No início da década de 1950, a Panair do Brasil, então a maior empresa aérea internacional do Brasil, encomendou quatro aeronaves a jato De Havilland Comet II, com opção para dois Comet III. Jatos comerciais eram novidade absoluta nessa época, e a Panair se esforçava por se manter a vanguarda da aviação comercial brasileira.
A introdução dos jatos na aviação comercial sofreu grave revés, no entanto, em 1954. Dois graves acidentes, resultados de graves falhas estruturais, interromperam subitamente a carreira do Comet. As aeronaves existentes foram condenadas para o voo, e a linha de produção foi paralisada, até que as falhas detectadas fossem sanadas.
O então presidente da Panair, Paulo Sampaio, manteve as encomendas dos Comet, acreditando que o problema seria rapidamente resolvido, mas outros diretores da empresa não pensavam da mesma forma. Na verdade, os problemas do Comet somente foram resolvidos em 1958, com o modelo IV, que entrou em serviço pouco antes do Boeing 707.
Em 1955, houve uma crise na Panair, com uma greve geral dos trabalhadores. O desenrolar da crise acabou resultando na demissão de Paulo Sampaio da empresa, praticamente o único defensor do Comet na diretoria. A nova diretoria cancelou o pedido dos jatos e encomendou quatro Douglas DC-7C diretamente ao fabricante.
Os Douglas DC-7C eram, à época, as aeronaves a pistão de maior alcance, com capacidade de atravessar o Atlântico Norte sem escalas. A Panair queria empregar tais aeronaves nos seus voos para a Europa, em complemento aos Lockheed Constellation. A Douglas batizou a aeronave, orgulhosamente, de "Seven Seas", uma referência à sua capacidade de atravessar os oceanos.
O primeiro DC-7C foi recebido pela Panair no dia 5 de abril de 1957, e foi batizado com o nome de "Bandeirante Fernão Dias Paes". Recebeu a matrícula PP-PDL. Em 11 de maio, chegou a segunda aeronave, batizada de "Bandeirante Antônio Raposo Tavares", e matriculada PP-PDM. Poucos dias depois, em 23 de maio, chegou o terceiro, batizado como "Bandeirante Nicolau Barreto", e matriculado no Registro Aeronáutico Brasileiro como PP-PDN.
Antes mesmo que chegasse o último avião, a Panair colocou o DC-7C na linha para a Europa, e o PP-PDN pousou no Aeroporto de Heathrow no dia 11 de julho de 1957. No dia seguinte, a empresa recebeu seu último avião da encomenda original, o PP-PDO, batizado como "Bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva". O PP-PDO foi um protótipo do DC-7C, operado pela Douglas, e havia sido utilizado nos testes de fábrica e como demonstrador para clientes, antes de ser entregue à Panair.
Os DC-7C eram bastante luxuosos, possuindo acabamento superior ao dos Constellation da Panair. A primeira classe dispunha de camas. O desempenho dos DC-7C também era muito superior ao dos Constellation, pois voavam 40 Knots mais rápido em cruzeiro e tinham um alcance de 1.500 milhas náuticas a mais que o avião da Lockheed, o que permitia redução do número de escalas.
Um DC-7C da Panair. O aeroporto provavelmente é Heathrow. Reparem no Tupolev Tu-114 Rossiya, ao fundo |
O maior defeito dos DC-7C era a baixa confiabilidade dos seus motores Wright Cyclone R-3350 988TC18EA1-2. Equipados com um novo recurso tecnológico para aumentar sua potência, o Turbo Compound, podiam desenvolver até 3400 HP na decolagem, mas tal desenvolvimento estava além da tecnologia de materiais da época, o que resultava num motor relativamente frágil e pouco confiável em serviço. As hélices reversíveis também tinham problemas de baixa confiabilidade. Como resultado, os DC-7 acabaram, em sua maioria, substituídos pelos novos jatos antes que seu modelo antecessor, o DC-6, menor e menos potente, mas bem mais confiável e seguro.
