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quinta-feira, 28 de maio de 2009

Os monstros do Mar Cáspio

Os projetistas aeronáuticos russos sempre se destacaram pela criatividade, e criaram máquinas excepcionais, utilizando soluções que pareceriam impossíveis na prática para os projetistas ocidentais.

Um dos conceitos mais bizarros já criados pelos russos foi o ekranoplano: consistia de uma aeronave (alguns diriam embarcação...) que voava através do efeito solo, a pouca distância da superfície. O conceito em si já era conhecido em teoria, mas os russos o levaram às últimas consequências.

Na década de 1950, o engenheiro russo Alexeyev Evgenievich Rostislav projetou uma máquina que tinha asas bem curtas, que possibilitavam o voo, a uma altura muito baixa, entre 30 cm a 3 metros, no máximo, aproveitando o efeito solo, que cria um verdadeiro "colchão de ar" entre as asas e a superfície. Sua função era voar rente a uma superfície plana (geralmente água), a alta velocidade, tornando muito dificil sua detecção por radar. Vários tipos de missão militar foram imaginados para esses aparelhos, desde transporte rápido de tropas até ataque de mísseis. Sua designação - ecranoplano (em russo: экраноплан) deriva da expressão russa para efeito solo (экранный эффект).

Ekranoplano KM, um verdadeiro gigante
As máquinas criadas foram impressionantes, e causaram espanto quando foram descobertas pelo Ocidente. Os satélites americanos detectaram uma dessas aeronaves no Mar Cáspio, em 1971, e os analistas militares do Pentágono não souberam classificar aquela coisa. Era algo diferente de qualquer coisa que já tinham imaginado. Deram-lhe então o nome de "Caspian Sea Monster", o Monstro do Mar Cáspio.

Efetivamente, o Monstro do Mar Cáspio, o ekranoplano KM, construído em 1966, era realmente um monstro: tinha 100 metros de comprimento, 540 toneladas de peso máximo operacional, e 10 motores turbojato. Era gigantesco, 30 metros mais comprido e 170 toneladas mais pesado que um Boeing 747, que nessa época era pouco mais que um rascunho de projeto. Seu "nível" de vôo era 30 cm (1 pé) AGL, e seu teto operacional era 3 metros (10 pés). Podia levar 900 passageiros militares a 500 Km/h. Somente um exemplar do KM foi construído, e o mesmo acidentou-se quando foi atingido por uma forte rajada de vento, desestabilizando-o. O piloto, desobedecendo o manual, ao invés de descer, subiu, fazendo a aeronave estolar e precipitar-se no mar.
Outra máquina, o A-90 Orlyonok, destinado ao transporte e desembarque de tropas e veículos blindados, com 140 toneladas de peso máximo e autonomia de 2.000 quilômetros, voava a dois metros acima da superfície aquática numa velocidade de até 400Km/h. Foram construídas quatro unidades deste modelo. algumas das quais ainda devem existir. Tinha 58 metros de comprimento. Suas asas, melhor elaboradas, davam um teto operacional de 300 metros à aeronave. Sua designação (Орлёнок) significa "Pequena Águia". Seu último voo conhecido ocorreu em 1993.

Outro modelo foi o Lun (Лунь), cujo nome significa "pombo". Desenvolvido inicialmente como transporte, foi adaptado como lançador de mísseis, podendo carregar misseis nucleares. Um único exemplar dessa aeronave de 76 metros foi construído. Sua velocidade máxima dera de 500 Km/h. O Lun ainda está na sua base em Kaspiysk, e pode ser visto no Google Earth, nas coordenadas geográficas 42º 52' 55" N - 047º 39' 24" E.

Ekranoplano Lun
Por fim, o projetista Robert Ludvigovich Bartini construiu, em 1973, uma aeronave, denominada Bartini-Beriev VVA-14. Sua função era interceptar submarinos nucleares, especificamente os transportadores de mísseis estratégicos nucleares Polaris (os submarinos do fim do mundo). O único exemplar construído foi preservado no Museu de Monino, em Moscou, onde pode ser visitado, sem asas e sem motores.

Os ekranoplanos tinham alguns problemas graves, como baixa manobrabilidade e instabilidade de voo. Tais problemas poderiam ser resolvidos com tempo (e dinheiro), mas a Rússia, após o fim da União Soviética, entrou em uma grave crise econômica e todos os desenvolvimentos posteriores acabaram cancelados. Os ekranoplanos russos passaram então à História.

Vejam no link um vídeo de 11 minutos, em russo, sobre os ekranoplanos soviéticos:

Algumas curiosidades aeronáuticas - II

O primeiro avião a dar volta ao mundo sem escalas foi um Boeing B-50 Superfortress, o Lucky Lady II, pilotado pelo Capitão James Gallagher, em 1949. A aeronave foi reabastecida no ar diversas vezes, e seus temperamentais (e ocasionalmente pirotécnicos) motores Pratt & Whitney R-4360, de 29 cilindros conseguiram funcionar durante todo tempo sem problemas;

O Boeing B-52 tem um trem de pouso quadriciclo, constituído de 4 pernas com duas rodas cada, todos na fuselagem, e mais dois trens auxiliares que são instalados entre os dois motores externos de cada asa. O interessante é que todas as rodas dos trens principais são esterçáveis, permitindo pousos com a aeronave caranguejando, com vento de través, mantendo os trens alinhados com o eixo da pista.

O maior avião que já pousou no Aeroporto de Londrina foi um McDonnell-Douglas DC-10, da Laker, que foi fretado para fazer um vôo turístico para Orlando, USA, em 1997. O aeroporto recebeu, nessa época, aeronaves Airbus A310 (da Aerocancun) e Boeing 757-200 (da ATA - American Trans Air). O Airbus A310 ocasionou um fiasco, por conta da Infraero, que verificou, após o pouso da aeronave, que não tinha nenhuma escada que alcançasse a porta do avião. A Rio-Sul cedeu uma escada, que foi emendada com canos e chapas, por um serralheiro, às pressas, enquanto os tripulantes aguardavam dentro do avião para o desembarque.

Algumas curiosidades aeronáuticas - I

A primeira companhia aérea a levar passageiros pagantes foi a Luftschiffbau Zeppelin, que começou a operar em 1909, com uma frota de 5 dirigíveis. Até 1914, quando cessou temporariamente suas atividades, devido ao começo da 1ª Guerra Mundial, tinha voado 150 mil quilômetros, realizado 1.600 vôos e transportado 37,3 mil passageiros. Voltaria a voar como empresa aérea regular depois da guerra e operou até 1937.

