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sábado, 20 de setembro de 2014

Motores aeronáuticos movidos a etanol

Em 1973 e 1979, o mundo sofreu duas grandes crises do petróleo, motivadas por questões políticas. O preço dos combustíveis, até então muito baixo, subiu drasticamente, e o mundo passou a procurar, com mais ênfase, combustíveis alternativos que fossem viáveis economicamente e que pudessem ser obtidos em grande quantidade.
Aeronave Embraer Ipanema, com motor a etanol
O Governo Brasileiro, pressionado pela evasão de divisas, causado pela alta do petróleo, criou em 14 de novembro o Programa Nacional do Álcool, o Pró Álcool.  Os responsáveis técnicos pelo desenvolvimento do motor movido a álcool etílico, etanol, foram os engenheiros José Walter Bautista Vidal e Urbano Ernesto Stumpf. Stumpf era Coronel-Aviador da Força Aérea Brasileira, e começou a desenvolver um motor automotivo movido a etanol dentro do então CTA - Centro Técnico Aeroespacial, em São José dos Campos. Na verdade, desde 1973, quando começou a primeira crise do petróleo, o CTA já pesquisava o uso do etanol em motores de ciclo Otto. O primeiro protótipo do Pró Álcool, um carro Dodge 1800, foi bem sucedido, e, em 1976, a Fiat já lançava no mercado seu primeiro carro à álcool de produção, um modelo 147.

Tendo nascido dentro da aeronáutica, o motor à etanol demorou para virar realidade dentro da aviação, no entanto. O Pró Álcool teve altos e baixos, e acabou sendo extinto oficialmente no início da década de 1990, mas  o etanol continua sendo oferecido no mercado, especialmente para os novos veículos flex fuel, que podem usar tanto etanol quanto gasolina, e também é adicionado, por exigência legal, à gasolina automotiva, na proporção de 25 por cento.

No motores automotivos, não existe, atualmente, grande vantagem econômica no uso do etanol, e conforme a região do país, o uso da gasolina é mais vantajoso. Entretanto, o etanol é muito menos poluente, e torna os motores normalmente mais potentes, pelo uso de uma maior taxa de compressão nos cilindros.

 Os motores aeronáuticos a pistão utilizados na aviação leve, no Brasil, na sua grande maioria são importados, e consomem a cara e altamente poluente gasolina de aviação, popularmente chamada de AVGAS. Em relação ao preço da AVGAS, o preço do etanol é consideravelmente mais vantajoso, e a empresa Embraer, que produz o avião agrícola Ipanema, começou a desenvolver, na sua unidade de Botucatu/SP, um motor movido exclusivamente a etanol para equipar o avião, opcionalmente.
Motor Lycoming IO-540, na sua configuração original, movido a gasolina
O motor do Ipanema, um Lycoming IO-540, foi modificado e certificado para uso exclusivo de etanol. O primeiro teste em voo de um Ipanema movido a etanol ocorreu em outubro de 2002 e, com a certificação, em 2004, o avião passou a ser oferecido no mercado, com sucesso absoluto. Hoje (2014), mais de 30 por cento da frota de Ipanema é movida a etanol.

O desenvolvimento do motor IO-540 a etanol teve a contribuição de engenheiros tanto da Embraer quanto da Lycoming, e beneficiou-se da experiência de um projeto anterior do CTA, uma adaptação do motor semelhante que seria utilizado nos T-25 Universal da Força Aérea Brasileira, desenvolvido entre 1985 e 1989. Um T-25A, o FAB 1835, voou nessa época com motor IO-540 movido a etanol.

