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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pratt & Whitney R4360: um gigantesco motor radial de 28 cilindros

Nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, a indústria aeronáutica norte americana lançava, quase diariamente, novos modelos de aeronaves, motores e componentes, para atender as necessidades militares.
Motor Pratt & Whitney R4360, de 28 cilindros
Os militares sempre estavam pedindo aeronaves com maior velocidade, maior alcance, maior capacidade de armas, e um dos problemas em se conseguir isso estava nos motores. Os americanos sempre preferiram usar motores radiais, refrigerados a ar, em suas aeronaves mais potentes, tanto que, durante toda a Guerra, apenas dois motores em "V", resfriados a líquido, tiveram grande uso em combate.
Motor completo sendo embarcado em um Douglas C-124
De fato, os motores radiais tinham grandes vantagens, como sua excelente relação peso-potência e sua confiabilidade em serviço. Por outro lado, tinham como desvantagens óbvias sua grande área frontal e o grande consumo de óleo lubrificante.
Motores do Boeing KC-97
A grande maioria dos motores radiais em uso pelos americanos no final da Guerra eram configurados em uma estrela de 9 cilindros ou duas estrelas de 7 ou 9 cilindros cada, para compor motores de 14 e 18 cilindros. Embora a tecnologia oferecesse alguns novos avanços, a maneira mais óbvia de aumentar a potência do motor seria aumentar sua cilindrada.

O aumento da cilindrada dos motores de aeronaves não podia ser ilimitado, pois um dos efeitos disso era o aumento da área frontal dos motores radiais. Os fabricantes de motores eram criativos, e ofereceram várias opções, que geralmente tinham um dos desses "defeitos", na ótica dos americanos: ou eram resfriados a líquido, ou eram sujeitos ao superaquecimento. Como já foi dito, os americanos tinham preferência pelos motores resfriados a ar.
A Pratt & Whitney, um dos maiores fornecedores de motores radiais, concebeu um novo modelo de motor radial, com 4 estrelas de 7 cilindros cada uma, perfazendo um total de 28 cilindros. Isso resolvia o problema da área frontal, mas criava outro: como refrigerar adequadamente os cilindros das estrelas traseiras?

Os engenheiros adotaram uma solução engenhosa para o problema da refrigeração: os cilindros de trás eram ligeiramente defasados em relação aos da frente, criando espaços de circulação de ar entre os cilindros de formato semi-helicoidal, o que possibilitava a refrigeração dos cilindros traseiros sem maior dificuldade.
Motor em corte, para demonstração
Obviamente, outros problemas teriam que ser resolvidos, como o sistema de ignição para os 28 cilindros e o sistema de alimentação.

O motor resultante demonstrou ser extremamente compacto para uma cilindrada tão grande, 4.362 polegadas cúbicas, ou 71,5 litros. Outra vantagem do novo motor era a sua excelente relação peso-potência, potencialmente melhor que a do excelente motor P & W R2800, até então o melhor motor radial usado em aviões de caça, e que equipava os Republic Thunderbolt e os Vought Corsair, entre outros aviões de primeira linha.
Mecânico inspecionando um R4360, o que dá idéia do tamanho do motor
O motor foi designado R4360 Wasp Major, e seus modelos iniciais produziram cerca de 3.000 HP nas bancadas de teste, com potencial para desenvolver até 3.500 Hp nos modelos de produção.

O novo motor interessou de imediato tanto os militares quanto os fabricantes de aeronaves. Na época, a Boeing produzia o mais poderoso e sofisticado bombardeiro de seu tempo, o B-29. O B-29 era um excelente avião, mas seus motores Wright R3350 deixavam muito a desejar quanto à sua confiabilidade. De fato, incêndios nesses motores destruíram o segundo protótipo do B-29 e mataram toda a sua tripulação. Durante a Guerra, os motores Wright destruíram mais B-29 que os inimigos japoneses.

