Google Website Translator

sábado, 5 de novembro de 2011

XB-70 Valkyrie: Colisão no ar sobre o Deserto de Mojave

No final da década de 1950, na crescente corrida armamentista que estava sendo disputada entre os Estados Unidos e a União Soviética, não faltava dinheiro para financiar as mais extravagantes aeronaves já imaginadas pelos projetistas americanos.

XB-70 decolando
Uma das mais fantásticas aeronaves dessa época foi o North American XB-70 Valkyrie. Esse avião deveria ser o principal bombardeiro estratégico americano, e foi projetado para voar a Mach 3, a 70 mil pés, economicamente, com alcance de combate de quase 7 mil Km, carregando armas nucleares.
XB-70 em Edwards
Naquela época, as única armas eficazes contra os bombardeiros eram os caças supersônicos, e a velocidade e a altitude projetadas para o XB-70 o colocavam virtualmente fora de alcance, mesmo dos mais poderosos caças da época.

Infelizmente para o XB-70, na mesma época foram desenvolvidos os mísseis terra-ar de grande altitude, que acrescentaram um grande risco adicional aos bombardeiros, mesmo os mais velozes. O desenvolvimento dos mísseis balísticos intercontinentais também acrescentou outra variável na equação, pois as armas nucleares podiam ser disparadas à distância, de silos em terra ou de submarinos nucleares, sem necessidade de caros bombardeiros tripulados.

Na verdade, o golpe de misericórdia no projeto do XB-70 foi o seu altíssimo custo de desenvolvimento, considerado injustificável pelo Presidente John Kennedy. O Departamento da Defesa cancelou o programa XB-70 em março de 1961, e os planos de uma grande frota de bombardeiros voando a Mach 3 foram definitivamente engavetados. Todavia, isso não significava o fim do avião.

O projeto do XB-70 era avançado e revolucionário demais para ser desprezado. Durante os anos 60, pesquisas no campo da aerodinâmica e de propulsão a jato tornavam viável a possibilidade de transportar passageiros a velocidades supersônicas. Americanos, russos e europeus travaram então uma competição para lançar o primeiro avião comercial supersônico.

O XB-70, desprezado como arma militar antes de chegar a voar, acabou se tornando uma aeronave de pesquisa para o voo em velocidade supersônica.

Mesmo sob a ótica atual, 50 anos depois, o XB-70 era uma aeronave extraordinária, sob qualquer ponto de vista. Com peso máximo de decolagem de 250 toneladas, tinha seis motores GE YJ-93 de 19.900 lbf de empuxo, 28.800 lbf com pós combustão. Com 177 toneladas de combustível, carregadas internamente, podia voar quase 7 mil Km e voltar, sem reabastecer. Sua velocidade máxima era de Mach 3,1, 3.300 Km/h, e o teto de serviço podia chegar a 77 mil pés.

Mesmo com o programa de bombardeiros cancelado, o governo americano financiou a construção de 2 protótipos pela North American, que foram destinados à NASA, para trabalhos em conjunto com a USAF. O primeiro deles voou em 21 de setembro de 1964. O segundo protótipo voou pouco tempo depois.

No dia 8 de junho de 1966, o segundo protótipo, o AV-2, USAF S/N 62-0207, estava escalado para voar pela 46ª vez. O local era a Base Aérea de Edwards, no Deserto de Mojave, na Califórnia. A missão destinava-se a avaliar o estrondo sônico, um terrível subproduto do voo supersônico e um dos principais entraves a superar para tornar viável o voo comercial acima da velocidade do som. 

