Há mais de 100 anos que os motores a gasolina imperam na propulsão de aeronaves leves. Foram amplamente superados pelos motores a turbina nas grandes aeronaves, mas ainda continuam imbatíveis na aviação geral, ao menos por enquanto.
Enquanto os motores a reação rapidamente dominaram o mercado de médias e grandes aeronaves, o alto consumo de combustível e o custo de manutenção praticamente inviabilizam esses motores para emprego em grande escala na aviação geral. A consequência disso é que mesmo as mais modernas aeronaves leves da atualidade utilizam motores cuja tecnologia é de 60 ou mesmo 70 atrás.
Os típicos motores de avião atuais são basicamente os mesmos motores utilizados nas últimas 6 décadas. São motores de 4 ou 6 cilindros horizontais opostos, refrigerados a ar, ignição por magneto, sistemas de injeção mecânica ou mesmo o velho carburador. Consomem exclusivamente a cara e problemática gasolina de aviação, a famigerada AVGAS, e consomem muito para a potência que produzem. Se são motores confiáveis, ao menos em tese, são relativamente frágeis em uso, não suportando, por exemplo, longos planeios em ar frio sem o risco de se trincar um cilindro.
A obsolescência dos motores a pistão aeronáuticos é gritante. Na indústria automobilistica, não se usam magnetos para sistemas de ignição há mais de 50 anos. Carburadores, controle manual de mistura e platinados fazem rir os mecânicos de automóveis, que não vêem lógica no uso disso nos dias de hoje, com tanta tecnologia e eletrônica embutida até mesmo nos motores de carros populares e de motocicletas.
De fato, questões de responsabilidade civil dos fabricantes de motores, na legislação americana, por muito tempo inibiram quaisquer inovações mais radicais, porque o desenvolvimento de novas tecnologias sempre tem um custo. Como consequência, os motores aeronáuticos mais usados na atualidade podem ser considerados como totalmente obsoletos, e é um absurdo total que continuem em uso por mais tempo.
Resta um problema: que motores irão substituí-los? O uso da gasolina de aviação, devido aos problemas ambientais e baixa disponibilidade, deve ser pura e simplesmente descartado. Deve-se, portanto, considerar a utilização de motores que consomem outros tipos de combustíveis menos poluentes e mais baratos.
A mais fácil solução é, sem dúvida, substituir os motores a gasolina, ciclo Otto, por motores ciclo Diesel. Embora seja possível converter os antiquados motores a gasolina para o uso do álcool etílico hidratado, isso é prático somente no Brasil, que tem grande disponibilidade desse combustível. No resto do mundo, o etanol ainda não é tão amplamente utilizado, mesmo que tenha grandes vantagens do ponto de vista ambiental.
Motores ciclo Diesel são geralmente associados a motores pesados e de grande porte, utilizados geralmente em caminhões, locomotivas e navios. Obviamente, motores muito pesados não são adequados para uso em aeronaves.
Entretanto, motores Diesel podem ser usados em aviões sem maiores problemas. Na Europa, mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, os motores Diesel foram muito utilizados, inclusive para propulsionar aeronaves militares de alto desempenho, especialmente na Alemanha. Infelizmente, como a Alemanha perdeu a guerra, o mercado de motores aeronáuticos a pistão acabou dominado pelos norte-americanos, que se concentraram na produção dos populares motores de cilindros opostos a gasolina. Depois da Segunda Guerra, a gasolina era um produto muito barato, e ninguém ainda tinha consciência de problemas ambientais que causava. Somente a partir das crises do petróleo da década de 1970 é que os operadores de aeronaves começaram a se preocupar com o exagerado consumo de seus motores.
A empresa alemã Thielert AG foi pioneira na produção de motores Diesel para a aviação geral. Seus motores são baseados nos motores automotivos Mercedes Benz, uma das empresas mais conceituadas nessa tecnologia no mundo. A Thielert certificou, em 2002, um motor de 1,7 litros de cilindrada, com 135 Hp, no mercado europeu. Modelos mais potentes foram colocados posteriormente no mercado (foto abaixo).
Motores Diesel não são necessariamente motores pesados. Pelo contrário, são motores plenamente satisfatórios na relação peso-potência, superiores em muitos casos aos antiquados motores a gasolina utilizados nos aviões de hoje. Um exemplo é o motor Diesel francês SMA (foto abaixo), de 5 litros de cilindrada e 230 HP, que pode ser utilizado, por exemplo, nos Cessna 182 Skylane. O motor pesa cerca de 15 Kg a menos que o motor Lycoming IO-540 original, que tem a mesma potência. Motores diesel de ciclo dois tempos podem ser ainda mais leves, mesmo se utilizarem sistemas de refrigeração líquida.
Na cultura norte americana, motores diesel foram sinônimo de motores de locomotivas e navios por muitos anos. Mesmo os caminhões pesados americanos utilizaram gasolina como combustível durante décadas. Como maior potência mundial, os americanos influenciaram o todo o resto do mundo. No início da década de 1940, a empresa americana Guilberson Diesel, por exemplo, ofereceu no mercado um excelente motor radial de 9 cilindros Diesel, de 320 HP e que tinha apenas 280 Kg de peso. Era uma ótima relação peso-potência para a época, e seria satisfatória até hoje. Fez vários voos de teste, mas não equipou nenhuma aeronave de produção. Por que? Simplesmente porque os pilotos acharam os motores "preguiçosos" para acelerar, e os gases de escapamento eram "malcheirosos"... Realmente, com o irrisório preço da gasolina na década de 40, qual americano iria se dignar a operar um motor com escapamento malcheiroso?