Outro problema se demonstrava urgente: os B-29 podiam levar bombas nucleares, mas tais bombas tornavam-se cada vez mais pesadas e precisavam ser levadas cada vez mais longe, e um novo bombardeiro, mais potente e de maior capacidade tornava-se altamente necessário.
Corte esquemático do R4360
De fato, tão logo terminou a Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1945, a Boeing encerrou a fabricação do B-29 e começou a desenvolver um modelo parecido, mas equipado com os novos motores R4360, designado inicialmente B-29D, mas depois redesignado Boeing B-50.
Boeing B-50
A Consolidated-Vultee (Convair) também desenhou um bombardeiro estratégico de grande alcance, com capacidade nuclear, o B-36 Peacemaker, que seria equipado com seis motores R4360.
Convair B-36 Peacemaker
Tanto o Boeing B-50 quanto o Convair B-36 constituíram a espinha dorsal da força de bombardeiros nucleares americanos durante a primeira fase da Guerra Fria, até serem substituídos pelos bombardeiros a jato Boeing B-47 Stratojet e B-52 Stratofortress.
Hughes H-4 Hercules, com 8 motores R4360
Embora alguns modelos de aeronaves de caça, como os Vought 2FG Super Corsair, chegassem a ser equipados com o R4360, o desenvolvimento dos motores a jato e o fim da Guerra impediu um uso mais intenso desses motores em caças.

Tecnicamente, o motor R4360 não apresentava grandes evoluções sobre os motores anteriores, exceção feita à disposição inédita de 4 estrelas e à enorme cilindrada. A alimentação de combustível era por carburador de injeção por pressão Bendix-Stromberg, de corpo quádruplo, e um supercharger entre o carburador e os cilindros, que além de aumentar a pressão de admissão, tinha a função de permitir uma mistura de combustível mais homogênea para todos os cilindros.

O sistema de ignição apresentava mais novidades, pois empregava 4 magnetos do tipo de baixa tensão, duplos. e uma bobina individual de alta tensão para cada uma das 56 velas de ignição.
Para absorver tamanha potência, hélices enormes tiveram que ser desenvolvidas, criando um novo problema: a velocidade de rotação das mesmas deveria ser baixa, para que as pontas das pás não chegasse à velocidades supersônicas. Para solucionar isso, uma caixa de redução de engrenagens planetárias reduzia a velocidade de 2700 RPM máximas do motor para apenas 1000 RPM da hélice, uma relação de 0,375:1.
Motor R4360 parcialmente desmontado, em museu
Os cilindros do Wasp Major eram totalmente convencionais, de 2 válvulas por cilindro, 5,75 polegadas de diâmetro por 6 polegadas de curso. A válvula de escapamento era feita de uma liga niquel-cromo denomina Inconel-M, altamente resistente ao calor. A taxa de compressão era de 6,7:1. Todos os cilindros eram intercambiáveis entre si, e eram, praticamente iguais aos cilindros utilizados no motor R2800 Double-Wasp.
cilindro do R4360
O eixo de manivelas era, obviamente, longo para um motor radial. Construído em aço forjado de alta qualidade, tinha 4 moentes e era apoiado em 5 mancais por rolamentos sólidos de aço revestidos de chumbo-prata.
Motor R4360 em corte
O eixo da hélice era apoiado em um grande rolamento sólido de bronze-chumbo para suportar as cargas radiais e um rolamento de encosto de esferas para suportar a carga de tração da hélice.
Seções do cárter e eixo de manivelas
O cárter era constituído de 10 seções, sendo as 5 seções de potência construídas em alumínio forjado e as seções dianteiras (2) e traseiras (3) construídas em liga de magnésio. Os cilindros eram fixados por parafusos passantes. A seção dianteira alojava as engrenagens de redução e o governador da hélice.

Era comum o uso de sistemas de injeção de água na decolagem, assim como em outros motores contemporâneos.

