Google Website Translator

sábado, 12 de dezembro de 2009

Juan de La Cierva: o pioneiro dos autogiros

Os autogiros, também denominados girocópteros, são aeronaves cujas asas fixas são substituídas por um conjunto de asas rotativas, o rotor. Nos autogiros, o rotor não é propulsado, como nos helicópteros, e gira livremente por ação do vento relativo, sendo a tração garantida por um motor e uma hélice comuns de avião.
O piloto e engenheiro espanhol Juan de La Cierva foi o pioneiro desse tipo de aeronave. Nascido em Múrcia, Espanha, em 21 de setembro de 1895, Cierva começou a construir aeronaves em 1912, quando tinha apenas 17 anos de idade. Em 1919, teve a idéia de substituir, ou complementar, as asas fixas dos aviões por um rotor, para conseguir sustentação em baixa velocidade e evitar o estol.

Em 1920, Cierva terminou de construir seu primeiro autogiro. Essa pioneira aeronave, entretanto, sofria de sérios problemas de instabilidade, devidos principalmente à assimetria de sustentação entre as pás do rotor que avançavam e as que recuavam, causando um momento de rolamento da aeronave para o lado da aeronave onde as pás do rotor recuavam. Quatro anos foram necessários para resolver o problema: Cierva inventou um sistema de articulações do rotor que equilibrava a sustentação dos dois lados da aeronave, permitindo o movimento denominado batimento. Essas articulações de batimento do rotor foram essenciais para o posterior desenvolvimento do helicóptero.
O primeiro voo bem sucedido de um autogiro Cierva foi realizado na Espanha em 1923, pilotado pelo tenente espanhol Gomez Spencer.

Embora fosse inicialmente um autodidata, Juan de La Cierva conseguiu se formar engenheiro, e o sucesso do seu autogiro o levou a demonstrar a aeronave ao Ministro do Ar da Grã Bretanha em Farnbourough, Hampshire. O autogiro de Cierva demonstrado aos ingleses possuía um rotor de quatro pás com articulação de batimento, mas retinha asas e os controles convencionais de avião para o voo, como ailerons, leme e profundores. O autogiro foi construído utilizando-se a fuselagem de um avião Avro 504K, e o giro inicial do rotor era feito com o auxílio de um corda enrolada na parte de baixo do cubo do rotor.
Os voos em Farnbourough foram muito bem sucedidos, e os ingleses convidaram Cierva para continuar o desenvolvimento do autogiro na Grã-Bretanha. O industrial escocês James G. Weirs o auxiliou a fundar uma empresa, a Cierva Autogyro Company, Ltd., que se dedicou quase exclusivamente a desenvolver os rotores e seus mecanismos, sendo o restante da aeronave construído por fabricantes de aviões, principalmente a A.V. Roe Company (Avro).

Cierva continuou a desenvolver seus rotores, e outro avanço foi a introdução das articulações de braço de arrasto. Essas articulações tinham a função de eliminar as vibrações resultantes do movimento de batimento. O mecanismo foi bem sucedido, mas provocava outras vibrações indesejadas, posteriormente reduzidas pela introdução dos amortecedores dos braços de arrasto. Dessa forma, pode-se atribuir a Juan de La Cierva a invenção dos rotores totalmente articulados, que possibilitam o voo dos modernos helicópteros.

Durante os anos seguintes, os autogiros Cierva realizaram várias demonstrações de performance, incluindo uma participação na King's Cup Air Race e um tour de 4.800 Km através das Ilhas Britânicas. Em 1929, um autogiro Cierva voou de Londres a Paris, estendendo seu voo para Bruxelas e Amsterdam, tornando-se assim a primeira aeronave de asa rotativa a atravessar o Canal da Mancha.

O maior problema dos autogiros era dar o giro inicial no rotor. O sistema de corda empregado nos primeiros modelos conseguia "embalar" o rotor em apenas 50 por cento da rotação necessária, e Cierva, por fim, inventou um sistema de pré-rotação do rotor, acionado pelo motor, o qual era desacoplado pouco antes da decolagem. A partir dessa invenção, a decolagem dos autogiros tornou-se altamente eficiente, exigindo um exíguo comprimento de pista em comparação aos aviões.

A seguir, Cierva desenvolveu sistemas de comando de rolamento e arfagem diretamente no rotor, introduzindo sistemas de controle de passo cíclico e passo coletivo, que tornaram dispensáveis os comandos de ailerons e profundores, até então essenciais. Esses sistemas também foram essenciais no desenvolvimento dos helicópteros.

Os autogiros de Cierva foram produzidos sob licença por vários fabricantes na França, Alemanha, Japão, Estados Unidos (na foto abaixo, um autogiro Pitcairn da US Navy) e Rússia. A partir da tecnologia dessas aeronaves, a empresa Focke-Achgelis, licenciada pela Cierva Autogyro, desenvolveu o primeiro helicóptero da história, o Fw 61.
Juan de La Cierva estava pronto para desenvolver seu primeiro helicóptero, por ele denominado Gyrodyne, seguindo uma especificação da Marinha Real Britânica, quando faleceu prematuramente, com apenas 41 anos de idade, em um acidente aeronáutico: na manhã de 09 de dezembro de 1936, Cierva estava a bordo de um Douglas DC-2 da KLM, com destino a Amsterdam, quando a aeronave estolou logo após tentar decolar dentro de um pesado nevoeiro, em Croydon Airfield, pegando fogo e vitimando todos a bordo.

Pode-se creditar a Juan de La Cierva o desenvolvimento de todos os sistemas de rotores hoje presentes nos helicópteros. Embora os helicópteros tenham superado os autogiros em importância, essas últimas aeronaves são ainda largamente utilizadas na aviação experimental e desportiva no mundo inteiro, um tributo à genialidade de Cierva (foto abaixo).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Antoinette V-8: o motor do 14 Bis

Um dos maiores problemas encontrados pelos aviadores pioneiros era o motor. Obviamente, não existiam motores de avião à venda, e os pioneiros se viam obrigados a adaptar motores automotivos ou náuticos ou, ainda, contruir seus próprios motores.
Na virada do Século XIX para o Século XX, os motores automotivos já estavam bem desenvolvidos, mas a potência desses motores ou era muito baixa ou os motores eram pesados demais para se adaptar em uma aeronave. Os irmãos Wright optaram por construir seu próprio motor, mas o mesmo gerava meros 12 HP, insuficientes para funções básicas do voo, como a decolagem, por exemplo. Os aeroplanos dos Wright, por muito tempo, dependeram de auxílio externo (catapultas) para decolar, não sendo considerados verdadeiros aviões, e sim, planadores motorizados.

Alberto Santos Dumont, devido às suas experiências com dirígiveis, estava bastante familiarizado com a maioria dos motores disponíveis na época. Quando resolveu abandonar os aerostatos e construir um avião, chegou à conclusão que o melhor motor disponível era o Antoinette V-8, então utilizado em velozes lanchas de corrida.

Esse motor foi criado por Léon Levasseur, e batizado de Antoinette em homenagem a uma formosa senhorita, Antoinette Gastambide, filha de seu patrono. Léon imitou assim Gottlieb Daimler, que batizou seus carros e motores de Mercedes em homenagem a outra formosa senhorita, Mercedes Jellineck.

