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domingo, 28 de março de 2010

Aviação leve: está chegando a hora do Diesel???

Há mais de 100 anos que os motores a gasolina imperam na propulsão de aeronaves leves. Foram amplamente superados pelos motores a turbina nas grandes aeronaves, mas ainda continuam imbatíveis na aviação geral, ao menos por enquanto.
Enquanto os motores a reação rapidamente dominaram o mercado de médias e grandes aeronaves, o alto consumo de combustível e o custo de manutenção praticamente inviabilizam esses motores para emprego em grande escala na aviação geral. A consequência disso é que mesmo as mais modernas aeronaves leves da atualidade utilizam motores cuja tecnologia é de 60 ou mesmo 70 atrás.

Os típicos motores de avião atuais são basicamente os mesmos motores utilizados nas últimas 6 décadas. São motores de 4 ou 6 cilindros horizontais opostos, refrigerados a ar, ignição por magneto, sistemas de injeção mecânica ou mesmo o velho carburador. Consomem exclusivamente a cara e problemática gasolina de aviação, a famigerada AVGAS, e consomem muito para a potência que produzem. Se são motores confiáveis, ao menos em tese, são relativamente frágeis em uso, não suportando, por exemplo, longos planeios em ar frio sem o risco de se trincar um cilindro.

A obsolescência dos motores a pistão aeronáuticos é gritante. Na indústria automobilistica, não se usam magnetos para sistemas de ignição há mais de 50 anos. Carburadores, controle manual de mistura e platinados fazem rir os mecânicos de automóveis, que não vêem lógica no uso disso nos dias de hoje, com tanta tecnologia e eletrônica embutida até mesmo nos motores de carros populares e de motocicletas.

De fato, questões de responsabilidade civil dos fabricantes de motores, na legislação americana, por muito tempo inibiram quaisquer inovações mais radicais, porque o desenvolvimento de novas tecnologias sempre tem um custo. Como consequência, os motores aeronáuticos mais usados na atualidade podem ser considerados como totalmente obsoletos, e é um absurdo total que continuem em uso por mais tempo.

Resta um problema: que motores irão substituí-los? O uso da gasolina de aviação, devido aos problemas ambientais e baixa disponibilidade, deve ser pura e simplesmente descartado. Deve-se, portanto, considerar a utilização de motores que consomem outros tipos de combustíveis menos poluentes e mais baratos.
A mais fácil solução é, sem dúvida, substituir os motores a gasolina, ciclo Otto, por motores ciclo Diesel. Embora seja possível converter os antiquados motores a gasolina para o uso do álcool etílico hidratado, isso é prático somente no Brasil, que tem grande disponibilidade desse combustível. No resto do mundo, o etanol ainda não é tão amplamente utilizado, mesmo que tenha grandes vantagens do ponto de vista ambiental.

Motores ciclo Diesel são geralmente associados a motores pesados e de grande porte, utilizados geralmente em caminhões, locomotivas e navios. Obviamente, motores muito pesados não são adequados para uso em aeronaves.

Entretanto, motores Diesel podem ser usados em aviões sem maiores problemas. Na Europa, mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, os motores Diesel foram muito utilizados, inclusive para propulsionar aeronaves militares de alto desempenho, especialmente na Alemanha. Infelizmente, como a Alemanha perdeu a guerra, o mercado de motores aeronáuticos a pistão acabou dominado pelos norte-americanos, que se concentraram na produção dos populares motores de cilindros opostos a gasolina. Depois da Segunda Guerra, a gasolina era um produto muito barato, e ninguém ainda tinha consciência de problemas ambientais que causava. Somente a partir das crises do petróleo da década de 1970 é que os operadores de aeronaves começaram a se preocupar com o exagerado consumo de seus motores.

A empresa alemã Thielert AG foi pioneira na produção de motores Diesel para a aviação geral. Seus motores são baseados nos motores automotivos Mercedes Benz, uma das empresas mais conceituadas nessa tecnologia no mundo. A Thielert certificou, em 2002, um motor de 1,7 litros de cilindrada, com 135 Hp, no mercado europeu. Modelos mais potentes foram colocados posteriormente no mercado (foto abaixo).
Motores Diesel não são necessariamente motores pesados. Pelo contrário, são motores plenamente satisfatórios na relação peso-potência, superiores em muitos casos aos antiquados motores a gasolina utilizados nos aviões de hoje. Um exemplo é o motor Diesel francês SMA (foto abaixo), de 5 litros de cilindrada e 230 HP, que pode ser utilizado, por exemplo, nos Cessna 182 Skylane. O motor pesa cerca de 15 Kg a menos que o motor Lycoming IO-540 original, que tem a mesma potência. Motores diesel de ciclo dois tempos podem ser ainda mais leves, mesmo se utilizarem sistemas de refrigeração líquida.
Na cultura norte americana, motores diesel foram sinônimo de motores de locomotivas e navios por muitos anos. Mesmo os caminhões pesados americanos utilizaram gasolina como combustível durante décadas. Como maior potência mundial, os americanos influenciaram o todo o resto do mundo. No início da década de 1940, a empresa americana Guilberson Diesel, por exemplo, ofereceu no mercado um excelente motor radial de 9 cilindros Diesel, de 320 HP e que tinha apenas 280 Kg de peso. Era uma ótima relação peso-potência para a época, e seria satisfatória até hoje. Fez vários voos de teste, mas não equipou nenhuma aeronave de produção. Por que? Simplesmente porque os pilotos acharam os motores "preguiçosos" para acelerar, e os gases de escapamento eram "malcheirosos"... Realmente, com o irrisório preço da gasolina na década de 40, qual americano iria se dignar a operar um motor com escapamento malcheiroso?

As vantagens do motor Diesel sobre os motores Otto são inúmeras para a aviação: para começar, são motores muito mais eficientes e econômicos. O motor SMA de 230 Hp, por exemplo, consome 34 litros de querosene de aviação por hora, em média, quando o motor Lycoming IO-540 consome 60 litros de AVGAS por hora. Ou seja, além de ter operação mais barata, o avião pode ter maior autonomia ou carregar menos peso morto em combustível.

