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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Como o bom planejamento pode evitar acidentes aeronáuticos?

O planejamento é uma ferramenta extremamente eficaz na atividade aeronáutica. O planejamento adequado de um voo é essencial para a segurança operacional, pois o planejamento deficiente ou a sua ausência constitui um dos mais importantes fatores contribuintes de acidentes aeronáuticos, ficando atrás apenas do erro de julgamento e da falha ou ausência de supervisão.

Todavia, o planejamento do voo é muitas vezes negligenciado pelos pilotos. Na verdade, não é realmente fácil fazer planejamento, e toma tempo. Também é necessária uma boa dose de conhecimentos prévios e um senso crítico apurado.

Todas as escolas de aviação e aeroclubes ensinam os alunos a planejarem corrretamente seus voos. Os conhecimentos teóricos adquiridos também são igualmente importantes. Mas muitos pilotos, ao deixarem as escolas e aeroclubes, simplesmente esquecem seus livros e regulamentos, e passam a fazer as coisas do jeito que acham melhor. Só que esse "melhor" nem sempre é realmente o melhor para a segurança dos seus voos.

O planejamento de voo é um processo que compreende dois momentos distintos, porém intimamente ligados: a previsão cuidadosa, inteligente e precisa de todas as fases do voo, e a programação racional de todas essas etapas, de modo a tornar o voo seguro e sem surpresas desagradáveis. O piloto tambem deve prever uma margem de segurança, para contornar qualquer imprevisto que possa surgir.

Mesmo agindo sob pressão, e nas urgências, o piloto deve sempre planejar cuidadosamente seus voos, evitando improvisações e a contaminação pela rotina implacável que permeia a maioria das operações aéreas.
As ferramentas do planejamento são bem conhecidas dos pilotos: são os manuais de operação, as cartas e instrumentos de navegação, os check-lists, os procedimentos padronizados, as cartas e informações meteorológicas, as informações aeronáuticas e os briefings.

Quando o piloto ganha uma certa experiência, começa a ficar um tanto arrogante, excessivamente confiante em sua própria capacidade. Isso faz com que comece a negligenciar o planejamento, pois acha que pode lidar, graças à sua experiência, com qualquer imprevisto que possa aparecer. É um erro fatal, que já conduziu a inúmeros acidentes.

Um bom planejamento deve ser realista, claro, preciso, objetivo e, acima de tudo, flexível. E ser flexível não quer dizer que se pode admitir improvisações. É certo que improvisar às vezes funciona, mas geralmente o resultado é totalmente imprevisível.

O piloto pode iniciar seu planejamento pela aeronave que vai pilotar. Além de ter proficiência na sua operação, é necessário fazer um abastecimento muito criterioso, incluindo não somente a reserva legalmente prevista, mas também combustível suficiente para problemas previsíveis de tráfego, meteorologia adversa e outras variáveis que podem surgir. Não se deve tentar evitar uma escala técnica para abastecimento confiando puramente na sorte.
O peso e balanceamento cuidadoso do avião é um ítem básico na manutenção da segurança. É comum que pilotos se preocupem somente com o peso máximo de decolagem do avião, deixando de fazer uma avaliação do balanceamento correto. Há que se levar em conta que o peso e o balanceamento podem variar drasticamente com a elevação da pista, a aclividade da mesma, a temperatura do ar, a direção e velocidade do vento e a existência de obstáculos nas cabeceiras.
É necessário também saber quais são os ítens inoperantes da aeronave e o impacto que essa inoperância pode causar em cada situação específica de voo, assim como se deve antecipar procedimentos de manutenção periódica que estejam previstos para ocorrer brevemente.

O planejamento da rota é outro ítem de fundamental importância. Mesmo que o piloto disponha de um aparelho GPS de última geração, atualizadíssimo e funcional, é necessário levar a bordo todas as cartas de navegação necessárias para a rota a ser percorrida, incluindo as alternativas previstas e do espaço aéreo ao seu redor. As cartas dever estar cuidadosamente atualizadas e organizadas. Deve-se verificar as condições meteorológicas da rota, analisando-se as cartas de prognóstico ao invés das imagens de satélite, cuja análise é bastante complexa. Não é suficiente a simples consulta das mensagens METAR, SPECI e TAF. Ao analisar uma imagem de satélite, o meterologista da sala AIS deve sempre ser consultado.
 
