Google Website Translator

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A trágica carreira dos DeHavilland Comet 1

Os motores a jato, durante a Segunda Guerra Mundial, representaram um dos maiores avanços tecnológicos da aviação. Mas, por algum tempo, tiveram o seu uso restrito às aeronaves militares, até que se tornassem confiáveis e duráveis o suficiente para serem utilizados na aviação civil.
O Comet I G-ALYV, da BOAC
De fato, entre o final da década de 1940 e começo da de 1950, os fabricantes ingleses saíram na frente, lançando as primeiras aeronaves comerciais equipadas com motores a reação: um jato comercial, o DeHavilland Comet 1, e um turboélice, o Vickers Viscount.
Protótipo do Comet
O primeiro protótipo do Comet 1 voou em 27 de julho de 1949, e menos de três anos depois, em 2 de maio de 1952, o avião foi colocado em serviço pela British Overseas Airways Corporation - BOAC.

O impacto tecnológico provocado pelo jato foi enorme. Sua velocidade era 300 Km/h mais rápida que a dos melhores aviões de motor a pistão então existentes, os Douglas DC-7 e os Lockheed Super Constellation. Além disso, os aviões voavam muito mais alto, acima das turbulências, e seus motores eram de funcionamento muito mais suave que os grandes motores radiais.
Comet I da BOAC em voo
O Comet 1 da BOAC, matriculado G-ALYP, foi o primeiro jato comercial a levar passageiros pagantes, voando entre Londres e Johannesburgo, na África do Sul. O avião foi imediatamente aprovado pelos passageiros, e uma nova era começava na aviação comercial.
Decolagem do primeiro voo comercial de passageiros em um avião a jato
Infelizmente, não demorou para que os primeiros problemas aparecessem. No dia 26 de outubro de 1952, menos de seis meses depois do primeiro voo, um Comet 1, matriculado G-ALYZ, acidentou-se durante a decolagem, no Aeroporto de Ciampino, em Roma. Os pilotos tentaram decolar antes da hora, e o avião, sem conseguir ganhar velocidade com o nariz erguido, varou a pista e se espatifou. Embora apenas dois passageiros tivessem sofrido ferimentos leves, o avião sofreu danos irreparáveis.
O G-ALYZ, acidentado em Roma, sem vítimas
Um acidente muito parecido ocorreu com um Comet da Canadian Pacific Airlines, o CF-CUN, no Aeroporto de Karachi, no Paquistão, em 3 de março de 1953. Ao varar a pista, no entanto, a aeronave canadense encontrou um canal de drenagem e uma barreira de contenção de aterro no caminho, o que tornou o acidente muito mais grave. De fato, os cinco tripulantes e seis passageiros a bordo morreram, as primeira vítimas fatais de um acidente envolvendo um jato comercial na história.
Comet CF-CUN, da Canadian Pacific
Ambos os acidentes foram atribuídos a falhas operacionais. Era trágico, mas de se esperar, já que tais aeronaves tinham um comportamento muito diferente dos velhos aviões a pistão. Toda transição oferece seus riscos. Nenhuma falha foi encontrada nos aviões em si.
Cockpit do Comet 1
Menos de dois meses depois, em 2 de maio, outro Comet da BOAC, o G-ALYV, desintegrou-se no ar seis minutos após a decolagem, ao entrar em uma severa tempestade tropical, perto de Calcutá, na Índia. Todos os 43 ocupantes do avião morreram.

Calcutá também foi palco de um incidente com outro Comet 1, o G-ALYR. Ao taxiar, o piloto verificou que as luzes da taxiway eram muito fracas, o que forçou-o a usar os farois de pouso, alternadamente, para que não superaquecessem.
O G-ALYR, perdido em um acidente no táxi
Ao tirar a mão do volante de steering, durante uma curva no táxi, para trocar os faróis, a roda do nariz se autoalinhou, e o avião foi parar fora da taxiway, provocando o colapso do trem de pouso direito. O avião foi enviado de volta à Grã-Bretanha, para reparos, que nunca foram feitos, devido aos fatos supervenientes, e acabou sendo desmontado.
O G-ALYR, enviado para reparos na Grã-Bretanha, jamais foi reparado.
Houve falha estrutural do avião no caso do G-ALYV. Testemunhas observaram que a asas do avião separaram-se da fuselagem, que precipitou-se em chamas no Oceano Índico.

Investigações promovidas pelas autoridades indianas concluíram que a aeronave sofreu grande fator carga "G", provocado tanto pelas correntes descendentes dentro de um aguaceiro quanto por overcontrol pelos pilotos. Ninguém percebeu, naquela época, que as longarinas das asas, muito aquecidas pelos motores embutidos na raiz das asas, se enfraqueciam perigosamente.
Os motores do Comet eram embutidos na raiz da asa
Como resultado desse acidente, radares meteorológicos foram introduzidos nas aeronaves, assim como um sistema para diminuir a sensibilidade dos comandos de voo, minimizando situações de overcontrol. Os pilotos reclamaram dessa última modificação, alegando que os comandos passaram a responder com atraso e lentamente, mas o piloto de testes John Cunninghan rebateu tais críticas, afirmando que o avião tornou-se mais suave de comando e mais seguro de se operar.

