No início da década de 1960, o mundo entrava definitivamente na era do jato. As aeronaves comerciais a hélice pareciam fadadas ao desaparecimento, e, realmente, os grandes aviões com motores a pistão rapidamente sumiram do ar.
Já na aviação geral, o jato ainda parecia distante. Os executivos mais poderosos da época ainda voavam em aeronaves com motor a pistão, e a Beechcraft dominava esse mercado, com os modelos Beech 18, Queen Air e Twin Bonanza. Não existiam ainda sequer turboélices executivos.
Silenciosamente, entretanto, o avô de todos os jatos executivos estava sendo gestado. Tudo começou em 1952, com o projeto suiço de um avião militar de ataque ao solo, o FFA P-16. O P-16 (foto abaixo) deveria substituir os aviões de motor a pistão, que rapidamente estavam se tornando obsoletos nessa função.
O primeiro protótipo do P-16 voou em 1955 e o principal destaque do avião era o projeto das asas, muito curtas e afiladas, com enormes tanques nas pontas. O protótipo apresentou bom desempenho nos testes, o que resultou em um pedido de 100 aeronaves pelos militares suícos. Dois protótipos adicionais foram construídos até 1960. Infelizmente, um acidente fatal com o terceiro protótipo acarretou o cancelamento da ecomenda de 100 aeronaves, e parecia que o P-16 iria morrer silenciosamente, sem deixar descendentes.
Entretanto, o projeto básico do avião chamou a atenção de um inventor americano, Willian "Bill" Power Lear. Bill Lear começou sua carreira de inventor aos 18 anos, em 1920, ao criar o primeiro rádio prático para automóveis, junto com seu sócio Elmer Wavering. O rádio foi denominado Motorola, uma junção das palavras "motor" e "victrola". O invento e o negócio dele resultante foram vendidos posteriormente para Paul Gavin, e anos depois a Motorola tornou-se uma poderosa multinacional do ramo de eletrônica e telecomunicações.
Lear também criou uma série de outros produtos inovadores para a aviação, como sistemas de ADF, piloto automático e o primeiro sistema de Autolanding, capaz de fazer pousar e parar um avião na pista sem qualquer interferência do piloto nos comandos.
Bill Lear vislumbrou no projeto básico do P-16 uma excelente base para fabricar um jato executivo. Obviamente, a fuselagem de avião militar não serviria a seus propósitos, mas o projeto das asas e trens de pouso foi aproveitado com muito sucesso, acrescentando-se uma fuselagem afilada e elegante, capaz de acomodar dois pilotos e de quatro a seis passageiros.
Bill Lear criou com sua equipe a empresa SAAC - Swiss American Aircraft Corporation, para produzir um protótipo de jato executivo denominado SAAC Lear Jet 23. Em 1962, Lear transferiu todo o ferramental e as instalações da SAAC para Wichita, Kansas, nos Estados Unidos.
A construção do primeiro protótipo começou antes mesmo que as instalações de Wichita estivessem concluídas. O projeto básico do avião foi feito pelo engenheiro suíço Hans-Luzius Studer, o mesmo projetista do FFA P-16.
O primeiro Lear Jet 23 decolou de Wichita no dia 7 de outubro de 1963. Não era exatamente uma aeronave fácil de pilotar, mas tinha um desempenho fantástico para qualquer padrão existente na época, superando largamente o desempenho do seu mais próximo concorrente, o turboélice Beech King Air, cujo protótipo tinha voado pela primeira vez apenas 5 meses antes.
O projeto do Lear Jet 23 previu a instalação de dois motores turbojatos na cauda, similar ao esquema utilizado nos jatos comerciais franceses Caravelle, e que até hoje é, sem dúvida, a configuração de motores mais utilizada nos jatos executivos. Uma empenagem em "T" foi adotada para evitar a interferência dos motores nos estabilizadores e profundores.