A análise deficiente da meteorologia pode resultar facilmente em voos IMC involuntários e penetração em formações convectivas perigosas.

Ao analisar a rota, o piloto deve verificar se não irá passar por espaços aéreos condicionados. Caso isso ocorra, deve-se obrigatoriamente consultar a AIP para saber qual é a natureza do espaço aéreo condicionado e quais são seus limites horizontais e verticais. Os NOTAMs devem ser consultados e analisados cuidadosamente, pois geralmente implicam em limitações e riscos que facilmente podem se converter em acidente.
O ROTAER deve ser consultado para se verificar as condições específicas de cada aeródromo que possa vir a ser utilizado na missão, ainda que eventualmente. É necessário verificar, por exemplo, se o aeródromo dispõe do combustível adequado para a aeronave, se é necessária a utilização de cartas de aproximação visual (VAC), de Corredores Visuais, de aeródromo (ADC) ou de estacionamento (PDC). A necessidade de slots também deve ser antecipada. Nunca é demais reforçar que a operação em aeródromos privados ou exclusivamente militares só pode ser efetuada com autorização prévia do proprietário ou da autoridade militar, e que muitas vezes é proibida.
Muitas vezes negligenciado, o planejamento pessoal é muito importante. Tanto tripulantes quanto passageiros devem levar bagagem suficiente para enfrentar contingências como atrasos, panes e problemas meteorológicos. Os tripulantes devem levar dinheiro suficiente para hospedagem, alimentação, transporte e assistência médica em emergência. Cartões de crédito ou de débito podem ser totalmente inúteis em determinadas localidades.
Pode ser excesso de zelo, mas em determinadas localidades, é prudente fazer reservas em hotel, não somente para os tripulantes, mas também para os passageiros. Em locais de interesse turístico e/ou períodos de alta temporada, pode ser impossível arrumar um local para dormir na última hora. Caso a reserva torne-se definitivamente desnecessária, basta um telefonema para cancelá-la.

A documentação pessoal é de extrema importância. Os documentos essenciais ao tripulante, CCF, CHT e Licença, devem estar de posse de cada um, e com prazos de validade que ultrapassem qualquer contingência previsível. Deve-se lembrar ainda que, em voos internacionais, que se ter consigo passaporte e vistos válidos. Ainda que , em alguns países da América Latina, o tripulante ou passageiro brasileiro não seja obrigado ter passaporte, seu uso pode ser útil, pois as carteiras de identidade antigas, com mais de cinco anos de emissão, assim como as carteiras de motorista brasileiras, não são válidos como documentos de identidade nos países vizinhos ao Brasil. O passaporte também facilita se for necessária alguma assistência diplomática ou policial.

Deve-se lembrar que o comandante do avião deve ter ciência plena de suas responsabilidades legais para com outros tripulantes e passageiros que tiver a bordo.

Muito cuidado deve ser tomado com o equipamento que se leva a bordo. Equipamentos de GPS, computadores e calculadoras portáteis devem possuir manual de operação e pilhas ou baterias extras carregadas. Os softwares devem estar devidamente atualizados. É bom levar um equipamento GPS de reserva, para qualquer eventualidade.

É bom lembrar que equipamentos GPS devem ser adequados ao avião em que será utilizado. Muitos equipamentos baratos têm limitações de velocidade máxima de utilização ou não possuem capacidade de terem seus bancos de dados atualizados. O uso de aparelhos GPS de uso não aeronáutico é totalmente desaconselhado.

Os equipamentos obrigatórios de emergência devem estar sempre a bordo, assim como cordas e pinos de amarração, calços, óleo lubrificante extra, garrafas de água, funis  e filtros para combustível, além dos kits de sobrevivência e primeiros socorros adequados à rota.
 