O primeiro vôo regular comercial entre o Rio de Janeiro em São Paulo foi operado pela VASP, com dois aviões Junkers 52. O primeiro vôo, entretanto, foi um fracasso completo: O Junker batizado com o nome de "Cidade de São Paulo" decolou do campo de Congonhas com 17 passageiros em direção ao Rio, enquando que, do Rio, decolava o "Cidade do Rio de Janeiro", também com 17 passageiros, com destino a São Paulo. Entretanto, as duas aeronaves se acidentaram no pouso, pois o Junkers que pousou no Rio varou a pista e quase mergulhou na baía da Guanabara, enquanto o que pousou em São Paulo bateu em uma carroça, que estava sendo usada na construção da pista.

A primeira empresa aérea a voar para Londrina foi a Viação Aérea Arco-Íris (VAA), no segundo semestre de 1946. A VAA tinha 6 aeronaves bimotoras e biplanos De Havilland DH-89 Dragon Rapide, matriculadas de PP-AIA a PP-AIG. Levavam 6 passageiros em assentos de vime, bem ao estilo inglês. A VAA ligava São Paulo ao Oeste Paulista: Congonhas - Ourinhos - Assis - Presidente Prudente, depois "esticada" para Londrina. A empresa encerrou as atividades em 1950.

Quando a Varig iniciou seus primeiros vôos, na chamada "Linha da Lagoa", entre Porto Alegre e Rio Grande (1927), os passageiros eram pesados junto com a sua respectiva bagagem. O que passasse de 75 Kg era cobrado como excesso.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Empresas aéreas brasileiras que operam jatos

Além das duas grandes empresas aéreas brasileiras TAM e GOL/Varig, que dominam o mercado de aviação comercial brasileiro, várias empresas aéreas menores vem se destacando, operando aeronaves a jato, e pouco a pouco vêm oferendo concorrência às grandes. Vejam as frotas de jatos das empresas aéreas brasileiras que transportam passageiros:

TAM: 20 A319, 82 A320, 5 A321, 16 A330, 2 A340, 3 B767-300 e 4 B777-300. Total: 132 aeronaves. A TAM tem ainda duas aeronaves estocadas, um B767 e um MD-11

GOL: 9 B737-300, 33 B737-700 e 46 B737-800. Total: 88 aeronaves

Webjet:
14 B737-300. Total: 14 aeronaves

Oceanair: 14 Fokker-100 (MK28). Total: 14 aeronaves. A Oceanair ainda tem 2 B737-300, 5 E120 e 3 Fokker 50 estocados.

BRA: 1 B737-300. Total: 1 aeronave. A BRA está operando atualmente só com fretamento.

Varig: 9 Boeing 737-700 e 10 B737-800. Total: 19 aeronaves. A Varig dispõe de uma frota "morta" considerável de 1 DC-10-30, 2 B777-200, 1 B767-200, 7 B767-300, 4 B737-200 e 10 B737-300.

TRIP: 2 E175LR, que estão prestes a entrar em operação. Total: 02 aeronaves. A empresa ainda dispõe de vários turbo-hélices: 12 ATR-42, 8 ATR-72 e 1 E120.

RICO: A Rico não tem atualmente nenhum jato ativo, mas mantem estocados 3 B737-200.

FLEX: 1 B737-300. Total: 1 aeronave. A Flex é o nome adotado pela Viação Aerea Rio Grandense, antiga Varig.

Passaredo: 2 ERJ-145. Total: 2 aeronaves. A Passaredo amntém ainda um frota de 5 EMB-120 turbo-helices.

TAF: 3 B737-200. Total: 3 aeronaves. A TAF ainda tem 2 B737-100 e 1 E-120 estocados. Existem notícias de que a frota inteira está paralisada.

São Conrado: 1 ERJ-145 e 1 ERJ-135. Total: 2 aeronaves. É uma empresa de táxi aéreo.

Azul: 5 ERJ-190 e 5 ERJ-195. Total: 10 aeronaves. Um outra aeronave ERJ-190 está prestes a entrar em operação.

Panair do Brasil

A Panair do Brasil era a maior empresa aérea brasileira quando teve sua falência decretada pelo Governo Militar em fevereiro de 1965.

A Panair foi uma das companhias aéreas pioneiras do país. Nasceu como subsidiária de uma empresa norte-americana, a NYRBA (New York-Rio-Buenos Aires), em 1929. Foi incorporada pela Pan American World Airways em 1930, tendo seu nome modificado de Nyrba do Brasil para Panair do Brasil, em referência à empresa controladora (Pan American Airways).

A Panair do Brasil foi a primeira empresa aérea brasileira a voar para a Europa, iniciando seus vôos em 1946 com os novos Lockheed L-049 Constellations. Um Constellation da Panair foi o primeiro avião comercial estrangeiro a operar no então novíssimo aeroporto internacional de Heathrow, em Londres, quando ainda nem existiam os terminais. Os passageiros desembarcavam no pátio e iam a barracas militares que abrigavam os serviços de desembarque, imigração e alfândega.


Os vôos para a Europa foram posteriormente estendidos para o Oriente Médio. Aeronaves Douglas DC-7C posteriormente substituíram os Constellation nas principais rotas internacionais.

A Panair adquiriu depois aeronaves a jato Sud Aviation Caravelle e Douglas DC-8, no início da década de 1960, o que a manteve com uma empresa aérea de primeira linha na América Latina.



Nessa época, a Panair já não tinha mais capital americano, e era controlada por um grupo de empresários brasileiros liderados por Paulo de Oliveira Sampaio, Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen.

A Panair ainda mantinha rotas em áreas remotas do território brasileiro, como a Amazônia, operando aeronaves anfíbias Consolidated PBY-5A Catalina, uma reminiscência dos tempos em que os hidroaviões dominavam as rotas internacionais.

A Panair dispunha de excelentes instalações próprias, e formou uma empresa de telecomunicações, a TASA - Telecomunicações Aeronáuticas SA, posteriormente estatizada e depois incorporada pela INFRAERO, além de uma empresa de manutenção, a CELMA - Companhia Eletromecânica SA, que foi estatizada e depois privatizada novamente, tendo até hoje lugar de destaque nas empresas brasileiras de manutenção aeronáutica.

Os motivos que levaram o Governo Militar a cassar as linhas da Panair até hoje são obscuros. A falência da Panair foi conduzida de um modo arbitrário e ilegal, o Governo respondia às ações judiciais impetradas pelos seus controladores modificando a legislação e desrespeitando princípios gerais do Direito como o direito adquirido e a coisa julgada.

A grande beneficiária da falência da Panair do Brasil foi a Varig. As linhas européias e para o Oriente foram todas repassadas a essa empresa, assim como as aeronaves Douglas DC-8, então as mais modernas aeronaves de passageiros em serviço. Vale dizer que nessa época a Varig operava apenas para os Estados Unidos e América Latina, com dois Boeing 707 e dois Convair 990, esses originários da frota da REAL, incorporada pela Varig em 1961.


