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domingo, 14 de agosto de 2011

ETOPS: O que é isso?

O mundo da aviação é cheio de siglas e neologismos misteriosos, que muitas vezes não são compreendidos corretamente nem por pessoal que trabalha diretamente no ramo.
As cores mais claras no mapa indicam onde se pode voar com menores limitações
A sigla ETOPS, que significa Extended Twin Engine Operations, ou, em livre tradução, "operações prolongadas em aeronave de dois motores" é uma certificação concedida pela International Civil Aviation Organization - ICAO, que permite a uma aeronave comercial bimotora operar em rotas que, em alguns pontos, estejam a mais de 60 minutos de voo afastadas de um aeródromo de alternativa, em caso de pane em um dos motores.

Tal limitação de 60 minutos foi imposta às aeronaves da aviação comercial, inicialmente, pela Federal Aviation Administration - FAA, nos Estados Unidos, em 1953, e foi depois aplicada por recomendação da ICAO à todos os países signatários da Convenção de Chicago, de 1944.
Limitações para aeronaves bimotoras, antes da adoção da certificação ETOPS
Nos tempos da aviação comercial com motores a pistão, isso era uma necessidade de segurança. Os últimos grandes motores a pistão da aviação comercial já tinham atingido os limites práticos de desenvolvimento e de confiabilidade, na década de 1950, e limitações foram previstas de modo que, em caso de pane em um dos motores, as aeronaves deveriam poder alcançar, com segurança, um aeródromo de alternativa, de qualquer ponto da rota em que estivessem, voando em velocidade de cruzeiro e sem vento, em 60 minutos, se fossem bimotoras, ou em 120 minutos, se fossem trimotoras ou quadrimotoras.

Entretanto, no final da década de 1950, a aviação comercial começou a operar aeronaves com motores a jato, que se mostraram, desde o início, serem muito mais confiáveis que os antigos motores a pistão.
Boeing 707-121 da anitga Pan Am
Não houve, inicialmente, nenhuma preocupação das empresas aéreas, e nem das autoridades aeronáuticas, em alterar essas regras, já que quase todas as aeronaves que faziam voos internacionais, na época, possuíam quatro motores, tais como os Boeing 707, Douglas DC-8, Convair 880/990 e Vickers VC-10. Além disso, em virtude da maior velocidade, tais aeronaves podiam percorrer o dobro da distância que uma aeronave a pistão poderia percorrer em 120 minutos, o limite para trimotores e quadrimotores.
Limites para aeronaves bimotoras e com ETOPS-120 sobre o Atlãntico Norte
Algumas limitações ainda existiam, especialmente sobre as rotas polares antárticas e sobre os oceanos Atlântico e Pacífico, no hemisfério sul, mas as rotas sobre esses pontos eram de pouca importânica comercial.

Na prática, uma aeronave de 4 motores podia voar a maior parte das rotas, ao longo da década de 1960, quase sem restrições. Os trimotores de longo alcance, com os Lockheed Tristar e McDonnell-Douglas DC-10, também podiam operar a grande maioria das rotas sem problemas com as normas.

Essa situação começou a se alterar com a criação das aeronaves wide-bodies bimotoras. A primeira dessas aeronaves, o Airbus A300, visava mais as rotas domésticas de grande densidade do que rotas internacionais, mas a reação da Boeing a esse avião, o Boeing 767, demonstrou potencial para voar rotas transoceânicas, sendo um sucessor em potencial dos velhos Douglas DC-8 e Boeing 707, especialmente sobre o Atlântico Norte.
Boeing 767-200 da antiga TWA
Pode-se dizer que o Boeing 767 foi o "divisor de águas" na questão da limitação de 60 minutos de voo em operação com um motor inoperante, até então em vigor e sem exceções.

Em resposta à solicitação dos operadores, a FAA autorizou uma exceção à "Regra dos 60 minutos" para a TWA operar o Boeing 767 na rota entre St. Louis, no Missouri, e Frankfurt, na então Alemanha Ocidental. Depois de várias avaliações operacionais, a FAA, e depois a ICAO, autorizaram a primeira operação ETOPS, inicialmente para 90 e depois para 120 minutos, em 1985.
Douglas DC-8 da antiga Varig
A implantação do ETOPS-120 significou, praticamente, o fim dos Boeing 707 e dos Douglas DC-8 nas rotas internacionais de longo alcance e de menor densidade de tráfego. Afinal, os Boeing 767 poderiam fazer tais rotas com muito melhor rentabilidade e economia que os velhos quadrimotores.