Outra grande vantagem é a simplicidade de operação. O motor Diesel não necessita de sistema de ignição, fonte de inúmeros problemas nos motores a gasolina. Controles de mistura de combustível são igualmente desnecessários e inexistentes. Os motores diesel também operam melhor com turbo-compressores que os motores a gasolina, o que garante boa reserva de potência a grande altitude, com um consumo irrisório se comparado com os motores a gasolina. Motores mais simples têm operação mais segura, pois possuem menos componentes para dar pane.

Uma vantagem adicional dos sistemas de ignição por compressão dos motores Diesel é que isso torna desnecessários os pesados e complexos sistemas de blindagem dos sistemas de ignição, fonte de interferência considerável nos sistemas de comunicação e navegação por rádio dos aviões.

Motores Diesel operam com combustível muito menos volátil que a gasolina. Os motores Diesel aeronáuticos consomem normalmente o querosene de aviação, amplamente disponível em qualquer aeroporto, mas podem consumir sem problemas o óleo diesel comum e o biodiesel. A baixa volatilidade desses combustíveis reduz dramaticamente o risco de incêndio, e deixa praticamente de existir o risco de formação de bolhas de vapor nas linhas de combustível (vapor lock), responsável por boa parte dos incidentes de parada ou perda de potência em voo dos motores a gasolina, especialmente em grande altitudes.

Com relação aos problemas de lentidão na aceleração reportados pelos pilotos na década de 1940, são coisas do passado, pois os motores gerenciados eletronicamente e de alta rotação de hoje possuem excelente resposta ao comando das manetes de potência, e mesmo os motores antigos eram mais rápidos de resposta do que qualquer tipo de motor a reação. Quanto aos gases de escapamento malcheirosos, são preferíveis aos altamente venenosos gases de escapamento da AVGAS. Vale dizer ainda que os pilotos de motores a reação não costumam reclamar do cheiro de querosene do escapamento dos seus motores.

Motores a gasolina de ciclo 2 tempos nunca foram populares na aviação, e só foram usados nos antigos ultraleves. A maior desvantagem desses motores é a lubrificação deficiente, o que causava eventuais travamentos do motor em voo e baixa durabilidade. Já os motores Diesel 2 tempos não têm essa desvantagem, pois não há circulação de mistura no cárter (nem mesmo existe a "mistura"). Os sistemas de lubrificação dos motores Diesel 2 tempo são semelhantes aos utilizados nos motores 4 tempos, e garantem excelente durabilidade, tanto é que são amplamente utilizados em locomotivas e navios, onde o requisito durabilidade do motor é fundamental.
O ciclo 2 tempos Diesel (esquema acima) é ideal para a aviação, pois produz grande potência sem aumento de peso e sem problemas de baixa durabilidade. O motor possui normalmente duas ou quatro válvulas de escapamento, e nenhuma válvula de admissão. A admissão de ar puro é feita pelo pistão alongado do motor, que ao atingir o ponto morto baixo do curso, abre uma série de janelas no cilindro, onde entra o ar que limpará o cilindro dos gases queimados (que saem pelas válvulas de escapamento) e que será comprimido para o próximo ciclo. Como o pistão desses motores não aspira ar, é necessário um compressor de baixa pressão e grande volume, geralmente do tipo "roots", que bombeia ar para um compartimento adjacente ao cilindro. Ao subir, o pistão fecha as janelas de admissão e comprime o ar até que o mesmo atinja a pressão e temperatura de ignição do combustível, injetado tão logo o pistão se aproxime do ponto morto superior. Ao abaixar sob o efeito da expansão dos gases de combustão, o pistão gera potência útil e inicia um novo ciclo, tão logo as válvulas de escapamento abram e o pistão abra as janelas para a admissão de ar fresco, quando chegar no ponto morto baixo.

Muitos fabricante estão oferecendo motores Diesel de 2 ou 4 tempos para a aviação leve, e é só uma questão de tempo para que os mesmos venham a substituir os obsoletos motores a gasolina ainda em uso. A empresa Delta Hawk, por exemplo, oferece no mercado vários motores Diesel 2 tempos de 4 cilindros em "V" invertido (foto abaixo), que consomem 30% a menos de combustível em volume que os motores a gasolina, e com praticamente o mesmo peso, ainda que utilizem refrigeração líquida. O custo da revisão geral do motor é um terço inferior ao dos motores a gasolina, e o motor é operado por uma única manete, sem que o piloto precise se preocupar com mistura, chumbo nas velas, cheque de magnetos e overcooling dos cilindros. Outro interessante motor Diesel 2 tempos é o Zoche, um radial de 8 cilindros (foto no início do artigo).

terça-feira, 16 de março de 2010

Irmãos Wright: pioneiros do voo a motor ou embusteiros?

Quem realmente inventou o avião? A resposta a esta pergunta provavelmente jamais será inquestionável. Para qualquer cidadão brasileiro, quem inventou o avião foi Alberto Santos Dumont, e ponto final; para um cidadão norte-americano, no entanto, foram os irmãos Wilbur e Orville Wright. De qualquer forma, ainda existem outros candidatos a pioneiro do voo mecânico, como o francês Clément Ader, que teria voado em 1890 em um avião a vapor a poucos centímetros do chão e, inclusive, inventou o nome da máquina. Em geral, a maior parte do mundo aceita os irmãos Wright como inventores do avião. Todavia, pairam muitas dúvidas sobre a legitimidade dessa primazia.

Ninguém questiona os voos de Santos Dumont em 23 de outubro e 12 de novembro de 1906, pois os mesmos foram feitos em local público, com dezenas de testemunhas, presença de especialistas e amplamente documentados e noticiados na imprensa. Clément Ader pode ter perdido a primazia, perante os próprios franceses, devido ao fato de seu "Avión" ser considerado "segredo militar", e seus voos nunca terem sido devidamente homologados. Mas, e os voos dos Wright?