O XB-70 decolou às 07:15 da manhã de Edwards. A missão era quase rotineira, mas nesse voo em especial, a USAF autorizou o voo em formatura do XB-70 com outras aeronaves, depois que os voos de pesquisa programados terminassem.
Um desses aviões era um Learjet 23 civil, alugado pela General Eletric, fabricante dos motores do XB-70. Era uma missão fotográfica, com finalidades publicitárias. Os outros eram um Northrop T-38 Tallon e um Lockheed F-104 Starfighter da USAF, que escoltaram, pelo menos enquanto puderam, o XB-70 nas missões supersônicas. Outros aviões se alternavam na formação.
Como o Learjet não tinha desempenho suficiente para poder acompanhar o XB-70 e os outros aviões militares em grande altitude, a formação inteira desceu para 20 mil pés, para possilitar a missão fotográfica numa velocidade razoável.

Os aviões voavam em formação cerrada, bem próximos, no céu límpido acima do deserto. O F-104, comandado pelo experiente piloto Joe Walker, voava pouco acima do XB-70. Walker já tinha acompanhado 8 missões do XB-70. Era muito experiente, e detentor de recordes mundiais, à época, como o de maior altitude, 354.200 pés, e velocidade, 6.605 Km/h, no programa experimental do avião-foguete X-15.

Subitamente, no entanto, ocorreu o desastre. O F-104 de Walker colidiu com a empenagem do XB-70, arrancando suas duas derivas. Rolando para a esquerda, chocou-se com a asa do XB-70 e partiu-se em dois. Tudo isso ocorreu em exatos 2,8 segundos.
Logo após a colisão com o XB-70, o F-104 se desfaz em chamas
Walker era curioso, uma das qualidades que o fizeram um bom piloto de testes. Mas sua curiosidade pode ter sido mortal nesse dia. Ao se aproximar demais do XB-70, para observar alguma coisa, tocou-o de leve, mas o suficiente para perder o controle e colidir.
O XB 70 mortalmente ferido, mas ainda voando após o impacto
O piloto do XB-70, Al White, ouviu pelo rádio que houvera uma colisão. A princípio, poderia ter pensado que não era com o seu avião. O XB-70, apesar de mortalmente ferido, ficou estável por incríveis 16 segundos, como se nada houvesse acontecido.

Como vova muito mais rápido e muito mais alto que qualquer aeronave então experimentada, o XB-70 não tinha assentos ejetáveis, como qualquer aeronave militar de alto desempenho. Tais dispositivos não seriam simplesmente capazes de garantir a sobrevivência dos pilotos, nesses limites extremos de velocidade e altitude. Ao invés, o XB-70 era equipado com cápsulas de escape, que garantiam proteção nessas situações.
O XB-70 finalmente se rendeu aos seus ferimentos mortais, e rolou violentamente para a direita. Ficou invertido e com o nariz para baixo, depois voltou para a posição normal e com o nariz para cima. Por fim, precipitou-se em direção ao solo em parafuso.

O piloto Al White ficou quase imobilizado em seu assento pela força centrífuga. Pouca coisa havia a fazer, a não ser ejetar.

Para se ejetar do XB-70, eram necessárias apenas duas providências por parte dos pilotos: primeiro, puxar um dos punhos amarelos, ou ambos, que ficavam nos braços dos assentos. Depois, apertar um gatilho existente no punho esquerdo, ou do punho direito, ou ambos.

O primeiro movimento empurrou White violentamente para trás, em direção ao alojamento do cápsula de ejeção, e apertou-o firmemente com os cintos de quatro pontos. Seus pés foram empurrados para trás por outro dispositivo, acionando a carga explosiva que fechava a porta da cápsula de ejeção.

No entanto, o  cotovelo direito de White ficou preso na articulação da porta, que não se fechou totalmente. Cerca de 15 cm do seu cotovelo dobrado ficaram para fora da cápsula. Com as mãos imobilizadas pelos dispositivos automáticos, White não pode fazer quase nada para se livrar. A folga entre a cápsula e a estrutura do avião era de apenas 10 cm, e White podia ter seu cotovelo decepado se tivesse ejetado nesse momento.

