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quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Choque de aviões em Charkhi Dadri: a mais trágica colisão aérea

No final da tarde do dia 12 de novembro de 1996, o Boeing 747-168B, matriculado HZ-AIH e operado pela empresa saudita Saudi Arabian Airlines, faria o voo regular SVA763, partindo do Aeroporto Internacional Indira Gandhi, em Nova Delhi, na Índia, em direção a Dhahran, na Arábia Saudita.
O Ilyushin Il-76 UN-76435, envolvido no acidente de Charkhi Dadri

A grande maioria dos passageiros era de indianos que procuravam trabalho ou já trabalhavam na Arábia Saudita, que então necessitava muito de mão de obra. O voo SVA763 tinha 312 pessoas a bordo, 289 passageiros e 23 tripulantes, e o avião era pilotado pelo experiente comandante Al Shbaly, que tinha 45 anos de idade e aproximadamente 9800 horas de voo totais.

A primeira aeronave envolvida, um Boeing 747-168B, matriculado HZ-AIH, que fez seu primeiro voo no dia 03 de fevereiro de 1982, tinha número de série 22748/555, e foi entregue novo para a Saudi Arabian em 17 de março de 1982, sendo um modelo exclusivo de passageiros. Tinha 14 anos de uso quando se acidentou.

A segunda aeronave envolvida foi o Ilyushin Il-76TD, matriculado UN-76435, fabricado em 1992, destinado à Aeroflot, da Rússia, como CCCP-76435, mas que acabou sendo entregue, novo, à Kazakhstan Airlines. Tinha número de série  1023413428. Era 10 anos mais novo que o Boeing 747 da Saudi Arabian e tinha apenas 4 anos de uso..

A decolagem do 747 aconteceu às 18:32, hora local., e foi autorizado a subir para 15 mil pés, informando ao controle de Nova Delhi que estava passando por 10 mil pés. Aos 14 mil pés, a tripulação do 747 solicitou subir além de 14 mil pés, mas o controlador Dutta negou, e solicitou à tripulação do 747 que se mantivesse a 14 mil pés, já que havia tráfego em aproximação logo acima. Efetivamente, o 747 nivelou a 14 mil pés e lá permaneceu.
Concepção artística da posição de ambos os aviões na colisão

Um outro voo se aproximava de Nova Delhi. Era o voo KZA1907, operado por um Ilyushin IL-76 da Kazakhstan Airlines. Era um voo fretado, não regular, e levava 27 passageiros e 10 tripulantes, 37 pessoas ao todo. Os fretadores eram comerciantes russos e quirquizes, que estavam indo à Índia para fazer compras. Tal voo vinha do aeroporto de Chimkent, no Casaquistão.

O comandante do voo KZA 1907 era Gennady Cherapanov. Como o Il-76 era uma aeronave militar adaptada para voos civis, tinha piloto, co-piloto, engenheiro de voo, navegador e operador de rádio, tripulação incomum para aviões comerciais nessa época. A tripulação do KZA 1907 voava, então, a 23 mil pés, e solicitou descida para 18 mil pés. Quem falava com o controle era o operador de rádio.

O controlador Dutta autorizou o KZA1907 a descer até 15 mil pés. Devemos lembrar que aeronaves de fabricação russa, como o Il-76, possuem altímetros em metros, e não em pés, obrigando a tripulação a fazer a conversão de unidades.
O Boeing 747 da Saudi Arabian envolvido no acidente

O controlador Dutta supunha, portanto, que os dois aviões estariam separados por mil pés de altitude, estando o 747 da Saudi abaixo. Pelas informações da tripulação do Il-76 da Kazakhstan, o avião deveria estar a 15 mil pés, mas ele estava enganado. O avião desceu muito além, e estava perto dos 14 mil pés, altitude não autorizada. Todavia, Dutta não tinha condições de saber disso naquele momento. O aeroporto de Nova Delhi era equipado apenas com um radar primário, que não informa a altitude na qual os aviões estão voando. Mas, tendo autorizado o KZA1907 para 15 mil pés, e o SVA763 para 14 mil pés, não estava preocupado. A tripulação do KZA1907 reportou ter atingido os 15 mil pés autorizados às 18:40, mas continuou descendo, e isso não foi informado ao controle.