Wilbur e Orville Wright alegam ter voado em uma aeronave a motor, pela primeira vez, em 17 de dezembro de 1903, em Kill Devil Hills, quatro milhas ao sul de Kitty Hawk, Carolina do Norte. Kill Devil Hills é um grupo de colinas baixas arenosas, batidas por fortes ventos, bem próximas da praia.

Os irmãos Wright não eram da Carolina do Norte. Wilbur, o mais velho, nasceu em Millville, Indiana, e Orville em Dayton, Ohio. Ambos cresceram em Dayton, onde fundaram uma empresa especializada em manutenção, venda e fabricação de bicicletas, a Wright Cycle Company. Embora bem sucedidos nessa atividade, os irmãos se envolveram em estudos e experiências em máquinas voadoras. Antes da virada do século, projetaram um planador, o qual foi experimentado em voo no início do outono de 1900, em Kitty Hawk.

O inventor americano Octave Chanute, bastante experiente e bem sucedido na construção de planadores, teria sugerido Kitty Hawk aos Wright, devido aos fortes ventos e à areia macia, que poderia absorver os impactos de eventuais pousos bruscos.

Após ganharem uma certa experiência em voos planados, os irmãos resolveram evoluir, colocando um motor no planador, para criar uma máquina mais pesada que o ar capaz de se manter em voo por si mesma.

A primeira dificuldade foi encontrar um motor adequado. No início do Século XX, os motores disponíveis, além de terem baixa potência, eram desesperadoramente pesados, o que os tornava inadequados para uso em aeronaves. Depois de procurarem mundo afora, sem sucesso, os Wright se viram forçados a fabricar seu próprio motor.
O motor construído pelos Wright não pode ser considerado uma obra-prima de engenharia. Com quatro cilindros e 201 polegadas cúbicas (3,3 litros) de cilindrada, não conseguia desenvolver mais que 12 HP. O motor era resfriado a líquido e pesava, sem o líquido de refrigeração, 79 Kg. O motor acionava duas hélices através de correntes de bicicleta.

Os Wright adaptaram seu motor a um dos seus planadores, que recebeu o nome de Flyer I, o qual teria decolado de Kill Devil Hills em 17 de dezembro de 1903, pilotado por Orville Wright, contra um vento de proa de 20 MPH. Supostamente, teria sido o primeiro avião capaz de voar pelos seus próprios meios.
Mas aqui começam os problemas: o Flyer I tinha um peso vazio de 274 Kg, e era limitado a 338 Kg na decolagem. Isso dá uma relação peso-potência de meros 0,04 Hp/Kgf. Levando-se em consideração a enorme área alar de 47 metros quadrados, 3 vezes maior que a área alar de uma aeronave de treinamento Aero Boero, e o arrasto resultante disso, não é preciso ser engenheiro aeronáutico para se afirmar que tal motor, com seus 12 HP, era totalmente incapaz sequer de manter a aeronave em voo, e muito menos para fazer decolar a aeronave por seus próprios meios.

Não obstante, vamos considerar por hora que o motor fosse capaz de sustentar a aeronave. O voo, então, teria sido realizado. Quem testemunhou? É interessante notar que uma testemunha independente, o Sr. Alpheus Drinkwater, jamais foi arrolado pelos Wright como testemunha do suposto voo de dezembro de 1903. Drinkwater, que trabalhava em 1903 no posto telegráfico situado ao lado do campo onde os voos eram realizados, afirmou ao New York Times, em 16 de dezembro de 1951, que os voos realizados pelos irmãos Wright eram simples voos planados, e que somente em 1908, quando retornaram a Kitty Hawk, é que os inventores conseguiram realizar um voo a motor.

Os Wright comunicaram por telegrama, após o pretenso voo, o "sucesso" a seu pai, Milton Wright, para que o mesmo iniciasse o processo de patentear o aparelho.

Esse processo de patente foi bastante esclarecedor nessa questão: foi simplesmente recusado pelo U.S. Patent and Trademark Office, por falta de evidências concretas do real funcionamento da máquina. Somente em 22 de maio de 1906, o escritório de patentes concedeu a patente de uma "Máquina Voadora" (U.S. Patent 821393) para os Wright, embora tal patente se referisse claramente ao planador Wright de 1902, e não ao suposto avião Flyer I.

Ávidos por lucrar com seu invento, como é natural na cultura norte-americana, os Wright procuraram preservar de olhos alheios e invejosos sua máquina. E conseguiram isso por três longos anos, a despeito da perspicácia e reconhecida capacidade da imprensa dos Estados Unidos, ávidas de "furos" jornalísticos. Afinal, os Wright tinham sérios concorrentes dentro do seu próprio país, e o principal deles chamava-se Samuel Pierpont Langley.

Langley era um inventor muito competente. Seu aparelho, denominado Aerodrome, era configurado com asas em tandem, e equipado com um poderoso motor radial Manly-Balzer de 53 HP, quatro vezes mais potente que o motor dos Wright e com apenas 62 Kg de peso. Infelizmente, Langley e seu piloto, Charles M. Manly, falharam em realizar uma experiência satisfatória com a aeronave. As experiências de Langley e Manly, ao contrário das experiências dos Wright, foram públicas, e realizadas no Rio Potomac, próximo à cidade de Washington-DC (foto abaixo).
As últimas experiência de Langley e Manly foram realizadas em uma base de lançamento instalada em um barco no Rio Potomac, em 7 e 8 de outubro de 1903, financiadas pelo Departamento da Guerra dos Estados Unidos. Pode-se creditar, no entanto, o insucesso das experiências à falta de habilidade de Manly em pilotar a máquina, pois o mesmo pensava que poderia pilotar o Aerodrome sem qualquer experiência de voo anterior em planadores. De fato, o aviador Glenn Curtiss, após a morte de Langley, restaurou o o Aerodrome e o fez voar, com o motor original, em 1914, quando tentava "quebrar" a patente do voo dos irmãos Wright.