Enquanto o XB-70 caía, White dolorosamente conseguiu puxar o cotovelo para dentro e se ejetou. O Major Carl Cross, o copiloto do XB-70, parecia atrapalhado com alguma força ou coisa no avião, e jamais chegou a acionar sua cápsula de ejeção.
O impacto do XB-70 no deserto
As desventuras de Al White, mesmo que já ejetado, ainda não haviam terminado. As portas da cápsula de ejeção não estavam fechadas, uma vez que as cargas explosivas que faziam essa ação já tinham sido disparadas, e as portas abertas estavam impedindo o funcionamento de outro dispositivo de segurança, que amortecia o impacto com o solo, uma espécie de colchão inflável. Mesmo com paraquedas, o impacto da cápsula com o solo era considerável.

A despeito dos esforços de White, a cápsula de ejeção chocou-se com o solo com um impacto de 30 G. A maior parte dos seus órgãos internos, especialmente da parte inferior do corpo, pararam de funcionar. White ficou semanas no hospital, mas depois recuperou-se totalmente.

O Major Cross, copiloto do XB-70, foi encontrado nos destroços fumegantes do avião. Ele não conseguiu sequer iniciar os procedimentos de ejeção. Joe Walker, piloto do F-104, foi encontrado nos destroços do  seu avião, decapitado, a 16 Km do local do impacto do XB-70. Jamais pode ser determinado, com certeza, o que fez o F-104 colidir com o XB-70. O vórtice aerodinâmico criado pelas derivas do XB-70 pode ter desestablizado o F-104 a ponto de provocar a colisão, mas é certo que Walker não deveria ter se aproximado tanto.
O XB-70 pousando em Dayton, Ohio
O programa de testes do XB-70 não foi interrompido com o acidente. Os voos com o primeiro protótipo continuaram em Edwards até 1968. Essa aeronave fez um total de 83 voos e o programa de pesquisa resultou em ensinamentos que são úteis até hoje, 45 anos depois do acidente em Edwards. Em 4 de fevereiro de 1969, o XB-70 remanescente fez seu útlimo voo, para o Museu da USAF em Dayton, Ohio, onde se escontra exposto até hoje.

10 comentários:

  1. Muito legal Jonas.
    Tive o previlegio de entrar em um F104.
    Parece um Fogete com 2 asas.
    Grande Abraço Prof.

    ResponderExcluir
  2. Excelente post. O Walkyrie XB 70 é uma lenda e esse episódio com o segundo protótipo serviu para aumentar sua fama.

    ResponderExcluir
  3. Olá, tenho algumas fotos do XB-70 no museu da USAF em Dayton OH.
    Não só dele, mas como de muitos outros aviões lá no museu.

    Se as fotos interessarem, me mande um email. Ou me contate pelo meu blog
    Http://cavacchini.blogspot.com
    Abraço

    ResponderExcluir
  4. Complementando o comentario meu acima, tb tenho fotos do museu smithsonian, incluindo o Enola Gay, ficarei feliz em colaborar com o blog, se for do seu interesse.

    Um gde abraço.

    ResponderExcluir
  5. Excelente! "Chuck" Yeager cita em sua autobiografia desse episódio com críticas ao falecido Walker, ..."era outro piloto civil em Edwards que eu não entendia, matou-se e à tripulação do B-70, por não estar em seu elemento (voar em formação)"

    ResponderExcluir
  6. Fico imaginando como seria ferrenha a competição entre aqueles pilotaços...Yeager, Crossfield,Walker, Bridgeman,Ziegler,Apt,Kincheloe... Vale ressaltar que desses todos, o ÚNICO QUE AINDA VIVE É O YEAGER, OS OUTROS TODOS foram morrendo em acidentes aéreos,alguns tolos como os que mataram Crossfield e Bridgeman! JR

    ResponderExcluir
  7. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir

Gostou do artigo??? Detestou? Dê a sua opinião sobre o mesmo.