Os motores adotados foram os General Eletric CJ-610, de 2.850 lbf de empuxo cada um. Esses motores turbojatos eram derivados do motor militar GE J85, originalmente um propulsor descartável para mísseis. O J-85, no entanto, durou tanto na bancada de ensaios que acabou equipando vários aviões de combate, como o caça Northrop F-5. Evidentemente, os motores civis não utilizavam os afterburners normalmente instalados nos J-85. O motor CJ-610 foi um dos motores turbojatos com melhor relação peso-empuxo já produzidos na história.
Os Lear Jet 23 tinham um desempenho de voo espetacular para a época, e mesmo para os dias de hoje: alcançavam uma velocidade máxima de 488 Knots a 24 mil pés, Mach 0,82, e tinham velocidade de cruzeiro de 450 Knots, a 40 mil pés, Mach 0,80. Podiam subir na empolgante razão inicial de subida de 6.900 pés por minuto e podiam alcançar o na época praticamente deserto FL 450. Eram, nas palavras dos pilotos da época, verdadeiros "foguetes".
A velocidade de estol era relativamente baixa, 90 Knots com trens e flaps abaixados, mas o avião era difícil de controlar em baixa velocidade, e até mesmo o empuxo diferencial dos motores era usado na aproximação, para evitar instabilidade direcional. Os motores não possuíam reversores de empuxo, e o avião exigia longas pistas pavimentadas para pouso.
Seu principal defeito era o enorme consumo de combustível, típico dos motores turbojatos, o que restringia o seu alcance a 1.590 NM. Os tanques na ponta de asa exigiam um cuidadoso processo de balanceamento lateral. Bombas elétricas de combustível permitiam transferir combustível de um tanque para outro, caso necessário. O desbalanceamento lateral inadequado podia impossibilitar o controle da aeronave e causar um acidente fatal. Vale dizer que as asas extremamente afiladas do Lear Jet 23 não permitiam ao avião armazenar qualquer combustível na própria estrutura das asas.
O primeiro Lear Jet 23 de série foi entregue ao seu operador em 13 de outubro de 1964. Esse avião realmente inaugurou uma nova fatia no mercado de aviação civil, e viria a se tornar o sonho de consumo dos executivos da época. O Lear Jet 23 foi o verdadeiro avô de todos os jatos executivos hoje existentes, e seu design foi depois amplamente imitado por todos os fabricantes concorrentes.
O modelo permaneceu em produção por apenas dois anos, e 104 exemplares foram produzidos até 1966. Nesse ano, voaram seus substitutos, os novos modelos Lear Jet 24 e Lear Jet 25, o último com fuselagem alongada para até oito passageiro e dois tripulantes. A empresa foi renomeada como Lear Jet Industries Inc. em 19 de setembro de 1966.
Em 1967, 60 por cento da empresa foi adquirido pela Gates Rubber Company, de Denver, Colorado. Em 1969, a Lear Jet fundiu-se à Gates Aviation e tornou-se a Gates Learjet Corporation. A partir dessa data, todas as suas aeronaves passaram a ser denominadas Learjet, e não mais Lear Jet. Em 1990, a empresa canadense Bombardier assumiu ao controle da Learjet, e ainda hoje mantém a produção dos jatos executivos que criaram a sua história.
Passados quase 45 anos, talvez ainda restem em voo uns vinte Learjet 23, a despeito do grande consumo de combustível e do alto nível de ruído produzido pelos seus motores turbojatos. Mas a sua importância para a história da aviação é enorme, pois foi o primeiro jato executivo produzido em grande escala, e serviu de modelo para a maioria dos jatinhos produzidos até hoje. Bill Lear morreu de leucemia em 1978, mas deixou um grande legado para a história da aviação. O charmoso e característico parabrisas do Learjet 23 até hoje é mantido nos modernos jatos Learjet, com um símbolo da era em que o jato entrou para a aviação geral.