Sem conseguir a desejada patente de um avião a motor, os Wright tentaram vender seu invento ao Exército dos Estados Unidos. Os militares não ficaram convencidos com as alegações do dois irmãos, e exigiram uma demonstração da máquina voadora. A despeito dos relatos empolgantes das experiências de um voo circular de 1.244 metros em um minuto e meio, em 1904, e de um voo de 34,9 Km em pouco mais de 38 minutos, em 1905, os Wright somente conseguiram demonstrar o primeiro voo efetivo ao Exército dos EUA em 1908. Nessas experiências, houve um acidente que vitimou fatalmente um passageiro, o Tenente Thomas Etholen Selfridge, em 17 de setembro de 1908.

Vale dizer que as fotos dos voos alegados de 1904 e 1905, assim como os voos pretensamente pioneiros de 1903, foram todas tiradas pelos próprios Wright. Todos os artigos publicados sobre as experiências dos Wright nesse período foram publicados na imprensa não especializada e baseados somente em relatos e entrevistas dos próprios irmãos Wright. Nenhuma comissão científica de respeito ou especialistas jamais assistiu a uma dessas façanhas, e todas as pretensas testemunhas eram leigas no assunto.

A "guerra" de patentes que envolveu os Wright e Glenn Curtiss somente terminou com o envolvimento dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, em 1917, quando as patentes de ambos foram virtualmente "quebradas" para o bem do desenvolvimento da aviação militar americana, então muito atrasada em relação à aviação européia.

Após os bem documentados voos de Santos Dumont na França, os Wright foram à Europa demonstrar suas máquinas voadoras. Auxiliados pelo capitão francês Ferber, os Wright chegaram à França em meio ao descrédito total, mas conseguiram voar, cumprindo todos os requisitos científicos de comprovação, em 8 de agosto de 1908, perto de Le Mans, quase dois anos depois do primeiro voo de Santos Dumont e depois dos inventores Henry Farman e Louis Blériot realizarem seus voos nos anos anteriores.

A imprensa francesa foi claramente hostil aos Wright: em 10 de fevereiro de 1906, por exemplo, a edição parisiense do jornal Herald Tribune publicou um ácido artigo intitulado "Flyers ou Liars?" (Voadores ou mentirosos?), com chamada na primeira página.

Questionados no resto do mundo, nem em seu próprio país os Wright eram acreditados, inicialmente, como inventores do avião. De fato, a Smithsonian Institution resolver expor em seu museu o Aerodrome de Langley como "primeira máquina voadora a motor criada pelo homem", depois do voo realizado na aeronave por Glenn Curtiss, em 1914. Os Wright se recusaram então a doar o Flyer I restaurado para o Smithsonian (o mesmo tinha se acidentado após alguns pretensos voos), alegando "perversão na história das máquinas voadoras", e acabaram doando o Flyer I para o London Science Museum em 1928. Somente após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, o Flyer I acabou exposto no atual National Air and Space Museum, em Washington, onde se encontra até hoje. A máquina exposta não pode ser considerada como "original", já que foi restaurada com várias modificações, e seu motor já não tem todas as peças originais, que hoje estão expostas em outros locais nos Estados Unidos.

A "reabilitação" dos Wright, nos Estados Unidos, na verdade fez parte de um extenso esforço do governo em resgatar a auto-estima dos americanos no período inicial da ideológica "Guerra Fria", na qual os valores da sociedade americana, o famoso "American Way of Life", estavam sendo duramente questionados por idéias de comunismo e igualdade social. Desse ponto de vista, pode-se afirmar, com toda certeza, que tal esforço foi muito bem sucedido.
Em 2003, o U.S. Centennial Of Flight Commission, para comemorar o pretenso primeiro voo dos irmãos Wright, patrocinou a criação da mais perfeita réplica até então criada do Flyer I, a partir do original exposto no Smithsonian e de outros dados existentes, já que os Wright alegam ter destruído os planos originais da aeronave. Tal iniciativa teve inclusive o patrocínio de grandes empresas, como a Microsoft, e a réplica foi criada por Ken Hyde, inclusive dispondo de uma réplica do grupo motopropulsor original.

Às 10 horas e 35 minutos da manhã de 17 de dezembro de 2003, em Kitty Hawk, o piloto Kevin Kochersberger tentou decolar com a aeronave, tentando reproduzir o "voo original" do Flyer I cem anos depois. O avião correu pelo trilho da catapulta e nem sequer esboçou um esforço de sustentação, caindo de lado na lama. A experiência nunca mais foi repetida e a mais perfeita réplica do Flyer I até hoje construída acabou em exposição estática no Henry Ford Museum, em Dearborn, Michigan. Talvez tenha merecido esse destino para não causar mais constrangimentos.

Mas como fica então a controvérsia do "primeiro voo a motor realizado pelo homem"? Pode enumerar essas inconsistências científicas, por exemplo:

- Ausência de registro de patentes, ainda que a mesma tenha sido solicitada ao departamento competente;
- Necessidade de auxílio para decolagem, com o uso de catapultas. Mesmo o voo do Flyer I com esse auxílio não pode ser comprovado;
- Incapacidade de realizar demonstrações públicas ou perante potenciais compradores, como o Exército;
- Falta de potência suficiente do motor;
- Necessidade de vento em alta velocidade para efetuar o voo;
- Ausência de publicação de artigos em jornais e revistas especializados;
- Ausência de testemunhas com credibilidade científica comprovada;
- Apresentação de pseudoprovas, que não satisfazem os critérios de avaliação científica dos pretensos feitos.