O motor tinha 2,451 metros de comprimento, sem a hélice, 1,397 metro de diâmetro e 1,35 metro quadrado de área frontal. Pesava, conforme o modelo, de 1,579 a 1.755 Kg.
Esquema do motor R4360-51VDT
O modelo mais potente produzido do Wasp Major foi o R4360-51VDT (Variable Discharge Turbine), equipado com carburador Bendix-Stromberg PR-100E2 e dois enormes turbocompressores General Eletric CHM-2. Tal motor foi construído para o Convair B-36C, mas foi instalado no YB-50C. Foi, provavelmente, o mais potente motor aeronáutico a pistão a voar, com seus 4.300 HP. O escapamento dos turbocompressores fornecia empuxo adicional.
MOtor R4360-51VDT
A despeito de ter sido projetado para uso militar, o R4360 foi utilizado em uma aeronave comercial, o Boeing 377 Stratocruiser. Esse avião era a versão civil de um transporte militar, o C-97, que por sua vez era derivado do B-29 e do B-50, com uma fuselagem de seção dupla, em formato de "8".
Boeing KC-97 Stratotanker
No uso civil, embora fosse confiável em voo, o motor deixava a desejar na questão da manutenção. Uma partida mal executada podia sujar as velas, e como havia 56 velas, o trabalho de limpeza ou substituição das mesmas podia demorar horas. A revisão geral do motor também era muito dispendiosa, e como o TBO (Time Between Overhaul) era, como a maioria dos motores da época, de apenas 600 horas, o custo operacional do Stratocruiser era alto demais. O avião não foi bem sucedido, e foi prejudicado por várias panes no grupo motopropulsor, se bem que várias dessas panes foram da hélice, não do motor.
Boeing 377 Stratocruiser
No uso militar, nos Estados Unidos, o motor permaneceu em uso até a retirada de serviço dos Boeing KC-97 Stratotanker, aviões-tanques, em 1970. Outras aeronaves que usavam o R4360, como os Fairchild C-119 e C-97 Stratofreigthers permaneceram em uso militar em outros países, ou mesmo civil (conversão de aviões militares), por muito mais tempo. Uma aeronave Vought 2FG Super Corsair, o "Race 74", matriculado NX5577N e operado como avião de corrida, voou com um motor R4360 em 18 de julho de 2011, mas teve dificuldades e aguarda resoluçao dos problemas com o motor para voltar ao voo. Outros motores podem ainda estar em uso até hoje.
Vought 2FG Super Corsair NX7755N
A Pratt & Whitney produziu um motor de 14 cilindros derivado do R4360, que era, essencialmente, um motor Wasp Major "cortado ao meio". Tal motor, designado R2180 Twin Wasp E, tinha 1.500 HP na decolagem e só foi usado em um modelo de avião, o SAAB Scandia, dos quais apenas 18 exemplares foram produzidos. O último sobrevivente desse avião está no Brasil, em Bebedouro/SP, e foi operado pela Vasp, assim como todos os outros.
Motor R2180E, um R4360 "cortado ao meio"
O motor Pratt & Whitney R4360 Wasp Major permaneceu em produção por quase 12 anos, entre 1944 e 1955, e 18.607 exemplares foram produzidos, sendo um dos últimos tipos de motores a pistão de grande potência a ser produzido, e um dos mais bem sucedidos.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Projeto Excelsior: os saltos de paraquedas mais altos da história

Durante a década de 1950, as aeronaves militares a jato estavam alcançando altitudes inimagináveis até pouco tempo antes. Em maio de 1958, por exemplo, um XF-104 pilotado pelo Major Howard C. Johnson alcançou 91.243 pés acima da Base Aérea de Edwards, e tal recorde não durou nem dois anos.
Isso preocupou a USAF - United States Air Force. Se um piloto tivesse problemas ou fosse abatido a essas atitudes extremas, poderia ejetar com segurança e salvar-se?
O momento do salto
Buscando uma resposta para essa questão, a USAF realizou vários testes com bonecos de teste lançados de grande altitude em queda livre e verificou que o corpo tendia a entrar em parafuso chato na atmosfera rarefeita, e que girava a até 200 rotações por minuto, sem controle possível. Devido à força centrífuga gerada, isso seria potencialmente fatal para os pilotos ejetados.

A USAF então iniciou, em 1958, o Projeto Excelsior, cujo objetivo era criar um sistema que estabilizasse o corpo em queda livre de grande altitude e possibilitasse uma descida segura e controlada, ainda que o piloto, eventualmente, estivesse desacordado.
Paraquedas de duplo estágio, com drogue
Várias idéias foram levantadas, e a mais promissora foi a do técnico Francis Beaupre, da Base Aérea de Wright-Patterson, em Dayton, Ohio, que propôs um sistema de paraquedas de dois estágios.