O motor do Ipanema a etanol, denominado IO-540-K1J5D, teve várias modificações em relação ao seu similar movido a AVGAS 100LL:
- Revestimento interno dos cilindros com cromo, para evitar os danos por corrosão causados pelo uso do etanol;
- Revestimento dos componentes metálicos do sistema de combustível com níquel, também para evitar a corrosão;
- A bomba de combustível foi substituída por outra de maior vazão, pois o consumo volumétrico do etanol é maior, devido ao menor poder calorífico em relação à gasolina;
- Os bicos injetores foram substituídos por outros de maior diâmetro;
- Foi incorporado na aeronave um sistema de partida a frio, necessário devido à menor volatilidade do álcool em relação à gasolina;
- Instalação de juntas de vedação, O-rings e diafragmas mais resistentes à corrosão causada pelo uso do etanol;
- As velas de ignição foram substituídas por outras com três eletrodos de platina, mais eficientes;
- A taxa de compressão foi aumentada de 8,7;1 para 9,6:1, já que o álcool tem poder antidetonante muito melhor do que o da AVGAS 100LL;
- O eixo de comando de válvulas foi substituído por outro, para modificar os tempos de abertura e fechamento de válvulas, devido ao tempo de queima diferente entre o etanol e a gasolina.

Válvula distribuidora de combustível de um motor IO-540 a etanol (foto: Sebastião Rodrigues)
Além disso, a célula da aeronave também recebeu modificações para o uso do etanol, sendo a principal delas um revestimento anticorrosivo no tanque de combustível.

O motor modificado para o etanol tem um consumo horário, a 75 por cento de potência, de 98 l/h. O motor a gasolina equivalente consome 69 l/h. Isso se deve ao menor poder calorífico do etanol, em relação à gasolina: 6500 Kcal/Kg X 11400 Kcal/KG. Em outras palavras, o consumo é maior no motor a etanol, mas mesmo assim, existe grande vantagem econômica, já que o etanol chega a custar a metade do preço da AVGAS.

A vantagem ambiental é evidente: o motor a etanol produz nada menos que quatro vezes menos dióxido de carbono que os motores a gasolina, como pode se ver pelo cálculo abaixo:
- Álcool : C2H6O + 3O2 2CO2 + 3H2O
- Gasolina: C8H18 + 25/2 O2 8CO2 + 9H2O

A emissão de outros gases poluentes, como o monóxido de carbono, é também reduzida pela vantagem de se poder usar maiores taxas de compressão, e como a queima do etanol ocorre em temperaturas menores, a produção de óxidos de nitrogênio também é menor. Além disso, a queima do etanol é isenta de metais pesados, enquanto a queima da AVGAS contém venenosos compostos de chumbo.

Com o aumento da taxa de compressão, os motores desenvolvem 15 por cento a mais de potência, 320 HP contra 300 HP do motor original a gasolina.

Na operação agrícola, que se processa a baixa altura e com maior temperatura ambiente, o uso do etanol é vantajoso, devido às menores temperaturas de cabeça de cilindro e de gases de escapamento.
Sistema de partida a frio do Ipanema (foto: Sebastião Rodrigues)
No processo de desenvolvimento e certificação do motor a etanol, foi observado que o desgaste dos componentes do motor foi menor do que o observado nos mesmos componentes do motor a gasolina, ainda que houvesse o mito de que a maior corrosão que o etanol provoca traria problemas de manutenção. Estuda-se, em decorrência disso, uma extensão de vida útil de 300 horas de operação, o que reduz consideravelmente o custo de operação da aeronave.

Claro que existem desvantagens: como o motor consome maior volume de combustível, em relação ao motor a gasolina, ou se aceita uma redução da autonomia ou se aceita um maior peso, para levar mais combustível no tanque. A carga útil pode diminuir devido ao peso extra do combustível. É claro que a maior potência disponível do motor pode reduzir essas desvantagens, ao menos em parte.
Painel de instrumentos do Ipanema a etanol (foto: Sebastião Rodrigues)
A vantagem econômica do uso do etanol é evidente. Ainda que o consumo do motor a etanol seja maior, pode se estimar que o custo do combustível, por hora voada, esteja entre 60 a 70 por cento do custo da AVGAS por hora voada. O etanol consumido pelo motor aeronáutico é o etanol hidratado automotivo, amplamente disponível no mercado, de 96º.