A bem da verdade, pode-se afirmar, seguramente, que os Wright realmente lograram êxito em voar em planadores a partir de 1900. Mas o fato de terem simplesmente transportado um motor a bordo, sem potência sequer para manter o voo da aeronave, sem qualquer auxílio externo, não os torna legítimos inventores do avião. Até mesmo o simples fato de terem levado um motor a bordo em 1903 é questionável.
Alberto Santos Dumont decolou do Campo de Bagatelle em 23 de outubro de 1906, utilizando unicamente a potência do motor para alçar voo, sem necessitar dos ventos absurdos de Kitty Hawk e de qualquer auxílio externo. Sem comprovação científica de qualquer feito anterior semelhante, cabe a ele o único e verdadeiro título de "Pai da Aviação". Os irmãos Wright só serão considerados inventores do avião enquanto os Estados Unidos forem a maior potência política e econômica mundial, mas todos os grande impérios do mundo acabaram um dia, e os Estados Unidos certamente não serão exceção.

segunda-feira, 15 de março de 2010

"Eu comandei o ataque a Pearl Harbor"

Capitão-de-mar e guerra Mitsuo Fuchida, da antiga Marinha Imperial Japonesa

"Desejamos que o senhor comande a nossa força aérea, na hipótese atacarmos Pearl Harbor".
Fiquei quase sem fôlego. Era em fins de setembro de 1941 e, se a situação internacional continuasse a agravar-se, o plano de ataque teria de ser executado em dezembro. Não havia tempo a perder no treinamento para essa importantíssima missão.

Em meados de novembro, após o mais rigoroso treinamento, foram levados os aviões para bordo dos respectivos porta-aviões que, a seguir, aproaram para as ilhas Curilas, viajando isolados e seguindo rotas diferentes para não despertar atenção. Depois, às seis horas da manhã, uma manhã escura e nublada, em 26 de novembro, nossa força-tarefa de 28 navios, incluindo seis navios aeródromos, deixou as Curilas.
O Vice-Almirante Nagumo comandava a Força de Ataque a Pearl Harbor. As instruções por ele recebidas diziam: "No caso de as negociações com os Estados Unidos chegarem a conlusão satisfatória, a força-tarefa regressará imediatamente à pátria". Desconhecendo o fato, entretanto, as tripulações, lançando o que talvez fosse o seu último olhar ao Japão, gritavam: "Banzai!" Podia-se perceber seu ardente entusiasmo e espírito combativo. Malgrado isso, eu não podia deixar de alimentar dúvidas quanto à confiança com que o Japão se lançava à guerra.
Nossa rota deveria passar entre as ilhas Aleutas e a Ilha de Midway, de maneira a ficar fora do alcance das patrulhas aéreas americanas que, em alguns casos, segundo se supunha, abrangiam uma extensão de mil quilômetros. Enviamos à frente três submarinos para informar da presença de quaisquer navios mercantes, a fim de podermos alterar a rota e evitá-los. Mantínhamos um alerta permanente contra submarinos americanos.
Nossos rádios permaneciam em absoluto silêncio, mas ouvíamos as transmissões de Tóquio e Honolulu, procurando algumas palavras sobre o início da guerra. Em Tóquio, uma conferência de coordenação do governo e do Alto Comando estêve em sessão, diariamente, de 27 a 30 de novmebro, para discutir a proposta feita pelos Estados Unidos no dia 26. Chegou-se à conclusão de que a proposta era um ultimato destinado a subjugar o Japão e a tornar a guerra inevitável, mas que se deveria prosseguir nos esforços pela paz até o último momento.

A decisão em favor da guerra foi tomada na Conferência Imperial realizada a 1º de dezembro. No dia seguinte, o Estado Maior Geral deu a ordem: "O dia do ataque será 8 de desembro" (7 de dezembro no Havaí e nos Estados Unidos). A sorte estava lançada, rumamos diretamente para Pearl Harbor.
Por que foi escolhido aquele domingo para o ataque? Porque estávamos informados de que a Esquadra Americana regressava a Pearl Harbor nos fins de semana, após um período de instrução no mar. E também porque o ataque deveria ser coordenado com nossas operações na Malaca, onde estavam previstos ataques e desembarques aéreos para a madrugada daquele dia.

De Tóquio, foram-nos retransmitidos relatórios do Serviço de Informações sobre as atividades da Esquadra Norte Americana: "7 de dezembro (6 de dezembro, hora do Havaí): Não há balões nem redes antitorpedo em torno dos encouraçados fundeados em Pearl Harbor. Todos os encouraçados estão na baía. Não há indicações, na atividade do rádio inimigo, de que estejam sendo feitos voos de patrulha oceânica na região do Havaí. O Lexington deixou o porto ontem. Supõe-se que o Enterprise também esteja operando."

Nessa ocasião é que recebemos a mensagem do Almirante Yamamoto: "O apogeu ou declínio do Império depende desta batalha; todos devem dar o máximo de seu esforço no cumprimento do dever."

Estávamos a 230 milhas ao norte de Oahu, onde está situada Pearl Harbor, pouco antes do alvorecer de 7 de dezembro (hora do Havaí), quando os navios-aeródromos manobraram na direção do vento nordeste. A bandeira de combate tremulava no topo de cada mastro. O mar estava muito agitado, o que nos fez hesitar quanto à decolagem no escuro. Achei que era viável. Os conveses de voo vibraram com o ronco dos aviões acabando de aquecer.

Uma lâmpada verde foi agitada em círculos. "Decolar!". O rugido do motor do primeiro caça foi crescendo até que ele se elevou no ar, são e salvo. Havia grande aclamação toda vez que um avião decolava.
Dentro de 15 minutos, 183 caças, bombardeiros e torpdeiros tinham decolado dos seus navios-aeródromos e estavam entrando em formação no céu ainda escuro, guiados apenas pelas luzes de sinalização dos aviões-guias. Após circularmos por cima da esquadra, tomamos a rota do sul, para Pearl Harbor. Eram 6:15.