A proposta de Beaupre era utilizar dois paraquedas. Um, menor, chamado de "drogue", estabilizaria a queda livre até chegar em uma altitude menor, quando o paraquedas principal seria acionado. O drogue teria 6 pés de diâmetro, e o principal teria 28 pés. O sistema incluia ainda sensores de altitude e temporizadores, que acionariam os dois paraquedas nas altitudes corretas, mesmo se o piloto estivesse incapacitado.
Capitão Joseph W Kittinger II - 1960
Para realizar os testes tripulados, foi selecionado o Capitão Joseph W. Kittinger II, então com 31 anos de idade. Kittinger já era experiente em missões de granda altitude, pois participara do Projeto Manhigh, no qual bateu um recorde de altitude de 96.760 pés em um balão, no ano de 1957.
Balão Excelsior III
O pessoal da USAF em Wright-Patterson, na época uma das mais importantes instalações de pesquisas aeronáuticas militares, construiu um enorme balão de hélio, com 61 metros de altura, inflado, e capacidade para 85.000 metros cúbicos de gás. Era, todavia, uma máquina bem simples, com uma pequena gôndola aberta e não pressurizada.
Kittinger prestes a embarcar
Para suportar o ambiente de baixa pressão atmosférica, a USAF construiu um traje de pressão para Kittinger, rigorosamente sob medida. Tal traje continha várias camadas de isolamento térmico para proteger Kittinger das temperaturas extremamente baixas da estratosfera e o sistema de paraquedas, além de um limitado estoque de oxigênio suficiente apenas para o salto e uma margem de segurança. Durante a subida, o oxigênio era suprido por cilindros maiores instalados na gôndola. O traje completo e o sistema de paraquedas praticamente duplicaram o peso de Kittinger.
Kittinger e a gondola do balão. Na placa está escrito: The Highest Step in the World
O primeiro voo, denominado Excelsior I, foi lançado no dia 16 de novembro de 1959, do deserto do Novo México. Kittinger saltou de uma altitude de 76.400 pés, mas por pouco a façanha não se converteu em um desastre. O drogue abriu muito cedo e enrolou-se no pescoço de Kittinger, que entrou no temível parafuso chato. Ao girar sem controle a 120 rpm, Kittinger foi submetido pela força centrífuga a esforços de até 22 G, um recorde para a época para um ser humano, mas foi salvo pela abertura automática do paraquedas principal, a despeito de estar desacordado.
Kittinger não teve sequelas do incidente, e três semanas depois, em 11 de dezembro de 1959, executou o voo Excelsior II. Saltou de 74.700 pés e mergulhou em queda livre por 55 mil pés antes de abrir manualmente o paraquedas principal. Foi um teste muito bem sucedido, que encorajou a USAF e o piloto a executar um salto muito mais alto, até onde o balão pudesse atingir.
O voo Excelsior III tardou um pouco, e foi executado somente em 16 de agosto de 1960. O enorme balão foi liberado e levou uma hora e 31 minutos para subir, estabilizando sozinho finalmente em 102.800 pés. Por mais 12 minutos, Kittinger permaneceu no balão até estar aproximadamente sobre a área de salto.
Balão Excelsior III
O voo teve um incidente importante. A vedação na luva direita falhou, o que provocou um grande inchaço devido ao ar rarefeito e uma dor quase insuportável. Kittinger, no entanto, omitiu tal ocorrência ao pessoal de terra, pois isso iria fatalmente abortar a missão. Suportou a dor como pode e ainda pode apreciar, com prazer, uma cena impressionante: a curvatura da Terra era claramente perceptível, e o céu acima dele já não era azul, era negro, e as estrelas eram visíveis, a despeito de ser 7 horas da manhã de um dia claro de verão.
Concepção artística do salto Excelsior III
Finalmente, após armar uma câmara fotográfica automática na gôndola, Kittinger saltou. Sua impressão inicial foi a de que o balão disparava para o alto, não parecia estar caindo, pois quase não havia vento, tão rarefeita era a atmosfera. Com pouco atrito com o ar, logo atingiu uma velocidade impressionante. Chegou a atingir 988 Km/h, mesmo com o drogue aberto (abriu a 96 mil pés), uma razão de descida impressionante de 54 mil pés por minuto.
Queda livre a 100 mil pés
Durante a descida, Kittinger estava exposto a temperaturas tão baixas quanto 70 graus Celsius negativos. Logo, teria alcançado Mach 0,95, pouco abaixo da velocidade do som nessa temperatura. A queda livre foi executada em uma posição "cadeira de balanço", olhando para cima, e não na posição usual dos paraquedistas civis, olhando para baixo, devido ao fato de que seu centro de gravidade estava nas costas.
Resgate de Kittinger no deserto do Novo México
O salto de Joseph Kittinger bateu todos os recordes de altitude de salto em paraquedas e velocidade atingida por um ser humano na atmosfera, além de duração para uma queda establizada por drogue (4 minutos). Tais recordes permanecem até hoje, apesar de mais de 50 anos terem se passado.
Kittinger foi agraciado com o Troféu Harmon pelo Presidente Eisenhower, além de um cluster (folha de carvalho dourada) na sua medalha DFC - Distinguished Flying Cross, que ganhou no Projeto Manhigh.

