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sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Os Vôos da Amizade Brasil - Portugal

Em 1960, as empresas aéreas Panair do Brasil e TAP - Transportes Aéreos Portugueses fizeram um acordo operacional para um serviço aéreo de baixo custo ligando o Brasil a Portugal, utilizando somente aeronaves com motores a pistão e hélice, e serviço de bordo consideravelmente simplificado, mas com tarifas muito mais baratas que as dos serviços regulares normais já existentes.
O PP-PDO inaugurou o primeiro Voo da Amizade
O acordo tinha várias cláusulas até então inéditas na aviação comercial:
  • As passagens aéreas, que custavam consideravelmente mais barato que as passagens normais, só podiam ser adquiridas por cidadãos portugueses ou brasileiros, ou, excepcionalmente, por estrangeiros com residência permanente no Brasil ou em Portugal;
  • A franquia de bagagem era reduzida a apenas 20 Kg por passageiro;
  • O serviço de bordo era consideravelmente simplificado, e as necessárias refeições aos passageiros, em um voo tão longo, seriam feitas nas escalas técnicas para reabastecimento durante o voo, em restaurantes nos aeroportos, e não a bordo;
  • A rota executada era Rio de Janeiro (Galeão) - Recife - Ilha do Sal (Cabo Verde) - Lisboa. Alguns dos voos operavam em São Paulo (Congonhas);
  • Os aviões eram configurados em classe única (turística).
Inicialmente,  todos os voos eram executados com as aeronaves Douglas DC-7C da Panair do Brasil, e duas aeronaves, o PP-PDO e o PP-PDN, foram preparadas especialmente para atender essa rota, com a reconfiguração do interior e o acréscimo do logotipo TAP junto ao logotipo da Panair, nas laterais das aeronaves.
O PP-PDO ostentando os logos Panair do Brasil - TAP na fuselagem
Os voos seriam feitos duas vezes por semana em ambos os sentidos, com números de voo TAP e Panair, sendo que os voos TAP tinham tripulações mistas, com comissários de voo da empresa portuguesa e tripulação técnica da Panair.

Em julho de 1964, por exemplo, os voos eram:
  • Segundas-feiras: TAP 55: Decolava de Lisboa às 16:00 h, hora de verão local, 15:00 UTC. Pousava na Ilha do Sal às 19:25 local, 21:25 UTC. Permanecia no aeroporto por pouco mais de duas horas, enquanto a aeronave passava por manutenção de trânsito e os passageiros faziam um jantar no restaurante. Decolava de Sal às 20:40 local, 22:40 UTC, em direção ao Recife. onde pousava às 02:20 local, 05:20 UTC, na terça-feira. Decolava de Recife às 03:05 local, depois que os passageiros fizessem um café da manhã e a aeronave era reabastecida. O avião pousava no Galeão às 07:05 local, 10:05 UTC de terça-feira, ponto final do voo. Os voos da amizade TAP não operavam em São Paulo;
  • Sextas-feiras: PB 57: Decolava de Lisboa às 18:30 h, hora de verão local, 17:30 UTC. Pousava na Ilha do Sal às 21:55 local, 23:55 UTC. Permanecia no aeroporto por pouco menos de duas horas, enquanto a aeronave passava por manutenção de trânsito e os passageiros faziam um jantar no restaurante. Decolava de Sal às 22:50 local, 00:500 UTC, em direção ao Recife. onde pousava às 04:30 local, 07:30 UTC, no sábado. Decolava de Recife às 05:30 local, 08:30 UTC, depois que os passageiros fizessem um café da manhã e a aeronave era reabastecida. O avião seguia direto para Congonhas, onde pousava às 10:20 local, 13:20 UTC. Decolava de Congonhas às 11:00 local, 14:00 UTC, se seguia para o Rio de Janeiro. Pousava no Galeão às 12:10 local, 15:10 UTC de sábado, ponto final do voo
  • Segundas-feiras: TAP 54: Decolava do Galeão às 14:00 h, hora local, 17:00 UTC.Pousava no Recife às 18:10 local, 21:00 UTC, onde permanecia por uma hora e 20 minutos, para que os passageiros pudessem fazer um jantar e aeronave fosse abastecida. O avião decolava às 19:30 local, 22:00 UTC, e seguia para Cabo Verde, pousando na Ilha do Sal às 03:20 local, 06:20 UTC, onde o avião era reabastecido e os passageiros desembarcavam para o café da manhã. Às 04:30 local, 07:30 UTC, o avião decolava para Lisboa, onde pousava às 13:40 local, 12:40 UTC, ponto final do voo.
  • Sextas-feiras: PB 56: Decolava do Galeão às 14:00 h, hora local, 17:00 UTC.Pousava em Congonhas, São Paulo, às 15:10 local, 18:10 UTC. Decolava para o Recife às 15:50 local, 18:50 UTC, Pousava no Recife às 20:50 local, 23:50 UTC, onde permanecia por uma hora e 20 minutos, para que os passageiros pudessem fazer um jantar e aeronave fosse abastecida. O avião decolava às 22:10 local, 00:10 UTC, e seguia para Cabo Verde, pousando na Ilha do Sal às 06:00 local, 09:00 UTC, onde o avião era reabastecido e os passageiros desembarcavam para o café da manhã. Às 07:00 local, 10:00 UTC, o avião decolava para Lisboa, onde pousava às 16:10 local, 15:10 UTC, ponto final do voo.
Analisando-se os voos, pode se ver que eram bastante cansativos, considerando que as poltronas eram todas de classe econômica, durando entre 19 e 22 horas na prática, se não houvesse nenhum problema de manutenção ou meteorológico. Mas eram o voos mais baratos do Brasil para a Europa naquela época, e isso compensava o desconforto. Os DC-7C eram ainda bem novos, e bem mantidos. Apesar da má fama dos motores Wright TC-18, as panes eram relativamente poucas.
O PP-PDN também foi utilizado nos Voos da Amizade
Os voos regulares entre Brasil e Portugal foram mantidos, e a partir de 1961, com aeronaves a jato, muito mais rápidos, sem os inconvenientes de refeições em restaurantes de aeroportos e com serviço de bordo muito melhor.
 