O motor Antoinette foi utilizado pela primeira vez em um barco em 1905. Era um motor de 8 cilindros em "V" de 90º, com 24 HP de potência a 1.400 RPM. Esse motor reunia características muito avançadas para a época: o cárter era construído em alumínio fundido, com os cilindros individuais em aço, e a alimentação era do tipo injeção direta de combustível, que era cuidadosamente filtrado, fornecido em alta pressão e dosado precisamente para cada cilindro.
O diâmetro do cilindro e o curso do pistão eram ambos de 80 mm, e o motor original tinha uma cilindrada total de apenas 3,2 litros. A refrigeração era do tipo "evaporação": a água do sistema de refrigeração era pulverizada ao redor dos cilindros, retirando o calor dos mesmos ao se evaporar. Os acessórios, como bomba de injeção, bomba de óleo e magnetos, eram acionados por engrenagens ou correias. O motor original pesava cerca de 50 Kgf e a partida era manual, por meio de uma manivela (foto abaixo).
Santos-Dumont verificou, em suas primeiras experiências, que os 24 HP do motor não eram suficientes para fazer sua aeronave decolar. Trocou o mesmo por outro Antoinette, também de 8 cilindros em V e bastante semelhante ao original, mas com 8 litros de cilindrada e 50 HP de potência a 1.500 RPM. Esse motor de 50 HP foi desenvolvido por Levasseur a partir do Antoinette original de 24 HP, sendo os cilindros substituídos por outros maiores de 110 mm de diâmetro por 105 mm de curso do pistão. Esse motor era mais pesado, 86 Kgf incluindo a água do sistema de refrigeração, mas mesmo assim tinha uma relação peso-potência excepcional para a época, mais de meio Hp por Kgf de peso, que não foi ultrapassada por quase 25 anos.

O 14Bis utilizou o motor Antoinette de 50 HP em todos os seus voos, inclusive o voo pioneiro de 23 de outubro de 1906, até ser destruído em um acidente no pouso em Saint-Cyr em 4 de abril de 1907.

Santos-Dumont tentou instalar o motor Antoinette de 24 HP. rejeitado no 14Bis, no Demoiselle nº 19, mas a aeronave nunca conseguiu voar nessa configuração. Entretanto, é mais provável que a hélice, construída em uma armação de alumínio entelada com seda, tenha sido a responsável pelo péssimo desempenho da aeronave. A aerodinâmica das hélices, nessa época, era incipiente, e era provavelmente mais responsável pela ineficiência dos grupos motopropulsores do que os motores. A hélice do 14Bis, por exemplo, assemelhava-se mais a remos de caiaque, e desperdiçava muita potência do motor.

Levasseur construiu posteriormente um motor V-16 de 100 HP, unindo dois blocos do Antoinette de 8 cilindros. Santos-Dumont utilizou esse motor em uma reconstrução do seu avião nº 15, que tinha se acidentado em seu primeiro teste de voo. Esse nº 15 reconstruído recebeu a denominação de nº 17. O motor Antoinette V-16 recebeu uma hélice tripá de madeira.

O avião nº 17, entretanto, foi desativado antes de ser testado, pois Santos-Dumont foi desafiado por seu amigo Charron, em um jantar no restaurante Maxim's, a alcançar a velocidade de 100 Km na água. Santos-Dumont aceitou a aposta, removeu o motor Antoinette V-16 e sua hélice do nº 17 e construiu o Santos-Dumont nº 18, um tipo de aerobarco (foto abaixo). Essa engenhoca, entretanto, tendia a afundar a proa quando o motor era acionado na potência máxima, e Santos-Dumont perdeu a aposta.
Levasseur construiu ainda um gigantesco motor V-32, que nunca chegou a equipar qualquer aeronave. Os motores Antoinette foram os melhores motores aeronáuticos construídos no período pioneiro da aviação, antes da Primeira Guerra Mundial, até o aparecimento dos motores radiais rotativos Rhone.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Aeroclube do Brasil: a mais antiga escola de aviação do país

Em 1911, a aviação ainda passava pela sua fase pioneira. No Brasil, existiam poucos aviões e pilotos. Mas em 14 de outubro desse ano, um grupo de idealistas reuniu-se em assembléia nas dependências do jornal "A Noite", de propriedade de Irineu Marinho, no Rio de Janeiro, então capital brasileira, para fundar o primeiro aeroclube do país, que se chamou, inicialmente, Aeroclube Brasileiro.
Essa assembléia elegeu Alberto Santos Dumont como Presidente de Honra, o Almirante José Carlos de Carvalho como Diretor Presidente e Vitorino de Oliveira, redator do "A Noite", como Diretor Secretário.

O Aeroclube Brasileiro construiu seu primeiro campo de pouso no hoje lendário Campo dos Afonsos, onde funcionou a pioneira Escola Brasileira de Aviação. Foi necessário um grande empenho da primeira diretoria para a construção desse campo. Os primeiros aviões foram adquiridos por subscrição pública, mas logo foram cedidos ao Exército, para serem usados na Campanha do Contestado, um conflito armado civil entre os Estados de Santa Catarina e Paraná. Os aviões foram usados nessa campanha para reconhecimento, e um dos Diretores do Aeroclube, o Tenente Ricardo Kirk (foto abaixo), perdeu a vida nessa campanha. Para piorar, alguns aviões do Aeroclube foram perdidos em um incêndio enquanto eram transportados para a região do conflito.
O conflito do Contestado durou de 1912 a 1916, e o Aeroclube demorou a retomar os aviões do Exército. Conseguiu reunir uma nova turma de alunos, agora sob a direção do Tenente Bento Ribeiro Filho. Infelizmente, essa turma não conseguiu se brevetar, pois os dois checadores, o próprio Bento Ribeiro e Virginius Delamare, tiveram que retornar ao quartel, mobilizados pela declaração de guerra do Brasil ao Império Alemão, em outubro de 1917.

Em 1919, o Aeroclube se filia à FAI - Federação Aeronáutica Internacional, sediada em Paris, e em nome da Federação passa a conceder brevês de pilotagem no Brasil. Exerceria essa função até a criação da Diretoria de Aeronáutica Civil - DAC, em 1931, que passou a emitir brevês em nome do Governo Brasileiro e tornou desnecessários os brevês da FAI, pelo menos em território nacional.

A permanência do Aeroclube no Campo dos Afonsos logo se tornou inviável, pois o Exército requisitou o campo para instalar a Escola de Aviação Militar e posteriormente despejou o Aeroclube do local sem maiores cerimônias.

Com as operações aéreas interrompidas e em séria crise decorrente desse fato, o Aeroclube elegeu uma diretoria composta por Paulo Vianna, Cezar Grillo e Antônio Guedez Muniz para encontrar um novo local para o campo de pouso. Esse "triunvirato", liderado por Paulo Vianna, resolveu instalar o campo em Manguinhos (foto abaixo), desbastando uma pequena elevação em um terreno da Fundação Oswaldo Cruz e aterrando o mangue ali existente. O terreno nunca foi transferido oficialmente para o Aeroclube, mas foi ocupado com a conivência das autoridades.
O "triunvirato" mudou o nome a instituição para Aeroclube do Brasil. O Aeroporto de Manguinhos tornou-se sua base por vários anos, anos de ouro para o Aeroclube. De fato, foi no Aeroclube do Brasil, em Manguinhos, que se fortaleceu, em 1941, a Campanha Nacional de Aviação, por iniciativa do Ministro da Aeronáutica Joaquim Pedro Salgado Filho e do jornalista Assis Chateaubriand, que resultaria na criação de três centenas de aeroclubes pelo Brasil afora. Também surgiu em Manguinhos a primeira "Semana da Asa", em 1935.
Foram criados, em Manguinhos, os departamentos de paraquedismo e aeromodelismo, e o Aeroclube formou a maioria dos instrutores de voo dos novos aeroclubes que estavam sendo criados graças à Campanha Nacional de Aviação. O principal curso mantido pelo Aeroclube era o de Piloto de Recreio e Desporto (atual Piloto Privado - PP).

Infelizmente, no final dos anos 50 o Aeroporto de Manguinhos passou a sofrer sérias restriçoes, pois o seu tráfego aéro interferia tanto no tráfego do Aeroporto do Galeão quanto no do Aeroporto Santos Dumont. De fato, o Aeroporto de Manguinhos foi interditado em 1961 e somente algumas operações limitadas foram permitidas por lá, por algumas empresas de manutenção de aeronaves instaladas nos antigos hangares do Aeroclube.