De fato, a Douglas produziu o DC-7 durante apenas 5 anos, entre 1953 e 1958, e apenas 338 aeronaves do tipo foram produzidas, em contraste com os 704 exemplares de DC-6 fabricados.
Entre 1957 e 1959, os DC-7C complementavam os Constellations, nos voos para a Europa. Todavia, os Constellation já revelavam sinais de cansaço, depois de 12 anos voando através do Atlantico Sul. Problemas estruturais forçaram a Panair a desativar o sistema de pressurização dos velhos aviões, e relegá-los a voos domésticos de longa duração. Para complementar os DC-7C, a Panair arrendou quatro Douglas DC-6A (posteriormente denominados DC-6C) do Lóide Aéreo, em 1959. O Lóide tinha adquirido as aeronaves novas do fabricante, mas não tinham linhas com demanda suficiente para operá-las, e os seus DC-6 foram utilizados, inicialmente, pela Panair.
Entre 1957 e 1961, as rotas da Panair servidas pelos Douglas DC-7C atingiram os aeroportos de Buenos Aires, Montevideo, Porto Alegre, São Paulo (Congonhas), Rio de Janeiro (Galeão), Recife, Dakar, Lisboa, Roma, Paris, Londres, Zurich, Dusseldorf, Hamburg e, possivelmente, Beirute.
A Panair teve a mais longa linha internacional já operada por aeronaves DC-7. O voo PB 278 tinha início em Buenos Aires, todas as quartas-feiras, às 9 horas da manhã. Fazia escalas em Montevideo, Porto Alegre e São Paulo, até chegar ao Rio de Janeiro, de onde partia para a travessia noturna do Atlântico direto para Dakar, onde chegava às 6 horas e 35 minutos da quinta-feira, horário local. De Dakar, o avião seguia para o aeroporto de Ciampino, em Roma, prosseguindo depois para Zurich, Frankfurt, Dusseldorf até pousar no seu destino final, em Hamburgo, onde pousava à 1 hora e 45 minutos da sexta-feira, hora local. Depois de um breve pernoite, decolava de Hamburgo na manhã da sexta-feira e iniciava o retorno, como vôo PB 279. Ao todo, o voo percorria quase 14 mil Km, com pelo menos 10 horas de escalas.
As travessias diretas do Atlântico Sul, entre o Rio de Janeiro e Dakar, e entre Recife e Lisboa, foram pioneiras para aeronaves de motor a pistão, e nenhuma outra aeronave comercial a pistão jamais teve alcance suficiente para isso.
Em 1961, a Panair recebeu seus primeiro jatos Douglas DC-8. As principais linhas européias passaram a operar a jato, e os DC-7 foram deslocados para "serviços especiais" da empresa. O principal desses "serviços especiais" foi o serviço denominado "Voos da Amizade". Os Voos da Amizade resultaram de um acordo entre a Panair do Brasil e a TAP - Trasnportes Aéreos Portugueses, em 1960. Foi o primeiro acordo de code-share internacional firmado por uma empresa aérea brasileira. Consistia de um voo low-cost & low-fare, exclusivo para cidadãos brasileiros ou portugueses. O acordo previa utilização exclusiva de aeronaves a hélice, e os voos foram operados por aeronaves DC-7C da Panair e Lockheed L-1049G Super Constellation da TAP. Os DC-7 da Panair foram utilizados até o fechamento da empresa, em fevereiro de 1965, e foram substituídos pelos Lockheed L-188 Electra da Varig até o fim dos Voos da Amizade, em 1967. Os voos do DC-7C da Panair voavam com comissárias de voo da TAP, e tripulantes técnicos da Panair.
O registro de segurança dos DC-7C da Panair foi, no entanto, bastante ruim. Dos quatro aviões iniciais, três se perderam em acidentes. O primeiro DC-7C a ser perdido foi o PP-PDL. O avião reportou problemas hidráulicos, vazamento de fluido, uma hora depois de decolar do aeroporto de Ponta Pelada, em Manaus, em 14 de outubro de 1961. Com os freios comprometidos, solicitou um pouso de emergência no aeroporto de Belém. Pousou, mas quando os pilotos aplicaram os reversores da hélices, a aeronave derivou para fora da pista, parando em uma vala de drenagem, e teve os trens de pouso severamente danificados. Não houve vítimas, mas o avião foi considerado financeiramente irrecuperável, sendo sucateado pouco tempo depois.