O controlador Dutta observou no radar os ecos dos dois voos se aproximando, com o Il-76 se aproximando ligeiramente para o lado esquerdo do 747. Dutta solicitou à tripulação do Il-76 para se atentar ao tráfego, e pediu para que o tentasse avistar. Como supunha que estavam separados por 1000 pés, não ficou preocupado, mas os dois ecos simplesmente sumiram do radar nesse momento.

Não voltaram a aparecer. O 747 dispunha de transponder modo C, de modo que podia transmitir sua altitude, mas como os controladores no aeroporto não podiam receber, tal informação era simplesmente inútil.
Destroços do Boeing 747 da Saudi Arabian

O vácuo de informações foi interrompido pelo Capitão Thimoty J. Place, que pilotava um Lockheed C-141B Starlifter da Força Aérea dos Estados Unidos. que informou ter visto uma grande explosão numa nuvem,  que ficou com um brilho alaranjado, a cerca de 100 Km do aeroporto de Nova Delhi.

Place foi provavelmente a única testemunha ocular da colisão, que aconteceu dentro de uma turbulenta nuvem cúmulus-nimbus.

Informações recebidas a seguir informaram ao controle que um grande avião tinha caído nos arredores de Charkhi Dadri, perto da vila de Dhani. Outro avião, que era o Il-76, caiu perto de Birohar.

Devido à violência do impacto, não houve sobreviventes. As 349 pessoas mortas fizeram com que o acidente de Charkhi Dadri fosse o terceiro pior desastre da história da aviação, atrás apenas dos desastres de Tenerife e do  voo JAL123, no Japão, e o pior evento de colisão no ar da história.

Testemunhas relataram que pedaços de avião caíram do ar, assim como sangue e restos humanos. Isso se refere ao Boeing 747 da Saudi, já que o avião da Kazakhstan chegou ao solo praticamente inteiro, enquanto o 747 se desfez no ar. Dois motores do 747 foram encontrados distantes dos destroços principais, e eram os motores do lado esquerdo.
Destroços do Il-76 do KZA1907


As comissões de investigação chegaram à conclusão que o Il-76 bateu quase de frente com o 747, atingindo a sua asa esquerda com a empenagem, um pouco abaixo.

Quatro passageiros da Kazakhstan ainda estavam vivos nos destroços, assim como dois passageiros da Saudi, mas, infelizmente, nenhum deles conseguiu se recuperar e morreram logo em seguida.

A comissão de investigação recolheu os gravadores de voo de ambas as aeronaves, que foram enviados para o Reino Unido (747) e Moscou (Il-76). Enquanto aguardava os resultados, a comissão se concentrou inicialmente no controlador Dutta e na gravação das conversas entre o controlador e as duas aeronaves.

Não havia indícios de falha por parte do controlador, as instruções eram claras e corretas. Mas ficou evidenciada a precariedade dos equipamentos de controle de tráfego. Existia radar, mas do tipo radar primário, que permite apenas uma visualização das aeronaves em duas dimensões, e não tem identificação nem indicação de altitude das aeronaves. A despeito do tamanho e do movimento do aeroporto, não havia nenhum sistema de radar secundário naquela época.
Painel de Instrumentos do Il-76: indicações no Sistema Métrico

Isso era uma condição normal na Índia naquela época. Praticamente a tecnologia disponível para o controle de tráfego aéreo era do tempo da Segunda Guerra Mundial.

Nenhuma das aeronaves estava equipada com TCAS II, embora tal equipamento já estivesse disponível desde 1988. De qualquer forma, para que o TCAS II seja usado, é preciso que todas as aeronaves voando ao redor disponham de transponder modo C.

A investigação acabou chegando à conclusão que o erro foi do comandante do Il-76 da Kazakhstan, que tinha autorização para nivelar a 15 mil pés e aguardar autorização do controle para continuar a descida, mas que continuou a descida sem reportar ao controle.