Durante sua carreira na USAF como piloto de testes e de combate, Kittinger chegou a ser abatido no Vietnan e passar 11 meses como prisioneiro de guerra, em 1972. Reformou-se em 1978, no posto de Coronel. Até hoje, no entanto, está envolvido com a aviação e com os balões e, aos 83 anos de idade, está orientando o paraquedista Felix Baumgartner a realizar um salto de 120 mil pés, no qual ele pretende também ultrapassar a velocidade do som.
Gondola do Excelsior, exposta no Museu da USAF, em Wright-Patterson
Os paraquedas de duplo estágio Beaupre, com drogue, são utilizados até hoje, inclusive por civis, nos saltos duplos, com dois paraquedistas no mesmo equipamento.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Pneus de aviões: vitais, mas quase esquecidos

Os aviões foram construídos para voar, mas entre os itens mais críticos para a sua segurança estão os pneus, que os suportam no solo. Embora tenham grande importância, são frequentemente negligenciados e esquecidos pelos pilotos e até pelos mecânicos.
Trem de pouso do Boeing 777, no pouso
Os pneus de avião são itens críticos para a segurança porque, além de suportar o peso da aeronave no solo, devem absorver grande parte do choque da aeronave com a pista, no pouso, acelerações e desacelerações súbitas e grandes variações de temperatura.

Pneus aeronáuticos têm pouco a ver com os pneus de carros e caminhões. Pneus de veículos terrestres são construídos para suportar cargas relativamente pequenas, mas continuamente e em longas distâncias. Requisitos como alta durabilidade e resistência ao desgaste são importantes na maioria dos veículos terrestres, enquanto fatores como aderência ao piso e flexibilidade são secundários, em razão da baixa velocidade alcançada por esses veículos.

Nos aviões, a resistência ao desgaste é secundária, enquanto a aderência e a flexibilidade são essenciais. Suportam cargas muito maiores que os pneus automotivos. Praticamente cem por cento dos pneus aeronáuticos são feitos de borracha natural, extraídos de seringueiras, enquanto a maior parte dos pneus automotivos é feita em borracha sintética, ou compostos de borracha natural e sintética.

Pneus de aeronaves, em primeiro lugar, suportam grandes variações de temperatura, especialmente em aeronaves a jato. Em grandes altitudes, suportam temperaturas que podem chegar a 55 graus negativos, em grande altitude, enquanto suportam temperaturas de mais de 80 graus positivos durante o pouso ou mais de 100 graus em uma rejeição de decolagem (RTO - Reject Take-off). Tais extremos geralmente são experimentados a cada voo, ou cada ciclo.
Pneus destruídos em uma RTO
Essas variações extremas de temperatura criam um problema: o ar se expande fortemente com o aumento de temperatura, e poderia causar explosões dos pneus com o súbito aumento de temperatura no pouso ou em uma RTO. Esse problema é solucionado substituindo-se o ar pelo nitrogênio seco. O uso do nitrogênio também soluciona outro problema que o uso do ar tras às câmaras de ar, que é a oxidação interna da borracha das mesmas. O nitrogênio puro e seco se expande muito pouco com o aumento da temperatura, diminuindo o risco de explosões, e é pouco reativo quimicamente, eliminando o risco de oxidação interna. Desde 1987, os pneus de aeronaves de transporte comercial devem, obrigatoriamente, ser inflados exclusivamente com nitrogênio.