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Entre os erros de planejamento mais comuns, ou suas consequências, estão:
  • Planejamento de horários de voo pouco realistas, que não levam em consideração fatores como fortes ventos de proa, desvios para alternativa, desvio de formações meteorológicas perigosas, horários de funcionamento dos aeródromos e eventuais panes de equipamento;
  • Falta de conhecimento dos horários de operação dos aeródromos e das suas limitações, como, por exemplo, disponibilidade de combustível em determinados horários ou dias da semana;
  • Voar IMC involuntariamente (o famigerado e potencialmente mortal voo "visumento"), por negligência ou falta de habilidade em avaliar condições meteorológicas previstas para a rota;
  • Voo inadvertido em espaços aéreos condicionados (perigosos, proibidos ou restritos), sem conhecer sua natureza ou os riscos envolvidos;
  • Pane seca (falta de combustível);
  • Pouso em local impróprio ou inadequado;
  • Fazer Plano de Voo IFR sem equipamento adequado, com o mesmo inoperante ou ainda, sem habilitação, experiência, treinamento ou proficiência suficientes para voar em condições IFR real. É comum, por exemplo, o piloto estar habilitado, mas não estar proficiente por não voar há algum tempo por instrumentos;
  • Uso de equipamentos de navegação ou comunicação improvisados, como GPS automotivos, ou sem acessórios básicos como manual de operação, pilhas ou baterias de reserva, antenas ou carregadores de baterias;
  • Uso de combustível automotivo ou inadequado, por pro falta de planejamento de alternativas ou escalas técnicas viáveis, ou ainda por falta de planejamento no abastecimento ou simplesmente por não ter outra opção no momento;
  • Inabilidade, negligência ou falta de experiência em lidar com problemas como panes, emergências, inoperância de equipamentos e situações de risco;
  • Voar assessorado por pessoas não habilitadas no equipamento, passageiros ou proprietários do avião;
  • Viajar sem ter recursos (bagagem, equipamentos ou dinheiro) suficientes;
  • Desviar-se dos objetivos da missão, como, por exemplo, aproveitar um voo de instrução de navegação no aeroclube para visitar os pais, filhos, esposas ou namoradas, ou ainda para fazer compras ou turismo;
  • Operar em aeródromos inadequados, perigosos, privados e sem autorização dos seus donos, ou ainda com estrutura insuficiente para a missão;
  • Fazer planos de voo por telefone, quando o ideal seria usufruir de todos os recursos oferecidos pelas salas AIS e seus especialistas. O plano de voo não é uma mera formalidade, mas sim um fator de segurança de voo.

No acidente ocorrido com o voo 1907 da GOL, em 2006, o planejamento de voo foi um dos fatores contribuintes mais importantes. A tripulação simplesmente não teve tempo hábil para se ambientar em uma aeronave nova e seus equipamentos, o plano de voo foi feito por uma empresa tercerizada pela Embraer e quase todo o restante do planejamento foi feito pelo copiloto Jan Paul Paladino, enquanto seu comandante Joseph Lepore cumpria tarefas sociais, como almoçar com o pessoal da Embraer. Estava aberta a porta para o desastre: os dois pilotos americanos ainda tentavam aprender alguma coisa sobre seu avião e sua viagem, usando um laptop, quando o mesmo se chocou com o Boeing da GOL, vitimando 154 tripulantes e passageiros.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Motores radiais rotativos: como funcionavam?

O motor rotativo é um tipo de motor radial, de ciclo Otto, cujo eixo de manivelas é estacionário e fixado ao berço do motor, enquanto o conjunto de cárter e cilindros gira ao redor dele. A hélice era fixada diretamente no cárter e girava junto com o mesmo.
Os motores radiais rotativos foram desenvolvidos pouco antes e durante a Primeira Guerra Mundial. Nessa época, a maioria dos motores necessitava de um volante de inércia, para garantir suavidade no funcionamento, evitando trancos ao girar. Os volantes acrescentavam, entretanto, um peso morto considerável ao motor. Outro problema dos motores dessa época era a refrigeração insuficiente, pois os aviões tinham baixa velocidade, o que limitava muito o fluxo de ar de refrigeração.

Quando foram criados, os motores radiais rotativos se constituíram em uma eficiente solução técnica para equipar aviões, em razão  da boa relação peso-potência, da suavidade de funcionamento e da boa refrigeração, que era mantida mesmo com o motor funcionando em marcha lenta no solo. Eram considerados motores muito confiáveis, o que tornou-os ideais para equipar aviões militares durante a Primeira Guerra Mundial.