Além de fornecer aeronaves novas a etanol, a Embraer oferece um programa de conversão de motores a gasolina usados para etanol. Não custa exatamente barato, mas, considerando as vantagens econômicas do uso do etanol, se um operador agrícola, por exemplo, voar 10 mil horas por ano, a redução do custo operacional dessa operação pode render o suficiente para converter uns 15 aviões para o etanol, ou talvez até mais. O que não se deve fazer, embora seja comum, é converter em campo, ilegalmente, motores a gasolina para o etanol, o que, infelizmente, é muito comum, e também muito perigoso, sob qualquer ponto de vista.
Controles de partida a frio de um Ipanema a etanol (foto: Sebastião Rodrigues)
Qual é o futuro do motor a etanol automotivo? Em 2012, a FAA - Federal Aviation Administration, dos Estados Unidos, orientou a indústria a oferecer um combustível isento de chumbo dentro de 11 anos, ou menos, o que condena o uso da atual AVGAS após 2023. Mas há indícios seguros de que a AVGAS atual, com aditivação de chumbo, pode ser proibida até o ano de 2018. A indústria americana, a maior do mundo, estuda a introdução de novos motores ciclo Diesel, em resposta a isso, mas o uso do etanol pode ser interessante nesse momento, até porque milhares de motores atualmente em uso precisarão de combustível, mesmo se a velha AVGAS for proibida. Custaria muito menos, e seria mais viável, converter motores atuais para etanol do que substituí-los por novos motores a diesel.

No Brasil, existem ainda programas de desenvolvimento de motores flex de aviação, que poderiam consumir etanol, avgas ou até gasolina automotiva. Vejam o artigo nesse blog a esse respeito: http://culturaaeronautica.blogspot.com.br/2010/02/o-aero-boero-flex-do-dcta.html

A conversão do motor a gasolina para motor flex é muito mais complexa, pois envolve a eliminação de magnetos, carburação ou injeção mecânica para um sistema eletrônico muito mais sofisticado, mas já existente no mercado para praticamente todos os motores automotivos atuais. É uma grande evolução, mas isso depende ainda, basicamente, de investimentos e questões de certificação dos motores.

Também é possível utilizar o etanol em motores a reação. Pesquisas estão sendo feitas nesse sentido, mas tal desenvolvimento está bem atrasado em relação ao dos motores a pistão, e não se sabe ainda se será conveniente, do ponto de vista econômico.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Modernização do Layout dos Aeroportos


Com o constante aumento no volume de pousos e decolagens nos aeroportos, uma situação acabou vindo à tona: a deficiente estrutura operacional dos aeródromos. Como uma boa parte destes aeródromos foram projetados e construídos na década de 1950, eles não estão preparados para receberem um volume expressivo de aeronaves na movimentação entre as pistas de pouso, de táxi e o pátio de estacionamento.
Aeronaves paradas, esperando para cruzar uma pista em uso
O resultado deste crescimento, sem investimentos na modernização do lado ar (pista de pouso, pista de táxi e pátio de estacionamento de aeronaves), é que nos principais aeroportos, no horário de pico, temos aeronaves que chegam a ficar mais de 30 minutos aguardando para ingressarem no pátio e chegarem ao gate previsto para o desembarque dos passageiros.

Em aeródromos que possuem duas pistas, ou mais, outro fator preponderante é que a aeronave ao pousar e prosseguir no táxi em direção ao pátio tem que cruzar a outra pista, como é o caso de São Paulo – Guarulhos (SBGR). Ao pousar na pista 09 direita e livrar a pista pelas taxiway “BB ou CC” a aeronave tem que aguardar autorização para cruzamento da pista 09 esquerda.