Sob meu comando imediato havia 49 aviões de bombardeio horizontal. À minha direita e um pouco abaixo estavam 40 aviões torpedeiros; à minha esquerda, cerca de 200 metros acima, 51 bombardeiros de mergulho; protegendo a formação, havia 43 caças.
às 7:00 calculei que deveríamos chegar a Oahu em menos de uma hora. Mas, voando por cima de espessas nuvens, não víamos a superfície do mar e, portanto, não podíamos controlar nossa deriva. Liguei o radiogoniômetro para a estação de Honolulu e não tardei a ouvir música. Girando a antena, encontrei a direção exata de onde vinha a transmissão, e corrigi a nossa rota. Tivéramos uma deriva de cinco graus.

Ouvi então um boletim meteorológico de Honolulu: "Nublado em parte, principalmente sobre as montanhas. Boa visibilidade. Vento norte, 10 nós."

Que sorte a nossa! Não se poderia ter imaginado situação mais favorável. Devia haver brechas nas nuvens sobre a ilha.

Cerca de 7:30 as nuvens se abriram de repente e apareceu uma longa linha branca de litoral. Estávamos sobre a extremidade norte de Oahu. Era hora de desdobrarmos a nossa formação.

Chegou um relatório de um dos dois aviões de reconhecimento que tinha ido à frente, dando a localização de dez encouraçados, um cruzador pesado e dez cruzadores leve. O céu ia ficando mais limpo à proporção que avançávamos para o alvo, e comecei a estudar nossos objetivos com o auxílio do binóculo. Os navios estavam lá. "Dê ordem de ataque a todos os aviões", ordenei ao meu radioperador. Eram 7:49.
As primeiras bombas caíram no aeródromo de Hickam, onde havia fileiras de bombardeiros pesados. Os pontos atingidos a seguir foram a Ilha Ford e o aeródromo de Wheeler. Em pouco tempo, imensos rolos de fumaça subiam dessas bases.
Meu grupo de bombardeio horizontal manteve-se a leste de Oahu, para lá da extremidade sul da ilha. No ar só havia aviões japoneses. Os navios, na baía, pareciam ainda adormecidos. A estação de rádio de Honolulu continuava normalmente a sua transmissão. Conseguíramos a surpresa!
Sabendo que o Estado Maior devia estar ansioso, ordenei que fosse enviada à esquadra a seguinte mensagem: "Conseguimos realizar ataque de surpresa. Peço retransmitir esta informação para Tóquio".

Começaram a aparecer esguichos de água ao longo dos encouraçados. Eram os nossos aviões torpedeiros em ação. Era tempo de desencadearmos nossos bombardeios horizontais. Ordenei ao meu piloto que inclinasse o avião abruptamente. Era o sinal de ataque para o nosso grupo. Os meus dez esquadrões formaram em coluna por um, com intervalos de 200 metros, uma bela formação.

Enquanto meu grupo fazia a corrida para o bombardeio, a artilharia antiaérea americana, tanto de bordo dos navios como das baterias de terra, entrou subitamente em ação. Aqui e ali viam-se explosões de cor cinza escura, até que o céu se encheu de abalos de tiros quase certeiros que faziam o nosso avião estremecer. Fiquei surpreendido com a rapidez do contra-ataque, que veio menos de cinco minutos depois de lançada a primeira bomba. A reação japonesa não teria sido tão pronta - o caráter japonês é apropriado à ofensiva, mas não se ajusta facilmente à defensiva.
Meu esquadrão dirigia-se para o Nevada, que estava fundeado na extremidade norte do Cais dos Encouraçados, na parte leste da Ilha Ford. Estava quase no momento de soltar as bombas quando penetramos numa formaçaão de nuvens. Nosso bombardeador-guia abanou as mãos para trás e para a frente, para indicar que teríamos de passar "em branco", e demos uma volta sobre Honolulu para aguardar outra oportunidade. Nesse ínterim, outros esquadrões fizeram suas corridas, tendo alguns realizados três tentativas antes de lograrem êxito.

Repentinamente, colossãl explosão verificou-se no CAis dos Encouraçados. Uma imensa coluna de fumaça negro-avermelhada se elevou as uns 300 metros, e uma violenta onda de choque atingiu o nosso avião. Devia ter explodido um paiol de pólvora. O ataque estava no auge; a fumaça dos incêndios e explosões enchia quase todo o céu sobre Pearl Harbor.
Observando com o binóculo o Cais dos Encouraçados, vi que a grande explosão havia sido no Arizona. Este continuava ardendo violentamente, e como a fumaça encobria o Nevada, alvo do meu grupo, procurei outro navio para atacar. O Tennessee já estava pegando fogo, mas junto dele estava o Maryland. Dei ordem para mudar, tomando o Maryland como alvo, e voamos em direção ao fogo anti-aéreo.

Quando o piloto do nosso avião-guia lançou sua bomba, os pilotos, observadores e radioperadores dos demais aviões gritaram "Lançar!" e lá se foram as nossas bombas. Imediatamente me deitei de bruços no chão para observar através de uma fresta. Quatro bombas, formando um desenho perfeitamente simétrico, caíam a prumo como demônios da destruição. Foram diminuindo de tamanho até se transformarem em quatro pontinhos, e finalmente desapareceram dando lugar a quatro minúsculos clarões no navio e perto dele.

