Google Website Translator

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Ciências Aeronáuticas: o curso superior na aviação

No início da década de 1990, a aviação brasileira, livre de amarras como o tabelamento oficial de preços e a proibição de se dar descontos em passagens, ensaiava um crescimento. É claro que, para isso, mais tripulantes teriam que ser contratados.
Objetivo dos alunos de Ciências Aeronáuticas: voar um jato comercial
O problema é que, com a abertura do mercado, os custos em geral teriam que ser reduzidos, inclusive no que diz respeito à formação de tripulantes. Todavia, a realidade dos cursos de formação de pilotos era a mais precária possível, e alguma solução teria que ser adotada.

Até a década de 1990, seguir carreira na aviação, em geral, exigia uma escolha bastante difícil para o candidato a tripulante: ou ele fazia os cursos de aviação, em aeroclubes ou escolas de aviação civil homologadas, ou fazia um curso superior em alguma universidade ou faculdade.
A Embry-Riddle americana inspirou a criação dos cursos de ciências aeronáuticas no Brasil
Era difícil seguir carreira de piloto, e fazer curso superior ao mesmo tempo. O candidato a piloto fazia os cursos teóricos e práticos nas escolas e aeroclubes, e após concluir esses cursos, partia para uma carreira incerta na aviação geral até ter experiência suficiente para poder fazer um processo seletivo em uma companhia aérea. Voando na aviação geral, era difícil frequentar qualquer curso superior, especialmente naquela época, na qual a educação a distância era, ainda, incipiente.

Cursos técnicos de Piloto Privado, Piloto Comercial, Voo por Instrumentos, e Aeronaves Multimotoras, tinham a finalidade de, simplesmente, habilitar o aluno para tirar suas licenças e certificados legalmente exigidos pelo então Ministério da Aeronáutica, através do DAC - Departamento de Aviação Civil. Não tinham a finalidade de formar cultura aeronáutica, muito menos de nível superior, uma vez que eram apenas reconhecidos pelo DAC, e não pelo MEC - Ministério de Educação e Cultura
A Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUC/RS foi pioneira na criação dos cursos de Ciências Aeronáuticas
Paralelamente às necessidades das empresas aéreas, o nível de complexidade da aviação cresceu drasticamente, principalmente em nome da eficiência operacional e da segurança. Vislumbrava-se, assim, a necessidade de um curso superior voltado exclusivamente para a aviação civil.

Até então, a grande maioria dos pilotos das empresas aéreas não tinham qualquer tipo de curso superior, uma situação inusitada: milhões de passageiros viajavam em aeronaves comandadas por pilotos de nível médio de ensino, a despeito da enorme responsabilidade exigida pela profissão.
Aula, com recursos de computadores/simuladores de voo primários
Isso começou a mudar, no Brasil, a partir de 1993, quando a Varig e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul uniram esforços para criar o então Instituto de Ciências Aeronáuticas, em Porto Alegre/RS. Como incentivo ao curso, a Varig dava, abertamente, preferência dos formados em Ciências Aeronáuticas na contratação de seus pilotos.

A Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUC/RS se inspirou na universidade aeronáutica americana Embry-Riddle, instituição de grande renome internacional nessa área.
Aula de navegação da UNOPAR, de Londrina/PR
Começou, então, uma mudança de cultura na aviação. Outras instituições de ensino superior, ainda na década de 1990, criaram seus cursos, como a Universidade Tuiuti do Paraná e a UNOPAR - Universidade Norte do Paraná.

Um dos problemas que os alunos enfrentavam era o alto custo da formação: o aluno era obrigado a concluir a formação prática de voo, em nível de Piloto Comercial/IFR, até o fim do curso, para obter seu diploma de Bacharel em Ciências Aeronáuticas.
Demonstração de um helicóptero, no campus da UNOPAR - Londrina
No final do ano 2000, a UNOPAR rompeu esse esquema, ao permitir que o aluno fizesse o curso superior sem depender da conclusão da prática de voo e da obtenção de Licenças de piloto para obter o diploma, apesar da pressão do MEC em contrário. O curso da UNOPAR foi reconhecido em 2002 e a não exigência da formação prática foi mantida. Isso permitiu o ingresso de alunos sem condições de arcar com os altos custos e também de alunos que não podiam ou não queriam seguir, necessariamente, a carreira de piloto, preferindo funções em terra, como despachantes operacionais de voo e mecânicos de manutenção aeronáutica.
Evento promovido pela UNOPAR, em Londrina, com a presença da FAB e de companhias aéreas
Reconhecidos pelo MEC e pelo DAC, os cursos, após um período de certo descrédito entre os candidatos a tripulantes, obtiveram grande aceitação, e logo as empresas aéreas viram grande vantagem em admitir pilotos formados em Ciências Aeronáuticas. O grande valor desses cursos foi, finalmente, reconhecido pelo mercado.

O crescimento da aviação brasileira durante a década de 2000  obrigou à contratação de grande número de pilotos, mesmo que as então "três grandes" companhias aéreas da época, Varig, Vasp e Transbrasil, tenham encerrado suas atividades.  O nível de exigência de experiência mudou muito: em 2001, a Vasp, por exemplo, exigia experiência de, no mínimo, 2500 horas de voo, para admissão de copilotos, em início de carreira. Obviamente, essa exigência foi muito reduzida, mas, em contrapartida, as companhias passaram exigir maior nível de educação formal para a contratação.
Oficina experimental da UNOPAR
No ano de 2010, o grande auge das contratações de pilotos, as empresas estavam exigindo de 500 a 1000 horas de voo de experiência mínima para contratação, para quem não tivesse curso de ciências aeronáuticas, e de 250 a 500 horas de voo, para quem tivesse o diploma.
Alunos concentrados em suas tarefas
Os resultados dessa política foram muito positivos e logo se fizeram valer, e muitas empresas aéreas começaram a exigir que seus pilotos antigos também obtivessem curso superior. O resultado disso é que as salas de aula dos cursos de ciências aeronáuticas logo mesclavam alunos iniciantes com pilotos de companhias aéreas já bem experientes, e isso teve ganhos para todos. É bastante comum a presença de copilotos e comandantes de grandes empresas aéreas nas salas de aula, como alunos.
Projetos com a comunidade também fazem parte dos cursos
Hoje, embora a ANAC ainda não exija curso superior completo para a obtenção de qualquer licença de pilotagem, é praticamente impossível uma empresa aérea admitir pilotos sem nível superior, preferencialmente em Ciências Aeronáuticas.