Em 1988, as regras ETOPS foram novamente alteradas pela FAA, dessa vez estendendo para 180 minutos o limite para operação com um motor inoperante, tanto para bimotores quanto para trimotores e quadrimotores americanos, devidamente certificados. A regra logo passou a valer, também, para aeronaves de outras nacionalidades, quando foi adotada pela ICAO.

A adoção do ETOPS-180 permitiu que, na prática, um bimotor poderia voar onde quadrimotores e trimotors não poderiam voar, a não se que fossem devidamente certificados.
MacDonnell-Douglas MD-11 da antiga Varig
Com o ETOPS-180, 95 por cento do globo poderiam ser voados sem restrições, possibilitando rotas mais curtas, mais baratas para os passageiros e mais rentáveis para as empresas. Todavia, isso acabou decretando a extinção dos grande wide-bodies trimotores, como os McDonnell-Douglas DC-10 e MD-11. Mesmo o grande e eficiente Boeing 747 não escapou de ser preterido em favor de aeronaves bimotoras mais econômicas, como o Boeing 777. Até mesmo o Airbus A340, quadrimotor projetado justamente para operar com menores limitações em rotas transoceânicas, tornou-se uam aeronave pouco atraente para as empresas aéreas.
Airbus A380
Em 2001, a FAA, a pedido da American Airlines e da United Airlines, condedeu certificados de ETOPS com mais 15 por cento de extensão, em relação ao ETOPS-180, para os aviões Boeing 777, colocando praticamente um fim a qualquer limite nas congestionadas rotas do Atlântico e do Pacífico Norte, assim como sobre o Ártico. Tal ETOPS-207, no entanto, não foi adotado pela Joint Aviation Authorities - JAA, a autoridade aeronáutica conjunta da Europa Ocidental, e nem pela ICAO.
Boeing 777-300ER da American Airlines
A JAA e a ICAO consideram que o ETOPS-207 compromete a segurança dos voos, ao menos por enquanto, já que se trata da "extensão da extensão" de uma regra. Porém, o FAA, a pedido da Boeing e da ALPA (Air Lines Pilots Association), já desenvolve estudos para regras ETOPS-240 ou mesmo 330, o que removeria praticamente qualquer limitação de alcance para aeronaves com um dos motores inoperantes, tornando possíveis rotas através da Antártica e dos pontos mais remotos dos oceanos Atlântico e Pacífico Sul.

As cores mais claras no mapa indicam onde se pode voar com menores limitações
Na figura acima, as áreas ETOPS 180 estão em cores mais claras. Como se pode ver, as áreas proibidas para o voo ETOPS 180 são muito poucas, como o corredor África do Sul - Sul da América do Sul, e  entre a América do Sul e a Oceania.
Airbus A350, atualmente em desenvolvimento
Se a proposta de ETOPS-240 e ETOPS-330 forem, um dia, aceitas pela JAA e pela ICAO, isso poderá significar o fim dos grandes quadrimotores ainda em produção, como os Boeing 747-8 e Airbus A380, em favor de bimotores mais eficiente, como os Boeing 777/787 e Airbus A350.
Limites ETOPS-180
Pode-se ver na figura abaixo que, exceto para uma remota região no continente antártico, praticamente não existirão áreas proibidias para o voo certificado com ETOPS-330.
Limites ETOPS-330
Para certificar uma  aeronave para operações ETOPS são necessárias duas etapas: Em primeiro lugar, a combinação de estrutura e motores deve obedecer aos requisitos básicos do ETOPS durante a certificação da aeronave, é o chamado “ETOPS Type Approval”. Entre os procedimentos previstos nesse processo, deve-se desligar um dos motores e voar ate o aeroporto de alternativa previsto.
Boeing 747-8I
Em outra fase, a operadora da aeronave deve satisfazer os regulamentos de seu próprio país em relação a sua capacidade de conduzir vôos ETOPS. Este procedimento recebo o nome de “ETOPS Operacional Approval”. Isso quer dizer que não basta o simples fato de uma aeronave ter condições de operar ETOPS, mas que a empresa aérea também tem que demonstrar ter condições para isso.

Autores do artigo: Prof. Mestre Jonas Liasch Filho (Unopar-PR) e Adenilton Francisco dos Santos (INFRAERO-LDB, acadêmico de Ciências Aeronáuticas da Unopar-PR)

domingo, 7 de agosto de 2011

Mitos e fatos sobre os bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki

As missões atômicas sobre o Japão, em agosto de 1945, sempre suscitaram enormes polêmicas. A opinião geral predominante no mundo de hoje é de que os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki foram atos terroristas bárbaros que poderiam ter sido evitados, sem trazer maiores prejuízos para os Aliados, tanto durante quanto após a guerra.
O cogumelo atômico em Hiroshima
Esse é, no entanto, um pensamento bastante simplista, e que não reflete, de forma alguma, o pensamento dominante em 1945.