Nas fotos, podemos ver o Constellation PP-PCG, dentro do hangar no Aeroporto Santos Dumont, no início da década de 1950. Esse hangar ainda existe, como parte das instalações do 3º COMAR. Podemos ver também um DC-8 da Panair no Aeroporto de Orly, em Paris, em junho de 1962, e o Constellation do Museu da TAM, em São Carlos - SP. Esse avião, que ostenta a matrícula PP-PDD, na verdade nunca voou pela Panair, foi comprado no Paraguai em 2001 e voou pela KLM no início de sua carreira. O verdadeiro PP-PDD acidentou-se com perda total proximo ao Aeroporto da pampulha, em Belo Horizonte, no início dos anos 60.

Fonte das fotos: Airlines.net

Aero Boero: um avião polêmico

Esse texto foi publicado originalmente na revista Aviação em Revista, que está disponível para todos os alunos do Curso de Ciências Aeronauticas da Unopar na Biblioteca do Campus Piza.

Em 1986, o Departamento de Aviação Civil estava preocupado com a situação da frota de aeronaves de instrução dos aeroclubes brasileiros, constituída, em sua maior parte, de aviões construídos nas décadas de 40, 50 e 60. Embora estimados pelos pilotos, os veteranos Paulistinhas CAP-4 e P-56C já se encontravam muito desgastados, obsoletos e incapazes de suprir as necessidades dos Aeroclubes. Sem sistema elétrico, sem rádio e sem qualquer recurso mais avançado, sofriam cada vez mais restrições para voar no já congestionado tráfego dos aeroportos brasileiros.

A necessidade de renovação e reposição da frota era urgente. Infelizmente, não existia no mercado, à época, uma aeronave de treinamento disponível para aquisição em grande quantidade e por um custo viável. A Cessna havia encerrado a fabricação de todas as aeronaves leves, a Piper ainda se reerguia de seu processo de falência, e a Embraer estava desativando sua linha de produção de aeronaves leves para se concentrar na fabricação de aeronaves comerciais e militares.

O DAC aventou a hipótese de reativar a fabricação dos Paulistinhas, mas não houve interesse de nenhum fabricante. A solução para o impasse estava na Argentina. Dois fabricantes daquele país, Aero Boero e Chincul, tinham condições de fabricar aeronaves de treinamento. A Aero Boero sugeriu reativar a produção do modelo AB-95/115, que voou pela primeira vez em 12 de março de 1959, e cujo último exemplar havia sido fabricado em 1976. A Chincul podia oferecer o modelo PA-18, último descendente de uma longa linha de treinadores leves da Piper, fabricado sob licença.

A única proposta efetivamente apresentada, da Aero Boero, foi considerada interessante. O fabricante poderia atender um pedido de cerca de 400 aeronaves em curto espaço de tempo, 5 ou 6 anos. Ademais, a proposta também era política e economicamente interessante para os governantes José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina, interessados em uma parceria que viria a se tornar, mais tarde, no Mercosul.

O DAC enviou 6 experientes instrutores de vôo civis e dois oficiais da Força Aérea Brasileira para avaliar uma aeronave disponibilizada pelo sr. Hector Boero, presidente da Aero Boero, em Monteros, sede da fábrica. Embora fizessem ressalvas quanto à ergonomia da cabine e quanto à baixa potência de seu motor AVCO Lycoming O-235, de 115 HP, avaliaram positivamente o avião.

O DAC deu sinal verde para a aquisição, a um preço inicial de US$ 74 mil para cada exemplar. Várias unidades do modelo AB-180, que Hector Boero oferecia no mercado, desde 1967, como avião de turismo leve ou agrícola, foram também encomendados, com a finalidade de rebocar planadores nos aeroclubes.

A fabricação da aeronave iniciou-se em 1987, e os primeiros 5 exemplares foram entregues no início de 1988, no Aeroclube do Rio Grande do Sul, em Belém Novo/RS. O DAC convidou instrutores de vôo de vários Aeroclubes para adaptação e padronização na nova aeronave. A intenção do DAC, nessa época, era criar 5 grandes centros de formação de pilotos, para substituir as centenas de aeroclubes deficitários espalhados pelo Brasil, idéia que acabou não sendo concretizada.

Com a chegada, até 1994, de quase 400 exemplares de AB-115 e AB-180, o DAC doou aos aeroclubes as veteranas aeronaves de sua frota, uma heterogênea coleção de HL-1, CAP-4, P-56C, PA-18, PA-20 e J-3, muitas das quais ainda operam em sua função original.



Os primeiros 5 exemplares foram entregues no início de 1988, no Aeroclube do Rio Grande do Sul, em Belém Novo/RS


O Aero Boero em serviço

A substituição dos Paulistinhas pelos Aero Boero não significou um grande avanço para a instrução de vôo. Para os pilotos, mudanças bem-vindas foram a partida elétrica, o intercomunicador e o rádio, mas, no geral, não houve grande ganho de desempenho e nem acréscimo de equipamento mais avançado. O Aero Boero, na verdade, é conceitualmente obsoleto.

Uma antiga solicitação dos instrutores de vôo não foi atendida: que o avião de instrução pudesse realizar algumas manobras acrobáticas básicas. Nesse aspecto, o Aero Boero, classificado como Categoria Normal, era inferior ao Paulistinha P-56C, o que obrigou o DAC a reformular o programa de instrução, retirando algumas manobras do mesmo, como o parafuso comandado. Os instrutores que foram avaliar o avião na Argentina, entretanto, realizaram várias manobras acrobáticas com o avião, inclusive tendo a bordo o Sr. Hector Boero, e, dizem, que a aeronave somente não foi homologada para vôo acrobático porque o CTA pediu que o fabricante entregasse 3 aeronaves para avaliação, e o Sr. Boero não concordou.

Desde o início de sua operação nos aeroclubes, o avião tornou-se bastante polêmico. Havia entre os pilotos suspeitas de fragilidade estrutural, e boatos, nunca confirmados, de acidentes causados devido a isso. Outro boato, sem fundamento, é o de que o avião tinha a cauda pesada e era sujeito a entrar em parafuso chato. O avião, efetivamente, tem um comportamento mais instável no solo que os Paulistinhas, e alguns alunos chegavam mesmo a temer a aeronave, preferindo voar em outros modelos.

O fato é que o avião tem um trem de pouso deficiente: frágil, mal posicionado, bitola estreita e sem amortecedores. Posicionado muito à frente do CG, dificultava a manobra de levantamento da cauda durante a decolagem, além de piorar a estabilidade no solo, especialmente com vento de través. A bitola estreita, aliada à grande envergadura, torna praticamente inevitável o choque das pontas das asas com o solo, em um cavalo de pau, e a falta de amortecedores provoca saltos no pouso. O maior problema é a fragilidade do apoio das molas do trem na fuselagem, logo abaixo do assento dianteiro. Caso esse apoio se quebre, as molas podem ferir o ocupante do assento, geralmente o aluno.

