Filair.

Um passageiro do Let-410 carregava ilegalmente o crocodilo vivo dentro de um saco de equipamentos de ginástica, provavelmente com a intenção de vendê-lo em Bandundu. Só que o animal escapou do saco, provocando o acidente.

Ironicamente, o crocodilo sobreviveu ileso ao desastre, mas não escapou de ser morto a facão pelos curiosos e saqueadores que chegaram ao local logo após o acidente.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

ERJ-145 PT-ZJA: o avião "transformer" da Embraer

Em 1989, a Embraer lançou, no Paris Airshow, o projeto do seu primeiro jato comercial, então denominado EMB-145. Essa aeronaves estava destinada a ser um dos maiores sucessos comerciais da empresa em todos os tempos.

 Entretanto, o final da década de 1980 e o começo da de 1990 foram tempos difíceis para o fabricante. O Brasil enfrentava uma crise financeira, hiperinflação, e a Embraer foi atingida em cheio por essa crise. A fabricação das aeronaves leves da linha Piper, fabricadas sob licença, estava praticamente no fim, e as vendas do Brasília, o único modelo comercial então produzido, estavam em queda livre.
O projeto do EMB-145, depois rebatizado como ERJ-145, poderia dar um novo impulso à Embraer, mas a empresa, durante a crise, perdeu sua capacidade de investimento e muito da sua credibilidade dentro do mercado. Na verdade, a Embraer esteve a um passo da falência.

Em 1992, um dos fundadores da Embraer, o engenheiro e oficial da Aeronáutica Ozires Silva, foi convidado a voltar à Presidência da empresa, para reestruturá-la da melhor maneira possível, com a finalidade de privatizá-la em alguns anos. Para isso, o projeto do EMB-145 era essencial, na verdade o único trunfo capaz de tirar a empresa da crise.
Em 1994, a Embraer foi finalmente privatizada, e seus novos controladores conseguiram concluir e fazer voar o primeiro protótipo do EMB-145. Essa aeronave, c/n 14500801, e matriculada como PT-ZJA, voou pela primeira vez no dia 11 de agosto de 1995. O voo foi um grande sucesso e chamou a atenção de todos os operadores de aviação regional no mundo, até então praticamente restritos a operar aeronaves turboélices.

O protótipo PT-ZJA voou durante todo o processo de certificação do avião, concluído em dezembro de 1996, com a entrega dos exemplares de produção aos seus primeiros operadores.

O EMB-145 tinha a capacidade de levar 50 passageiros, mas logo a Embraer vislumbrou um mercado para uma aeronave mais curta e mais leve, e resolveu introduzir uma aeronave para 37 passageiros, na verdade um modelo 145 encurtado, com 95 por cento de comunalidade com o modelo original e com o mesmo certificado de tipo para tripulantes.

O protótipo do EMB-135, depois rebatizado como ERJ (Embraer Regional Jet) 135, c/n 13500801, e matriculado PT-ZJA, voou pela primeira vez em 04 de junho de 1998, e deu início à linhagem dos modelos 135, que começaram a operar no ano seguinte, e também à linhagem dos jatos executivos Legacy, que se baseia na mesma célula.
Sim, os protótipos do ERJ-145 e do ERJ-135 são a mesma aeronave. No desenvolvimento do modelo 135, a Embraer modificou o protótipo 801, removendo dois anéis de fuselagem, um à frente e outro atrás das asas, encurtando o avião em 3,6 metros e reduzindo a sua capacidade para 37 passageiros em 3 fileiras de poltronas. Uma plaqueta do modelo foi colocada no protótipo, próxima à plaqueta original que o identificava como modelo 145.
Mas a carreira do 801 não terminou por aí. A American Eagle solicitou um avião regional de 44 lugares, o maior número de poltronas então permitido para aeronaves de transporte regional nos Estados Unidos. A Embraer desenvolveu então uma nova modificação no projeto visando atender esse pedido, o qual foi designado como modelo 140. O ERJ-140 é 2,12 metros maior do que a do ERJ 135 e 1,4 metros mais curto do que o ERJ 145.