De fato, o sucesso das missões sobre Hiroshima e Nagasaki forçou a rendição do Japão, sem que nenhum soldado americano tenha colocado suas botas no território do Japão metropolitano, na condição de invasor.

Para qualquer família americana da época, só isso já teria justificado o lançamento das bombas atômicas. Afinal, a guerra tinha ceifado a vida de mais de 416 mil militares americanos, e era muito difícil encontrar uma família que não tivesse perdido um ou mais dos seus filhos em combate.
Hiroshima arrasada, em agosto de 1945
Em agosto de 1945, embora a capacidade militar do Japão já tivesse sido reduzida a cinzas, a rendição parecia muito longe. Os americanos preparavam uma invasão do Japão, começando com um desembarque na Ilha de Kyu-Shu em 1º de novembro de 1945. Outra invasão deveria ocorrer na região do Kanto (arredores de Tóquio), em março de 1946.
O Enola Gay em Tinian, agosto de 1945
Baseado na experiência das invasões das ilhas de Iwo Jima e Okinawa, os militares previam que as baixas seriam muito pesadas. Em Okinawa, por exemplo, os americanos tiveram 12 mil mortos, e as baixas japonesas foram de, pelo menos, dez vezes esse valor.
A bomba de urânio, usada em Hiroshima, apelidada como "Little Boy"
A estimava de baixas para uma eventual invasão do Japão era, na verdade, estarrecedora: 500 mil mortos americanos, mais do tinham perdido ao todo na guerra até então, em todos os teatros de operação. Era de se esperar que, assim como aconteceu em Okinawa, que os japoneses perdessem dez vezes esse valor, ou seja, cinco milhões de mortos. Isso seria o custo de se ganhar uma guerra que já estava, praticamente, no fim.
Presidente Harry S. Truman, em 1945
Mas havia a bomba atômica e os Boeing B-29 do 509º Composite Group, criado especialmente para lançá-la no Japão. O Presidente Harry S. Truman, que sucedera Franklyn Delano Roosevelt em abril de 1945, só tomou conhecimento da existência da arma após assumir o governo americano, quando Roosevelt faleceu durante o seu quarto mandato.