A tendência natural é que a ANAC passe a exigir a conclusão de curso superior para a obtenção, pelo menos, das licenças de Piloto Comercial e Piloto de Linha Aérea. Não é questão de que se isso vai acontecer, mas sim, de quando vai acontecer.
Simulador de voo por instrumentos
Depois de alguns anos em crise e encolhimento do mercado, há claros sinais que essa tendência já se inverteu. A aviação comercial deve ter um crescimento considerável a partir de 2018, e ter um curso de Ciências Aeronáuticas significa ter uma vantagem considerável contra os concorrentes, mesmo que sejam muito experientes em termos de horas de voo.

A recente mudança na Regulamentação da Lei do Aeronauta, que reduz a carga de trabalho e aumenta o número de folgas, vai forçar em curto prazo a contratação de mais pilotos e comissários, e tal regulamentação já entrou em vigor. Com certeza, vai haver uma grande falta de pilotos qualificados no mercado.
A prática de voo pode ser feita em escolas de aviação conveniadas (Aeroclube de Londrina)
Com a retomada da economia, e a nova regulamentação da profissão do aeronauta, que já está  em vigor, as empresas já esperam uma falta de pilotos capacitados para contratar. É uma tendência que deve durar alguns anos. Muitos pilotos que perderam seus postos durante a crise já não atendem os requisitos pedidos pelas empresas, mudaram de profissão, se aposentaram, ou morreram. Então, para quem almeja uma vaga, a chance é começar a estudar agora. Se esperar o mercado ficar em alta para começar a estudar, quem se antecipou vai estar sendo contratado, enquanto quem esperou chegar a alta do mercado ainda está se preparando, não está pronto.
As diversas palestras aproximam o aluno do universo da aviação civil
Alguns cursos, mesmo sem o nome de Ciências Aeronáuticas, têm o mesmo objetivo, como os cursos de Aviação Civil, ou Pilotagem Profissional de Aeronaves, por exemplo. Entretanto, existem os cursos em nível de bacharelado, com duração de três anos, e os cursos em nível de tecnólogo, com duração de dois anos. 

Permitindo-me falar em primeira pessoa, como professor do curso de Ciências Aeronáuticas da UNOPAR de Londrina/PR, e com quase 18 anos de experiência nesse curso, inclusive um período de quatro anos como Coordenador de Curso, posso afirmar que os cursos de bacharelado são mais vantajosos para quem ingressa no mercado. 
Palestra sobre aviação agrícola, em Londrina/PR
É uma opinião pessoal, mas se baseia na premissa de que uma carga horária 50 por cento maior que a dos cursos de tecnólogo se traduz em melhor qualidade e mais conhecimento agregado, além de possibilitar seguir uma carreira docente nos próprios cursos de Ciências Aeronáuticas, e com possibilidades de se obter diplomas em pós-graduação Stricto Sensu, Mestrado e Doutorado, não admissíveis para os diplomados como tecnólogos. Os cursos de tecnólogo são adequados, no entanto, em determinadas situações, como segundo curso superior para quem tem outra graduação, e para quem não tem tanto tempo para fazer um curso de bacharelado.
Calouros de Ciências Aeronáuticas conhecem o simulador de voo pela primeira vez, na UNOPAR

Hoje, as instituições que oferecem o curso de Ciências Aeronáuticas também oferecem cursos de pós-graduação, aperfeiçoando ainda mais a a formação dos tripulantes, em alto nível. Esses cursos são mais específicos, e são oferecidos para alunos formados em qualquer área, sendo uma excelente opção para quem deseja conhecer mais sobre a área de aviação e já tem diploma de curso superior.

Uma coisa, no entanto, é certa: Não existe mais futuro na aviação comercial para quem tem apenas o Ensino Médio completo, por mais experiência de voo que se tenha.


terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Os Airbus A300 da Vasp

Os Airbus A300 foram os primeiros aviões wide-bodies bimotores, em 1972, um conceito até então desacreditado entre os fabricantes e operadores de aeronaves comerciais, mas que, hoje, tornou-se praticamente um padrão na aviação comercial.
O A300 voou pela primeira vez em 28 de outubro de 1972, e era uma aeronave de tecnologia e estrutura bastante convencionais, embora tivesse inovações, como o uso de composites na estrutura.

Alguns anos depois do início da sua operação comercial, com a Air France, em 1974, os A300 finalmente conseguiram grande aceitação no mercado, tendo como vantagens a facilidade de operar em pistas curtas e com grande capacidade de passageiros em voos de médio alcance, aliado a um baixo consumo de combustível.
O primeiro A300 da Vasp, logo após chegar em Congonhas
A primeira empresa a adquirir os A300 no Brasil foi a Cruzeiro, então subsidiária da Varig, que trouxe dois aviões A300-B4, os de maior capacidade de combustível e alcance então oferecidos pelo fabricante. Esses aviões foram encomendados em 1979, chegaram em junho de 1980, e foram certificados para operar das curtas pistas do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde sempre operaram sem maiores problemas.
O primeiro A300 da Vasp, em foto do fabricante, em Toulouse, França
Em 3 de outubro de 1980, a Vasp resolveu encomendar nada menos do que 12 aeronaves Airbus, sendo três A300-B4, e nove A310, aeronave semelhante, mas mais curta e de menor capacidade de passageiros.

Entretanto, as coisas não correram tão bem para a Vasp como tinha sido na Cruzeiro: na época, o DAC - Departamento de Aviação Civil tinha um representante na diretoria de cada companhia aérea, e intervinha fortemente em quaisquer planos das empresas. A compra dos aviões pela Vasp foi vetada, sendo autorizada apenas a compra de Airbus A300-B2, sem tanque central, de menor alcance e menor payload, então já reconhecida como obsoleta pelo próprio fabricante.
Primeiro comercial da Vasp do A300, com o gigante Epaminondas
Mesmo assim, a Vasp encomendou os aviões, e o primeiro deles, matriculado PP-SNL, chegou ao Aeroporto de Congonhas, sede da Vasp, no dia 5 de novembro de 1982, já ostentando um novo esquema de pintura especialmente desenhado para ele, rompendo com seu antigo esquema aplicado quase sem modificações desde os anos 60.