Novamente sem voar, e sobrevivendo de rendas de aluguel de alguns imóveis de sua propriedade na Cinelândia, o Aeroclube passou 10 anos instalado em uma pequena sala cedida por um dos sócios, e por pouco não vira o Aeroclube da Guanabara, em 1967. Somente o empenho da sua Diretoria junto a parlamentares evitou essa descaracterização, e a Lei 5.404/68 manteve a designação de Aeroclube do Brasil e o salvou dessa humilhação e falta de memória histórica.

Em 1972, finalmente o Aeroclube do Brasil consegue novamente um novo campo para voltar a operar. Era o velho campo da Latecoere, no Jacarepaguá, então administrado por uma empresa de economia mista, a ARSA - Aeroportos do Rio de Janeiro S/A. Nas novas instalações, que passaram posteriormente para o controle da INFRAERO, operou inicialmente um velho Aeronca Sedan, adquirido em 1950, e três Fokker T-21 e T-22, desativados da Academia da Força Aérea e doados ao Aeroclube. Nessa época, graças ao ás da Segunda Guerra Mundial Pierre Closterman, volta a representar a FAI no Brasil.

Hoje, o Aeroclube dispõe de uma sede social e dois hangares no Jacarepaguá, cedidos em comodato pelo INFRAERO, e opera uma frota de cinco aeronaves Aerotec T-23 Uirapuru, dois Aeromot AMT-600 Guri, dois Embraer 712 Tupi e um Embraer 810, além de dois simuladores ATC, um de monomotor e outro de bimotor. Mantém atualmente os cursos de Piloto Privado, Piloto Comercial, Voo por Instrumentos, Instrutor de Voo-Avião, Acrobacia e Multi-motor.

O Aeroclube do Brasil também opera uma oficina de manutenção de aeronaves em suas instalações no Jacarepaguá, a qual é homologada para aeronaves Cessna 140, 170, 172, 180 e 182, Piper PA-34 Seneca, Embraer 711 e 712 e Aerotec A-122B Uirapuru.

Embora, obviamente, sofra algumas restrições no que se refere ao disputado espaço aéreo carioca, o Aeroclube demonstra que superou as enormes dificuldades que encontrou no decorrer do tempo e mantém a tradiçao e a honra de ser o primeiro aeroclube brasileiro, já perto de completar 100 anos de existência.

O incidente de Palomares: as bombas nucleares perdidas

Durante as décadas de 1950 e 1960, auge da Guerra Fria, tanto as aeronaves soviéticas quanto as americanas carregavam regularmente armas nucleares a bordo, para poder entrar em combate de imediato para "revidar uma agressão". Naturalmente, um medo era constante: e se uma aeronave armada com bombas nucleares sofresse um acidente?
Os cientistas que projetavam e construíam as bombas tinham essa preocupação e, já que os acidentes com os aviões eram tidos como praticamente inevitáveis, eles projetaram os artefatos de maneira a evitar, a qualquer custo, uma explosão nuclear acidental, que poderia ser catástrofica. De fato, embora tenham ocorrido acidentes, nenhuma bomba nuclear explodiu acidentalmente até hoje. Mesmo assim, é claro que um acidente envolvendo bombas nucleares é um evento dramático, e o que ocorreu em 17 de janeiro de 1966 na costa mediterrânea da Espanha, perto da localidade de Palomares, foi um dos piores.

O acidente envolveu um bombardeiro Boeing B-52G, que transportava quatro bombas termonucleares B28, de 1,5 megatons, e um avião-tanque KC-135, ambos da Força Aérea dos Estados Unidos, que carregava 110 mil litros de combustível. O B-52 tinha decolado da Turquia, junto com outras aeronaves do mesmo grupo, e voavam para sua base na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

As duas aeronaves voavam a cerca de 31 mil pés de altitude, sobre o Mar Mediterrâneo, quando se aproximaram para iniciar a operação de reabastecimento, a segunda da missão, às 10 horas e 30 minutos de 17 de janeiro de 1966. O B-52 se aproximou demais, sendo atingido em cheio pelo boom de abastecimento, já estendido pelo operador, e chocou-se com a barriga do KC-135, que explodiu em seguida, matando seus quatro ocupantes. O B-52 também explodiu, mas 4 dos 7 tripulantes conseguiram escapar, saltando de para-quedas antes da explosão, e não se feriram.
Das quatro bombas nucleares a bordo, três caíram em terra, no vilarejo pesqueiro de Palomares, e uma caiu no mar. Explosivos convencionais em duas das bombas que caíram em terra explodiram, espalhando pela área fragmentos de plutônio, o mais perigoso elemento químico conhecido. Felizmente, e para espanto dos tripulantes sobreviventes do B-52, não houve explosão nuclear.

A Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) rapidamente montou uma operação de guerra para resgatar as bombas nucleares e limpar a área. Três das bombas foram encontradas em menos de 24 horas após o acidentes. Duas estavam destruídas e outra estava relativamente intacta. A quarta bomba não foi encontrada, e logo se concluiu que tinha caído no mar.

Os civis da área foram todos evacuados, devido ao perigo dos resíduos de plutônio espalhados pela explosão. As bombas e destroços em terra foram removidos, assim como uma grande quantidade do terreno próximo. Entretanto, 15 por cento do plutônio espalhado pela explosão, aproximadamente 3 Kg, nunca foi encontrado. O plutônio é um metal pirofórico, e sua combustão provocou uma nuvem radioativa que se espalhou rapidamente por fortes ventos de 30 Knots, por uma grande área ao redor de Palomares.

O maior problemas, entretanto, era localizar a bomba que caiu no mar. Em 22 de janeiro, a USAF pediu ajuda ao Secretário da Marinha, e a Marinha despachou para o local nada menos que 19 navios de guerra, para localizar o artefato.
Não foi fácil encontrar a bomba. Oitenta dias de busca foram necessários até que a mesma foi encontrada por um mini-submarino Alvin, a 869 metros de profundidade e 5 milhas náuticas da costa. A Marinha contou com a ajuda de um pescador local, que testemunhou o acidente e conduziu as equipes de busca até lá.

A bomba foi finalmente recuperada, graças a um aparelho denominado "CURV", projetado para recuperar torpedos do fundo do mar. Tanto a bomba resgatada intacta em terra quanto a resgatada do fundo do mar foram desarmadas e encontram-se hoje no Museu Atômico Nacional em Albuquerque, Novo México (foto abaixo).
Após o incidente de Palomares, vários países, especialmente na Europa, proibiram o voo de aeronaves portando armas nucleares sobre seus territórios, e a USAF restringiu fortemente os voos com bombas nucleares ativas, para evitar novos e custosos acidentes. os Estados Unidos gastaram na operação 80 milhões de dólares da época, e removeram 1.400 toneladas de terra e destroços, que foram levadas aos Estados Unidos.

Mesmo assim, Palomares é, ainda hoje, a localidade mais radioativa da Espanha, e traços de plutônio foram encontrados em muitos dos moradores da vila. O Ministro da Informação e do Turismo da Espanha da época, Manoel Fraga Iribarne, junto com o Embaixador dos Estados Unidos, tomaram um banho de mar em Palomares para afastar os rumores de que o local é perigoso para a saúde, o que prejudicaria o turismo na região. Entretanto, alguns afirmam que tal banho de mar foi uma farsa, e que ocorreu não em Palomares, mas sim em outra praia distante cerca de 15 Km.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Cessna 150: o melhor treinador civil do mundo

Uma aeronave de treinamento básico deve possuir determinadas características, como boa estabilidade, docilidade, simplicidade e baixo consumo de combustível. Nem sempre é fácil reunir essas características em uma só aeronave, pois na aviação, o que se ganha de um lado se perde do outro.
Uma aeronave em particular, entretanto, conseguiu reunir tal número de qualidades para um treinador que se tornou a quarta aeronave civil mais vendida no mundo: o Cessna 150. Desde o primeiro ano de produção, em 1958, até o encerramento da linha, em 1977, foram produzidos 23.839 exemplares, sendo que a maioria foi empregada como treinador básico.