A instabilidade no solo é uma característica inerente a todos os aviões com trem de pouso convencional, mas, nesse aspecto, o Aero Boero não é pior que outras aeronaves mais bem afamadas, como os antigos Cessna 180. Os incidentes de pouso com Aero Boero foram causados, em sua maior parte, por excesso de velocidade na aproximação ou por habilidade insuficiente do piloto (natural, pois se trata de um treinador...).

Em vários aspectos, o Aero Boero é uma aeronave bastante satisfatória: o piloto tem boa visibilidade para frente, característica rara em uma aeronave de trem convencional. É bastante dócil e estável em vôo, e muito didático e previsível em qualquer tipo de manobra. Graças à grande envergadura, tem uma boa razão de planeio (11:1). Mantêm a autoridade de comando em baixa velocidade, e os estóis são mansos, simétricos e bem advertidos. Ao contrário do mito, não existe nenhuma tendência a entrar em parafuso chato. Glissar um Boero é uma experiência interessante e surpreendentemente agradável.

O desempenho da aeronave não é brilhante. Com 115 HP para 770 Kgf de peso máximo, não se poderia esperar muito. É razoavelmente satisfatório nas decolagens e subidas, mas sua velocidade de cruzeiro é baixa, apenas 90 mph. Levando-se em consideração que a maior parte da vida útil de um Aero Boero consiste em manobras básicas e toques-e-arremetidas, pode-se considerar que a escolha do grupo moto-propulsor foi adequada. Um aumento de potência traduzir-se-ia, muito provavelmente, em aumento do consumo e aumento do preço da hora de vôo para o aluno.

O motor escolhido, um AVCO Lycoming O-235C2, de 4 cilindros, 3,85 litros de cilindrada e 115 HP a 2800 RPM, é um dos pontos altos do avião, apesar da baixa potência. Em serviço, mostrou-se bastante robusto e econômico, resistindo bravamente à difícil tarefa de instrução, repleta de acelerações e desacelerações bruscas e outros mal-tratos. Chega facilmente ao TBO de 2400 horas sem maiores problemas, ao contrário dos Paulistinhas e Cessnas 150, que, com seus frágeis motores Continental C-90 e O-200A, raramente atingem o TBO intactos, na instrução de vôo.

Além dos trens de pouso, a maior deficiência do Aero Boero está na ergonomia. Os assentos não são reguláveis, nem em distância nem em altura. Os pedais de freio, de calcanhar, são mal posicionados, e acionar a alavanca dos flaps exige um bom contorcionismo do piloto. Pilotos muito baixos ou muito altos encontram muita dificuldade. Embarcar e desembarcar é uma tarefa difícil. Os comandos do avião, ainda que precisos, são pesados, tornando a pilotagem um tanto cansativa, especialmente na instrução.

Uma aeronave injustiçada?

Dezoito anos após sua introdução, os Aero Boero ainda são as aeronaves-padrão de instrução nos aeroclubes, e milhares de pilotos ganharam suas primeiras asas nesse avião. Apesar da má fama, nenhum dos vários acidentes ocorridos pôde ser atribuído à falha de equipamento.

A perda de aeronaves é quase inevitável na instrução primária de vôo, mas as críticas relativas à falta de segurança dos Boeros nunca se justificaram. O avião pode ser pouco ergonômico, cansativo e desconfortável, mas não é perigoso, caso seja conduzido dentro de suas limitações operacionais e com responsabilidade.

O DAC, atualmente, está renovando a frota de treinadores com o Aeromot Guri, cujas entregas já começaram, mas se processam em ritmo muito lento. Os Guri são equipados com o mesmo motor dos Aero Boero, mas têm 900 Kgf de peso máximo na decolagem, definitivamente underpowered.

Como o DAC está em fase terminal, com a criação da ANAC, não se sabe o que vai acontecer no futuro, nem com os Aero Boero, nem com os Guri e nem com os aeroclubes. O fato é que os Aero Boero remanescentes já sofrem com a falta de peças de reposição, e falta de hélices e montantes de asa, por exemplo, já podem confinar aeronaves no solo por muito tempo, o que levou alguns aeroclubes a utilizar hélices "falsas", de madeira, para continuar a usar o avião, pelo menos até a próxima visita do INSPAC do DAC.

JONAS LIASCH FILHO - professor de aviação do Curso de Ciências Aeronáuticas da UNOPAR - Universidade Norte do Paraná, e do Aeroclube de Londrina, tendo voado 12 anos nos aviões AERO BOERO.

Texto e Fotos: Jonas Liasch Filho. Aviação em Revista. Foto do AB PP-FGI: Rodolfo Phillip - Airlines.net








Você sabia isso sobre o aeroporto de Londrina?


  • O aeroporto de Londrina já foi o terceiro mais movimentado do país entre 1958 e 1960, superado apenas pelos aeroportos de São Paulo-Congonhas e Rio - Santos Dumont.
  • O primeiro aeroporto de Londrina, que ficava no Patrimônio Espírito Santos, possuia 3 pistas, que formavam um triângulo. Nenhuma era pavimentada, e a mais longa tinha apenas 1000 metros.
  • A pista pavimentada do atual aeroporto foi inaugurada em 18 de abril de 1956, junto com o Hangar do Aeroclube de Londrina. Estiveram presentes na cerimônia de inauguração o Governador do Estado, Moysés Lupion, o Prefeito Antônio Fernandes Sobrinho e o jornalista Assis Chateaubriand.
  • Somente 2 anos depois de inaugurada a pista é que foi concluída a estação de passageiros, que permaneceu até a virada do século praticamente a mesma (foto acima).
  • A primeira torre de controle de Londrina foi inagurada apenas em 1962, quando o movimento de aeronaves já nem chegava perto do movimento registrado em 1960, auge das operações no aeroporto.
  • O projeto original do Aeroporto de Londrina previa a construção de mais um pátio, no terreno onde existe a antena do NDB Londrina, e outra pista, transversal à atual, e que passaria adiante do atual hangar da Avipar, encontrando a pista 13-31 entre as interseções B e C. Como o movimento no aeroporto decaiu muito a partir de 1961, tais alterações jamais foram realizadas, e apenas a torre foi concluída.
  • O nome do Aeroporto de Londrina é Aeroporto Governador José Richa. Houve um movimento, há 10 anos atrás, para se colocar o nome do aviador João Ribeiro de Barros, que fez a primeira travessia do Atlântico, em 1927, no aeroporto.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O fim dos Super Constellation da VARIG



A era inesquecível dos Constellation durou pouco. Esses aviões começaram a operar em um momento de transição: Os aviões a pistão chegaram ao limite máximo do desenvolvimento, enquanto os novos jatos entravam rapidamente em cena.

A transição para a era do jato foi mais brusca do que parece hoje. O último Super Constellation comprado pela Varig da Lockheed, o PP-VDF foi entregue em fevereiro de 1958. Em 1959, a Varig já recebia o primeiro Caravelle, e, em 1960, os primeiros Boeing 707.