Mas o pior ainda estava por vir. Até agora, nada menos que três Comet se perderam em apenas um ano de operações, mas a reputação do avião não estava arranhada. Os próximos acidentes, no entanto, iriam modificar dramaticamente essa situação.

O voo BOAC 781, então realizado pelo G-ALYP, decolou normalmente de Ciampino, Roma, no dia 10 de janeiro de 1954, mas, onze minutos depois, explodiu sem qualquer razão aparente, caindo ao largo da Ilha de Elba, no Mar Tirreno, vitimando todas as 35 pessoas a bordo. Não houve testemunhas, nem chamada de emergência, nada que indicasse uma emergência ou situação de perigo.

A mídia levantou uma possibilidade de sabotagem. A investigação preliminar levantou várias hipóteses, como explosão de vapor de combustível em um tanque vazio, flutter, carga excessiva sobre estruturas fatigadas de asa, descompressão explosiva ou fogo no motor.

A Marinha Real conduziu uma operação de recuperação dos destroços, e os primeiros pedaços foram trazidos à tona em 12 de janeiro. Até agosto, cerca de 70 por cento da estrutura primária, 80 por cento dos motores e 50 por cento dos sistemas do avião tinham sido recuperados do fundo do mar.
Em cinza, as partes recuperadas dos destroços do G-ALYP
A investigação, levada a cabo pelo Abbel Commitee, não conseguiu chegar a nenhum fator contribuinte decisivo. A maior suspeita era relacionada com fogo, e modificações foram planejadas para melhorar a proteção contra o fogo nos motores, que eram embutidos dentro das asas. 

Em 4 de Abril, Lord Brabazon escreveu ao Ministro dos Transportes, "Embora nenhuma razão definitiva para o acidente tenha sido estabelecida, modificações estão sendo incorporados para cobrir qualquer possibilidades que a imaginação tenha sugerido como uma causa provável do desastre. Quando estas modificações forem concluídas e tenham sido satisfatoriamente testadas em vôo, o Conselho não vê razão para que os serviços de passageiros não devam ser retomados. "

Na verdade, os voos comerciais do Comet 1 já tinham sido retomados alguns dias antes, em 23 de março de 1954. A carta de Lord Brabazon era somente uma justificativa para isso.

A investigação, no entanto, estava no caminho errado. O problema não estava nos motores e nem nas asas, mas sim na estrutura da fuselagem do avião. As asas sofriam com o aquecimento dos motores, mas problemas ainda piores estavam afetando a aeronave


Poucos dias depois, no entanto, uma nova tragédia acontece com o Comet. Dessa vez, foi com o Comet G-ALYY, que tinha sido arrendado para voos fretados para a South African Airways. O voo South African 201 tinha decolado de Roma, rumo ao Cairo, em um longo voo que tinha como destino final Johannesburgo. Morreram todas as 21 pessoas a bordo, 14 passageiros e 7 tripulantes.


O acidente com o G-ALYY foi muito parecido com o acidente que ocorreu ao largo da Ilha de Elba. Algum problema muito grave estava ocorrendo com os Comet. O avião foi novamente afastado do serviço, até que a investigação fosse concluída. A linha de produção também foi paralisada, e o Certificado de Aeronavegabilidade do Comet foi cassado.


O Primeiro Ministro, Sir Winston Churchill, encarregou a Marinha Real de resgatar os destroços do avião, que tinha caído no mar, ao largo de Nápoles. Um comitê foi formado para fazer uma ampla investigação, muito mais extensa que as anteriores, que não surtiram qualquer efeito.


A investigação foi muito minunciosa, e não excluiu nenhuma hipótese, dessa vez. Sob o comando de Sir Arnold Hall, diretor do Royal Aircraft Establishment RAE em Farnborough, a comissão levantou a hipótese de fadiga estrutural como possível causa dos acidentes no Mediterrâneo. Uma grande parte da estrutura recuperada do G-ALYP, que caiu em Elba, e uma aeronave intacta requisitada da BOAC, o G-ALYU, foram escolhidos para os ensaios estruturais.