O que levou a esse erro extraordinário? Muitos fatores foram envolvidos: os instrumentos dos aviões fabricados na antiga União Soviética eram calibrados em unidades do Sistema Métrico Decimal, e os altímetros estavam em metros, de forma que os pilotos não visualizavam as altitudes autorizadas em pés diretamente, necessitando fazer cálculos mentais para isso.
Altímetro russo: em metros

O único tripulante do KZA 1907 fluente em inglês era o Operador de Rádio. Os demais tinham pouco ou quase nenhum domínio do idioma.

O Operador de Rádio não tinha os instrumentos de voo no seu painel, e para se certificar de que os pilotos estavam cumprindo as autorizações do CTA, precisava olhar para o painel principal do avião, por cima dos ombros dos tripulantes.

A um certo momento, o Operador de Rádio fez uma observação rápida nos instrumentos e percebeu que o avião estava abaixo dos 15 mil pés autorizados, e alertou o Comandante imediatamente. O Comandante rapidamente empurrou as manetes e iniciou uma subida para corrigir o erro, mas foi justamente nesse momento que o Il-76 bateu na asa esquerda do Boeing 747 da Saudi, e caiu. Provavelmente, se não tivesse sido alertado, o Il-76 teria provavelmente passado mais abaixo e o acidente não teria ocorrido.

Embora as autoridades indianas negassem, havia considerável turbulência para ambas as aeronaves, já que voavam dentro de uma nuvem do tipo cumulus-nimbus, caracterizadas por fortes correntes ascendentes e descendentes. São turbulências localizadas, e era bem provável que, fora da nuvem, houvesse pouca ou nenhuma turbulência. A observação do piloto do C-141 americano que avistou o acidente confirmou que a colisão ocorreu dentro da nuvem.

Normalmente, é normal que aeronaves subindo ou descendo para um aeroporto que opera voos por instrumentos tenha corredores específicos para os tráfegos que sobem e para o que descem, mas o Aeroporto de Nova Delhi é compartilhado com uma base aérea da Força Aérea da Índia, o que impediu que houve tal esquema, havendo um único corredor de uso civil e sobreposição dos tráfegos que subiam e desciam. As duas aeronaves se chocaram quase de frente, e uma subia, enquanto a outra descia.

A separação mínima de mil pés que deveria haver entre os dois tráfegos foi ordenada pelo controle, mas o controle, por sua vez, tinha que acreditar nas informações prestadas pelas tripulações do aviões, já que não havia radar secundário, apenas um radar primário do tempo da Segunda Guerra Mundial, que fornece apenas uma visão em duas dimensões do tráfego.

As recomendações de segurança decorrentes da investigação estabeleceram que houvesse:
  • Separação do tráfego descendente do ascendente por corredores aéreos exclusivos
  • Instalação de um sistema de radar secundário nos aeroportos da Índia, que possibilita incluir dados de altitude das aeronaves
  • Instalação obrigatória de sistema TCAS II nos aviões comerciais, para evitar colisões com o tráfego
  • Providências no sentido de exigir melhor proficiência no domínio do idioma Inglês por todos os operadores, assim como do controle de tráfego aéreo
O acidente de Charkhi Dadri foi a pior colisão aérea de todos os tempos. Em vista da instalação maciça de TCAS II no mundo, há pouca possibilidade que se repita tamanha tragédia, mas houve colisões aéreas posteriores, como acidente de Überlingen e a colisão dentre um jato executivo e um Boeing 737-800 da Gol, no Brasil, os dois envolvendo aeronaves equipadas com TCAS e voando em espaço aéreo controlado. Curiosamente, o número do voo do Boeing da Gol era o mesmo número do voo da Kazakhistan, 1907, uma coincidência realmente macabra.




















5 comentários:

  1. Fantastico e esclarecedor artigo sobre uma tragedia em que os pontos fracos foram se acumulando , os elos foram ligados ate que houvesse esse acidente horrivel.

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  2. Parabéns por manter este site online,que divulga de maneira didática a historia da aviação em geral e com artigos interessantes sobre centenas de modelos.. Obrigado

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  3. Boa tarde Professor Jonas.Sentindo falta dos seus artigos.Tudo bem com o senhor ??? Abraço

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  4. Boa tarde, Prof Jonas! Gostaria de usar as suas fotos no meu livro, Será que é possível?

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