A diferença entre voar de Constellation e de jato era brutal: Os Connie levavam de 24 a 25 horas para ir à Nova York. Um Boeing 707 levava pouco mais de 9 horas.

Com os 2 Boeing 707 iniciais (PP-VJA e PP-VJB), os Constellation foram rapidamente retirados da rota de Nova York. Entre o luxo e a rapidez, os passageiros optaram pela rapidez. A Varig ainda oferecia um serviço de bordo excepcional, mas o conforto dos Boeing 707 nem chegava perto do conforto dos Super G.

Se não fossem os problemáticos motores, os Super G da Varig poderiam ter tido uma sobrevida maior, pelo menos até a chegada dos Boeing 727 e 737, no início dos anos 70. Os últimos quadrimotores a pistão usados pela Varig, os Douglas DC-6B, só recentemente, já na década de 90, foram desmontados no Paraguai.

Lá por 1964/65, os Super H, que vieram da Real, ainda voavam como cargueiros regularmente, mas os Super G já estavam praticamente inoperantes. A Varig colocou todos os Constellation à venda. Conseguiu compradores para todos os H, todos convertidos em cargueiros, e para apenas um G, o PP-VDF. Os demais foram picados a machado, em 1967, em CGH e em POA.

O PP-VDF foi vendido para a Trans Africa, da Rodésia (hoje Zimbabwe) e matriculado VP-WAW. Teve uma carreira bastante movimentada na África, fazendo voos entre Salisbury (hoje, Harare) e Windhoek, na Namíbia. Participou da Guerra Civil de Biafra, fazendo voos fretados. Retirado de serviço, foi transformado em uma boate, perto do Aeroporto de Harare (foto abaixo), e foi desmontado provavelmente entre o final da década de 80 e o início da de 90.
O que resta hoje dos Super Connies da Varig: apenas um motor e um tip tank. Não sei o que fizeram com o simulador do avião, o primeiro grande simulador operado pela Varig.

A primeira foto é do Constellation L1049H PP-YSC, ex-REAL, em maio de 1962, em Miami, já convertido em cargueiro. (foto: Mel Lawrence - Airlines.net)

Os Lockheed Super Constellation na Varig

Na primeira metade da década de 1950, a Varig conseguiu autorização do DAC - Departamento de Aviação Civil, para operar uma linha para Nova York, que seria sua primeira linha internacional fora da América do Sul.
O PP-VDE, sendo testado em voo acima de Santa Monica, Califórnia, em dezembro de 1957

Ao escolher o equipamento, resolveu adquirir aeronaves pressurizadas, de última geração, e escolheu os mais modernos aviões então oferecidos no mercado, os Lockheed L1049 Super Constellation.

O Super Constellation era uma evolução do já conhecido Lockheed Constellation, operado aqui no Brasil pela Panair, mas com fuselagem alongada, maior autonomia, motores Wright R3350 TC18 de 3400 HP de potência e hélices reversíveis Curtiss Eletric. Nessa época, eram as mais avançadas aeronaves equipadas com motor a pistão do mercado, junto aos Douglas DC-7, numa época que os jatos comerciais ainda engatinhavam e enfrentavam problemas até então desconhecidos.
O PP-VDA fazendo uma escala em Ciudad Trujillo, República Dominicana, em 1956
A Varig adquiriu, então, três aeronaves Lockheed L-1049E Super Constellation, c/n 4582, 4583 e 4584, que seriam matriculados no Brasil como PP-VDA, PP-VDB e PP-VDC, respectivamente, com entrega prevista para o início de 1955.

Esses aviões nunca foram entregues, pois a encomenda foi mudada, depois de algum tempo, para três aeronaves modelo L-1049G-82, originalmente destinados à Qantas, da Austrália, e mais avançados, sendo que o primeiro, c/n 4610, foi entregue, novo, em 03 de maio de 1955, e registrado como PP-VDA em 27 de setembro de 1955. Em rápida seqüência, chegaram as aeronaves c/n 4611, entregue em 18 de junho de 1955 e registrado como PP-VDB em 11 de outubro de 1955, e c/n 4612, entregue em 27 de junho de 1955 e registrado como PP-VDC em 27 de setembro de 1955.
Primeiros tripulantes do L1049G, posando em frente à aeronave recem chegada, em maio de 1955 (Foto de George Ermakoff)

A introdução dos Super Constellation representou uma enorme evolução para a Varig, que até então operava antigas aeronaves vendidas como sobras da Segunda Guerra Mundial, os Douglas DC-3 e os Curtiss C46, não pressurizados e com sistemas muito simples. Com os Constellations, pressurizados e equipados com sistemas mais complexos, operando voos internacionais, foi preciso mudar toda um filosofia de operação. Todos os funcionários, tripulantes ou não, envolvidos na operação, precisavam conhecer Inglês, até então totalmente dispensável, e lidar com sistemas e filosofias totalmente desconhecidas na empresa de então.
O primeiro Super Constellation da Varig, ao ser apresentado publicamente em Porto Alegre/RS, em maio de 1955

O primeiro Super Constellation, o PP-VDA, veio ao Brasil em maio de 1955, com um esquema de pintura totalmente novo, que foi usado, com algumas modificações, por todos os aviões da Varig, até a década de 1990. Tal esquema foi mostrado ao público e à imprensa em um voo rasante do PP-VDA na sua chegada em Porto Alegre, onde ficou exposto à visitação dos funcionários, autoridades, imprensa e até a alguns populares.
Esquema do interior dos primeiros Super Constellation da Varig, para 54 assentos de passageiros

Os voos para Nova York teriam luxos e requintes nunca vistos na aviação brasileira até então. Apenas 54 assentos seria disponíveis, 15 de classe econômica e 39 de primeira classe. o serviço de bordo seria de primeira linha, considerando o alto preço das passagens. O Presidente da Varig, Ruben Martin Berta, chegou a pedir que os tripulantes tentassem fazer churrasco em voo (considerando a origem gaúcha do presidente), mas isso se demonstrou impraticável numa aeronave pressurizada e com circulação de ar controlada.
Sem radar, os três primeiros Super Constellation da Varig tinham um característico nariz curto