O Comet intacto, o G-ALYU, foi submetido a uma simulação de esforços repetitivos de pressurização e despressurização. Sua célula já tinha 1.221 ciclos quando foi retirada de serviço, e os ensaios foram executados em um tanque de água, para conter os destroços em caso de explosão da estrutura. O tanque foi construído ao redor da fuselagem inteira, ficando somente as asas e a empenagem para fora.
O G-ALYU no tanque de teste de fadiga
Após 1.836 ciclos simulados no tanque, em 24 de junho de 1954, a fuselagem do G-ALYU finalmente se rompeu e explodiu dentro do tanque. O tanque foi drenado, e verificou-se que a falha catastrófica originou-se de um canto vivo da porta lateral de emergência. A análise dos destroços constatou danos extensos de fadiga em cantos vivos das janelas retangulares do avião e em outros pontos como instalações de antenas e furos de rebites.


A fadiga de material constatada na estrutura do G-ALYU era muito superior e prematura que a esperada pelos projetistas. As janelas tinham sido submetidas, durante o desenvolvimento do avião, a pressões extremas, que foram suportadas sem maiores problemas. O que não era esperado é que os cantos vivos originassem tantas trincas devido à fadiga do metal.
Danos provocados por fadiga nos destroços do G-ALYP
Nos restos da estrutura do G-ALYP, verificou-se que a falha estrutural que destruiu o avião originou-se de uma janela aberta na fuselagem para a instalação de uma antena de ADF - Automatic Direction Finder. A antena e sua base, feita em fibra de vidro, foram fixadas por rebites nessa janela, e as trincas originaram-se justamente dos furos dos rebites, abertos com punção, como era comum na época. As trincas originárias dos furos desses rebites acabaram por comprometer, devido à fadiga, toda a fuselagem, que literalmente explodiu em voo, dividindo o avião em vários pedaços. Não houve chance dos pilotos fazerem qualquer coisa para salvar a aeronave.
A janela aberta para instalação da antena de ADF do G-ALYP, que provocou a perda da aeronave
Os testes no tanque, com o G-ALYU, demonstrou que as fuselagens poderiam se romper a qualquer tempo, entre 1.000 e 9.000 ciclos, sem qualquer aviso prévio. Quando caiu, o G-ALYP tinha 1.290 ciclos. O G-ALYY tinha somente 900 ciclos quando explodiu acima do Mediterrâneo. Entretanto, jamais foram determinadas, com certeza, as falhas estruturais que levaram à perda do G-ALYY


Em 19 de outubro de 1954, uma corte de inquérito presidida por Lord Cohen se reuniu para examinar as causas dos acidentes do Comet em 1954, e os testes em Farnbourough realmente comprovaram que a estrutura do avião era perigosa, e que não havia outra solução possível, a não ser a retirada definitiva do avião de serviço. O revolucionário Comet 1, primeiro jato comercial da história, estava condenado. 

As células remanescentes foram transformadas em sucata. Componentes das aeronaves ainda em fase de produção foram utilizadas em protótipos civis, como os modelos Comet 2 e 3, que nunca chegaram a entrar em serviço,  e programas militares de aeronaves de transporte e contramedidas eletrônicas, para a RAF - Royal Air Force.
Raro exemplar do Comet 1, operado pela RAF, no Museu de Cosford, UK
Somente em 4 de outubro de 1958 um jato De Havilland Comet voltaria a entrar em serviço no transporte comercial de passageiros, dessa vez no serviço transatlântico entre Londres e Nova York. O modelo então usado, denominado Comet 4, tinha uma elegante fuselagem alongada, isenta de todos os trágicos defeitos que condenaram seu antecessor quatro anos antes. Tiveram uma longa carreira, e o último avião foi retirado de serviço somente em 14 de março de 1997.
Boeing 707-121 da Pan Am
As lições aprendidas com os acidentes do Comet 1 em 1954 foram dolorosas, mas possibilitaram a construção de fuselagens pressurizadas muito mais seguras. A Boeing, que não conseguiu colocar no mercado um jato comercial antes dos ingleses, por estar profundamente envolvida nos programas militares dos bombardeiros B-47 e B-52, aproveitou sabiamente a experiência dos Comet. O Boeing 707 foi colocado em serviço ativo alguns dias depois, em 26 de outubro, no serviço transatlântico, pela rival da BOAC, a Pan Am, e acabou se tornando um sucesso muito maior que o Comet, que pagou o preço do pioneirismo.

5 comentários:

  1. eu achei esse desenho belissimo.
    pena oq se deu.
    abraços e mais um artigo perfeito.

    ResponderExcluir
  2. Tenho uma curiosidade em saber como funcionam as emissões de certificações de aviões. Basta voar tantas horas em algumas condições para ter autorização de voo? Lendo o texto lembrei dos problemas de projetos da turbina da Rolls Royce para o A380 e a demora do 787 em conseguir o dele.
    Acharei legal se fizerem um texto a respeito.
    Abraços,

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Não foi citado o acidente da aeronave da aerolineas Argentina, em Campinas no começo dos anos 60.

    ResponderExcluir

Gostou do artigo??? Detestou? Dê a sua opinião sobre o mesmo.