Esses aviões podiam transportar até 240 passageiros em duas classes, com assentos dispostos em configuração 2-4-2 na classe econômica. 26 dos assentos eram de classe executiva. Sendo aeronaves domésticas e wide-bodies, podiam transportar uma quantidade respeitável de carga nos porões, perto de 30 toneladas, além da bagagem dos passageiros.
Propagando enfatizando a capacidade de carga do A300
O interessante é que os A300-B2 da Vasp não tinham bagageiros acima dos assentos da fileira central, como os wide-bodies internacionais. Isso acabava dando uma noção de maior espaço interno ao avião.
Interior do A300 da Vasp (foto: Arthur Amaral)
Em termos de frota doméstica, a Vasp operava os maiores aviões exclusivamente domésticos na época, os Boeing 727-200, desde 1977. Os Airbus A300-B2 iriam complementar especialmente essa frota, com um aumento notável na capacidade de passageiros. Em 8 de novembro, chegava a Congonhas o segundo A300, matriculado PP-SNM.

A partir de Congonhas, a Vasp passou a usar os dois aviões em duas rotas, que começavam e terminavam em São Paulo: uma atendia Brasília e Manaus, e a outra atendia Rio-Galeão, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e Manaus.
O PP-SNL, primeiro A300 da Vasp
A Vasp ficou muito satisfeita com o avião, que tinha ótimo desempenho operacional e permitia aos passageiros fazer voos domésticos em aeronaves de padrão de voo internacional. Melhor ainda, podia operar em Congonhas. Aliás, também eram bastante silenciosos, principalmente em relação aos Boeing 727 e 737-200.
O PP-SNM em Guarulhos
Uma campanha publicitária interessante marcou o início da operação dos A300 da Vasp: foi criado um personagem, o gigante Epaminondas, uma figura amigável que, na foto do anúncio, segurava uma enorme maquete do A300.  Era uma referência ao grande tamanho e poderio da aeronave.
O PP-SNL no seu esquema de pintura original
A chegada de um terceiro avião, em 31 de janeiro de 1983, possibilitou também a operação da aeronave em alguns fretamentos internacionais, a despeito do pequeno alcance do avião, para destinos como Aruba e Orlando. O primeiro fretamento decolou no dia 18 de fevereiro de 1984.
Passageiros ao pé da escada de um A300, em 1985 (foto: Arthur Amaral)
Os voos de fretamentos eram demorados, pois demandava escalas em Brasília, Manaus, Aruba e Orlando, já que os A300-B2 não tinham tanque central. Ainda que tivessem, não poderiam decolar muito pesados de Congonhas.

Os A300 da Vasp também foram utilizados em algumas linhas internacionais na América Latina, especialmente Buenos Aires.
O PP-SNM em Hamburgo, 1995, fazendo um Check pesado
Os A300 da Vasp deixaram de operar em Congonhas a partir da inauguração do aeroporto de Guarulhos, em janeiro de 1985, e permaneceram como os maiores aviões da empresa até 1991, quando a empresa, já privatizada, adquiriu aeronaves McDonnell-Douglas DC-10-30 e, depois, MD-11. Entretanto, a carreira dos A300 na Vasp estava longe de terminar.
O PP-SNM taxiando, 2003
Os novos controladores da Vasp adquiriram, também, o controle acionário das empresas Lloyd Aéreo Boliviano e Ecuatoriana, e o A300 PP-SNN foi repassado ao Lloyd, entre 1º de junho de 1990 e 1º de junho de 1991, voltado à frota da Vasp. Essas empresas, e mais o TAN - Transportes Aéreos de Neuquén, constituíam o denominado Vasp Air System, que mais tarde foi desfeito.
O PP-SNN taxia numa tarde tempestuosa, no Aeroporto do Galeão
Em 2000, as finanças da Vasp estavam perigosamente decaindo, e todas as aeronaves grandes, como os MD-11, foram devolvidas. Os A300 voltaram ao seu reinado como maiores aeronaves da empresa, mas, em meados de 2001, o PP-SNL foi retirado da escala para fazer um Check D em Congonhas.
O PP-SNL abandonado durante um Check D que jamais foi concluído
Esse Check D jamais chegou a ser concluído, e o PP-SNL nunca mais voou. Em vez disso, a aeronave foi canibalizada, e suas peças em bom estado foram utilizadas para manter os outros dois aviões em condição de voo.
O PP-SNL foi desmontado nesse mesmo local
Em 2004, o PP-SNN, ao decolar de Recife para cumprir o voo VP4195, teve um motor destruído por uma explosão, e retornou monomotor para o aeroporto. Sem motores reservas disponíveis no momento, a Vasp paralisou o PP-SNM e retirou um dos seus motores, para "emprestar" ao PP-SNN e possibilitar o seu translado até Congonhas. O motor foi levado ao Recife por um Boeing 737-200 cargueiro, o PP-SMW. O translado foi feito com sucesso, e o motor foi devolvido ao PP-SNM. O motor foi substituído, mas a aeronave logo foi novamente paralisada, dessa vez para um Check C, que nunca chegou a ser realizado. O avião ficou paralisado em Congonhas até 2012, quando foi desmontado.
O PP-SNN abandonado em Congonhas, 2011
A Vasp foi proibida de voar, pelo DAC, em 26 de janeiro de 2005. Na ocasião, o PP-SNM encontrava-se no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, paralisado depois de uma pequena pane de motor. Foi encostado em uma posição remota. Nunca mais voaria novamente.

O PP-SNN, paralisado em Congonhas, foi desmontado em 18 de abril de 2012, no decorrer de uma operação, autorizada pela justiça, para "limpar" os pátios e hangares da antiga Vasp, a pedido da Infraero. No dia seguinte, o PP-SNL seguiu o mesmo destino. Vários outros aviões Boeing 737 e 727 foram desmontados naqueles tristes dias.

O PP-SNM permaneceu em Guarulhos durante vários anos ainda. Foi leiloado por um preço bastante alto, e, ao que parece, a intenção do novo proprietário era recolocar a aeronave em condições de voo novamente, pelo menos para um voo de translado. Entretanto, várias peças do avião foram roubadas, e os planos do novo proprietário se viram frustrados. As peças roubadas, provavelmente, foram alimentar o crescente mercado negro de peças aeronáuticas.
O PP-SNM no cemitério do Aeroporto Internacional de Guarulhos, no centro da foto (Sam Chui)
Em 17 de fevereiro de 2016, durante a madrugada, a aeronave foi desmanchada rapidamente e, literalmente, desapareceu do "cemitério" do aeroporto, situado perto da cabeceira 27R. Como a aeronave, embora arrematada, não foi retirada dentro do prazo previsto, o administrador do aeroporto, a GRU Airport, alegando abandono, solicitou autorização da justiça para demolir o avião e limpar o pátio. Terminava assim, melancolicamente, a história dos Airbus A300 da Vasp, que operaram durante 22 anos de forma praticamente ininterrupta.