Um dos mitos mais propalados a respeito de pneus de avião é o que afirma que tais pneus são maciços, para suportar as grandes cargas e não correrem risco de explosão. Pneus maciços são impraticáveis, no entanto, a não ser para pneus de bequilha de aeronaves muito leves e de baixa velocidade. O atrito interno de um pneu maciço causaria grande aumento de temperatura em pouco tempo de rolagem no solo, o que degradaria a estrutura do pneus e causaria sua desintegração ou incêndio.
Pneus destruído por aplicação inadequada dos freios
Estruturalmente, um pneu de avião não difere muito de um pneu automotivo: a parte que fica em contato com o solo é a banda de rodagem; os talões, reforçados com arames de aço, garantem a fixação do pneu à roda; as paredes laterais, muito flexíveis nos pneus aeronáuticos, e os ombros constituem a estrutura lateral do pneu.
Estrutura de um pneu aeronáutico
A estrutura interna é constituída de várias camadas de lona cobertas com borracha. As bandas de rodagem incorporam, geralmente, uma ou mais camadas reforçadoras, tecidas em finos, mas resistentes, arames de aço ou em polímeros de grande resistência à tração, como o Kevlar. Uma espessa camada de borracha completa a estrutura da banda de rodagem e suporta grande desgaste, sem atingir as lonas.
Pneus AWT no trem de pouso de um B29
As bandas de rodagem geralmente possuem desenhos simples, ao contrário dos pneus automotivos. O desenho mais comum é o raiado (Ribbed Tread), de uso recomendado em pistas pavimentadas e de grande resistência ao desgaste. Os pneus AWT (All-Weather Tread), com ranhuras dispostas em duas diagonais, eram muito usadas em pistas não pavimentadas, pois tinham características de autolimpeza, que removia barro acumulado nas ranhuras. Pneus lisos (Smooth Tread) chegaram a ser usados, especialmente em aeronaves de trem de pouso fixo, por serem mais aerodinâmicos, mas foram praticamente abandonados por terem péssimo desempenho em pistas contaminadas. Um quarto desenho combina características dos AWT e raiados (Grooved All-Weather Tread), e tem bom desempenho em qualquer tipo de pavimento, mas hoje seu uso é raro.
Pneu Smooth Tread do Douglas XB19
Pneus com câmara de ar são os mais comuns na aviação. Existem pneus sem câmara, mas tais pneus exigem rodas especiais, com vedação entre as suas partes por O-rings. Rodas de aviões são desmontáveis, ao contrário de rodas automotivas, e os pneus não são encaixados nas mesmas "à força", como nesses últimos. Os pneus sem câmara são virtualmente idênticos aos com câmara, mas possuem melhor vedação no talão, para evitar vazamentos.
Pestanas do pneu dianteiro do Cessna Citation
Alguns pneus, especialmente os do trem de pouso do nariz, possuem defletores logo abaixo do ombro, chamados popularmente de "pestanas", que se destinam a evitar que a água lançada da pista pelos pneus atinja os motores. Tal recurso é comum em aeronaves que possuem motores na parte traseira, como os Cessna Citation e os antigos Sud-Aviation Caravelle.
Pneus de aeronaves são caros, podem ultrapassar US$ 5 mil a unidade, no caso de pneus de trem de pouso principal de um jato comercial. Como duram relativamente pouco, de 250 a 500 pousos, são recondicionáveis. Pneus de jatos comerciais podem ser recauchutados teoricamente por até 11 vezes, com grande economia para o operador., mas, na prática, uma carcaça geralmente é recauchutada, em média, por 5 vezes.

Tanto o processo de fabricação quanto o de recauchutagem devem ser certificados pelas autoridades aeronáuticas. No Brasil, a Goodyear é a única empresa certificada para recauchutagem de pneus de aeronaves. Pneus de aeronaves leves, devido ao seu baixo custo, raramente são recondicionados.
Pneus gastos, de um Boeing 777
Pneus de aeronaves devem ser bem cuidados, tanto em uso quanto armazenados. Quando armazenados, devem ser armazenados em posição vertical e em câmaras escuras, pois a borracha natural sofre com corrosão fotoquímica, especialmente por raios ultravioleta, que dá um aspecto "ressecado" para o pneu e compromete sua durabilidade, que está limitada a, no máximo, 5 anos, em uso ou não. Outro poderoso agente corrosivo de pneus é o gás ozônio, presente em atmosferas poluídas e em locais onde estão instalados equipamentos elétricos de alta tensão. O uso de lâmpadas fluorescentes em locais de armazenamento de pneus deve ser evitado, pois sempre emitem radiação ultravioleta.
Pneus gastos do Boeing 787 Dreamliner
Em aeronaves armazenadas, alguns cuidados devem ser tomados: proteger os pneus com capas metalizadas e movimentar o avião frequentemente, para evitar o "achatamento" da banda de rodagem. Qualquer tipo de contaminação por combustível, óleo lubrificante e fluido hidráulico deve ser imediatamente removido com sabão neutro (sabão de coco ou, eventualmente, detergente doméstico de cozinha).
Pneus protegidos para evitar corrosão fotoquímica
Em aeronaves em uso, o cuidado mais importante é manter a pressão correta dos pneus. Aeronaves leves usam pneus de baixa pressão, mas jatos comerciais usam pneus de alta pressão, em torno de 200 PSI. Aeronaves que operam em porta-aviões usam pneus com até 350 PSI em operações embarcadas. Procedimentos como a "sangria" de ar de pneus aquecidos, para aliviar a pressão, são totalmente desaconselhados.