As vantagens do motor Diesel sobre os motores Otto são inúmeras para a aviação: para começar, são motores muito mais eficientes e econômicos. O motor SMA de 230 Hp, por exemplo, consome 34 litros de querosene de aviação por hora, em média, quando o motor Lycoming IO-540 consome 60 litros de AVGAS por hora. Ou seja, além de ter operação mais barata, o avião pode ter maior autonomia ou carregar menos peso morto em combustível.
Outra grande vantagem é a simplicidade de operação. O motor Diesel não necessita de sistema de ignição, fonte de inúmeros problemas nos motores a gasolina. Controles de mistura de combustível são igualmente desnecessários e inexistentes. Os motores diesel também operam melhor com turbo-compressores que os motores a gasolina, o que garante boa reserva de potência a grande altitude, com um consumo irrisório se comparado com os motores a gasolina. Motores mais simples têm operação mais segura, pois possuem menos componentes para dar pane.
Uma vantagem adicional dos sistemas de ignição por compressão dos motores Diesel é que isso torna desnecessários os pesados e complexos sistemas de blindagem dos sistemas de ignição, fonte de interferência considerável nos sistemas de comunicação e navegação por rádio dos aviões.
Motores Diesel operam com combustível muito menos volátil que a gasolina. Os motores Diesel aeronáuticos consomem normalmente o querosene de aviação, amplamente disponível em qualquer aeroporto, mas podem consumir sem problemas o óleo diesel comum e o biodiesel. A baixa volatilidade desses combustíveis reduz dramaticamente o risco de incêndio, e deixa praticamente de existir o risco de formação de bolhas de vapor nas linhas de combustível (vapor lock), responsável por boa parte dos incidentes de parada ou perda de potência em voo dos motores a gasolina, especialmente em grande altitudes.
Com relação aos problemas de lentidão na aceleração reportados pelos pilotos na década de 1940, são coisas do passado, pois os motores gerenciados eletronicamente e de alta rotação de hoje possuem excelente resposta ao comando das manetes de potência, e mesmo os motores antigos eram mais rápidos de resposta do que qualquer tipo de motor a reação. Quanto aos gases de escapamento malcheirosos, são preferíveis aos altamente venenosos gases de escapamento da AVGAS. Vale dizer ainda que os pilotos de motores a reação não costumam reclamar do cheiro de querosene do escapamento dos seus motores.
Motores a gasolina de ciclo 2 tempos nunca foram populares na aviação, e só foram usados nos antigos ultraleves. A maior desvantagem desses motores é a lubrificação deficiente, o que causava eventuais travamentos do motor em voo e baixa durabilidade. Já os motores Diesel 2 tempos não têm essa desvantagem, pois não há circulação de mistura no cárter (nem mesmo existe a "mistura"). Os sistemas de lubrificação dos motores Diesel 2 tempo são semelhantes aos utilizados nos motores 4 tempos, e garantem excelente durabilidade, tanto é que são amplamente utilizados em locomotivas e navios, onde o requisito durabilidade do motor é fundamental.
O ciclo 2 tempos Diesel (esquema acima) é ideal para a aviação, pois produz grande potência sem aumento de peso e sem problemas de baixa durabilidade. O motor possui normalmente duas ou quatro válvulas de escapamento, e nenhuma válvula de admissão. A admissão de ar puro é feita pelo pistão alongado do motor, que ao atingir o ponto morto baixo do curso, abre uma série de janelas no cilindro, onde entra o ar que limpará o cilindro dos gases queimados (que saem pelas válvulas de escapamento) e que será comprimido para o próximo ciclo. Como o pistão desses motores não aspira ar, é necessário um compressor de baixa pressão e grande volume, geralmente do tipo "roots", que bombeia ar para um compartimento adjacente ao cilindro. Ao subir, o pistão fecha as janelas de admissão e comprime o ar até que o mesmo atinja a pressão e temperatura de ignição do combustível, injetado tão logo o pistão se aproxime do ponto morto superior. Ao abaixar sob o efeito da expansão dos gases de combustão, o pistão gera potência útil e inicia um novo ciclo, tão logo as válvulas de escapamento abram e o pistão abra as janelas para a admissão de ar fresco, quando chegar no ponto morto baixo.
Muitos fabricante estão oferecendo motores Diesel de 2 ou 4 tempos para a aviação leve, e é só uma questão de tempo para que os mesmos venham a substituir os obsoletos motores a gasolina ainda em uso. A empresa Delta Hawk, por exemplo, oferece no mercado vários motores Diesel 2 tempos de 4 cilindros em "V" invertido (foto abaixo), que consomem 30% a menos de combustível em volume que os motores a gasolina, e com praticamente o mesmo peso, ainda que utilizem refrigeração líquida. O custo da revisão geral do motor é um terço inferior ao dos motores a gasolina, e o motor é operado por uma única manete, sem que o piloto precise se preocupar com mistura, chumbo nas velas, cheque de magnetos e overcooling dos cilindros. Outro interessante motor Diesel 2 tempos é o Zoche, um radial de 8 cilindros (foto no início do artigo).