Para a solução deste e de outros tantos gargalos especialistas realizam estudos de projetos para a modernização do layout dos aeroportos e das marcas de sinalização

Um destes projetos é o End-around Taxiways (EAT) – também conhecidas como Perimeter Taxiways que tem sido implementado em alguns aeroportos internacionais com o objetivo de reduzir o número de cruzamentos de pista e elevar o nível de segurança.

As End-around Taxiways possibilitam às aeronaves circundarem a cabeceira da pista evitando assim as esperas prolongadas nas taxiways que cruzam as pistas de pouso e decolagem.

Este novo design foi implementado, primeiramente no aeroporto de Frankfurt, Alemanha, e agora no aeroporto Internacional Hartsfield-Jackson, em Atlanta, Georgia. A EAT instalada, chamada de taxiway “V”, possui uma extensão de 1280 metros, e, está abaixo do nível da pista em 30 pés (9,10 metros). 
diagrama de uma EAT - End Around Taxiway
A taxiway “V” é toda feita de concreto e ficou com as seguintes dimensões: largura de 130 pés (39,6 m) e comprimento total de 4.200 pés (1.280 m).

Com esta solução evitou-se o cruzamento de 700 aeronaves por dia sem, no entanto, interromper as operações de pousos e decolagens simultâneas

Por estar localizada abaixo do nível da pista as aeronaves que estão para pousos e decolagens não sofrem interrupção em suas operações, ou seja, não há a influência do efeito da esteira de turbulência sobre as aeronaves, assim sendo, o deslocamento de ar gerado pelas turbinas das aeronaves não atingiriam as aeronaves em estiverem cruzando pela taxiway Victor.
EAT V, do Aeroporto Hartsfiel-Jackson, em Atlanta, EUA
A FAA estima uma melhoria de 30 por cento na "eficiência" global da pista. As empresas aéreas estimam uma economia de 26 a 30 milhões de dólares por ano, porque suas aeronaves não terão que ficar aguardando para cruzarem a pista ou para ingressarem no pátio.

Autor: CARLOS ALBERTO SOUZA E SILVA - Controlador de Tráfego Aéreo no Aeroporto Governador José Richa, de Londrina/PR (SBLO)
 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Certificação x obsolescência: um grande dilema na aviação

A aviação comercial é uma atividade segura, graças, em parte, a um processo de avaliação governamental, a certificação, outrora denominada homologação, que somente libera uma aeronave, ou seus componentes, para atividade remunerada, após uma ampla e rigorosa avaliação das autoridades, sob as mais críticas situações previsíveis, algumas das quais muito remotas.

Aeronave Airbus A320, certificada em 1988 e ainda em produção
O mesmo processo torna o fabricante altamente responsável pelo produto que lançou no mercado, mesmo que décadas se passem entre a fabricação da aeronave e um possível acidente ou incidente.

Entretanto, esse mesmo processo, caro e demorado, pode retardar, inibir ou até mesmo impedir que os avanços tecnológicos sejam implantados no processo de produção de novas aeronaves, motores e componentes, sob o argumento falacioso de "manter a segurança".

A aviação é considerada, em geral, como fonte de novas tecnologias, de avanços técnicos, que depois passam a ser empregados em outros ramos da indústria. Isso é verdade, mas somente em parte. De fato, alguns setores de aviação fornecem produtos altamente obsoletos tecnologicamente. Por outro lado, grandes fabricantes de aeronaves, motores e componentes empregam a manobra empresarial denominada obsolescência programada, para se livrar da responsabilidade crescente sobre aeronaves antigas, com tecnologias obsoletas, e fazem o possível para tirar tais aeronaves antigas de operação.

Aeronave Boeing 737-800, certificada em 1994, ainda em produção
Vamos analisar, primeiro, a questão dos setores que evitam o alto custo de desenvolvimento e certificação, assim como o risco que trazem, mantendo produtos notoriamente obsoletos, mas certificados, no mercado, geralmente sob a proteção de esquemas oligopolizados.