AERONAVES AIRBUS A300 OPERADOS PELA VASP (1982-2004):

PP-SNL: Airbus A300B2-203, s/n 202, primeiro voo em 28/06/1982, com matrícula francesa F-WZMJ. Entregue novo para a Vasp em 05/11/1982. Retirado de serviço para Check D em 2001, que nunca foi concluído. Aeronave canibalizada e abandonada após a paralisação da Vasp, em 26/01/2005. Desmontado em 19/04/2012 no Aeroporto de Congonhas/SP;

PP-SNM: Airbus A300B2-203, s/n 205, primeiro voo em 13/07/1982, com matrícula francesa F-WZMP. Entregue novo para a Vasp em 08/11/1982. Aeronave canibalizada e abandonada após a paralisação da Vasp, em 26/01/2005. Desmontado em 17/02/2016 no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP;

PP-SNN: Airbus A300B2-203, s/n 225, primeiro voo em 16/12/1982, com matrícula francesa F-WZMB. Entregue novo para a Vasp em 31/01/1983. Operado pelo Lloyd Aéreo Boliviano a partir de 01/06/1990, devolvido à Vasp em 01/06/1991. Retirado de serviço após incidente de explosão do motor em 2004, para reparos. Foi novamente retirado de serviço para fazer um Check C, que nunca foi concluído. Aeronave canibalizada e abandonada após a paralisação da Vasp, em 26/01/2005. Desmontado em 18/04/2012 no Aeroporto de Congonhas/SP.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Os Douglas DC-6 na VASP: uma história de sucessos

A aviação brasileira sofreu grandes transformações entre o final dos anos 1950, e o início da década de 1960. O Brasil vivia os "Anos Dourados", o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira estava levando a cabo um ambicioso plano de crescimento econômico, cujo lema era "50 anos em 5", e o otimismo era reinante, ainda que a realidade não fosse tão "dourada" assim.
O PP-LFB, em 1973
Em 1957, o Lóide Aéreo Nacional, então uma das maiores empresas aéreas do país, encomendou quatro aeronaves Douglas DC-6C novas, aproveitando uma subvenção de incentivo de melhoria do equipamento do Governo Federal, recém aprovada. Nessa época, jatos comerciais ainda não estavam operando, e o DC-6, embora tivesse sido criado na década anterior, ainda estava em produção e  tinha excelente reputação e confiabilidade no mercado.

Em agosto de 1958, a Douglas entregou a primeira aeronave, que foi matriculada no RAB como PP-LFA. O problema é que o Lóide não sabia o que ia fazer com esses aviões. Muito grandes, pressurizados, e bem mais complexos que seu antecessor, o DC-4, o PP-LFA chegou e já ficou encostado, sem uso.
O PP-LFA, quando estava operando pela Panair do Brasil, 1960
O Lóide, nessa época, tinha um acordo operacional com a Panair do Brasil, e acabou arrendando toda a nova frota de Douglas DC-6 para a Panair. Em 9 de dezembro de 1958, o PP-LFA passou a operar para a Panair. A Panair precisava dos aviões, pois seus Lockheed Constellation já estavam velhos e cansados demais para cumprir voos internacionais. Alguns já passavam por um processo de desativação do seu sistema de pressurização, para que pudessem voar por algum tempo ainda, mas só em linhas domésticas. Os DC-6C, novos, foram ótimos substitutos.

Em novembro de 1958, chegou o PP-LFB, que foi arrendado para a Panair em 29 de dezembro do mesmo ano. Foi seguido pelo PP-LFD, que chegou em dezembro e foi arrendado à Panair no mesmo dia que o PP-LFB. O PP-LFC foi  entregue ao Lóide em 3 de fevereiro de 1959, e ficou poucos dias parado até ser arrendado à Panair,, em 10 de fevereiro.
Um Douglas DC-6C e um DC-7C, em Heathrow
Aparentemente, a designação DC-6C era informal, pois eram Douglas DC-6A na linha de produção. Os DC-6A eram aeronaves cargueiras, com uma grande porta  de carga na lateral traseira esquerda. Alguns nem tinham janelas, mas alguns dos últimos aviões fabricados tinham a útil capacidade de serem convertidos rapidamente em aeronaves de passageiros. Esse parece ter sido o caso dos aviões do Lóide. O PP-LFD foi o penúltimo Douglas DC-6 fabricado, e não o último, ao contrário do que afirmam algumas fontes. O último DC-6 fabricado foi o c/n 45564, um modelo DC-6B entregue à JAT da antiga Iugoslávia. mas o último avião do tipo a ser entregue parece ter sido mesmo o PP-LFC.
O PP-LFB, quando operava pela Panair do Brasl
De qualquer forma, todos os quatro Douglas DC-6C arrendados pela Panair foram usados como aeronaves exclusivas de passageiros, e atenderam às linhas internacionais da Panair, substituindo os Constellation mais surrados e complementando a frota de DC-7C da Panair. Até 1961, os DC-6C da Panair podiam ser vistos em Heathrow, Orly, Roma, Buenos Aires, Beirute e em outros destinos outrora servidos pelos veteranos Constellation.

A Panair, seguindo uma antiga tradição, batizou todos os quatro aviões com nome de bandeirantes: Assim, o PP-LFA foi batizado com o nome de "Bandeirante Bartolomeu Bueno de Siqueira", o PP-LFB de "Bandeirante Fernando de Camargo", o PP-LFC de "Bandeirante Francisco Dias de Ávila" e o PP-LFD de "Bandeirante Garcia de Ávila".

Em janeiro de 1961, a Panair devolveu dois DC-6, os PP-LFA e PP-LFC. Em março, devolveu os outros dois. O Lóide arrendou, então, três desses aviões para a Vasp, e usou, possivelmente, somente o PP-LFB nas suas próprias linhas.

Por essa época, no entanto, o Brasil já tinha deixado os "Anos Dourados" para trás, a situação econômica e política do país estava mais do que conturbada, e isso se refletia nas empresas aéreas. Em agosto de 1961, a Varig assumiu a REAL, e em janeiro de 1962, o Presidente do Lóide, Coronel Marcílio Gibson Jacques, vendeu a empresa para a Vasp, por 600 milhões de cruzeiros, com prazo de três anos para pagar. A compra foi vantajosa para a Vasp, que recuperou o investimento apenas com a venda dos imóveis adquiridos no pacote e, de quebra, passou a atender, ao todo, 72 destinos. A frota da empresa paulista foi acrescida de vários Curtiss C-46, oito Douglas DC-4 e dos quatro DC-6C.