Quando armazenados montados nas rodas, a pressão é reduzida, sendo calibrados para a pressão de serviço quando são instalados nas aeronaves. Quando um pneu é removido da aeronaves, a pressão deve ser aliviada imediatamente, por motivo de segurança.

Os pneus devem passar por inspeção pré-voo, verificando-se a pressão correta, se o pneu não está "corrido" (deslocado em relação à roda), se não tem desgastes inaceitáveis (sem sulcos ou com desgastes atingindo as lonas, por exemplo), ou defeitos diversos, como cortes profundos, bolhas ou "ressecamento", ou se não estão contaminados com fluido hidráulico, óleo lubrificante ou combustível.

Qualquer pneu, aeronáutico ou não, possui limite máximo de velocidade. No caso de jatos comerciais, tal limite está compreendido entre 190 e 205 Knots (352 a 378 Km/h). Pneus que sofrerem esforços e aquecimento excessivos, como em uma RTO entre 80 Knots e a V1, devem ser substituídos por segurança.
Inscrições em um pneu, indicando sua velocidade máxima
Aeronaves que decolam ou pousam em velocidades muito altas possuem pneus especiais. Os pneus do Concorde, por exemplo tinham a borracha impregnada com pó de alumínio, que lhes davam uma característica cor cinza, bem mais clara que o preto do pneus comuns. O aluminio, por ter melhor condutibilidade térmica que a borracha, facilitava a dissipação do calor.
Pneus do Concorde
Alguns tipos de pneus possuem um "fusível", que permite o esvaziamento lento do pneu em caso de superaquecimento. É um dispositivo de segurança, que evita a explosão do pneu em caso de RTO ou pouso com excesso de velocidade.

Pilotos devem se lembrar que pousos "chuleados", com impacto quase imperceptível no solo, provocam desgaste excessivo tanto nos pneus quanto nos freios, comprometendo a durabilidade de ambos. Um toque firme e seguro é a melhor solução, ainda que não arranquem aplausos de passageiros.
Desgaste tipo Chevron
Outro cuidado a tomar com os pneus é na decolagem: Depois de taxiar por longos períodos, especialmente em tempo muito quente, é conveniente retardar um pouco o recolhimento do trem, para esfriar os pneus. Aviões que passaram recentemente por manutenção nos freios também merecem atenção. Já houve pelo menos um caso de uma aeronave, no caso um Boeing 727, que estava com os freios muito "justos", e que se aqueceram em demasia durante o táxi e a corrida de decolagem. Embora o alarme de fogo no trem tivesse soado, o trem foi recolhido, e os dois pneus de uma perna do trem explodiram dentro do alojamento, abrindo um buraco na asa tão grande que dava para passar uma pessoa por ele. O trem despencou, mas todas as conexões hidráulicas e elétricas foram destruídas, e os pilotos não sabia se o trem estava em baixo ou não. Mesmo sem os pneus, o trem estava travado embaixo e o pouso foi bem sucedido.
Aeronave Yak-42, com fogo no trem de pouso
A maior parte do desgaste dos pneus de aeronaves ocorre durante a decolagem, e não no pouso, pois as aeronaves estão mais pesadas e consomem mais pista ao decolar.

Como curiosidade, lembramos que pneus de aeronaves não são geralmente de grandes dimensões. O pneu do trem de pouso principal de um Boeing 737 possui aros de 19 a 21 polegadas de diâmetro, 40 a 44 polegadas de diâmetro total e 14,5 a 16 polegadas de largura, no talão. No Boeing 747, não são muito maiores, pois possuem dimensões de 22 polegadas de aro, 49 polegadas de diâmetro total e 19 polegadas de largura. Os pneus dos MD-11 são consideravelmente maiores (54 x 21,0 x 24 polegadas). Nas aeronaves leves, são muito comuns os pneus de 5 x 5 polegadas no trem de pouso auxiliar e 6 x 6 polegadas no trem de pouso principal (aro x largura).