O Cessna 150 é uma aeronave pequena, com apenas 726 Kg de MTOW (Maximum Take-off Weight). É um monomotor de asa alta, com trem de pouso triciclo e dois lugares. Substituiu o Cessna 140 na linha de produção, oferecendo a vantagem de um motor mais potente e o trem de pouso triciclo, bem mais fácil de operar no solo que os trens de pouso convencionais. O motor utilizado foi o Continental O-200A, de 100 HP a 2.750 RPM, com 4 cilindros horizontais opostos.

O primeiro protótipo do Cessna 150 voou em 12 de setembro de 1957, e as primeira aeronaves de série saíram da linha de produção em Wichita, Kansas, um ano depois, em setembro de 1958.

Desde o início da produção, os Cessnas 150 demonstraram serem incrivelmente dóceis, fáceis de voar e de custo de operação muito baixo, características ideais para o treinamento de novos pilotos. De fato, por volta de 1969, 61 por cento dos pilotos, nos Estados Unidos, eram treinados a bordo desses pequenos monomotores. Esse fato foi muito favorável à Cessna, pois a maioria dos pilotos, depois de checados, tendiam a preferir aeronaves monomotores Cessna para voar, como os 172 Skyhawk, 182 Skylane, 206 Stationair e 210 Centurion, aeronaves mais pesadas mas com características de voo muito semelhantes às do pequeno 150.
De fato, a estratégia da Cessna era produzir aeronaves de transporte pessoal e/ou familiar, monomotores de asa alta facilmente pilotáveis, quase um automóvel voador. A estratégia deu certo, pois os monomotores Cessna estão entre os mais produzidos aviões civis da história. Esses monomotores ficaram em produção por décadas e, ainda que a produção tenha sido interrompida por algum tempo, os modelos 172, 182 e 206 ainda são fabricados em pleno Século 21, uma longevidade de mais de 50 anos de produção.

O pequeno Cessna 150 não tem a intenção de ser uma aeronave de excelente desempenho. Tem pouca potência disponível para o peso, e uma hélice razoável para o voo em cruzeiro, mas bastante sofrível para decolagem e subida, especialmente em aeródromos elevados e/ou quentes. Seus tanques garantem uma autonomia de quase 6 horas.

O motor Continental O-200, embora simples e confiável, é um tanto frágil para o treinamento de pilotos, exigindo maior controle dos instrutores quanto à operação. Acelerações ou reduções bruscas de RPM devem ser evitados, assim como longos planeios em ar frio, sob pena de rachaduras nos cilindros. O sistema de partida é particularmente frágil e de difícil manutenção, e muitas escolas de aviação optaram pela sua desativação, optando pela partida manual na hélice.

A ergonomia não é boa: embora os assentos tenham regulagem em distância, pilotos altos tem sérios problemas, pois as pernas interferem nos manches em comandos de rolamento. Há pouco espaço para pilotos mais corpulentos.

A direção no solo é muito fácil, graças à triquilha comandável pelos pedais do leme. Em voo, o cruzeiro pode ser feito a mais de 100 Knots TAS . A velocidade de estol, com flaps abaixados a 40 graus, é de apenas 42 Knots, excelente para missões de treinamento básico. O avião apresenta, no entanto, tendência a cair para o lado direito no estol, mas isso é facilmente corrigível até pelo mais mais inexperiente dos pilotos.
Os primeiros exemplares do Cessna 150 (foto acima) tinham a fuselagem traseira elevada e deriva vertical. A partir dos modelos C150D/E (foto abaixo), produzidos a partir de 1964, a fuselagem foi dramaticamente modificada, rebaixando-se o cone de cauda e introduzindo-se uma janela traseira bipartida, o que melhorou muito a visibilidade do piloto para trás. Uma deriva enflechada a 35 graus e de linhas mais retas passou a equipar o modelo C150F, a partir de 1966. A aparência geral da aeronave pouco se modificou daí em diante.
A Cessna produziu alguns modelos especiais do Cessna 150, e o mais interessante deles foi o modelo A150 Aerobat. Essa aeronave podia suportar cargas estruturais de 6 G positivos e 3 G negativos, permitindo manobras acrobáticas limitadas como parafusos, chandelles, oito-cubanos e reversões verticais. Essas aeronaves possuiam assentos especiais, que permitiam o uso de para-quedas de assento, além de portas de liberação rápida. Os carburadores de cuba e a falta de potência disponível impediam, entretanto, a realização de manobras mais radicais, assim como o voo invertido.

Em 1978, os Cessnas 150 foram substituídos na linha de produção pelos modelos C-152. A célula era praticamente a mesma, mas os motores foram substituídos pelos Lycoming O-235, de 108 HP de potência, e os flaps foram limitados a 30 graus de extensão máxima. O comportamento e o desempenho do avião pouco mudaram, mas o motor era mais robusto e suportava melhor os comandos bruscos dos alunos. Essa versão permaneceu em produção até a Cessna fechar definitivamente a linha dos monomotores leves, em 1986.

O fabricante Reims, da França, fabricou sob licença, 1.764 aeronaves F-150. Essas aeronaves eram praticamente idênticas às produzidas nos Estados Unidos, à exceção do motor. Os F-150 eram equipados com motores Rolls-Royce-Continental O-240, de 130 HP.

Mesmo depois de 23 anos após a produção dos últimos exemplares, o Cessna 150 permanece como o treinador ideal para os cursos de pilotagem básica, fato comprovado pelo valor de revenda de aeronaves usadas, até hoje exportadas para muitos países. Embora a Cessna tenha tentado oferecer o Cessna 172 como treinador, por algum tempo, cedeu às pressões do mercado e voltou a oferecer um monomotor de 2 lugares para treinamento, o modelo C-162 Skycatcher, produzido na China a partir de 2007.

domingo, 29 de novembro de 2009

F-117 Nighthawk, o falcão noturno

O caça stealth F-117 Nighthawk, o falcão noturno, foi elaborado pela Lockheed Martin e desenvolvido e operado na base aérea secreta de Groom Dry Lake, mais conhecida como “Área 51” (Advanced Development Projects Office of Lockheed). Seu desenvolvimento data da década de 70, onde os trabalhos do prestigiado engenheiro aeronáutico Clarence Leonard Kelly Johnson e sua equipe culminaram num protótipo de baixa assinatura radar, o “Have Blue”.

Seu desenvolvimento foi mantido em sigilo por vários anos. As suas operações e testes eram efetuados sempre à noite para escapar dos satélites soviéticos. O objetivo do projeto por traz do caça era estudar até que ponto uma aeronave pode se tornar “invisível” aos sistemas de radar e aos sistemas de detecção infravermelhos.

Em 1977 foram feitos testes com dois protótipos em escala real conhecidos como XST (Esperimental Stealth Tatical) que obtiveram resultados bastante satisfatórios. Logo foi iniciada a produção em série do aparelho, que fez seu vôo inaugural em 1981. O primeiro caça foi entregue à USAF em 1982 e o último em 1990, totalizando 59 caças Lockheed Martin F-117A entregues à Força Aérea Norte Americana.

Sua estrutura é feita de forma a reduzir sua assinatura radar, sendo desenvolvido com materiais e pintura sono-absorventes, formas que o tornam menos visível a radares, apresentando asas dispostas num ângulo de 67º para diminuir a seção transversal do avião e derivas em “V” inclinadas que funcionam como lemes de profundidade e direção que além de diminuir sua seção transversal, proporcionam maior eficiência aerodinâmica, gera sustentação, reduz o peso e melhora o comportamento aerodinâmico da aeronave. Suas entradas de ar são cobertas com malha e sua assinatura térmica é reduzida graças aos dois motores General Eletric F404 sem pós combustão onde os gases de escape são misturados com o ar externo arrefecendo-os. O seu armamento tem armazenamento interno, inclusive os mísseis que são expostos somente quando for utilizado.