Os pilotos e outros tripulantes técnicos foram treinados, pela primeira vez, em simuladores de voo, em Porto Alegre, conceito que seria adotado para, praticamente, todas as aeronaves operadas a partir de então, principalmente os jatos. Quase todos tiveram alguma parte do treinamento feito nos Estados Unidos.
Um L1049G do primeiro lote, comparado com um L1049H da REAL. A falta do radar nos L1049G dava um característico nariz curto nos três primeiros L1049G da Varig, mas todos foram retrofitados em 1957.
O primeiro voo regular para Nova York decolou em 02 de agosto de 1955. AS três aeronaves iniciais não eram equipadas com tip-tanks, que eram opcionais, e nem com radar, possuindo um nariz “curto” característico. Os vôos começavam no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e escalavam no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, Belém, Port of Spain, em Trinidad-Tobago e Ciudad Trujillo (atual Santo Domingo), na República Dominicana, pousando finalmente no Aeroporto de Idlewild, atual JFK, em Nova York. Passageiros que vinham de Porto Alegre vinham com os Convair 240 até Congonhas e depois embarcavam nos Constellation, mas, eventualmente, como esses aviões faziam toda a manutenção mais pesada em Porto Alegre, saiam de Porto Alegre direto nos Constellation.
O PP-VDA, na sua configuração inicial, sem tip tannks e sem radar
Inicialmente, a empresa disponibilizou dois voos regulares por semana. A Varig oferecia o voo para Nova York às quartas-feiras e sábados. A rota e os horários, a partir de São Paulo, eram os seguintes, ao final de 1955:

São Paulo (CGH): decolagem às 16:00 h, horário local;
Rio de Janeiro (GIG): pousava às 17:10 h, e decolava às 18:30 h;
Belém: pousava às 00:20 h do dia seguinte (5ª ou Domingo), horário local, e decolava às 01:20;
Ciudad Trujillo: pousava às 07:00 h, horário local, e decolava às 08:00;
New York – Idlewild: pousava às 14:10 h, horário local.
Duração do vôo: 24:10 h.
O PP-VDD no Aeroporto Idlewild, em Nova York (atual Aeroporto John F. Kennedy)
Nem sempre os voos eram pontuais. O avião tinha vários tanques de combustível, abastecidos um de cada vez, por gravidade. A logística de abastecimento era bem complicada, e exigia vários operadores trabalhando simultaneamente. Trocas de conjuntos moto-propulsores (motor e hélice) não eram incomuns, e isso podia atrasar os voos em várias horas. A Varig teve que fazer um pesado trabalho de adaptação das tripulações e do pessoal de terra para operar aeronaves tão sofisticadas.
O PP-VDF em Idlewild, 1961

Os mecânicos, pilotos e comissários foram, todos, obrigados a aprender inglês. Foi para os Constellations que a Varig contratou as primeira mulheres como comissárias. Sim, pois, até então, somente homens atuavam nessa função. Como os aviões tinham poltronas-leito, não seria conveniente que mulheres ou crianças fossem atendidos, quando iam dormir, por homens, e as primeiras comissárias foram admitidas, muito a contragosto, por sinal, em uma empresa tão conservadora.
Poltronas leito dos Super Constellation
Obviamente, as comissárias fizeram sucesso, e hoje as mulheres predominam na profissão.
As comissárias dos Super Constellation foram as primeiras mulheres admitidas como tripulantes na Varig
Voar nos Constellations, para a tripulação, era o auge da carreira, em uma época até hoje conhecida como “Anos Dourados”, inclusive na aviação. Para os passageiros, um privilégio para poucos afortunados, já que o preço das passagens era muito salgado.
Lounge do Constellation, com poltrona de observação giratórias
Todavia, nem tudo era glamour e charme. O avião, em si, era dócil e agradável de voar, muito ágil para o seu tamanho. Mas os motores e hélices eram temperamentais, problemáticos, birrentos e, eventualmente, pirotécnicos. Motores reservas eram mantidos nas escalas, prontos para uma troca rápida (os famosos QECA). Com 3400 HP para a decolagem, os Wright R3350 TC18 davam muita dor de cabeça, e colaboraram, efetivamente, para o fim do fabricante. Para extrair mais potência, esses motores eram equipados com os (então) famigerados Turbo Compounds, um grupo de 3 turbinas, cada uma acionada por um grupo de 6 cilindros, que eram acopladas ao eixo de manivelas por um conversor de torque hidráulico. Embora o conceito em si fosse válido, estava além da tecnologia de materiais da época. As panes de motor eram tão frequentes que o avião recebeu o apelido, nada lisonjeiro, de “melhor trimotor do mundo”. As hélices elétricas também não mereciam muita confiança, e colaboram no único acidente de Super Constellation da Varig.
Detalhe dos motores e hélices do PP-VDD, em 1957. Eram a maior fonte de problemas do avião
O único acidente do Super Constellation na Varig ocorreu com a primeira aeronave recebida. O PP-VDA fazia um voo para Nova York quando aterrissou em Ciudad Trujillo, na manhã do dia 16 de agosto de 1957, com o motor nº 2 (motor interno do lado esquerdo) parado e com hélice embandeirada. O pouso ocorreu sem problemas, mas não havia motor reserva disponível. Os passageiros e bagagens foram embarcados em outros voos, e o comandante resolveu fazer um translado trimotor, para reparar o avião em Nova York, com uma escala em Miami, com peso reduzido e só com os tripulantes. Tal procedimento era aceito pelo manual do fabricante. Às 11:16 h, hora local, o avião decolou, com 3 motores (1, 3 e 4), para Miami, com 11 tripulantes a bordo. Cerca de 50 minutos depois, a hélice do motor nº 4 disparou. A tripulação não conseguiu sanar o defeito a tempo, e, com o esforço excessivo no eixo, a hélice acabou por se separar do motor, atingindo a hélice vizinha, a nº 3. A tripulação foi obrigada a embandeirar o motor 3, e o único motor disponível era o nº 1, na ponta da asa esquerda. Com um motor só, a tripulação não conseguiu manter o avião voando, e acabou pousando no mar, paralelamente à costa, ao largo de Puerto Plata, Republica Dominicana, a apenas 500 metros da praia. O pouso foi bem sucedido, mas um comissário, que não sabia nadar, morreu afogado. O avião afundou, alguns minutos depois, em uma profundidade de 40 metros, e nunca mais foi resgatado, seus restos ainda estão lá, 50 anos depois.
O PP-VDF, último dos L1049g encomendados pela Vairg
Nessa época, a Varig já tinha adquirido uma boa experiência com o avião, e, desde dezembro de 1956, já realizava três voos semanais. A perda do PP-VDA foi um duro golpe, e forçou a redução do número de voos para apenas dois. A chegada de mais dois aviões ainda em 1957 amenizou a crise e a frequência voltou ao normal em quatro meses.
O PP-VDF em voo, o último L1049G a ser adquirido pela Varig, em 1958
A Varig comprou, a partir de 1957, mais três Super Constellation, originalmente encomendados pela Qantas. O L1049G-82 c/n 4681, que seria VH-EAQ na Ausrtália, recebido em 18 de novembro de 1957, e registrado PP-VDD em 14 de maio de 1958, foi o primeiro desses aviões. Foi seguido pela aeronave c/n 4684 (VH-EAT) recebido em 11 de dezembro de 1957 e matriculado PP-VDE em 16 de maio de 1958, e pelo c/n 4685 (VH-EAU), recebido pela Varig em 17 de janeiro de 1958, e matriculado PP-VDF em 16 de maio do mesmo ano, junto ao PP-VDE. A frota operacional, a partir daí, ficou sendo de cinco aeronaves, todas engajadas na linha de passageiros para Nova York.
O Cmro. Marques, autor da foto, ermbarcando no PP-VDF
Essas três aeronaves eram diferentes dos primeiros. Possuíam tip-tanks e radar, com um característico “nariz comprido”. O PP-VDA, quando se acidentou, já havia sido equipado com radar e o “nariz comprido”. Os tips aumentaram a autonomia, e permitia o voo com apenas uma escala, que podia ser tanto em Port-of-Spain quanto em Ciudad Trujillo, embora isso dependesse muito dos ventos dominantes. A redução do tempo de voo era notável, em se tratando de um voo tão longo.
Passgeiros da primeira classe fazenod desjejum no lounge do Super Constellation
Em fevereiro de 1958, a REAL adquiriu três aeronaves L1049H, que receberam as matrículas PP-YSA, PP-YSB e PP-YSC, posteriormente complementadas,em 1960, pelo PP-YSD. A REAL aproveitou-se da designação L1049H, e fez uma campanha de marketing agressiva (para a época), alardeando que suas aeronaves eram mais avançadas que os L1049G da Varig, e pintando a expressão “Super H” nos tip tanks.
Cabine de primeira classe do L1049G, em voo diurno