Os Douglas DC-6C passaram, desde então, para a propriedade da Vasp. Foram batizados com os nomes de "Amazonas" (PP-LFA),  "São Paulo" (PP-LFB), "Rio Grande do Sul" (PP-LFC) e "Pernambuco" (PP-LFD).
O PP-LFD, quando operava pela VASP
 Embora seja difícil precisar, pela falta de documentação a respeito, parece que pelo menos três dos aviões continuaram a operar voos de passageiros, e o quarto, o PP-LFC, foi usado para transportar carga. Essa situação deve ter permanecido até a chegada dos primeiros Boeing 737-200 em abril de 1969. Entretanto, a Vasp foi obrigada a desativar todos os seus Viscount 701 também em 1969.

Na década de 1970, todos os DC-6C já operavam apenas carga, mas, curiosamente, um deles foi convertido novamente para avião de passageiros, o PP-LFB. A Vasp fazia um voo para colonos destinados ao assentamento de Altamira, no Pará, inicialmente em duas etapas, usando Boeing 737 até Belém e depois YS-11 Samurai de Belém a Altamira. Depois, passou a levar os colonos em voo direto usando o DC-6C convertido para passageiros novamente.
O PP-LFD da Vasp
Em uma época na qual praticamente não existiam as locadoras de carros, a Vasp oferecia uma promoção, na qual o passageiro viajava em dos aviões da empresa e seu carro era despachado para o mesmo destino, num dos DC-6C.

Em 1974, a Vasp já tinha uma frota considerável de Boeing737-200, e resolveu desativar seus aviões com motores a pistão, e mesmo os turboélices. Os Douglas DC-6C, ainda operacionais e em boas condições gerais, foram oferecidos no mercado de aeronaves usadas, e apenas o PP-LFB, ainda configurado com poltronas de passageiros, foi cedido ao Museu de Armas, Veículos e Máquinas, pertencente à família Matarazzo, em Bebedouro/SP. É provável que esse avião já estivesse paralisado em 1974, quando foi para o museu.
O PP-LFC da Vasp
Um dos DC-6C, o PP-LFC, foi vendido quase de imediato para a Atlas A/C Corporation, e foi para a América do Norte, onde voou por muito tempo na Trans-Air-Link. Os outros dois, PP-LFA e PP-LFD, amargaram três anos de pátio em Congonhas, até que, finalmente, foram vendidos, em 1977, para uma empresa boliviana, a La Cumbre, cujo principal negócio era transportar carne in natura da Província de Beni, na Amazônia boliviana, para La Paz.
O PP-LFA em Congonhas, parado, à espera de um comprador
Ao todo, a passagem dos Douglas DC-6C no Brasil foi muito feliz, nenhum acidente foi registrado com esses aviões durante os 16 anos em que operaram no Brasil. Mesmo depois que passaram para outros operadores no exterior, não há registro de acidentes com eles. No Brasil, permanece intacto, mas em sofríveis condições de conservação, o PP-LFB, no Museu de Bebedouro, atualmente administrado pelo município. Está completo, com motores, hélices, cockpit e interior de passageiros intactos, e perfeitamente restaurável. É visitável, é a maior, e, talvez, seja a aeronave mais atraente do Museu.
Nariz do PP-LFC da Vasp
Abaixo, segue a lista dos quatro aviões Douglas DC-6C operados pelo Lóide, Panair e Vasp durante o tempo em que estiveram no Brasil, e o seu destino final.

AERONAVES DOUGLAS DC-6C OPERADOS PELA VASP - VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO (1962-1974) E PANAIR DO BRASIL (1958 - 1961):

PP-LFA: Douglas DC-6A, c/n 45527, l/n 1017. Entregue novo ao Lóide Aéreo Nacional em 08/1958, e armazenado. Arrendado à Panair do Brasil em 09/12/1958, com a mesma matrícula, e devolvido em março de 1961. Arrendado à Vasp em 04/1961, comprado pela Vasp em 01/1962, e operado, tanto como aeronave de passageiros como cargueiro, até ser desativado em Congonhas, em 1974. Vendido em 1977 para a La Cumbre, da Bolívia, como CP-1283, e operado como cargueiro. Consta como armazenado no Aeroporto Internacional John F. Kennedy em La Paz, Bolívia (12/2017).
Restos do CP-1283, ex-PP-LFA da Vasp, ainda com o esquema básico de pintura da VASP
PP-LFB: Douglas DC-6A, c/n 45528, l/n 1027. Entregue novo ao Lóide Aéreo Nacional em 11/1958, e armazenado. Arrendado à Panair do Brasil, com a mesma matrícula, em 29/12/1958, e devolvido em março de 1961. Operado pelo Lóide, foi comprado pela Vasp em 01/1962, e operado como aeronave de passageiros, até ser desativado em Congonhas, em 1974.Foi doado ao Museu de Armas, Veículos e Máquinas de Bebedouro/SP, onde se encontra até hoje (2017), e nunca restaurado.
O PP-LFB encontra-se preservado em Bebedouro, com interior de passageiros e cockpit intactos
PP-LFC: Douglas DC-6A, c/n 45529, l/n 1036. Entregue novo ao Lóide Aéreo Nacional em 03/02/1959, e armazenado. Arrendado à Panair do Brasil, com a mesma matrícula, em 10/01/1959, e devolvido em janeiro de 1961. Arrendado à Vasp em 1961, e convertido em cargueiro. Comprado em 01/1962, e operado, como aeronave de carga, até ser desativado em Congonhas, em 1974. Vendido em 1974 para Atlas A/C Corporation, como N779TA, e operado como cargueiro. Operou pela Northern Air Cargo, no Alaska, com a mesma matrícula, e depois pela Everts Air Cargo, a partir de 2009. Possivelmente, está armazenado em Fairbanks, no Alaska, até hoje (12/2017).
O N779TA, ex-PT-LFC, no Alaska, em 2009.
PP-LFD: Douglas DC-6A, c/n 45530, l/n 1037. Entregue novo ao Lóide Aéreo Nacional em 12/1958, e armazenado. Arrendado à Panair do Brasil em 29/12/1958, com a mesma matrícula, e devolvido em janeiro de 1961. Arrendado à Vasp em 01/1961, comprado em 03/1962, e operado, tanto como aeronave de passageiros como cargueiro, até ser desativado em Congonhas, em 1974. Vendido em 1977 para a La Cumbre, da Bolívia, como CP-1282, e operado como cargueiro. Desativado em 1992. Consta como armazenado no Aeroporto Internacional John F. Kennedy em La Paz, Bolívia.
Restos do CP-1282, antigo PP-LFD da Vasp.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Sobreviventes de desastres aéreos: escapando à morte por um triz