O mercado mundial de motores a pistão para a aviação leve, por exemplo, é dominado, no ocidente, por dois grandes fabricantes, Lycoming e Continental. Esses fabricantes vivem mudando de donos, no mundo empresarial, mas fornecem ao mercado uma gama de motores a pistão, altamente obsoletos, mas utilizados pela maioria dos aviões leves em produção.

O problema desses motores é que utilizam uma tecnologia muito obsoleta. São motores, sem dúvidas, seguros, confiáveis e de boa qualidade, mas a sua tecnologia remonta, em geral, há seis ou sete décadas atrás. Utilizam tecnologia há anos considerada obsoleta pelos fabricantes de motores automotivos, como o uso de magnetos de ignição, platinados, refrigeração a ar, carburadores e outras coisas que deixariam qualquer usuário de automóvel moderno totalmente perplexo.

Motor Lycoming IO-540, certificado em 1957 e ainda em produção
Um dos motores aeronáuticos a pistão mais utilizados atualmente é o Lycoming IO-540. Trata-se de um motor de seis cilindros horizontalmente opostos, de 8,9 litros de cilindrada, e que desenvolve uma potência entre 235 e 350 HP. Tal motor foi desenvolvido em 1957, há quase seis décadas atrás. Seu sistema de injeção de combustível mecânica tinha décadas de existência quando tal motor foi lançado, e ainda é utilizado. Seus "confiáveis" magnetos são praticamente os mesmos magnetos utilizados pelos motores da virada do Século XIX para o Século XX. Seus concorrentes diretos no mercado, os Continental IO-520 e IO-550, possuem praticamente a mesma configuração geral, quase a mesma cilindrada e a mesma potência, e também utilizam os mesmos recursos obsoletos dos motores rivais, como injeção mecânica e magnetos de ignição. Tais motores, ainda por cima, mesmo que utilizem taxas de compressão relativamente baixas, ainda são dependentes das poluentes e caras gasolinas de aviação, cujo uso, por motivos ambientais, já deveria ter sido banido há décadas, devido ao uso de aditivos com metais pesados, como o chumbo tetraetila.

Por que os motores de avião a pistão usam essa tecnologia obsoleta, até arcaica, sem injeção/ignição eletrônica, de baixa eficiência, de alto consumo de combustível e que, ainda por cima, são muito caros? Simples, é por mera questão de certificação, aliado a um domínio oligopolizado do mercado. Sob a proteção da lei, por que a Lycoming e a Continental iriam lançar produtos inovadores no mercado, se serão responsáveis pela segurança desses motores 40 anos após serem fabricados? Esse é um grande dilema. Quem perde com isso é o consumidor, e o meio ambiente. E será que esses motores são realmente tão seguros assim, a ponto de ter seu desenvolvimento praticamente congelado no tempo?

O exemplo dos motores é meramente ilustrativo. Muitos outros componentes e até aeronaves inteiras, ainda fabricadas, são obsoletos sob qualquer ponto de vista, mas sobrevivem sob o grande "guarda-chuva" denominado certificação. Será que tais normas de certificação não estão, também, tão obsoletas quanto os produtos que elas certificam?

O outro lado da moeda está presente em outro lado da aviação, mais inovador, o da aviação comercial e das aeronaves de grande e médio porte.