Na verdade, a única diferença entre os dois modelos era a presença de uma porta de carga e de um piso reforçado nos modelos H, e não havia diferenças no desempenho e conforto dos passageiros. O Presidente da Varig, Ruben Berta, convocou seus diretores, para rebater essa “Guerra de Letras”.
O PP-VDD em Idlewild, Nova York

Um contínuo da Varig, em Porto Alegre, torcedor do Internacional, deu um palpite bastante feliz: já que o avião fazia voos internacionais, porque não escrever “Internacional” nos tip tanks, ressaltando a letra I. O passageiro voaria no “Super I”, mais “avançado” que o “Super H” da REAL! Ruben Berta gostou da ideia, mas a modificou um pouco: alterou a palavra para “Intercontinental”, ao invés de “Internacional”, para evitar o vínculo direto com o time de futebol, mas manteve as letras em vermelho, em consideração ao autor da ideia. A palavra “Intercontinental”, em vermelho, foi utilizada até nos últimos MD-11 pintados no esquema antigo de pintura da Varig, que, por sinal, foi mostrado pela primeira vez em público em um espetacular rasante do PP-VDA, em Porto Alegre, no dia 03 de maio de 1955.
Tip tank do PP-VDF
O conforto e o serviço de bordo oferecido pela Varig nos Constellation jamais foram igualados depois, em qualquer tempo. A Varig oferecia apenas 15 assentos de Classe Turística, que ficavam na parte da frente do avião, rebaixada em relação ao restante do avião, em 5 x 3 fileiras (3 do lado direito e 2 do lado esquerdo). Dois lavatórios vinham logo atrás, seguidos de 28 assentos dispostos em 4 x 7 fileiras, dois a dois. Uma sala de estar (lounge), com bar e assentos giratórios, vinha a seguir, seguidos por mais 10 assentos de primeira classe, 4 fileiras 2 a 2, seguidos de uma única poltrona, individual, do lado esquerdo. Total: 54 passageiros. Isso explica, junto com o altíssimo consumo de gasolina e o alto padrão do atendimento, o preço da passagem, em valores de 1955, trecho Rio-NY: US$ 386,00 Y e US$ 460,00 F. Em valores atuais, de 2015, isso seria equivalente a US$ 3420, para a classe econômica, e US$ 4.076, para a primeira classe, só de ida. Até hoje, são valores exorbitantes, e eram muito mais, na década de 1950, só ricos tinham acesso.
O PP-VDB em Idlewild, New York, julho de 1959, com radar, mas sem tip tank
A era de ouro dos Super Constellation durou pouco. Por volta de 1958, a rota para Nova York era operada a partir de Buenos Aires, Montevideo e Porto Alegre, operando Convair 240 até CGH e L1049G até Idlewild. Em 1959, a Varig introduziu dois jatos franceses Caravelle na rota, os primeiros jatos comerciais a operar em um empresa brasileira. Dos 4 vôos semanais, 2 eram feitos com Constellation e 2 com Caravelles. Embora os Caravelles tivessem pouca autonomia, e fossem obrigados a fazer as mesmas escalas dos Constellation, e menos confortáveis, a velocidade maior fez muita diferença.
O PP-VDE taxiando no Aeroporto do Galeão, 1962.

Quando a Varig recebeu, em meados de 1960, os primeiros Boeing 707-441, capazes de voar do Rio a Nova York sem escalas em menos de 10 horas, os Constellation foram quase totalmente retirados da rota, e passaram a fazer voos domésticos de longa distância ou de alta densidade, e rotas internacionais mais curtas. O último voo de passageiros do Constellation para Nova York ocorreu em 29 de janeiro de 1962 e, a partir daí todos os aviões foram colocados a venda, e estacionados em Porto Alegre e Congonhas. Infelizmente, com exceção do PP-VDF, os L1049G da Varig jamais voltariam a voar novamente.
O PP-YSD servindo como cargueiro, em 1962, em Miami

A frota de Constellations da Varig foi acrescida de quatro aeronaves em 1961, na ocasião da compra da REAL pela Varig. Os L1049H ex-REAL foram logo convertidos em cargueiros, já que os passageiros preferiam voar em jatos, e posteriormente foram exportados.
Um Super Constellation da Varig taxiando em Nova York

Quanto aos L1049G, que um dia fizeram as rotas mais glamourosas da história da aviação brasileira, foram condenados a virar sucata: O PP-VDB e o PP-VDC, sem encontrar compradores e ocupando muito espaço nos pátios, foram desmontados em Porto Alegre, tendo suas matrículas canceladas em 27 de junho de 1967; O PP-VDD, com apenas 9 anos de uso, foi desmontado em São Paulo, tendo o registro cancelado em 27 de junho de 1967. O PP-VDE teve sua matrícula cancelada no mesmo dia que os outros 3, e foi desmontado em Porto Alegre. O problema dos Super G era que sua conversão em cargueiro era quase impossível, devido à estrutura do assoalho e à falta de uma porta de carga, e não havia mais demanda de mercado para aeronaves grandes de passageiros, com motor a pistão.
O PP-VDF em voo
O único “Super G” sobrevivente foi o PP-VDF, que foi exportado para a Rodésia (atual Zimbabwe), via Norte Importadora Ltda, e que voou na Trans África Pty. Ltd., matriculado VP-WAW. Passou um tempo na Protea Airways, da África do Sul, como SZ-FAA, voltou para a Rodésia, ainda como VP-WAW, e teve participação ativa no abastecimento de Port Harcourt, na Guerra da Biafra, de 1968 até 1970. Foi desativado na primeira metade dos anos 70, e transformado em boate, em Harare, Zimbabwe. Bastante deteriorado, foi desmanchado nos anos 80. Nenhum dos 10 Super Constellation operados pela Varig ainda existe, um triste fim para uma era inesquecível da aviação brasileira.
Os Constellation H parados aguardando compradores, no Galeão, 1968.