Diversos problemas tiveram que ser resolvidos, entretanto, para  que o motor fosse viável. A alimentação era um dos principais, pois o carburador não poderia ficar girando com os cilindros. A solução encontrada foi a utilização de eixos de manivelas ocos, que serviam de passagem para a mistura ar-combustível do carburador até janelas abertas no eixo e no cárter. Dessas janelas, a mistura chegava ao cilindro, atraves de válvulas de admissão ou por janelas abertas no cilindro pouco acima do ponto morto inferior.
A solução de usar janelas de admissão, ao invés de válvulas, foi usada nos motores Gnôme Monosoupape (monoválvula, em francês), e foi muito bem sucedida, pois possibilitou a eliminação de várias peças móveis, facilitando o balanceamento e aumentando a confiabilidade dos motores. Os motores de uma válvula por cilindro (fotos acima e abaixo) foram considerados como "um dos maiores avanços na aviação" pelo fabricante de aeronaves britânico Thomas Sopwith.
Os motores Monosoupape não tinham, na verdade, carburadores ou aceleradores. O controle do motor era feito através da regulagem da pressão de combustível. Bombas de ar pressurizavam o tanque, garantindo um fluxo uniforme de combustível ao motor. Todavia, o controle de velocidade do motor era bastante limitado.
A lubrificação do motor também se constituiu em um problema, pois o cárter servia frequentemente como caminho para a passagem da mistura para os cilindros, como ocorre nos motores atuais de dois tempos. A solução encontrada foi semelhante à utilizada nos motores dois tempos, ou seja, o lubrificante era adicionado à gasolina. Como os óleos minerais da época eram inadequados, utilizava-se o óleo de rícino, pois esse dissolvia-se mais lentamente no combustível, o que garantia uma apropriada lubrificação dos componentes móveis. Uma bomba de óleo fornecia o lubrificante à mistura ar-combustível pouco antes da mesma ser fornecida ao motor, para evitar sua diluição excessiva.

Um dos defeitos dos motores rotativos era o seu alto preço. A construção era de alta precisão, para garantir um bom balanceamento do conjunto de cárter e cilindros. Um motor Gnôme de 100 HP de 1916 custaria, em valores de hoje, o equivalente a 70 mil dólares americanos.

Os motores rotativos, em sua maioria, eram do tipo radial, mas outras configurações foram usadas, e existiu até mesmo um motor rotativo monocilíndrico. Nos radiais, um número ímpar de cilindros era geralmente usado, de forma que sempre havia um cilindro em tempo motor. Embora raros, alguns motores rotativos tinham duas carreiras (estrelas) de cilindros (foto abaixo, do motor alemão Oberursel U.III).
 
Embora a potência por cilindrada fosse relativamente baixa, a potência por Kg de massa era elevada, chegando a um HP por Kg de massa do motor. Os motores radiais rotativos forneciam geralmente 50 a 160 HP de potência, dependendo da cilindrada e do número de cilindros.

Os motores Clerget e Le Rhône utilizavam duas válvulas em cada cilindro, ao contrário dos Gnôme Monosoupape.

No início dos anos 1920, os motores rotativos caíram subitamente em desuso, principalmente devido às limitações na alimentação através dos eixos de manivela. Os motores radiais com eixos rotativos e os motores de cilindros em "V" rapidamente os susbstituíram no período entre as duas Guerras Mundiais.

Os motores rotativos não equiparam apenas aviões. Alguns fabricantes de motocicletas instalaram motores radiais rotativos no centro da roda de seus veículos. Na foto abaixo, pode-se ver uma motocicleta Felix Millet de 1897. Felix Millet foi, na verdade, o pioneiro no uso dos motores rotativos, em 1888.
As motocicletas alemãs Megola, produzidas entre 1921 e 1924, possuíam motores radiais Monosoupape de 5 cilindros e 14 HP instalados no meio da roda dianteira. Essa estranha e interessante motocicleta é um dos mais raros veículos, pois apenas 10 exemplares ainda existem.
Alguns carros também foram equipados com motores rotativos, como um De Dion-Bouton de 1899, que recebeu um motor rotativo de 4 cilindros, concebido para uso aeronáutico, mas que nunca equipou nenhum avião, pelo simples fato de que ainda não existiam aviões nessa época.