Duas semanas depois, em 1º de novembro de 1961, o PP-PDO, cumprindo um dos Voos da Amizade, sofreu o pior desastre da história da Panair do Brasil. O avião vinha de Lisboa, de onde decolara às 16 horas de 31 de outubro, e tinha cumprido uma escala de reabastecimento na Ilha do Sal, em Cabo Verde, necessária nos voos entre a Europa e o Brasil devido aos ventos predominantes de oeste. A aeronave era comandada por Pery Moacir Huber, que tinha como copiloto, no trecho, Hugo Tenan.
O PP-PDO executou um procedimento para a pista 15 de Recife, que tinha 2300 metros de extensão. Na época, a pista mais extensa, a 18-36, estava interditada para obras. Na aproximação, as condiçoes meteorológicas eram um extensa camada baixa de nuvens, a 2000 pés de altura, e visibilidade horizontal praticamente ilimitada. No entanto, o avião fez uma aproximação muito baixa, entrou na camada e acabou batendo no solo antes da pista. Das 88 pessoas a bordo, 45 pereceram no local do acidente, e 43 foram removidas para os hospitais de Recife. Alguns sobreviventes pereceram depois nos hospitais, elevando o total de mortos para 52. A causa do acidente foi falha humana, do tipo hoje conhecido como CFIT (Controlled Flight Into Terrain).
Em 8 de abril de 1963, o PP-PDM, durante um voo de treinamento, no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, teve o trem do nariz recolhido acidentalmente, por um problema mecânico na decolagem, pouco depois da V-1. A decolagem foi abortada, mas o avião sofreu danos que inviabilizaram sua recuperação, e foi removido para as instalações da Panair, onde foi sendo progressivamente canibalizado.
Com um único DC-7C voando, o PP-PDN, a Panair se viu obrigada a arrendar dois outros aviões da Pan Am, que receberam as matrículas PP-PEG e PP-PEH. O PP-PEG deveria vir primeiro, mas parece que sua entrega foi retardada, e o PP-PEH teria vindo no seu lugar, ainda em 1963. Há sérias dúvidas se o PP-PEH teria realmente operado na Panair, pois não existem sequer registros fotográficos de sua passagem pela empresa. O fato é que o PP-PEG foi entregue à Panair em 20 de janeiro de 1964, e voou na empresa até o seu fechamento. Foi retomado pela Pan Am em 9 de setembro de 1965. O PP-PEG recebeu na Panair o nome de batismo "Bandeirante Brás Esteves Leme". Aparentemente, o PP-PEH jamais operou na Panair e sequer recebeu nome de batismo. Foi oficialmente devolvido em 1965, antes da falência da empresa, e não existe um registro confiável de sua operação em território brasileiro.
Em 7 de fevereiro de 1965, um dos DC-7C retornou de Lisboa para o Rio de Janeiro, via São Paulo. Foi o último voo comercial dessa aeronaves no Brasil. Três dias depois, o governo cassava as linhas da empresa, sem qualquer explicação razoável. Em 16 de fevereiro, era decretada a falência da Panair do Brasil.
Restavam, no Galeão três aeronaves DC-7C remanescentes: os restos canibalizados do PP-PDM, o PP-PEG e o PP-PDN. Em setembro de 1965, a Pan Am veio buscar o PP-PEG, que ainda teria uma longa sobrevida no exterior, tendo voado até 1980. Os restos do PP-PDM foram leiloados como sucata, junto com os restos do Caravelle PP-PDU, acidentado, e os Constellation restantes. Foram desmanchados a machado. O PP-PDN, ainda intacto e oferecido à venda em leilão como aeronave operacional, não teve compradores. Aviões DC-7 já eram impopulares no mercado por conta dos motores problemáticos. Restou intacto nas antigas instalações da Panair, até ser rebocado para o Parque de Material Aeronáutico do Galeão - PAMA-GL, onde foi provavelmente desmontado para servir de fonte de peças de reposição para os Douglas C-118 (DC-6B) da FAB.