O mesmo protótipo PT-ZJA voltou à linha de produção e foi novamente modificado. Dessa vez, teve sua fuselagem alongada para 28,45 metros, para poder acomodar as 44 poltronas. Esse avião voou pela primeira vez, configurado como modelo 140, em 27 de junho de 2000, e recebeu uma nova plaqueta de identificação como c/n 14000801, PT-ZJA. Esta foi a sua configuração final.
O ERJ-145 foi o modelo que impulsionou o crescimento da Embraer, depois da privatização, e conduziu a empresa ao posto de terceiro maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo. Até novembro de 2010, já tinham sido entregues 1124 aeronaves de todos os modelos da linha, o que a torna uma das aeronaves comerciais mais bem sucedidas da história.

O protótipo PT-ZJA, um verdadeiro "transformer", pois foi o protótipo de três aeronaves diferentes, foi finalmente desativado pela Embraer. Em 19 de novembro de 2010, a Embraer entregou essa singular aeronave ao Museu Aeroespacial - MUSAL, no Rio de Janeiro, onde o mesmo deverá ser exposto futuramente junto a outras aeronaves protótipos da Embraer, como o CBA-123 e o Bandeirante.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Learjet 23: o avô de todos os jatos executivos

No início da década de 1960, o mundo entrava definitivamente na era do jato. As aeronaves comerciais a hélice pareciam fadadas ao desaparecimento, e, realmente, os grandes aviões com motores a pistão rapidamente sumiram do ar.
Já na aviação geral, o jato ainda parecia distante. Os executivos mais poderosos da época ainda voavam em aeronaves com motor a pistão, e a Beechcraft dominava esse mercado, com os modelos Beech 18, Queen Air e Twin Bonanza. Não existiam ainda sequer turboélices executivos.

Silenciosamente, entretanto, o avô de todos os jatos executivos estava sendo gestado. Tudo começou em 1952, com o projeto suiço de um avião militar de ataque ao solo, o FFA P-16. O P-16 (foto abaixo) deveria substituir os aviões de motor a pistão, que rapidamente estavam se tornando obsoletos nessa função.
O primeiro protótipo do P-16 voou em 1955 e o principal destaque do avião era o projeto das asas, muito curtas e afiladas, com enormes tanques nas pontas. O protótipo apresentou bom desempenho nos testes, o que resultou em um pedido de 100 aeronaves pelos militares suícos. Dois protótipos adicionais foram construídos até 1960. Infelizmente, um acidente fatal com o terceiro protótipo acarretou o cancelamento da ecomenda de 100 aeronaves, e parecia que o P-16 iria morrer silenciosamente, sem deixar descendentes.

Entretanto, o projeto básico do avião chamou a atenção de um inventor americano, Willian "Bill" Power Lear. Bill Lear começou sua carreira de inventor aos 18 anos, em 1920, ao criar o primeiro rádio prático para automóveis, junto com seu sócio Elmer Wavering. O rádio foi denominado Motorola, uma junção das palavras "motor" e "victrola". O invento e o negócio dele resultante foram vendidos posteriormente para Paul Gavin, e anos depois a Motorola tornou-se uma poderosa multinacional do ramo de eletrônica e telecomunicações.
Lear também criou uma série de outros produtos inovadores para a aviação, como sistemas de ADF, piloto automático e o primeiro sistema de Autolanding, capaz de fazer pousar e parar um avião na pista sem qualquer interferência do piloto nos comandos.

Bill Lear vislumbrou no projeto básico do P-16 uma excelente base para fabricar um jato executivo. Obviamente, a fuselagem de avião militar não serviria a seus propósitos, mas o projeto das asas e trens de pouso foi aproveitado com muito sucesso, acrescentando-se uma fuselagem afilada e elegante, capaz de acomodar dois pilotos e de quatro a seis passageiros.

Bill Lear criou com sua equipe a empresa SAAC - Swiss American Aircraft Corporation, para produzir um protótipo de jato executivo denominado SAAC Lear Jet 23. Em 1962, Lear transferiu todo o ferramental e as instalações da SAAC para Wichita, Kansas, nos Estados Unidos.
A construção do primeiro protótipo começou antes mesmo que as instalações de Wichita estivessem concluídas. O projeto básico do avião foi feito pelo engenheiro suíço Hans-Luzius Studer, o mesmo projetista do FFA P-16.