HISTÓRICO DOS 10 LOCKHEED SUPER CONSTELLATIONS OPERADOS PELA VARIG:

PP-VDA: Lockheed L1049G-82,  c/n 4610entregue à Varig em 3 de maio de 1955 e matriculado PP-VDA em 27 de setembro de 1955. Operou a linha internacional do Brasil para Nova York até o dia 16 de agosto de 1967, quando fez pouso forçado no mar, ao largo de Puerto Plata, República Dominicana, com a perda de um tripulante.
PP-VDA no dia da sua entrega à Varig, maio de 1955
PP-VDB: Lockheed L1049G-82,  c/n 4611entregue à Varig em 18 de junho de 1955 e matriculado PP-VDB em 11 de outubro de 1955. Operou a linha internacional do Brasil para Nova York até 1962, além de algumas poucas linhas domésticas. Foi colocado a venda e estacionado em Porto Alegre/RS desde então, e, sem compradores, foi desmontado com serras elétricas e machados em 1966. A matrícula foi cancelada em 27 de junho de 1967.
O PP-VBD taxiando, ainda com nariz curto

PP-VDC: Lockheed L1049G-82,  c/n 4612entregue à Varig em 27 de junho de 1955 e matriculado PP-VDC em 27 de setembro de 1955. Operou a linha internacional do Brasil para Nova York até 1962, além de algumas poucas linhas domésticas. Foi colocado a venda e estacionado em Porto Alegre/RS desde então, e, sem compradores, foi desmontado com serras elétricas e machados em 1966. A matrícula foi cancelada em 27 de junho de 1967.

PP-VDD:  Lockheed L1049G-82,  c/n 4681entregue à Varig em 18 de novembro de 1957 e matriculado PP-VDD em 14 de maio de 1958. Operou a linha internacional do Brasil para Nova York até 1962, além de algumas poucas linhas domésticas. Foi colocado a venda e estacionado em Congonhas, São Paulo, desde então, e, sem compradores, foi desmontado com serras elétricas e machados entre 1966 e 1967. A matrícula foi cancelada em 27 de junho de 1967.

PP-VDE: Lockheed L1049G-82,  c/n 4684entregue à Varig em 11 de dezembro de 1957 e matriculado PP-VDE em 16 de maio de 1958. Operou a linha internacional do Brasil para Nova York até 1962, além de algumas poucas linhas domésticas. Foi colocado a venda e estacionado em Porto Alegre/RS desde então, e, sem compradores, foi desmontado com serras elétricas e machados em 1966. A matrícula foi cancelada em 27 de junho de 1967.
O VP-WAW, antigo PP-VDF, ainda operando na África em 1972.

PP-VDF:  Lockheed L1049G-82,  c/n 4685,  entregue à Varig em 17 de janeiro de 1958 e matriculado PP-VDF em 16 de maio de 1958. Operou a linha internacional do Brasil para Nova York até 1962, além de algumas poucas linhas domésticas. Foi colocado a venda e negociado com a Trans África Pty. Ltd., da Rodésia, matriculado VP-WAW. Passou um tempo na Protea Airways, da África do Sul, como SZ-FAA, voltou para a Rodésia, ainda como VP-WAW, e teve participação ativa no abastecimento de Port Harcourt, na Guerra da Biafra, de 1968 até 1970. Foi desativado por volta de 1974, e transformado em boate, em Harare, Zimbabwe. Bastante deteriorado, foi desmontado no final dos anos 80. Pode ter sido o último dos Super Constellation da Varig a operar e o último a ser definitivamente desmontado;
O VP-WAW, antigo PP-VDF da Varig, em Harare, Zimbawe, já desativado, mas ainda inteiro, nos anos 70.

PP-YSA: Lockheed L1049H, c/n 4833, entregue à REAL Aerovias em 17 de fevereiro de 1958, operou rotas de passageiros da empresa até a aquisição da empresa pela Varig, em agosto de 1961. Passou a ser formalmente operado pela Varig em outubro de 1961, foi convertido em cargueiro e operou até cerca de 1966, e foi vendido em 1969 a um operador/arrendador americano, a Carolina Aircraft Corp., como N563E. Passou por outros operadores até ser desmontada em Miami, Flórida, em novembro de 1973.
O PP-YSA já operando na Varig, como cargueiro.

PP-YSB: Lockheed L1049H, c/n 4834, entregue à REAL Aerovias em 17 de fevereiro de 1958, operou rotas de passageiros da empresa até a aquisição da empresa pela Varig, em agosto de 1961. Passou a ser formalmente operado pela Varig em outubro de 1961, foi convertido em cargueiro e operou até cerca de 1966. Foi vendido, em 1969, a um operador/arrendador americano, a a Carolina Aircraft Corp., como N564E. Passou por outros operadores até se acidentar no mar em 20 de outubro de 1971, nas Bahamas, com quatro mortos e perda completa da aeronave.
PP-YSB da Varig

PP-YSC: Lockheed L1049H, c/n 4837, entregue à REAL Aerovias em 20 de fevereiro de 1958, operou rotas de passageiros da empresa até a aquisição da empresa pela Varig, em agosto de 1961. Passou a ser formalmente operado pela Varig em outubro de 1961, foi convertido em cargueiro e operou até cerca de 1966, Foi vendido, em 1969, a um operador/arrendador americano, a a Carolina Aircraft Corp., como N565E. Passou por outros operadores, mas ficou pouco tempo em serviço, sendo canibalizado para fornecer peças a outras aeronaves da frota operacional, sendo retirado definitivamente de serviço em novembro de 1969. Foi totalmente desmontado em Fort Lauderdale em 1972;
O N565E, antigo PP-YSC da Varig e da REAL, no desmonte final, em Fort Lauderdale, 1972.

PP-YSD: Lockheed L1049H, c/n 4838, entregue à REAL Aerovias em 18 de março de 1958, operou rotas de passageiros da empresa até a aquisição da empresa pela Varig, em agosto de 1961. Passou a ser formalmente operado pela Varig em outubro de 1961, foi convertido em cargueiro e operou até cerca de 1966. Foi vendido, em 1969, a um operador/arrendador americano, a a Carolina Aircraft Corp., como N566E. Passou por vários operadores e permaneceu em voo até 24 de setembro de 1973, quando se acidentou, com perda de casco, mas sem vítimas fatais, em Gary, Indiana, quando era operado pela Mohamed Temple.