O primeiro Voo da Amizade foi realizado em 30 de novembro de 1960, com o DC-7C PP-PDO, com apenas uma frequência semanal, que saía do Rio de Janeiro para Lisboa às quartas-feiras e retornava às sextas-feiras. Em agosto de 1961, os voo passaram a ter duas frequências semanais, e em agosto de 1962, três frequências semanais, com o uso de uma terceira aeronave, o PP-PEG, que substituiu o PP-PDO, acidentado em 1961. Houve uma redução na demanda, e em maio de 1964, a frequência voltou a ser de duas frequências semanais em ambos os sentidos da viagem.
A rotatória de acesso ao Aeroporto de Lisboa, em 1961
Infelizmente, os Voos da Amizade ficaram marcados por um sério acidente, ocorrido em 1º de novembro de 1961. O PP-PDO decolou, na tarde do dia anterior, às 16 horas, para o voo ao Rio de Janeiro. Após a escala na Ilha do Sal, e já na madrugada do dia 1º, o avião fez uma aproximação visual para a pista 15 do Aeroporto do Recife. A pista mais longa 18-36 estava em obras e não operacional.
O remoto aeroporto da Ilha do Sal, nos anos 60
A tripulação fez a aproximação, mas muito abaixo do perfil recomendado. Naquela época, ainda não existiam os VASIS, sistemas de luzes que indicam a rampa ideal de pouso. O avião bateu num pequeno morro de 63 metros de altura, na zona norte da cidade, a três quilômetros das pistas norte do aeroporto
O PP-PDO no esquema Panair-TAP
A aeronave teve seus trens de pouso e a parte inferior da fuselagem destruídos no choque, e depois precipitou-se logo abaixo, dividindo-se em dois grandes pedaços e se incendiando.
O PP-PEG substituiu o PP-PDO nos Voos da Amizade
Apesar da violência do choque, o acidente teve sobreviventes: dos 79 passageiros e 9 tripulantes a bordo, 43 sobreviveram. Mas 45 morreram, no que foi o pior acidente da Panair do Brasil.
 
A causa do acidente foi erro da tripulação, que fez a aproximação muito baixa, pois deveriam estar a 600 pés (200 metros) de altura naquele momento, muito acima da altura do morro.
A bela foto de Vito Cedrini mostra um Constellation da TAP operando o voo da amizade, em 27 de março de 1967, no Aeroporto do Galeão
Os Voos da Amizade Panair-TAP continuaram normalmente, no entanto, até que no dia 7 de fevereiro de 1965, o PP-PEG fez um voo de retorno entre Lisboa e o Rio de Janeiro. Seria o último. No dia 10 de fevereiro, a Panair teve suas linhas cassadas arbitrariamente pelo Departamento de Aviação Civil, e foi impedida de voar novamente.