Coube a Truman a decisão de lançar ou não tal bomba. Dois bilhões de dólares de 1945 já tinham sido gastos na construção da arma, que já estava praticamente pronta para ser lançada. A opinião de todos os líderes militares e políticos americanos era de que o lançamento da bomba atômica poderia forçar a rendição "honrosa" do Japão, evitando os milhões de mortes que poderiam ser causadas pela invasão, ou qualquer outra opção, como cerco prolongado ou bombardeio por armas convencionais.
A bomba de plutônio usada em Nagasaki, apelidada de "Fat man"
Truman autorizou o uso da bomba atômica sobre o Japão, o que resultou em pouco mais de 200 mil mortos nas duas cidades bombardeadas. Confirmando as projeções americanas, o Japão realmente se rendeu, e pela primeira vez na história, uma nação em guerra foi derrotada com o uso exclusivo de bombardeios aéreos estratégicos.
Sobrevivente da bomba de Hiroshima
O espectro da invasão foi evitado. Os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki foram realmente terríveis, mas nem sequer foram os mais mortíferos ataques aéreos da guerra. Os bombardeios de Dresden, na Alemanha, em 13 de fevereiro de 1945, e o de Tóquio, em 9 de março, causaram muito mais mortes do que os bombardeios atômicos, e não foram menos terríveis. O napalm e as bombas incendiárias de fósforo eram tão infernais quanto o urânio e o plutônio.
Tripulação do Enola Gay, no retorno da missão em Hiroshima
Pouco tempo depois de serem considerados heróis, ao cumprirem com êxito as suas missões, os tripulantes dos bombardeiros atômicos foram depois rotulados mundo afora como "os maiores assassinos do mundo". Dedicaram-se, anos a fio, a serem simplesmente esquecidos, o que pode ser considerado uma injustiça, pois estavam simplesmente cumprindo suas missões, como qualquer soldado americano na Normandia, nas Filipinas ou na Itália.
Cel. Paul Tibbets no cockpit do Enola Gay, pouco antes de decolar para Hiroshima
O que seria o mundo sem as bombas de Hiroshima e Nagasaki? Essa é uma pergunta incômoda, e a resposta é muito controvertida, mas não seria um mundo repleto de paz e alegria, como pensam ingenuamente algumas pessoas.
O Bock's Car, que lançou a bomba de plutônio em Nagasaki
Pelo contrário, sem as bombas atômicas, o Japão teria sido praticamente aniquilado por uma invasão ou por bombas convencionais. A União Soviética, muito provavelmente, teria tentado expandir seus limites para muito além da Europa Oriental. Poderia ter até invadido o Japão, no lugar dos Estados Unidos.
Hiroshima devastada pela explosão atômica
A Guerra Fria somente foi "fria" devido à existência das armas nucleares e da demonstração do seu poderio em Hiroshima e Nagasaki. Stalin não era melhor do que Hitler, e o Exército Vermelho poderia ter tomado conta de toda a Europa, se não fosse inibido pela existência das bombas atômicas. É muito provável que hoje estaríamos estudando, nos livros, a história da Terceira Guerra Mundial, ao invés da Guerra Fria.
Cel. Paul Tibbets, Jr.
As tripulações dos bombardeiros atômicos, ao que tudo indica, jamais sentiram arrependimento em relação a Hiroshima e Nagasaki. Ao contrário, sentiram orgulho de ter contribuído para o rápido fim da guerra, poupando a vida de centenas de milhares de soldados americanos e de milhões de soldados e civis japoneses.
Nagasaki arrasada pelo ataque nuclear
Muitos mitos correram o mundo desde o fim da guerra. O mito de que o comandante da missão em Hiroshima teria se arrependido e se suicidado, devido ao remorso, foi um dos mais populares desses mitos. No entanto, Paul Tibbets Jr, o comandante do Enola Gay, jamais se arrependeu da missão e morreu de velhice, aos 92 anos de idade.
Cel. Paul Tibbets, Jr, em 2003, aos 88 anos de idade
À parte o caráter revolucionário da arma que levavam, os tripulantes dos bombardeiros atômicos conduziram suas missões como qualquer outro tripulante de B-29 ou B-17. Sofreram até menos, pois tripular um B-17 em missão na Europa, por exemplo, era uma missão de altíssimo risco, já que 5 mil, dos 12 mil B-17 construídos, foram destruídos em combate. Sobre o Japão, em 1945, os B-29 já não encontravam tanta oposição.
Foto do "cogumelo atômico" sobre Hiroshima, autografada pelos tripulantes do Enola Gay
O copiloto do Enola Gay, Tenente Robert A. Lewis, ao ver as dimensões do "cogumelo atômico", gritou:
- Deus do Céu! Olhem só para aquela filha da puta!
O Enola Gay no museu, em Washington, DC
Ao escrever nos seus registros, no entanto, acho que tal expressão não ficaria bem nos livros de história, e escreveu outra frase: "Meu Deus, o que fizemos?".

Os aviões que lançaram as bombas atômicas, os Boeing B-29 "Enola Gay" e Bock's Car" estão silenciosos nos museus. Nunca mais lançaram nenhuma bomba. A missão que cumpriram jamais foi repetida, após o fim da guerra. Nenhuma bomba nuclear foi usada em combate novamente.
O Bock's Car, depois da guerra
Embora tenha suportado, nas palavras do Imperador Hirohito, o "insuportável" e aceitado o "inaceitável", o Japão do pós guerra jamais hostilizou os americanos. Muito pelo contrário, a extremamente habilidosa ocupação militar do Japão, sob o comando do General Douglas MacArthur, tornou o Japão um dos maiores aliados dos americanos. Os soldados americanos, uma vez terminada a guerra, procuraram ajudar os japoneses a reconstruir o seu país. Muitos se casaram com japonesas e nunca mais foram embora do Japão.
Ruínas preservadas da bomba atômica
No Japão, nunca houve o ódio que se abateu sobre a Europa no pós guerra. Nunca houve, por exemplo, um "Tribunal de Nurenberg japonês". Até o Imperador Hirohito foi poupado, numa extraordinária demonstração de habilidade política na administração de um país militarmente ocupado.
Memorial da Paz - Hiroshima
Em Hiroshima, bem ao lado da ponte Aioi, usada como alvo para o bombardeio atômico, existe até hoje o Memorial da Paz, que relembra a tragédia que se abateu sobre a cidade em 6 de agosto de 1945. Mas é justo que o Memorial da Paz também relembre que, talvez, a morte dos seus cidadãos tenha salvado não somente o Japão, mas também  o mundo, de uma tragédia infinitamente maior.
Hiroshima, em 2010
Hiroshima e Nagasaki confirmam o antigo provérbio popular que diz: "Deus escreve certo, por linhas tortas".