O Nightwalk não dispõe de radar, mas possui sistemas de navegação inercial e visão noturna infravermelha (IF) com duas câmeras, uma no nariz e outra na parte inferior da aeronave, acopladas ao sistema de tiro computadorizado. Seu sistema de comunicação fica recolhido, sendo exposto apenas em território não hostil.

A aeronave apresenta os comandos “Fly-by-Wire” quadruplicados e tem alcance de 4000 km com velocidade máxima em altitude de Mach .98. O custo estimado de cada aeronave é de US$ 122 milhões, tornando-o uma das aeronaves mais caras em serviço. O seu uso foi exclusivo da Força Aérea Norte Americana.

O sigilo por traz do Nighthawk criou muitas lendas e mistérios sobre a aeronave, cuja revelação ao público só foi feita em 1990. As operações do caça consiste em ataques noturnos de alta precisão contra alvos de grande valor estratégico. O sucesso das missões depende da eficácia no planejamento de suas missões, onde necessita contar com relatórios da inteligência sobre o deslocamento e atividade do adversário, realização de ações de guerra eletrônica para anular ou diminuir a atividade eletrônica do adversário e exatidão nos tempos de realização das missões.

A única baixa conhecida de um F-117 em combate foi durante o conflito em Kosovo, onde o caça do 49th Operations Group sediado na base aérea italiana de Aviano possivelmente foi abatido pela antiaérea sérvia durante o regresso após lançar uma bomba GBU-24/B Paveway III a laser. A aeronave foi abatida provavelmente por mísseis superfície-ar AS-3 ou AS-6ª, ambos de fabricação russa, o piloto conseguiu ejetar e foi resgatado posteriormente numa missão C-SAR.

A USAF aponta algumas hipóteses para a derrubada do caça, sendo a mais provável a de que os sérvios conseguiram determinar os horários em que eram realizados os ataques, possivelmente com informações advindas da Itália que sabiam os horários de saída e retorno das aeronaves para a base, e com isso os operadores de radar sérvios acompanharam a minúscula assinatura radar do F-117 até adentrar numa área coberta por mísseis antiaéreos. Outras hipóteses falam da possibilidade de o caça ser realçado pela camada de nuvens acima do nível de vôo e de uma falha no fechamento do compartimento de bombas que permaneceu aberto acabando com sua furtividade.

Em 22 de abril de 2008, a USAF aposentou os F-117, depois de 26 anos em serviço e apenas uma baixa em combate.

Texto: Thiago Martiusi Moura, Unopar - Londrina

domingo, 22 de novembro de 2009

Dornier Do-X: o gigante dos anos 30

Na década de 1920, a aviação comercial estava em plena fase de crescimento. Como os aeroportos ainda tinham pistas relativamente pequenas, as maiores aeronaves eram, quase sempre, hidroaviões, que podiam pousar em baías, portos, rios ou lagos. Essa foi a época de ouro para os hidroaviões, que iria durar, praticamente, até o início da Segunda Guerra Mundia, em 1939.
O projetista alemão Claudius Dornier era especialista nesse tipo de aeronave: um dos seus maiores sucessos, o Dornier J Wal ("baleia"), teve nada menos que 300 exemplares fabricados, e se destacou como o primeiro avião comercial a ser usado por uma empresa aérea brasileira, e foi usado inclusive em linhas aéreas postais transoceânicas entre a América do Sul e a Europa pela Lufthansa.

Dornier começou a construir, no início da década de 1920, uma gigantesca aeronave de transporte, o Dornier Do-X, maior que qualquer aeronave até produzida, e que iria manter o título de maior aeronave já fabricada por várias décadas. Sete anos foram dispendidos na construção, e o primeiro exemplar ficou pronto em meados de 1929. O primeiro voo foi realizado em 12 de julho e foi muito bem sucedido.

Como a Alemanha, nessa época, estava legalmente impedida de fabricar aviões, nos termos do Tratado de Versalhes, o avião foi feito do lado suíço do Lago Constança, na fronteira entre a Alemanha e a Suíça.
O avião era impressionante sob qualquer ponto de vista: tinha nada menos que doze motores radiais Bristol Jupiter (fabricados sob licença pela Siemens), de 524 HP cada um, montados em tandem em seis naceles duplas, tendo, portanto, seis hélices tratoras e seis hélices impulsoras. Podia levar 66 passageiros com todo o conforto, em voos transoceânicos, ou até 100, em distâncias mais curtas. A fuselagem era metálica, em duralumínio, e as asas tinham um estrutura em alumínio e aço, revestida em tela pintada em cor alumínio.

O avião tinha 41 metros de comprimento por 48 metros de envergadura e 10 metros de altura. O peso máximo de decolagem era de 56 toneladas, e a velocidade de cruzeiro era de 109 MPH. As asas tinham a impressionante área de 450 metros quadrados, maior que a de um A340-600, que tem 429 metros quadrados).
A primeira deficiência da aeronave foi notada já nos primeiros voos de experiência: os motores Jupiter, refrigerados a ar, tendiam a superaquecer e não conseguiam levar o avião além de 1.400 pés em cruzeiro, altitude insuficiente para realizar voos através do Atlântico. Após 103 voos, em 1930, a Dornier resolveu substituir os Jupiter por 12 motores americanos Curtiss Conqueror, de 12 cilindros em "V" e refrigerados a líquido, eliminando assim os problemas de superaquecimento. Com 610 HP cada um, esses motores podiam fazer o avião cruzar a 1650 pés (500 metros), suficiente para cruzar o Atlântico com segurança.

O Do-X levava seus passageiros com o conforto de um grande navio de passageiros: no deck principal havia um salão de fumar, com bar, sala de jantar e 66 assentos, que podiam ser convertidos em camas caso o passageiro desejasse dormir. O cockpit, os compartimentos do navegador, do rádio e dos mecânicos ficavam no deck superior. No deck inferior, ficavam os tanques de combustível. A parte inferior do casco era dividida em nove compartimentos estanques, dois dos quais podiam ser completamente inundados sem comprometer a flutuabilidade da aeronave.
O Dornier Do-X em manutenção
A intenção da Dornier em construir uma aeronave tão grande era conquistar passageiros de e para os Estados Unidos, então servido apenas pelos navios e alguns dirigíveis comerciais. Para promover a aeronave, foi realizado um grande voo promocional de teste destinado à América do Sul e América do Norte. Esse voo partiu de Friedrichshafen, na Alemanha, em 03 de novembro de 1930, sob o comando de Friedrich Cristiansen. A primeira etapa, através da Europa, foi interrompida em 29 de novembro, quando um tubo de escapamento incendiou uma parte do revestimento da asa, obrigando uma parada para reparos em Lisboa, Portugal.
O Do-X recolhido para manutenção
Depois de seis semanas em reparos em Lisboa, a aeronave decolou novamente em direção à África do Norte, atravessando o Atlântico em direção ao Brasil, onde os tripulantes foram recebidos como heróis pela comunidade de imigrantes germânicos. O pouso na baía da Guanabara atraiu milhares de curiosos. Do Brasil, o avião voou para os Estados Unidos, pousando em Nova York em 27 de agosto de 1931. Obviamente, o voo foi repleto de contratempos e panes, pois demorou quase nove meses.
Em Nova York, os 12 motores foram removidos e mandados para uma revisão geral, e o avião passou mais nove meses parado no Glenm Curtiss Airport (Atualmente, Aeroporto La Guardia), onde se tornou, como no Brasil, atração turística. O voo de regresso para a Alemanha, atravessando o Atlântico Norte, via Terra Nova, no Canadá, e Açores, partiu no dia 21 de maio de 1932 e chegou a Berlim em 24 de maio, dessa vez sem maiores contratempos.
O Do-X, na época o maior avião do mundo
Infelizmente para a Dornier, por essa época os Estados Unidos passavam pela Grande Depressão, e não havia mercado para aeronaves de tamanho porte. A aeronave passou para a empresa aérea Lufhansa, mas não operou por muito tempo. Depois de alguns voos de demonstração nas cidades costeiras alemãs, a Lufthansa pensou em empregar o Do-X em voos para Vienna, Budapeste e Istambul a partir de 1933. Entretanto, o avião teve sua cauda bastante danificada em um pouso desastroso perto de Passau, no sul da Alemanha. Foi reparado e voltou para Berlin, dessa vez destinado a nunca mais voar: virou a peça central de um novo Museu Aeronáutico em 1934. Infelizmente, tal Museu foi destruído em um bombardeio da RAF em novembro de 1943, e nada restou do Do-X senão cinzas e algusn destroços.
O interior do Dornier Do-X, espaçoso e requintado
Dornier fabricou mais dois hidroaviões Do-X, que foram vendidos à SANA, uma empresa aérea estatal italiana. Essas aeronaves, tão logo chegaram à Itália, entretanto, foram requisitadas pela Regia Aeronautica Italiana. O Dornier Do-X2 foi batizado com o nome de Umberto Maddalena, e o Do-X3 com o nome de Alessandro Guidoni (foto abaixo). Houve planos para operar um serviço de primeira classe entre Genova e Gibraltar, mas o serviço foi considerado inexequível, e os aviões foram utilizados como transportes militares e para treinamento. Correram rumores que um Do-X teria levado tropas italianas para invadir a Etiópia em fevereiro de 1935.
Os Do-X italianos eram idênticos ao Do-X original, com exceção dos motores, substituídos por motores V-12 FiatA-22R. O destino final dos dois aviões não é conhecido, e provavelmente foram desmontados e sucateados silenciosamente.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Rolim Adolfo Amaro e a TAM