O primeiro Lear Jet 23 decolou de Wichita no dia 7 de outubro de 1963. Não era exatamente uma aeronave fácil de pilotar, mas tinha um desempenho fantástico para qualquer padrão existente na época, superando largamente o desempenho do seu mais próximo concorrente, o turboélice Beech King Air, cujo protótipo tinha voado pela primeira vez apenas 5 meses antes.
O projeto do Lear Jet 23 previu a instalação de dois motores turbojatos na cauda, similar ao esquema utilizado nos jatos comerciais franceses Caravelle, e que até hoje é, sem dúvida, a configuração de motores mais utilizada nos jatos executivos. Uma empenagem em "T" foi adotada para evitar a interferência dos motores nos estabilizadores e profundores.

Os motores adotados foram os General Eletric CJ-610, de 2.850 lbf de empuxo cada um. Esses motores turbojatos eram derivados do motor militar GE J85, originalmente um propulsor descartável para mísseis. O J-85, no entanto, durou tanto na bancada de ensaios que acabou equipando vários aviões de combate, como o caça Northrop F-5. Evidentemente, os motores civis não utilizavam os afterburners normalmente instalados nos J-85. O motor CJ-610 foi um dos motores turbojatos com melhor relação peso-empuxo já produzidos na história.

Os Lear Jet 23 tinham um desempenho de voo espetacular para a época, e mesmo para os dias de hoje: alcançavam uma velocidade máxima de 488 Knots a 24 mil pés, Mach 0,82, e tinham velocidade de cruzeiro de 450 Knots, a 40 mil pés, Mach 0,80. Podiam subir na empolgante razão inicial de subida de 6.900 pés por minuto e podiam alcançar o na época praticamente deserto FL 450. Eram, nas palavras dos pilotos da época, verdadeiros "foguetes".

A velocidade de estol era relativamente baixa, 90 Knots com trens e flaps abaixados, mas o avião era difícil de controlar em baixa velocidade, e até mesmo o empuxo diferencial dos motores era usado na aproximação, para evitar instabilidade direcional. Os motores não possuíam reversores de empuxo, e o avião exigia longas pistas pavimentadas para pouso.

Seu principal defeito era o enorme consumo de combustível, típico dos motores turbojatos, o que restringia o seu alcance a  1.590 NM. Os tanques na ponta de asa exigiam um cuidadoso processo de balanceamento lateral. Bombas elétricas de combustível permitiam transferir combustível de um tanque para outro, caso necessário. O desbalanceamento lateral inadequado podia impossibilitar o controle da aeronave e causar um acidente fatal. Vale dizer que as asas extremamente afiladas do Lear Jet 23 não permitiam ao avião armazenar qualquer combustível na própria estrutura das asas.

O primeiro Lear Jet 23 de série foi entregue ao seu operador em 13 de outubro de 1964. Esse avião realmente inaugurou uma nova fatia no mercado de aviação civil, e viria a se tornar o sonho de consumo dos executivos da época. O Lear Jet 23 foi o verdadeiro avô de todos os jatos executivos hoje existentes, e seu design foi depois amplamente imitado por todos os fabricantes concorrentes.

O modelo permaneceu em produção por apenas dois anos, e 104 exemplares foram produzidos até 1966. Nesse ano, voaram seus substitutos, os novos modelos Lear Jet 24 e Lear Jet 25, o último com fuselagem alongada para até oito passageiro e dois tripulantes. A empresa foi renomeada como Lear Jet Industries Inc. em 19 de setembro de 1966.

Em 1967, 60 por cento da empresa foi adquirido pela Gates Rubber Company, de Denver, Colorado. Em 1969, a Lear Jet fundiu-se à Gates Aviation e tornou-se a Gates Learjet Corporation. A partir dessa data, todas as suas aeronaves passaram a ser denominadas Learjet, e não mais Lear Jet. Em 1990, a empresa canadense Bombardier assumiu ao controle da Learjet, e ainda hoje mantém a produção dos jatos executivos que criaram a sua história.
Passados quase 45 anos, talvez ainda restem em voo uns vinte Learjet 23, a despeito do grande consumo de combustível e do alto nível de ruído produzido pelos seus motores turbojatos. Mas a sua importância para a história da aviação é enorme, pois foi o primeiro jato executivo produzido em grande escala, e serviu de modelo para a maioria dos jatinhos produzidos até hoje. Bill Lear morreu de leucemia em 1978, mas deixou um grande legado para a história da aviação. O charmoso e característico parabrisas do Learjet 23 até hoje é mantido nos modernos jatos Learjet, com um símbolo da era em que o jato entrou para a aviação geral.