De grande altitude, os tiros perdidos são mais perceptíveis que os impactos diretos, pois produzem ondas circulares na água, fáceis de ver. Percebendo duas dessas ondas e mais dois pequenos clarões, bradei: "Dois certeiros!" Tive a convicção de havíamos produzido danos consideráveis. Dei ordem aos bombardeiros que haviam completado suas missões para que regressassem ao porta-aviões. O meu, porém, permaneceu sobre Pearl Harbor para observar e dirigir as operações ainda em curso.
Pearl Harbor e arredores estavam convertidos num caos. O Utah havia emborcado. O West Virginia e o Oklahoma, com os cascos quase arrancados pelos torpedos, adernavam perigosamente em meia a uma inundação de óleo grosso. O Arizona estava muito adernado e ardia furiosamente. Os encouraçados Maryland e Tennessee ardiam também. O Pennsylvania, que estava no dique, ficara intacto - evidentementre o único encouraçado que não fora atacado.
Durante o ataque, muitos dos nossos notaram os valentes esforços dos pilotos americanos para decolar com seus aviões. Apesar da grande inferioridade numérica, voaram diretamente sobre nossos aparelhos para travar combate. Os resultados foram ínfimos, mas sua coragem impôs admiração e respeito.
Os aviões do nosso primeiro ataque levaram uma hora para concluir sua missão. Quando iniciaram o regresso aos navios aeródromos, após terem perdido três caças, um bombardeiro de mergulho e cinco aviões torpedeiros, entrou em cena nossa segunda vaga de 171 aviões.

O céu agora estava tão coberto de nuvens e de fumaça que era impossível localizar os alvos. Para dificultar ainda mais a missão, o fogo da artilharia anti-aérea, naval e terrestre, tornara-se intensíssimo.

O segundo ataque conseguiu excelente dispersão, atingindo os couraçados menos danificados, bem como os cruzadores e contratorpedeiros não atingidos anteriormente. Durou também cerca de uam hora, mas, em virtude da intensificação do fogo da defesa, houve novas baixas: seis caças e 14 bombardeiros de mergulho.
Depois que a segunda onda iniciou a viagem de retorno ao navios-aeródromos, dei novamente uma volta sobre Pearl Harbor para observar e fotografar os resultados. Contei quatro encouraçadaos definitivamente afundados, três seriamente avariados. Outro encouraçado parecia consideravelmente desmantelado, e haviam sido destruídos numerosos navios de outros tipos. A base de hidroaviões da Ilha Ford estava presa das chamas, bem como os aeródromos, especialmente o de Wheeler.
Densa cortina de fumaça tornava impossível determinar os estragos sofridos pelos aeródromos. Era evidente, todavia, que boa percentagem do poderio aéreo da ilha fora destruído: nas três horas em que meu aviões permaneceu naquela região não encontramos um único avião inimigo. No entanto, vários hangares estavam ilesos, e era possível que alguns deles contivessem aviões utilizáveis.

Meu avião foi o último a voltar para a esquadra, onde os outros aparelhos, reabastecidos e rearmados, estavam-se alinhando, preparando-se para outro ataque. Fui chamado sem demora à ponte de comando. O estado-maior do Almirante Nagumo, enquanto aguardava meu relatório, estivera entretido em uma discussão intensa sobre a conveniência de lançar novo ataque.

- Quatro encouraçados positivamente afundados - informei. - Alcançamos elevado grau de destruição nas base aéreas e nos aeródromos. Há, contudo, muitos alvos ainda por atingir.
Insisti por novo ataque. O Almirante Nagumo, porém - numa decisão que desde então tem sido alvo de muita crítica por parte dos peritos navais - preferiu voltar à base. Imediatamente foram alçadas as bandeirolas de sinais e nossos navios aproaram para o norte a grande velocidade.

(Compilação de Roger Pineau - Seleções do Reader Digest: A história secreta da Guerra - 1962).

sábado, 6 de março de 2010

O controvertido acidente do Air France 296

Em fevereiro de 1987, voava pela primeira vez uma aeronave que revolucionou a tecnologia e o mercado da aviação comercial, o Airbus A320. Foi o primeiro avião comercial subsônico dotado de comandos fly-by-wire, os quais atuam eletronicamente os comandos de voo do avião, em substituição aos comandos mecânicos e hidráulicos usados nas aeronaves anteriores.
Certificado no ano seguinte, o avião entrou em operação em março de 1988 para concorrer diretamente com a aeronave mais bem sucedida da aviação comercial, o Boeing 737. A Air France foi um dos seus primeiro operadores.

Entretanto, o sistema de comandos fly-by-wire dos A320 sofreu duras críticas da concorrência na ocasião do lançamento do avião. As principais críticas eram relativas à capacidade do sistema de limitar os comandos do piloto, com a intenção de proteger o voo de operações fora do "envelope" aerodinâmico. Supunham os críticos que o sistema pudesse falhar em determinadas situações, colocando o voo em risco.

Ainda assim, o A320 passou sem maiores problemas pelo crivo das autoridades certificadoras e o sistema foi aprovado. Aparentemente, o Airbus A320 estava destinado a oferecer uma grande concorrência ao confiável, mas já antiquado, Boeing 737.

O otimismo da Airbus sofreu, no entanto, um duro golpe no dia 26 de junho de 1988. O voo fretado AF 296 tomou parte em um show aéreo no aeroporto de Mulhouse-Habsheim Airport, na região de fronteira franco-alemã da Alsácia, onde foi exibido em uma passagem baixa sobre a pista, com trem de pouso abaixado.
O avião, matriculado F-GFKC, estava praticamente lotado, com 130 passageiros e 6 tripulantes. A passagem baixa sobre a pista deveria ser feita a 100 pés, mas o avião acabou descendo inadvertidamente a apenas 30 pés do chão. Ao arremeter, a aeronave não conseguiu ganhar altura, e acabou batendo nas árvores de um bosque situado logo à frente.
Ao bater, o Airbus sofreu uma grande explosão e um incêndio, que acabou por destruí-lo completamente. Milagrosamente, quase todos os ocupantes do avião escaparam com vida, exceto 3 passageiros que não conseguiram sair dos destroços e faleceram. Cerca de 50 pessoas ficaram feridas.
A investigação desse acidente pode ser considerada como escandalosa. De acordo com a lei francesa, os gravadores de voo (caixas-pretas) de aeronaves acidentadas devem ser recuperadas imediatamente pela polícia, com a finalidade de constituir meio de prova nos processos judiciais subsequentes. Entretanto, as autoridades aeronáuticas francesas retiveram as duas caixas pretas por 10 dias, sem oferecer qualquer explicação, e só foram parar nas mãos dos juízes após serem confiscadas.
As caixas pretas, ao serem examinadas, continham evidências óbvias de que tinham sido violadas fisicamente. Cerca de 8 segundos de gravação tinham sido removidos da fita, inclusive os 4 segundos vitais antes do avião se chocar com o solo. A fita estava cortada e remendada grosseiramente.