A aviação comercial brasileira tem alguns nomes emblemáticos. Podemos citar, entre outros, Omar Fontana, criador da Sadia - Transbrasil, e Ruben Berta, que levou a Varig ao posto de maior empresa aérea brasileira por décadas.
Mas um dos maiores nomes da aviação brasileira é sem, dúvida, o Comandante Rolim Adolfo Amaro, cuja empresa, a TAM, é hoje a maior companhia aérea brasileira. Rolim Amaro nasceu em Pereira Barreto, interior de São Paulo, em 15 de setembro de 1942. Antes de concluir os estudos secundários, teve que começar a trabalhar em São Paulo para ajudar a sustentar a família.

Rolim sempre foi apaixonado por aviões e conseguiu tirar uma licença de Piloto Privado no Aeroclube de Catanduva em 1958. Ao terminar o curso de Piloto Comercial, foi voar em Londrina, Paraná, onde voou nos Cessnas 140 da STAR Táxi Aéreo. Morava no porão de um hangar, ainda existente e onde funciona atualmente a oficina Outra - Oficinas Unidas de Manutenção Aeronáutica Ltda.

Voltou logo para o Estado de São Paulo, para voar Cessna 170 na empresa Táxi Aéreo Riopretense, de São José do Rio Preto, em 1959. Ganhou experiência considerável voando táxi aéreo em condições puramente visuais, já que o voo por instrumentos, nessa época, estava restrito a poucas aeronaves comerciais.

Em 1962, Rolim começou a trabalhar como piloto na TAM - Táxi Aéreo Marília S/A. Essa empresa tinha sido fundada no ano anterior por um grupo de pilotos, passando a seguir para o controle do Grupo Ometto. O industrial Orlando Ometto, dono do grupo, transferiu a sede da TAM de Marília para São Paulo, e Rolim o segue, se casa, mas acaba deixando a empresa logo depois.

A seguir, Rolim ingressa na VASP e, depois, passa a ser piloto da Companhia de Desenvolvimento do Araguaia, controlada pelo Banco de Crédito Nacional. Nessa época, em 1966, consegue adquirir uma aeronave Cessna 170, seu primeiro avião. Seu espírito empreendedor acabou falando mais alto e Rolim deixou a empresa e fundou, em São Félix do Araguaia, seu próprio táxi-aéreo, a ATA - Araguaia Transportes Aéreos. Em 1968, já tinha uma frota de 15 aeronaves.

O Grupo Ometto convidou Rolim para ser acionista minoritário da TAM, detendo 33 por cento das ações. A empresa, então, estava em condição pré-falimentar, mas Rolim aceitou a sociedade
e conseguiu alavancar as operações, demonstrando excepcional competência empresarial. Assumiu o controle acionário da TAM em 1972 e modernizou a frota, comprando em 1973 10 Cessnas 402 novos, equipados com radar. Em 1976, já detinha 98 por cento das ações da empresa e fazia vôos regulares como empresa regional.

Com a introdução, pelo Governo Federal, do SITAR - Sistema de Transporte Aéreo Regional, em novembro de 1975, Rolim vislumbrou uma grande oportunidade de crescimento. Conseguiu uma concessão para operar, com exclusividade, o transporte aéreo regional no Estado de São Paulo e algumas áreas vizinhas, com subsídios do Governo. A frota usada inicialmente para as operações no SITAR consistia em seis aeronaves Embraer 110C Bandeirante, operados anteriormente pela VASP.

Rolim incrementou a frota com aeronaves Fokker 27 Friendship em 1980, e nessa época já tinha assumido a totalidade das ações da TAM. Em 1986, assume o controle da VOTEC, que detinha a concessão das rotas regionais no centro-norte do país, e amplia consideravelmente a malha de voos da TAM. Numa jogada arriscada, resolve ainda concorrer com a Ponte Aérea Rio-São Paulo, oferecendo o "Serviço Primeira Classe TAM", além de criar o VDC - "Vôo Direto ao Centro", ligando os aeroportos centrais de São Paulo, Rio, Curitiba e Belo Horizonte em voos diretos. Sua investida, em uma época de tabelamento de tarifas e alto nível de regulamentação governamental, foi de grande risco, mas foi bem sucedida graças ao processo gradual de liberação da aviação comercial iniciado no Governo Fernando Collor de Mello, em 1990.

Em 1990, Rolim Amaro iniciou uma verdadeira revolução na aviação regional, ao arrendar aeronaves a jato Fokker 100 (foto abaixo). Com isso, passou a concorrer diretamente com as grandes empresas domésticas brasileiras, que eram a Varig-Cruzeiro, a Vasp e a Transbrasil. Sua principal rival na aviação regional, a Rio-Sul, controlada pela Varig, viu-se praticamente obrigada a operar aeronaves Boeing 737-500 para não perder mercado.
Com a operação dos jatos da TAM e da Rio-Sul, o SITAR praticamente deixou de existir e a TAM tornou-se uma grande empresa doméstica. Com sucessivas aquisições de aeronaves e implantando um serviço de bordo diferenciado, a TAM aumentou seu prestígio e tornou Rolim uma figura de grande destaque no universo empresarial brasileiro.

Na verdade, ao escolher o Fokker 100, Rolim Amaro deu um "passo maior que a perna". De fato, ao vencer o prazo de pagamento da primeira parcela do leasing dos aviões, a TAM não tinha dinheiro e deu um calote. A Fokker, interessada em maior mercado por seus aviões, manteve, todavia, o incentivo à TAM, que não tinha cacife, na época, para adquirir aeronaves dos grandes fabricantes, como a Boeing ou a Airbus.

A frota dos Fokker 100 aumentou consideravelmente, e mais de 50 aeronaves do tipo foram operados pela empresa, a despeito de um grave acidente em São Paulo, em 1996 (99 vítimas fatais), e de outros acidentes menos graves ocorridos depois. O Fokker 100 tinha um baixo custo operacional, e Rolim soube aproveitar bem essa vantagem.