A população em geral, aceita que o transporte aéreo é um dos mais seguros, mas, mesmo assim, tem medo dos aviões. As pessoas acreditam, ainda, que é difícil um avião se acidentar, mas se acidentar, a morte de todos a bordo é certeza.
Ilustração do desastre de Tenerife, em 1977 (Foto: NatGeo)
Isso não corresponde à realidade, já que grande parte dos passageiros e tripulantes sobrevive aos acidentes, muitas vezes totalmente ilesos. Muitos acidentes sequer têm vítimas fatais. Entretanto, em alguns casos, a sobrevivência pode ser considerada quase milagrosa, como veremos nos onze casos a seguir:

Robina Van Lanschot: O desastre de Tenerife, em 27 de março de 1977, foi o mais mortífero desastre aéreo da história, com 583 mortos em duas aeronaves, que se chocaram no solo. Um dos aviões envolvidos foi um Boeing 747-121 da Pan Am, com 396 passageiros e tripulantes a bordo (voo 1736), e o outro foi um Boeing 747-206B da KLM, que tinha 248 pessoas a bordo (voo 4805). 
Robina Van Lanschot e seu marido Paul, em março de 2017, 40 anos após o desastre de Tenerife
61 pessoas que estavam no avião da Pan Am sobreviveram, mas todos os ocupantes do Boeing 747 da KLM faleceram no acidente. O acidente ocorreu quando o avião da KLM decolou no meio do nevoeiro, sem saber que o avião da Pan Am ainda estava taxiando pela pista. 
A passagem de Robina no malfadado voo KLM 4805, que ela conserva até hoje
No entanto, o voo KLM 4805, quando saiu de Amsterdam, com destino final em Las Palmas, Canárias, tinha uma passageira a mais. Robina Van Lanschot, com 24 anos de idade, era essa passageira. O avião alternou Tenerife devido à explosão de uma bomba terrorista no Aeroporto de Las Palmas, mas Robina tinha um namorado, Paul Wessels, em Tenerife, e decidiu abandonar o voo ali mesmo, para se encontrar com ele, ainda que os funcionários da KLM insistissem que ela deveria reembarcar.
O PH-BUF, 747 que cumpria o voo KLM 4805, em 27 de março de 1977
Robina não embarcou, saiu do aeroporto e só ficou sabendo da tragédia que aconteceu algum tempo depois. Casou-se com o namorado, e o casal está junto até hoje. O amor salvou Robina da morte.

Ricardo Trajano: Em 11 de julho de 1973, Ricardo Trajano era um dos 117 passageiros a bordo do voo Varig 820, cumprido por um Boeing 707-345C, o PP-VJZ. Com 20 anos, estudava engenharia no Rio de Janeiro e guardou dinheiro para viajar a Londres, destino final do voo 820.
O PP-VJZ, aeronave acidentada no voo RG 820
O voo transcorreu na mais absoluta normalidade até poucos minutos antes do pouso no Aeroporto de Orly - Paris. Um incêndio no lavatório traseiro não pode ser controlado pelos comissários, e uma densa fumaça preta e tóxica se espalhou pela cabine.
O PP-VJZ pousou antes do aeroporto, mas foi totalmente destruído pelo fogo depois
Trajano estava na penúltima fileira, perto do incêndio, e prontamente se afastou de lá, indo para a seção dianteira da cabine. Não conseguia ver nada, mas sentiu o baque do pouso de emergência feito em uma lavoura, antes do aeroporto. Não conseguiu ver ou sentir mais nada a partir daí, e só foi acordar em um hospital em Paris 30 horas depois.

Ricardo Trajano mal sabia que ele era o único passageiro sobrevivente daquele trágico voo. Todos os outros passageiros morreram, assim como sete tripulantes que estavam na cabine. Dez tripulantes, que se refugiaram no cockpit, sobreviveram ao acidente, incluindo os pilotos.
Destroços do acidente do voo Varig 820
Trajano sofreu poucas queimaduras, mas sofreu lesões quase fatais nos pulmões, por conta da inalação de fumaça. Ficou 52 dias em um hospital na França e mais 29 em outro no Brasil, mas, graças à sua boa saúde, recuperou-se totalmente do acidente. Hoje, mora em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Neuba Yessoh: Yessoh era um professor universitário da Universidade da Costa do Marfim quando embarcou no voo Varig 797, no Aeroporto Port Bouet, em Abdijan, na madrugada do dia 3 de janeiro de 1987. Seu destino era a cidade do Rio de Janeiro.

O voo RG797 estava sendo cumprido, naquele dia, pelo Boeing 707-379C PP-VJK. Seria o último voo da aeronave pela Varig, pois a empresa tinha vendido o avião para a Força Aérea Brasileira.
PP-VJK, acidentado no voo RG797, em 1987
20 minutos após a decolagem, um alarme de fogo no motor #1 coloca a tripulação em alerta. Embora houvesse indícios de que fosse um alarme falso, o comandante optou por voltar a Abdijan, mas a situação se deteriorou e o motor teve mesmo que ser cortado. Ao curvar para a esquerda, para pousar, no entanto, a tripulação acabou perdendo o controle do avião, que caiu numa área de floresta, inclinado a mais de 90 graus em relação à sua atitude normal de voo.

Os destroços se incendiaram, mas, apesar da violência do choque, vários passageiros sobreviveram. Entretanto, o fogo acabou matando quase todos. Yessoh estava quase ileso, e ainda conseguiu puxar o passageiro inglês Ahmad Wansa para longe dos destroços. Infelizmente, Wansa acabou morrendo três dias depois, quando era levado para um hospital na França.

Yessoh foi o único sobrevivente dos 51 ocupantes do voo 797. Ele faleceu em 4 de março de 2015, de um ataque cardíaco, aos 72 anos de idade.

Keiko Kawakami: Keiko Kawakami era uma adolescente de 12 anos quando embarcou no voo Japan Airlines 123 no Aeroporto de Haneda, em Tókyo, na tarde do dia 12 de agosto de 1985. Estava acompanhada dos seus pais e uma irmã.
O Boeing 747 JA-8119, acidentado no voo JAL 123, em 1985
O voo JAL123 tinha como destino o Aeroporto de Osaka. Era cumprido por um Boeing 747SR, versão doméstica da aeronave criada especificamente para operar voos de alta densidade de passageiros no Japão.