Houve uma interrupção nos voos, mas, em 22 de abril de 1965, um Lockheed L1049G Super Constellation da TAP reiniciou o serviço, bem no dia do aniversário do descobrimento do Brasil. Dessa vez, em vez da Panair, a parceira era a Varig, que também utilizou, a princípio, seus Super Constellation nos voos, posteriormente substituídos pelos Lockheed L-188 Electra.
O Super Constellation foi o primeiro avião da Varig a ser empregado nos Voos da Amizade
Em dezembro de 1965, quando tanto a TAP quanto a Varig ainda utilizavam os Super Constellation, os voos operados eram:
  • Domingos: TP 055: Decolava de Lisboa às 18:00 local, 18:00 UTC, pousando na Ilha do Sal às 22:45 local, 00:45 UTC. Ficava apenas uma hora e decolava às 23:45 local, 01:45 UTC. Pousava no Recife às 06:45 hora de verão local, 08:45 UTC. Decolava às 07:45 hora de verão local, 09:45 UTC e pousava no Rio de Janeiro-Galeão, às 12:30 hora de verão local, 14:30 UTC, da segunda feira;
  • Quintas-feiras: RG 857: Decolava de Lisboa às 18:00 local, 18:00 UTC, pousando na Ilha do Sal às 23:00 local, 01:00 UTC. Ficava apenas uma hora e decolava às 23:59 local, 01:59 UTC. Pousava no Recife às 07:00 hora de verão local, 09:00 UTC. Decolava às 08:00 hora de verão local, 10:00 UTC e pousava no Rio de Janeiro-Galeão, às 12:30 da hora de verão local, 14:30 UTC, da segunda feira. Decolava do Galeão às 13:30 hora de verão local, 16:30 UTC, e pousava em São Paulo-Congonhas, às 14:30 da hora de verão local, 16:30 UTC;
  • Segundas-feiras: RG 856: Decolava de São Paulo-Congonhas às 16:00 da hora de verão local, 18:00 UTC. Pousava no Rio-Galeão às 17:00 da hora de verão local, 19:00 UTC, e decolava ás 18:00 da hora de verão local, 20:00 UTC. Pousava no Recife às 22:40 hora de verão local, 00:40 UTC, e decolava às 23:40 hora de verão local, 01:40 UTC, para Cabo Verde. Pousava na Ilha do Sal às 06:50 local, 08:00 UTC, e decolava para Lisboa às 07:50 local, 09:00 UTC, onde pousava às 16:30 local e UTC;
  • Domingos: TP 054: Decolava do Rio-Galeão ás 18:00 da hora de verão local, 20:00 UTC. Pousava no Recife às 22:50 hora de verão local, 00:50 UTC, e decolava às 23:50 hora de verão local, 01:50 UTC, para Cabo Verde. Pousava na Ilha do Sal às 06:50 local, 08:00 UTC, e decolava para Lisboa às 07:50 local, 09:00 UTC, onde pousava às 16:30 local e UTC;
A Varig depois substituiu os Super Constellations pelos Lockheed L-188 Electra, mas aí mantinha tripulações de voo separadas, uma para os voos entre São Paulo-Rio-Recife, e outra para a parte internacional, a qual incluía mais um piloto e dois navegadores. Como os Electras não possuíam, assim como os Constellations, de equipamento Doppler ou Inercial, os navegadores usavam sextantes para se orientar na navegação sobre o Atlântico.
Os Electras substituíram os L-1049G da Varig nos Voos da Amizade
Ao se aproximar o fim da operação conjunta, os voos TP 054 e TP 055 tinham já duas frequências semanais, em semanas alternadas, nos dois sentidos. Os voos RG 856 e RG 857, usando os Electras, eram semanais e começavam sempre em São Paulo. Esse voos eram bem mais rápidos, graças ao melhor desempenho dos Electras, pois decolavam de São Paulo-Congonhas às 22:00 local, 01:00 UTC, e chegavam em Lisboa às 19:10 local/UTC, do dia seguinte.
Um Constellation da TAP já no fnal da sua carreira de 12 anos de operação
Em 1967, no entanto, a operação dos aviões a hélice, especialmente as dos Super Constellation da TAP, já estava muito onerosa e os custos forçavam a retirada de serviço desses aviões, e as duas empresas optaram então pelo encerramento dos Voos da Amizade, que, no entanto, fizeram história na aviação comercial dos dois países. De fato, o último voo de um Super Constellation da TAP foi justamente o último Voo da Amizade, do Rio de Janeiro para Lisboa, cumprido pela aeronave CS-TLC "Gago Coutinho", que pousou em Lisboa às 17:35 do dia 14 de setembro de 1967. Foi o fim de uma era.

7 comentários:

  1. Excelente reportagem sobre esses históricos voos, Panair/TAP/Varig.

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  2. Excelente trabalho. Parabéns!
    Obs: Não sabia que os Eletras substituiram os Constellation da Varig
    nos voos da amizade, mas uma história para o meu conhecimento.

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  3. Meu sogro veio para o Brasil em 1963 nesse vôo. Obrigado por nos trazer essa história.

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    1. Talvez até fosse meu passageiro, adorei, trabalhar em conjunto com os meus colegas brasileiros. eram super simpáticos e educados

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  4. Fui assistente de bordo do Voo da Amizade de 1960 a 1964,efiz também o curso do Caravelle, sai em 1964 quando me casei. Tenho muitas saudades desse tempo, as minhas colegas já faleceram, só existe uma, com quem mantenho a nossa amizade que é casada com um colega nosso brasileiro q era comandante,foram tempos maravilhosos, que recordo com muita saudade. Ema

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  5. O Comandante Peri Moacir Huber que faleceu neste trágico vôo, era primo da minha mãe. Na época eu tinha 11 anos, me lembro bem da comoção e tristeza na nossa família. Ele era um dos netos mais velhos dos meus avós imigrantes alemães, Andreas Huber e Katharina Huber.

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