Em 1997, ao adquirir o controle acionário da empresa paraguaia LAPSA, Rolim deu seu salto internacional, criando a TAM Mercosur, e sua investisda internacional foi reforçada pela aquisição de cinco aeronaves Airbus A330 (foto abaixo), no mesmo ano. Essas aeronaves passaram a voar, depois de entregues, para Miami e Paris, e finalmente a TAM tornou-se uma grande empresa de transporte aéreo internacional.
O passo seguinte de Rolim foi substituir, gradativamente, os Fokker 100 pelo Airbus A319 e A320, capazes de concorrer com os Boeing 737 da Varig e da Vasp, inclusive na linha entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont. O serviço de bordo diferenciado e o conforto dos Airbus alçaram a TAM definitivamente ao status de grande empresa aérea brasileira.

Infelizmente, no auge do crescimento, Rolim deixaria o cenário da aviação de forma trágica: Em 8 de julho de 2001, ao realizar um passeio de helicóptero a partir da sua fazenda no Paraguai, no município de Pedro Juan Caballero, acidentou-se e veio a falecer, com apenas 59 anos de idade. Estava acompanhado uma de suas secretárias, que também faleceu. O helicóptero teve uma falha em uma das pás do rotor e caiu subitamente, sem dar tempo para um possível pouso de emergência.

Rolim Adolfo Amaro será sempre lembrado com respeito até pelos seus adversários, que não eram poucos. Introduziu um estilo de administração próprio, muito arrojado, e lidava pessoalmente com seus pilotos e demais tripulantes. Chegava a receber pessoalmente os passageiros, no Aeroporto de Congonhas, e até tripulou alguns voos, para desespero das comissárias, que não sabiam o que fazer com um "chefe maluco" na cabine de passageiros.

Rolim Amaro adquiriu uma área no aeroporto de São Carlos, interior de Sao Paulo, para construir um grande centro de manutenção de aeronaves, e criou a Fundação EducTam, com o objetivo de preservar a história da aviação brasileira e dar apoio a estudantes carentes no Brasil inteiro.

Rolim Adolfo Amaro definitivamente está inserido na História da Aviação Brasileira, e a empresa que ele criou, hoje admistrada por sua viúva e filhos, é a maior empresa aérea do Brasil.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Convair B-36 Peacemaker: o primeiro bombardeiro intercontinental

No início de 1941, os militares americanos, antes ainda de entrarem na guerra, temiam que a Grã-Bretanha fosse subjugada pelos alemães, o que colocaria a Europa praticamente fora do alcance dos seus bombardeiros estratégicos e impossibilitaria, na prática, a intervenção americana no conflito da Europa, por falta de apoio aéreo, já então considerado essencial.
A Força Aérea do Exército (USAAF) iniciou então, em 11 de abril de 1941, uma concorrência para uma aeronave que tivesse um alcance de combate de 12 mil milhas, velocidade máxima de 450 Kts, e teto de serviço de 45 mil pés. Evidentemente, esses parâmetros estavam muito além da tecnologia então disponível, e a Força Aérea passou a aceitar requisitos de acordo com a realidade da época. Os novos requisitos passaram então para alcance de 10 mil milhas (4 mil milhas com carga de bombas de 10 toneladas), velocidade máxima entre 240 e 300 Kts e teto de serviço de 40 mil pés.
Vista em corte do B-36 Peacemaker

As empresas Consolidated-Vultee Aircraft Corporation e a Boeing Aircraft Company participaram da concorrência, e a Consolidated-Vultee (futura Convair) ganhou, passando a desenvolver uma aeronave que foi desiginada, inicialmente, B-35, mas foi renomeada B-36 para evitar confusão com a asa voadora da Northrop, o YB-35. A Boeing não ficou totalmente de fora, pois na mesma época iniciou o desenvolvimento de um bombardeiro pressurizado de longo alcance, que posteriormente se tornaria o B-29 (na foto abaixo, compare as dimensões do B-29, o maior bombardeiro da Segunda Guerra Mundial, com o B-36).
A Consolidated-Vultee, entretanto, não conseguiu desenvolver o B-36 de imediato, pois o programa foi atrasado para possibilitar a construção de milhares de bombardeiros estratégicos B-24 Liberator, que se tornaram altamente necessários e prioritários com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em 7 de dezembro de 1941.

Em 20 de julho de 1942, o primeiro mock-up foi apresentado à USAAF: a aeronave teria 6 motores a pistão, dos mais potentes então em desenvolvimento, cauda com duas derivas como o B-24 e trem de pouso triciclo. Posteriormente, o projeto foi refinado, substituindo-se as derivas duplas por uma única e enorme deriva .
O B-36, com seus 10 motores

A Pratt & Whitney desenvolveu seus motores R-4360, de 28 cilindros em quatro estrelas de sete cilindros, com mais de 3 mil HP cada, para equipar o novo bombardeiro intercontinental.

O Secretário da Guerra, Henry Stimson, pensando então em atacar o Japão a partir de bases no Hawai, ordenou a produção de 100 B-36, em 23 de julho de 1943, os quais deveriam ser entregues por volta de agosto de 1945. A Convair, entretanto, ocupada com a massiva produção do B-24, atrasou-se e o primeiro voo do B-36 ocorreu somente em 08 de agosto de 1946, quase um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Mesmo com a guerra terminada e com o cancelamento da encomenda de milhares de aeronaves militares, o desenvolvimento do B-36 continuou, pois os Estados Unidos precisavam de um bombardeiro que pudesse carregar bombas nucleares contra um novo "inimigo", que surgiu logo após o conflito mundial: a União Soviética. Lançar bombardeios nucleares a partir de território estrangeiro era diplomaticamente complicado, e o único avião então capaz de carregar esse armamento, a partir de bases no território americano, era o B-36.
B-36 que estrelou um filme de 1954, Comandos do Ar.

Embora um bombardeiro com motores convencionais fosse considerado obsoleto já nos anos 40, início da era do jato, seu principal rival, o jato de seis motores Boeing B-47 Stratojet, não ficaria disponível senão em 1953, além de não ter capacidade de transportar as então gigantescas bombas termonucleares do arsenal americano.

Os Convair B-36 tornaram-se então, o principal vetor estratégico nuclear dos Estados Unidos até a entrega dos primeiros Boeing B-52 Stratofortress, em julho de 1955. Por essa época, ainda não eram disponíveis os ICBM - Intercontinental Ballistic Missiles, e nem os submarinos nucleares lançadores de mísseis, que somente entrariam em operação em 1960.

Os B-36 eram aeronaves impressionantes, sob qualquer ponto de vista. Tinham capacidade de voar em grandes altitudes, acima de 40 mil pés e à velocidade de até 365 Kts (com os motores a jato auxiliares), onde estavam praticamente a salvo de ataques de caças com motores a pistão e dos primitivos caças a jato da época. Sua capacidade de bombas era 4 vezes superior à dos B-29 e excedia, eventualmente, à capacidade dos primeiros B-52. Podiam voar 40 horas sem reabastecer, ainda que precisassem voar em velocidade reduzida para conseguir tão grande autonomia. Na figura abaixo, pode-se ver a escala de tamanho do B-36 para os seus antecessores.
Os B-36 tinham 6 grandes motores Pratt & Whitney R-4360, que desenvolviam até 3.800 HP nas últimas versões. Os motores eram voltados para trás, girando enormes hélices tripás impulsoras. A partir do modelo B-36D, as aeronaves receberam ainda quatro motores turbojatos auxiliares, em montagem dupla em dois pylons instalados abaixo das asas externas. Cada um desses motores J-47 GE-19, fabricados pela General Eletric, desenvolvia 5.200 lbf de empuxo, sendo extremamente úteis para auxiliar a decolagem dessas aeronaves com sua pesada carga de combustível e armamento nuclear.