Histórico da frota de Douglas DC-7 da Panair do Brasil:
PP-PDL: c/n 45122/790, "Bandeirante Fernão Dias Paes"; Comprado novo e entregue em 5 de abril de 1957. Acidentado com perda total em Belém, em 14 de outubro de 1961.
PP-PDM: c/n 45124/808, "Bandeirante Antônio Raposo Tavares"; Deveria ter ido para a Pan Am, como N757PA, mas não entregue; Comprado novo e entregue em 11 de maio de 1957. Acidentado em voo de treinamento no Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, em 8 de abril de 1963. Considerado irrecuperável, foi canibalizado. Seus remanescentes foram vendidos como sucata no final da década de 1960.
PP-PDM: c/n 45124/808, "Bandeirante Antônio Raposo Tavares"; Deveria ter ido para a Pan Am, como N757PA, mas não entregue; Comprado novo e entregue em 11 de maio de 1957. Acidentado em voo de treinamento no Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, em 8 de abril de 1963. Considerado irrecuperável, foi canibalizado. Seus remanescentes foram vendidos como sucata no final da década de 1960.
O PP-PDN no cemitério da Panair, no Aeroporto do Galeão |
O PP-PDN, parado no Galeão depois da falência da Panair. Jamais voltou a voar |
O N75000, ex Panair do Brasil PP-PEG |
Esse DC-7C teria voado na Panair como PP-PEH |
Fontes: Aeroforum, Vito Cedrini, Revista Flap, Emerson Daniel, Daniel Carneiro, Carlos Ary César Germano da Cunha.
Meus avós paternos voaram muito de panam, provável em algum desses.. Valeu
ResponderExcluirGosto muito de acompanhar as histórias postadas no blog. Parabéns pelo ótimo trabalho realizado ao buscar todas essas informações!
ResponderExcluirViajei para a Itália em 1958 em um Douglas Costellation da Panair do Brasil, partindo de Recife, com escala em Dakar (Africa) e Lisboa (Portugal). Voltei para o Brasil em 1959 em um DC-7C, também da Panair do Brasil, até Recife, de onde vim para o Rio em um Convair de Real Aerovias. Caramba, quanto tempo faz!! Pelo que li, corri um grande risco voando no DC-7C, mas aqui estou eu. Seja como for, sinto saudades em particular da Panair do Brasil.
ResponderExcluirNão cheguei a voar em nenhum destes modelos, mas sim no DC-4. Hoje sei que o Loide Aereo possuio alguns destes e um deles teve o grave acidente na paraíba, matando todos a bordo.
ResponderExcluirO PP-PDM trouxe a delegação da Seleção Brasileira de Futebol da Suécia em 1958.
ResponderExcluirE LEVOU TAMBÉM, COMANDANTE BUGNER..... SO Q EM 1966 O AVIÃO MERA OUTRO,,,,KKKKKKKKKK
ResponderExcluirJonas, uma observação. A DOUGLAS batizou os seus DC-7C de "Seven Seas" não com referência à sua capacidade de atravessar os oceanos, mas porque são em inglês o som de seu nome, "SEVEN C"´.
ResponderExcluirExcelente matéria sobre os DC7C na Panair!
ResponderExcluirfUI cOMISSÁRIO DE bORDO (1967 A 1994), MAS NÃO VOEI NA PANAIR NEM ESSES AVIÕES, NO ENTANTO OS VIA PASSAR OPERANDO OS VOOS ACIMA DE MINHA CASA NOS ANOS EM QUE VOARAM, MORANDO PROX AO GALEÃO E ADORAVA O BARULHO DE SEUS MOTORES.
ResponderExcluirA FOTO COM O TU-114 NÃO É EM HEATHROW, É NO GALEÃO, no antigo terminal (onde hoje funciona o terminal de cargas)! No fundo, a Base Aérea do Galeão com os C-47 da FAB.
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