O voo estava praticamente lotado, com 509 passageiros e 15 tripulantes. No entanto, o avião sofreu uma descompressão explosiva 12 minutos após a decolagem, que acabou separando sua deriva e os lemes da fuselagem.
Não sobrou praticamente nada do voo JAL 123, mas 4 passageiros sobreviveram
A despeito de todos os esforços dos pilotos, que conseguiram manter o avião, ferido mortalmente, voando por mais de 30 minutos, o avião acabou se chocando com uma montanha. Milagrosamente, alguns passageiros sobreviveram. A demora no resgate fez com que muitos desses sobreviventes morressem, mas quatro passageiras, incluindo uma comissária da JAL, fora de serviço. Keiko Kawakami também foi uma dessas sobreviventes.
Resgate de Keiko Kawakami, encontrada viva, pendurada em uma árvore
Keiko foi localizada pendurada em um galho de árvore, mas, entre todas as sobreviventes, foi a que teve menos lesões. Todos os demais 520 ocupantes do avião morreram, no que foi o pior desastre aéreo da história envolvendo um único avião.
Keiko Kawakami no hospital
Keiko Kawakami recuperou-se totalmente das suas lesões e foi a primeira das quatro sobrevivente a ter alta do hospital.

Bahia Bakari: A francesa Bahia Bakari, então com 12 anos de idade, embarcou em Paris com a sua mãe, num voo cujo destino final, após escalas e uma uma conexão, eram as Ilhas Comores. Era o dia 30 de junho de 2009, e o voo era o Yemenia 626, cumprido por um Airbus A310.
Bahia Bakari no hospital
Durante a aproximação nas Comores,  a tripulação deixou o avião estolar, devido a uma desorientação espacial, e o avião mergulhou repentina e violentamente no Oceano Índico. Por incrível que possa parecer, Bakari foi ejetada da aeronave no momento do choque, caiu no oceano, ainda viva, mas com muitos ferimentos.
O Airbus A310 da Yemenia acidentado
A despeito de ser noite, e o mar estar agitado, Bakari ainda conseguiu se manter à tona. Não tinha um salva-vidas, mas agarrou-se a alguns destroços flutuantes, até ser resgatada pelos marinheiros de um navio, o Sima Com 2. Vou levada a um hospital local, mas, no dia seguinte, um jato Falcon do Governo da França a levou para Paris, onde ficou três semanas internada.

A sobrevivência de Bahia Bakari era altamente improvável, e foi considerada milagrosa por alguns. Ela escreveu um livro contando sua experiência posteriormente.

Juliane Koepcke: O voo Lansa 508, cumprido por um Lockheed L-188 Electra, decolou do Aeroporto Internacional Jorge Chavez, em Lima, Peru, pouco antes do meio-dia da véspera de Natal de 1971. Seu destino era o Aeroporto de Iquitos.
Electra da Lansa acidentado em 1971
Pouco mais de meia hora depois, voando a 21 mil pés de altitude, o avião passou por uma severa tempestade, e um raio atingiu um dos motores, causando uma falha estrutural que acabou separando a asa da fuselagem da aeronave.
Juliane Koepcke, um dia antes do acidente
O avião se desintegrou durante a queda, e uma das passageiras, ainda amarrada ao seu assento, caiu cerca de 10 mil pés abaixo, no meio da selva amazônica. Era Juliane Koepcke, de 17 anos, uma peruana descendente de alemães.

A despeito de ter quebrado uma vértebra cervical, e sofrido uma concussão, além de um profundo corte no braço e uma lesão ocular, Juliane conseguiu caminhar por dez dias na selva, até encontrar uma cabana de lenhadores, que a levaram, de canoa, à uma aldeia, de onde seguiu, de avião, para a cidade de Pucallpa, onde foi internada em um hospital.
Décadas depois, Juliane Koepcke visita os destroços do acidente
Juliane se recuperou totalmente, e foi a única sobrevivente do seu voo. Os demais 91 ocupantes do Electra, incluindo a sua mãe, não tiveram a mesma sorte e morreram no acidente.

Annette Herfkens: A holandesa Annete Herfkens nasceu em 1961, em Maracaibo, Venezuela. Ela trabalhava, em 1992, no Banco Santander, no setor de mercados emergentes, quando embarcou, no dia 14 de novembro, no voo 474 da Vietnan Airlines, na cidade de Ho-chi.Minh, com destino a Nha Trang.

O voo era cumprido por um avião Yakovlev Yak-40, de fabricação russa, que tinha a bordo 31 ocupantes, entre passageiros e tripulantes.
Yak 40 acidentado no voo 474
O tempo estava ruim durante todo o voo, afetado por uma tempestade tropical. A tripulação acabou conduzindo o voo abaixo do limite de segurança, e o avião acabou se chocando com uma montanha, num típico acidente do tipo CFIT - Controlled Flight Into Terrain.

Surpreendentemente, Annette Herfkens sobreviveu ao acidente. Os demais 30 ocupantes, incluindo seu noivo, morreram instantaneamente no momento do choque.
Herfkens ficou 8 dias no local, sobrevivendo apenas com a água da chuva, até ser resgatada. Acabou se recuperando totalmente. Hoje em dia, ela faz palestras motivacionais, não apenas em relação a acidentes aéreos, mas também em relação ao autismo, já que seu filho foi diagnosticado com a doença.

Vesna Vulovic: A comissária de voo sérvia Vesna Vulovic embarcou, no dia 26 de janeiro de 1972, no voo 367 da JAT Airways, empresa de bandeira da antiga Iugoslávia. O voo iria de Estocolmo, na Suécia, e tinha como destino Belgrado, com escalas em Copenhague e Zagreb. Vulovic assumiria seu lugar na tripulação em Copenhague, onde estava desde a manhã do dia anterior.
Destroços do acidente com o voo JAT 367
Vulovic não estava escalada originalmente para aquele voo, mas foi confundida com outra comissária com o nome Vesna. Apesar disso, gostou de ser escalada, pois nunca tinha ido para a Dinamarca, e gostaria de conhecer o país.