Os maiores críticos dos B-36 foram os oficiais da Marinha Americana (USN). Sustentavam que os Estados Unidos estariam melhores equipados se tivessem novos porta-aviões capazes de carregar aeronaves de ataque nuclear, e não se cansavam de citar os problemáticos motores R-4360, que tinham a péssima mania de pegar fogo em voo. O esforço da Marinha em denegrir a imagem dos B-36 resultou em alguns dividendos, já que o Departamento da Defesa finalmente autorizou a construção dos quatro porta-aviões gigantes da classe Forrestal, que ficaram em serviço por décadas.

As dimensões do B-36 eram imensas: 70,1 metros de envergadura (por muito tempo, foi recorde mundial), 49,4 metros de comprimento e 14,25 metros de altura. O peso máximo de decolagem era de 120.700 Kg. Os nove tripulantes ficavam distribuídos em duas grandes seções da fuselagem, separadas pelos compartimentos de bombas. Um túnel ligava as duas seções, e existia um pequeno carro de tração manual dentro desse túnel, para facilitar o percurso dos tripulantes entre as duas seções.
B-36 no Pima Air Museum, em Tucson, Arizona

Alguns acidentes envolvendo os B-36 foram de grande risco, pois envolviam armamento nuclear. Em 13 de fevereiro de 1950, um B-36 caiu na Columbia Britânica, no Canadá. Esse acidente resultou na primeira perda de uma bomba nuclear americana. Felizmente, tal artefato não era real, pois teve seu plutônio substituído por chumbo, e era usada somente para testes. A bomba foi alijada da aeronave e sua carga de TNT foi detonada sobre o Oceano Pacífico, sem riscos para a população. Os destroços da aeronave foram destruídos com explosivos por militares americanos, pois tinham equipamentos altamentos secretos.

O outro acidente foi muito mais perigoso. Um B-36 lançou acidentalmente, em 22 de maio de 1957, uma bomba termo-nuclear Mark-17 no deserto do Novo México, nos arredores de Kirtland AFB, em Albuquerque. Somente as cargas de explosivo convencional da bomba explodiram, desarmando a parte nuclear da mesma, de 15 Megatons, mas causando uma grande contaminação radioativa na região. Por décadas, tal fato foi classificado como "Top Secret", e a população de Albuquerque ficou muito tempo sem saber que quase a sua cidade foi aniquilada por "fogo amigo" nuclear.

Em janeiro de 1959, o último B-36 foi desativado, e a maioria das aeronaves remanescentes foram estocadas em Davis-Monthan AFB, no Arizona, onde viraram sucata. O último voo de um B-36 ocorreu em 30 de abril de 1959.
Cockpit do B-36

Seu poderio constituiu-se, antes da existência dos ICBM, no principal meio de dissuasão nuclear do arsenal americano, que pôde evitar, em última instância, a transformação da "Guerra Fria" em uma guerra "quente" e real, potencialmente muito mais destrutiva que a Segunda Guerra Mundial. Esse fato torna muito apropriado o nome dado ao B-36: Peacemaker, Pacificador em inglês. De fato, o B-36 somente evitou confrontos, e nunca participou de qualquer missão de ataque real, nuclear ou não, felizmente.

De todas as 384 aeronaves produzidas, restam apenas quatro (e meio) sobreviventes, além do solitário XC-99, versão de carga do B-36 que encontra-se atualmente em restauração (vide artigo sobre o XC-99 nesse blog).

domingo, 1 de novembro de 2009

O lançamento da mais poderosa bomba nuclear da história

No início dos anos 60, os Estados Unidos e a URSS estavam no auge da "Guerra Fria". Centenas de aeronaves de combate, incluindo bombardeiros estratétigos equipados com armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais estavam em prontidão para retaliar qualquer agressão.
Uma vez que não havia, de fato, uma guerra, ambos os lados procuravam demonstrar poderio para intimidar qualquer iniciativa de agressão. Uma das maiores demonstrações de poderio foi feita pela URSS, que fabricou a mais poderosa bomba nuclear da história e a lançou em uma remota ilha no Oceano Ártico, a Novaya Zemlya.

A equipe de cientistas russos que construiu a bomba era liderada pelo Dr. Julii Borisovich Khariton, e incluía os físicos Andrei Sakharov, Victor Adamsky, Yuri Babayev, Yuri Smirnov e Yuri Trutnev. O artefato que eles construíram tinha 3 estágios de operação, fissão-fusão-fissão, podia gerar, em tese, 100 Megatons (o equivalente a 100 milhões de toneladas de TNT), e era designada oficialmente como RDS-220 e recebeu dos cientistas o nome de "Ivan".

Os cientistas, entretanto, modificaram a bomba, pois temiam a grande quantidade de radiação que seria liberada na atmosfera, que afetaria principalmente o próprio território russo, e também efeitos imprevisíveis numa explosão de tão colossal escala na Terra, além de temerem a destruição das aeronaves lançadoras. Na versão final da bomba foi eliminada a carcaça externa de Urânio 238, que constituía o "terceiro estágio", e colocada uma nova carcaça de chumbo, de forma que 97 por cento da explosão seria causada por fusão nuclear. Mesmo assim, a bomba tinha ainda cerca de 57 Megatons de poder explosivo, equivalente a 10 vezes o total de bombas convencionais lançadas por todos os países durante a Segunda Guerra Mundial.
A tarefa seguinte foi adaptar uma aeronave para lançar a bomba, pois o artefato era enorme, 8 metros de comprimento, 2 metros de diâmetro e 27 toneladas de peso. Um bombardeiro turbo-hélice Tupolev Tu-95 (foto acima), o maior do arsenal russo, teve suas portas de bombas removidas, e a bomba foi levada semi-externamente, pois não cabia dentro da estrutura do avião. Para aliviar peso, alguns tanques de asa também foram removidos, restringindo seriamente seu alcance. O Tupolev Tu-95 e um jato Tupolev Tu-16 (foto abaixo), que seria usado como aeronave de observação e medição, foram pintados com uma tinta refletiva branca especial, para proteger os aviões do calor radiante que seria emitido pela explosão.
Para possibilitar o máximo afastamento das aeronaves da área da explosão, a bomba tinha um para-quedas para retardar sua queda, de forma que, quando explodisse, a 4.000 metros de altura, os aviões já estivessem a 45 Km de distância.
Ambas as aeronaves decolaram na manhã do dia 10 de julho de 1961, de uma base na Península de Kola, em direção à Novaya Zemlya. O Tupolev Tu-95 que carregava a bomba era comandado pelo Major Andrei E. Durnotsev. Seu alvo era o campo de testes da Baía de Mityushikha. A bomba foi lançada de 10.500 metros de altura e explodiu às 11 horas e 32 minutos. A bola de fogo resultante atingiu o solo e também a altitude de lançamento. Era visível a mais de 1000 Mk do "ponto zero", e poderia provocar queimaduras de terceiro grau em pessoas a 100o Km de distância.
Uma enorme nuvem em forma de cogumelo chegou a 60 Km de altura e 35 Km de largura, podendo ser vista até do norte da Finlândia. A onda de choque foi sentida em muitas cidades russas e finlandesas, chegando mesmo a quebrar janelas a mais de 1.000 Km de distância. Apesar de atingidos em cheio pela onda de choque, os aviões sobreviveram e pousaram em segurança.

Embora fosse a mais poderosa bomba nuclear de todos os tempos, a Tsar Bomb (nome pelo qual a bomba foi conhecido no Ocidente) não era um artefato operacional, era apenas uma demonstração do enorme poder tecnológico da URSS. Sua potência foi rapidamente suplantada por mísseis balísticos de navegação inercial altamente precisa, que poderiam provocar danos localizados e muito mais eficientes.
Depois da explosão da Tsar Bomb, o físico Andrei Sakharov, um dos componentes da equipe que construiu a Tsar Bomb, passou a se posicionar publicamente contra o uso de armas nucleares, tornando-se um dos mais famosos dissidentes da antiga União Soviética.