quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Tenente Dornelles: o último sangue Brasileiro da FAB na Guerra

A guerra parecia estar chegando ao fim. Por todos os lados era o caos das retiradas e fugas desenfreadas. A 148ª Divisão Alemã, composta por cerca de quinze mil soldados, cercados pelas tropas brasileiras na região de Fornovo di Taro, estava prestes a se render.

"Fiel ao seu estilo de entrar com determinação e audácia nos ataques, Dornelles inicia a corrida mantendo firme seu Thunderbolt, sem se importar com as enfiadas de antiaérea que faíscam contra ele, naquela escura manhã".
Aviation art pintada a óleo sobre tela de autoria do Roberto Celegatti, especialmente para essa publicação.


Era nítida a sensação de estar desfechando o golpe de misericórdia nas forças alemãs e todos se perguntavam por quanto tempo ainda o inimigo resistiria.

Amanhecer de 26/abril/1945: O dia amanheceu nublado, com chuvas esparsas e encoberto por uma base de nuvens cinza escura entre 300 e 500 metros.
Fotos da época da guerra, com a seta vermelha mostrando o local do impacto do corpo e os destroços da estação ferroviária onde o P-47 do Ten. Dornelles colidiu.


Quatro P-47s da Força Aérea Brasileira, pilotados pelo Torres, Prates, Poucinhas e Dornelles, voam nos arredores do eixo ferroviário Turim – Milão, em busca de alvos de oportunidade.

Quatro pares de olhos espreitam atentos através da cobertura ovalada e transparente da cabine. E lá está, uma fumaça branca que sobe reto no céu sem vento: um trem com composição típica: locomotiva, tender de carvão, vagão de flak blindado e vagões de passageiros, estacionando no sentido La Spezia – Alessandria.
À esquerda. o Tenente Aviador Luiz Lopes Dornelles e à direita detalhes da aviation art do Roberto Celegatti.


Aviões e trem chegam praticamente juntos e agindo com eficiência e coordenação a formação brasileira manobra para colocar-se na perpendicular da linha férrea, com o Dornelles transmitindo a indicação do objetivo: a locomotiva.

Fiel ao seu estilo de entrar com determinação e audácia nos ataques, Dornelles inicia a corrida mantendo firme seu Thunderbolt, sem se importar com as enfiadas de antiaérea que faíscam contra ele, naquela escura manhã.
À esquerda, o diagrama mostrando a aproximação do Ten. Dornelles em seu ataque e a posterior queda. À direita, em foto atual, o prédio onde seu corpo bateu.


Os companheiros de esquadrilha vêm seu avião prateado esgueirar-se próximo ao solo e somente no último instante Dornelles atira, lançando o traçado cintilante das suas oito metralhadoras, que riscam na pequena distância que resta do alvo.

A locomotiva, então, desaparece em meio a uma nuvem de vapor e chamas que escapam da caldeira arrebentada. Poderia jurar ter ouvido o barulho!
O Ten. Dornelles teve dois P-47 com o código B4 na Itália: um verde, serial 42-26766, que foi abatido em 26/março/1943, enquanto pilotado pelo Correia Neto e outro, em metal natural, serial 44-20800, que sobreviveu a guerra e depois foi sucateado. Fotos cedidas pelo Vicente Vazquez.


O P-47 atravessa aquele inferno escaldante, mas estranhamente não arremete como era esperado, mantendo voo nivelado a poucos metros de altura, cidade adentro.
No Museu Aeroespacial do Campo dos Afonsos - Musal está preservado este P-47, personalizado com o código B4 em homenagem ao Ten. Dornelles. Gentileza do Raphael Lopes Pinto Brescia.


Dornelles fora atingido, o avião danificado? Não houve transmissão alguma e o que aconteceu nesse instante, só Deus sabe.
Talvez a última fotografia do Dornelles, ouvindo a BBC no rádio do Club. Gentileza do Ricardo Moojen Nácul, Museu da Vitória.


No interior da estação ferroviária, horrorizados com a cena diante dos seus olhos, Angelo Orsetti (31 anos) e Giuseppina Carrer (20 anos), vêm o avião prateado de oito toneladas a mais de 500 km/h com seu motor trovejando, atravessar o telhado de um dos armazéns, passar para o outro lado, levando consigo enorme quantidade de escombros, indo bater a barriga com violência numa praça, onde ceifa árvores, deixando pelo caminho rodas, asas, chapas.
Ten.Dornelles em Pisa na Itália. Foto cedida pelo Ricardo Moojen Nácul, Museu da Vitória.


Com o avião literalmente se desfazendo ao longo de uma trilha de destruição e destroços, o corpo do piloto é lançado a mais de 150 metros, indo se estatelar na janela do segundo andar de um prédio e em seguida, cair na calçada onde, por fim, descansou.

No final de sua louca trajetória, o que restou da estrutura do P-47 se espatifa entre os prédios da Rua Spalto Borgoglio na cidade de Alessandria, em meio a um estrondo de fim de mundo e chamas alaranjadas.
Placa em homenagem ao Ten. Dornelles próximo ao local da sua queda.
"Cruzando os céus azuis dessa cidade, nos momentos sombrios da história humana, encontrastes neste lugar o destino que te tornou imortal. No sonho de um mundo justo honorastes com tua vida, teu compromisso pela liberdade dos povos, pela glória do Brasil"
Comunidade de Alessandria


Sobrevoando a área de ataque, os demais pilotos tudo o que vêm são duas colunas de fumaça se elevando, uma branca da locomotiva atingida e outra, mais adiante negra, dos restos calcinados do P-47.

Não obstante a dor que sufoca a garganta, diante da trágica perda do amigo, a formação ganha altura e prossegue na missão em busca de outros alvos.
O Comandante Sydney Rodrigues, fez uma emocionante homenagem ao Ten. Dornelles em Alessandria, Itália, mostrando o local do trágico acidente. Assista: https://www.youtube.com/watch?v=Ojg-q4fao2I&t=2s


Luiz Lopes Dornelles, um piloto audaz, de grande coragem, implacável com o inimigo, mas que nos momentos de folga levava comida às crianças pobres de Pisa morreu aos 24 anos de idade, sendo a última perda do 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira na Itália.

Algumas vezes, disse aos seus camaradas que não chegaria a 90ª missão. Aquela foi a sua 89ª.
Poucos dias depois da sua morte, a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim.

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texto de Joaquim Domingues

Agradecimentos ao Roberto Celegatti, pela linda aviation art, especialmente feita para essa publicação. Ao Vicente Vazquez, sempre pronto a ajudar com fotos e fatos. Ao Ricardo Moojen Nácul do Museu da Vitória pelo apoio. Ao Sandro Zandomenico e ao Sydney Rodrigues pelo emocionante vídeo em homenagem ao Ten. Dornelles. Ao Raphael Lopes Pinto Brescia pela foto noturna do B4 do Musal.

Um comentário:

  1. Sempre me impressionou a premonição do Dornelles sobre não completar 90 missões de combate. Essa, foi a de número 89 e, poucos dias depois, a guerra terminava. Teria sido um veterano notável e querido em nosso meio.

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