O voo decolou de Copenhague ás 15:15h, mas sofreu uma explosão em voo quando sobrevoava a aldeia de Srbská Kamenice, na Checoslováquia, às 16:01. Uma explosão devastou o compartimento de bagagem do avião, um McDonnell-Douglas DC-9. A aeronave se desintegrou no ar e Vulovic precipitou-se no ar, presa num pedaço de fuselagem por um trolle  de serviço de bordo. O acidente foi causado por uma bomba terrorista colocada no avião por um nacionalista bósnio.
DC-9 da JAT acidentado no voo 367
Essa parte do avião despencou por 33.330 pés e caiu sobre uma encosta arborizada e coberta de neve, o que amorteceu o impacto. Foi a maior queda sofrida por um sobrevivente humano sem paraquedas, segundo o Guinness Book, até hoje.
Vesna Vulovic, em 1971
Vesna foi avistada, por sorte, por um aldeão local, que ouviu seus gemidos no meio dos destroços. Foi salva, levada para Belgrado, mas sofreu ferimentos gravíssimos, incluindo quebra do quadril, de três vértebras e das duas pernas, mas acabou se recuperando, embora sobrassem algumas sequelas. Ficou meses hospitalizada.

Voltou a trabalhar na JAT, dessa vez no solo, mas depois foi demitida por ter protestado contra o governo iugoslavo.

Vesna Vulovic faleceu de causas naturais em 23 de dezembro de 2016, aos 66 anos de idade, em Belgrado.

Ruben Van Assouw: o garoto holandes Ruben Van Assouw, então com apenas 9 anos de idade, foi o único sobrevivente do voo Afriqiyah 771, acidentado em Trípoli, na Líbia, no dia 12 de maio de 2010.

Assouw viajava com seus pais e um irmão de Johannesburgo, na África do Sul, para Tripoli, na Líbia. A aeronave, um Airbus A330 fabricado em 2009, era praticamente nova. O avião chocou-se com o solo pouco antes de tocar na pista no Aeroporto de Tripoli, devido a erro do piloto, que estava voando abaixo do limite de segurança.
Ruben Van Assouw no hospital

Os socorristas chegaram ao local rapidamente, pois os destroços acabaram parando praticamente dentro da área do aeroporto. Assouw foi encontrado completamente sem roupas, ainda preso ao seu assento pelos cintos de segurança. Tinha lesões sérias nas pernas, mas seu estado geral era bom.
Destroços do acidente do voo 771: nada ficou intacto

Apesar das graves fraturas nas pernas, Ruben Van Assouw se recuperou totalmente e hoje mora na casa dos seus tios, na Holanda. Embora pretendesse voltar à Líbia, até hoje não conseguiu realizar seu desejo, já que a situação política naquele país tornou-se muito instável depois do seu acidente.

Cecelia Chichan: Cecelia Chichan tinha apenas 4 anos de idade quando embarcou no voo Northwest 255 no Aeroporto Metropolitano de Detroit, Michigan, na manhã do dia 16 de agosto de 1987. Estava acompanhada de de seus pais e de um irmão de 6 anos.

O voo 255 ia do Aeroporto MBS - Saginaw, Michigan, até Phoenix, Arizona, com escala em Detroit, onde a família Chichan embarcou. A aeronave era um McDonnell-Douglas MD-82.
Destroços do Northwest 255, em Detroit
Aparentemente, a tripulação não cumpriu corretamente os checks lists para a decolagem, que foi feita sem flaps e slats estendidos. A aeronave saiu da pista quase estolando e caiu logo após, cerca de 900 metros depois do final da pista, atravessando uma rua e se chocando com vários carros, antes de parar completamente.

Os destroços se incendiaram, mas os bombeiros conseguiram ver a pequena Cecelia Chichan ainda presa no seu assento, com os cintos. Não estava ilesa, mas foi resgatada e imediatamente mandada para um hospital. Os demais 154 passageiros e tripulantes do voo 255 morreram, incluindo os pais e o irmão de Cecelia, além de mais duas pessoas atingidas pela aeronave no chão.
Foto atual de Cecelia Chichan, hoje Crocker
Cecelia se recuperou totalmente, embora tenha ficado com cicatrizes da tragédia sofrida durante a infância. Se casou e usa agora o sobrenome de Crocker, e raramente fala da sua experiência, da qual diz não se lembrar mais.

Jonas Liasch Filho: Por ter envolvido o autor desse texto, que também sobreviveu a um grave acidente aeronáutico, vou me permitir falar na primeira pessoa.

Em 2001, comprei uma aeronave ultraleve básica, um avião Fox V-2, fabricado em 1987, que foi matriculado, por eu e meu sócio, Marco Antônio (Marquinho) Freire Gomes, como PU-TOM. Essa aeronave foi muito voada por nós e trouxe muitas alegrias. Ficava baseada no CAEP - Clube de Aviação Experimental do Paraná, em Ibiporã, na região metropolitana de Londrina.
Foto do Fox V-2 PU-TOM em abril de 2003, e seus dois sócios, eu e o Marquinho Gomes
Infelizmente, na tarde do dia 30 de abril de 2003, eu e meu sócio resolvemos abastecer a aeronave no vizinho Aeroporto 14Bis, no distrito da Warta, em Londrina. O voo até o Aeroporto 14Bis ocorreu sem incidentes, e a tarde estava magnífica.

Perto do por do sol, decolamos de volta para o CAEP. Ao atingir 700 pés de altura, meu sócio Marquinho, que estava no assento dianteiro e pilotava o avião, resolver fazer uma curva de 360 graus, para que pudéssemos admirar o magnífico por do sol que estava atrás de nós.

Durante a curva, no entanto, o entelamento da asa esquerda rasgou-se na costura e a maior parte dele se soltou, fazendo o avião despencar como uma pedra.  A perda de controle foi praticamente inevitável, mas Marquinho reduziu toda a potência, e o avião acabou se chocando contra uma grande árvore, bem na borda de um bosque.

O avião foi se despedaçando enquanto passava, na vertical, através da árvore, mas o cockpit acabou passando incólume e só parou quando, literalmente, encostou no chão, apenas empurrando delicadamente o tubo de pitot para dentro da carenagem.

Soltei os cintos de segurança e pulei para o chão, assim como o Marquinho. Estávamos ilesos, mas o avião ficou totalmente destroçado e com restos espalhados pela árvore, que também foi bastante destruída pelo acidente. Não acreditei que ainda estava vivo, assim como também nossos amigos do CAEP, que vieram resgatar os destroços.

A causa do acidente foi a deterioração da tela, que estava desbotada e bastante ruim, e que ia ser trocada assim que tivéssemos levantado recursos para tanto. Mas, deveríamos ter deixado de usar o avião enquanto isso, e acabamos por perdê-lo.