O piloto do avião acidentado, Comandante Asseline, afirmou que, ao ver o DFDR ser apresentado no Tribunal, ficou perplexo. A caixa preta apresentada apresentava sinais de uso por longo tempo, estava com a pintura descascada e alguns amassados. Aquilo fez o comandante desconfiar seriamente da lisura do julgamento. O Airbus acidentado era novo em folha, tinha dois meses de uso, sua caixa preta deveria ser nova, sem sinais de uso ou manutenção.

Paira, portanto, a suspeita de que um dos gravadores, o DFDR (Digital Flight Data Recorder) tenha sido substituído por outro. De fato, o DFDR "oficial" apresentado à Corte de Colmar, responsável pelo caso, possuía duas listras brancas transversais, enquanto fotos divulgadas pela agência Sipapress (abaixo) mostravam o Sr. Gérard, gerente local da Direction Génerále de l'Aviation Civile - DGAC (autoridade aeronáutica da França), carregando um gravador cujas faixas brancas eram diagonais.
Mesmo assim, o Tribunal refutou as alegações da defesa da tripulação, e a culpa pelo acidente foi atribuída a erro da tripulação. O Comandante Michel Asseline, assim como o co-piloto Pierre Mazière, dois funcionários da Air France e o presidente do aeroclube que patrocinou a festa foram condenados pela justiça pelo acidente. O Comandante Asseline foi sentenciado a 6 meses de prisão e mais 12 meses de liberdade condicional por homicídio culposo, enquanto os demais foram condenados a penas em liberdade condicional.
O Comandante Asseline sempre negou sua culpa pelo acidente. Recorreu da sentença e, surpreendentemente, teve sua pena aumentada para 10 meses de prisão mais 10 meses de liberdade condicional. Asseline afirmou, ao ver um dos inúmeros vídeos gravados pelo público que assistia á demonstração, que seu altímetro marcava 100 pés de altura, enquanto a altitude correta do avião era de apenas 30 pés. O piloto ainda afirmou que o avião não respondeu adequadamente ao comando das manetes de potência, e que se acidentou por problemas técnicos do avião.

De fato, apenas um mês antes do acidente, a Airbus emitiu dois Operational Engineering Bulletins - OEB para os operadores do A320. O boletim OEB 19/1 intitulado "Deficiente Aceleração dos Motores a Baixa Altitude", dizia que os motores poderiam não responder corretamente ao comando das manetes a baixa altura. O boletim OEB 06/2, intitulado "Baro-Setting Cross Check", dizia que as indicações do sistema barométrico do A320 (pitot-estático) nem sempre davam indicações corretas.

Os dois boletins referiam-se exatamente aos problemas relatados pelo Comandante Asseline em sua defesa. Entretanto, tais boletins, embora tivessem sido recebidos pela Air France, somente foram divulgados aos pilotos da empresa logo após o acidente do voo 296.
A condenação dos pilotos abafou o caso e serviu para aliviar as dúvidas dos operadores sobre a segurança dos sistemas eletrônicos do A320. De fato, o avião tornou-se um grande sucesso de mercado e 4.186 aviões da família A320 foram fabricados de 1987 até fevereiro de 2010, constituindo-se o avião no único grande rival do veterano Boeing 737.

Após o acidente do AF 296, um piloto de Boeing 747 da empresa, Norbert Jacquet, questionou a confiabilidade dos sistemas altamente computadorizados dos Airbus. Questionou também a versão oficial do acidente e a tentativa de encobrir defeitos na tecnologia dos A320. Acabou demitido da Air France, teve seu certificado de saúde cassado definitivamente por insanidade e acabou encarcerado em diversos estabelecimentos prisionais, especialmente manicômios. Acabou escrevendo um livro sobre o caso, "Airbus".

De fato, não se pode afirmar que a Airbus ou a Air France tenham participado dessa possível fraude na investigação do acidente AF 296.  O organismo governamental francês que investiga acidentes, o BEA - Bureau d'Enquêtes et d'Analyses pour la Sécurité de l'Aviation Civile, já teve por várias vezes sua isenção questionada por representar o Governo da França, que possui participação acionária tanto na Air France quanto na Airbus. Uma falha fatal nos sistemas eletrônicos do A320, poucos meses após entrar em serviço, poderia ser catastrófico para a Airbus. Isso poderia ter influenciado na investigação.

Os problemas que, segundo o Comandante Asseline, provocaram o acidente em Mulhouse-Habsheim, continuam a assombrar os A320. O acidente do voo TAM 3054, ocorrido em São Paulo em 12 de julho de 2007 pode ter sido provocado, em parte, por problemas nas manetes de potência, embora a investigação tenha concluído que as mesmas foram operadas de modo impróprio. O estado de destruição do pedestal das manetes não permitiu uma análise adequada da sua condição de funcionamento na ocasião do acidente.

Em 2009, um catastrófico acidente envolvendo um Airbus A330 da Air France sobre o Oceano Atlântico, entre o Rio de Janeiro e Paris, lançou novas dúvidas sobre a segurança dos equipamentos eletrônicos e o alto nível de automação das aeronaves. O congelamento dos tubos de pitot levou a uma cadeia de  falhas nos sistemas, o que, aliado à resposta inadequada dos pilotos, levou à destruição do avião e à morte de todos os seus ocupantes. O BEA se encarregou da investigação, mas ficou sob suspeita até a elaboração do Relatório Final, liberado em 2012, e foi vigiado de perto por peritos brasileiros, americanos, alemães, ingleses e de outras nacionalidades durante todo tempo.