Os fabricantes de aeronaves utilizadas na aviação comercial utilizam a mais alta tecnologia, ao invés dos seus colegas que fabricam aeronaves leves, pois seus clientes exigem, cada vez mais, aeronaves e motores mais eficientes, mais leves, mais seguras e mais automatizadas, pois isso influi diretamente no seu lucro. O problema é que, praticamente, esses fabricantes estão sujeitos às mesmas regras de certificação e, pior ainda, o risco que enfrenam é consideravelmente maior.
Aeronave Boeing 737-300
Economicamente falando, o setor da indústria de aeronaves comerciais é dominado por apenas três grandes fabricantes, em nível mundial: Boeing, Airbus e Embraer. Embora sejam fortes rivais entre si, há sérios indícios de que o setor é altamente oligopolizado. Basta ver que utilizam motores de apenas três grandes fabricantes, Rolls-Royce, Pratt & Whitney e General Eletric, ou então de algum consórcio que os três façam entre eles, ainda que incluam algum sócio minoritário. Os processos de certificação, que seguem requisitos estabelecidos pela ICAO - International Civil Aviation Organization, parecem ser feitos sob medida para tais fabricantes, de aeronaves e motores, inibindo a entrada de qualquer concorrente no mercado.

Os processos de certificação embutem uma regra de que, pelo menos do ponto de vista da legislação americana, o fabricante é responsável pelo produto que lançou no mercado durante 40 anos a partir do momento em que foi fabricado. Se isso cria um certo laço de segurança, por outro lado cria uma amarra que, do ponto de vista comercial, pode prejudicar tanto a própria segurança quanto os consumidores, empresas aéreas e passageiros.

Até recentemente, a indústria da aviação não utilizava o conceito deletério da obsolescência programada. Aeronaves são artigos  caros, e precisam durar muito para que o seu custo seja absorvido em muitos anos de operação. Mas, por outro lado, não é muito confortável para o fabricante suportar o ônus de se responsabilizar seu produto por 40 anos.

Embora o fabricante estabeleça uma vida útil teórica para uma aeronave, que varia atualmente entre 20 e 30 anos de operação, suficiente para absorver tranquilamente o custo de aquisição da aeronave, qualquer operador que se dispuser a operar uma aeronave um pouco mais antiga vai encontrar problemas, e muitos problemas.
Aeronave Cessna 172, certificada há mais de 50 anos, mas ainda fabricada.
O pior problema encontrado pelo operador de uma aeronave que tenha mais de 10 anos de uso é a falta, ou o preço, de peças de reposição no mercado. O fabricante, responsável pelo avião por 40 anos, não tem, na verdade, o menor interesse em resolver esse problema. Vamos ver o caso, por exemplo, do Boeing 737 Classic, que engloba os modelos 737-300, -400 e -500. O fabricante, ao que parece, não fornece mais componentes específicos para tais aeronaves, que foram produzidas até o ano 2000, ou cobra um preço absurdamente caro por tais componentes As empresas usuárias desse equipamento se vêm, portanto, obrigadas a utilizar peças usadas, removidas de aeronaves acidentadas ou canibalizadas. Desmontar um avião para manter outros aviões em uso é uma estratégia reconhecidamente cara, e mesmo esse recurso é inibido pelo fabricante, pois a Boeing costuma comprar aeronaves usadas e inutilizar todos os seus componentes, para forçar ainda mais a retirada desse modelo do mercado, o quanto antes possível. A consequência disso é a retirada prematura desse modelo de avião do mercado, ainda que tenha bom histórico de segurança e seja teoricamente rentável. Isso configura, claramente, a utilização da chamada "obsolescência programada" no setor de aviação.

Tudo isso ocorre em função de leis que regulam a certificação, e que, há muito, deveriam ter sido revisadas. As leis visam, teoricamente, a melhorar a segurança, mas nem isso poderá ser alcançado, já que, ao deixar de fornecer peças de reposição no mercado, o fabricante incentiva um crescente mercado paralelo e ilegal de peças não certificadas, que estão invadindo o mercado de modo avassalador. Não é difícil falsificar uma peça aeronáutica, e muito menos a sua documentação. As autoridades aeronáuticas não possuem meios de fiscalizar todos os bilhões de componentes utilizados, e quando fazem alguma constatação, geralmente a fazem quando ocorre um acidente. Aí, já é tarde.