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sábado, 6 de março de 2010

O controvertido acidente do Air France 296

Em fevereiro de 1987, voava pela primeira vez uma aeronave que revolucionou a tecnologia e o mercado da aviação comercial, o Airbus A320. Foi o primeiro avião comercial subsônico dotado de comandos fly-by-wire, os quais atuam eletronicamente os comandos de voo do avião, em substituição aos comandos mecânicos e hidráulicos usados nas aeronaves anteriores.
Certificado no ano seguinte, o avião entrou em operação em março de 1988 para concorrer diretamente com a aeronave mais bem sucedida da aviação comercial, o Boeing 737. A Air France foi um dos seus primeiro operadores.

Entretanto, o sistema de comandos fly-by-wire dos A320 sofreu duras críticas da concorrência na ocasião do lançamento do avião. As principais críticas eram relativas à capacidade do sistema de limitar os comandos do piloto, com a intenção de proteger o voo de operações fora do "envelope" aerodinâmico. Supunham os críticos que o sistema pudesse falhar em determinadas situações, colocando o voo em risco.

Ainda assim, o A320 passou sem maiores problemas pelo crivo das autoridades certificadoras e o sistema foi aprovado. Aparentemente, o Airbus A320 estava destinado a oferecer uma grande concorrência ao confiável, mas já antiquado, Boeing 737.

O otimismo da Airbus sofreu, no entanto, um duro golpe no dia 26 de junho de 1988. O voo fretado AF 296 tomou parte em um show aéreo no aeroporto de Mulhouse-Habsheim Airport, na região de fronteira franco-alemã da Alsácia, onde foi exibido em uma passagem baixa sobre a pista, com trem de pouso abaixado.
O avião, matriculado F-GFKC, estava praticamente lotado, com 130 passageiros e 6 tripulantes. A passagem baixa sobre a pista deveria ser feita a 100 pés, mas o avião acabou descendo inadvertidamente a apenas 30 pés do chão. Ao arremeter, a aeronave não conseguiu ganhar altura, e acabou batendo nas árvores de um bosque situado logo à frente.
Ao bater, o Airbus sofreu uma grande explosão e um incêndio, que acabou por destruí-lo completamente. Milagrosamente, quase todos os ocupantes do avião escaparam com vida, exceto 3 passageiros que não conseguiram sair dos destroços e faleceram. Cerca de 50 pessoas ficaram feridas.
A investigação desse acidente pode ser considerada como escandalosa. De acordo com a lei francesa, os gravadores de voo (caixas-pretas) de aeronaves acidentadas devem ser recuperadas imediatamente pela polícia, com a finalidade de constituir meio de prova nos processos judiciais subsequentes. Entretanto, as autoridades aeronáuticas francesas retiveram as duas caixas pretas por 10 dias, sem oferecer qualquer explicação, e só foram parar nas mãos dos juízes após serem confiscadas.
As caixas pretas, ao serem examinadas, continham evidências óbvias de que tinham sido violadas fisicamente. Cerca de 8 segundos de gravação tinham sido removidos da fita, inclusive os 4 segundos vitais antes do avião se chocar com o solo. A fita estava cortada e remendada grosseiramente.

O piloto do avião acidentado, Comandante Asseline, afirmou que, ao ver o DFDR ser apresentado no Tribunal, ficou perplexo. A caixa preta apresentada apresentava sinais de uso por longo tempo, estava com a pintura descascada e alguns amassados. Aquilo fez o comandante desconfiar seriamente da lisura do julgamento. O Airbus acidentado era novo em folha, tinha dois meses de uso, sua caixa preta deveria ser nova, sem sinais de uso ou manutenção.

Paira, portanto, a suspeita de que um dos gravadores, o DFDR (Digital Flight Data Recorder) tenha sido substituído por outro. De fato, o DFDR "oficial" apresentado à Corte de Colmar, responsável pelo caso, possuía duas listras brancas transversais, enquanto fotos divulgadas pela agência Sipapress (abaixo) mostravam o Sr. Gérard, gerente local da Direction Génerále de l'Aviation Civile - DGAC (autoridade aeronáutica da França), carregando um gravador cujas faixas brancas eram diagonais.
Mesmo assim, o Tribunal refutou as alegações da defesa da tripulação, e a culpa pelo acidente foi atribuída a erro da tripulação. O Comandante Michel Asseline, assim como o co-piloto Pierre Mazière, dois funcionários da Air France e o presidente do aeroclube que patrocinou a festa foram condenados pela justiça pelo acidente. O Comandante Asseline foi sentenciado a 6 meses de prisão e mais 12 meses de liberdade condicional por homicídio culposo, enquanto os demais foram condenados a penas em liberdade condicional.
O Comandante Asseline sempre negou sua culpa pelo acidente. Recorreu da sentença e, surpreendentemente, teve sua pena aumentada para 10 meses de prisão mais 10 meses de liberdade condicional. Asseline afirmou, ao ver um dos inúmeros vídeos gravados pelo público que assistia á demonstração, que seu altímetro marcava 100 pés de altura, enquanto a altitude correta do avião era de apenas 30 pés. O piloto ainda afirmou que o avião não respondeu adequadamente ao comando das manetes de potência, e que se acidentou por problemas técnicos do avião.

De fato, apenas um mês antes do acidente, a Airbus emitiu dois Operational Engineering Bulletins - OEB para os operadores do A320. O boletim OEB 19/1 intitulado "Deficiente Aceleração dos Motores a Baixa Altitude", dizia que os motores poderiam não responder corretamente ao comando das manetes a baixa altura. O boletim OEB 06/2, intitulado "Baro-Setting Cross Check", dizia que as indicações do sistema barométrico do A320 (pitot-estático) nem sempre davam indicações corretas.

Os dois boletins referiam-se exatamente aos problemas relatados pelo Comandante Asseline em sua defesa. Entretanto, tais boletins, embora tivessem sido recebidos pela Air France, somente foram divulgados aos pilotos da empresa logo após o acidente do voo 296.
A condenação dos pilotos abafou o caso e serviu para aliviar as dúvidas dos operadores sobre a segurança dos sistemas eletrônicos do A320. De fato, o avião tornou-se um grande sucesso de mercado e 4.186 aviões da família A320 foram fabricados de 1987 até fevereiro de 2010, constituindo-se o avião no único grande rival do veterano Boeing 737.

Após o acidente do AF 296, um piloto de Boeing 747 da empresa, Norbert Jacquet, questionou a confiabilidade dos sistemas altamente computadorizados dos Airbus. Questionou também a versão oficial do acidente e a tentativa de encobrir defeitos na tecnologia dos A320. Acabou demitido da Air France, teve seu certificado de saúde cassado definitivamente por insanidade e acabou encarcerado em diversos estabelecimentos prisionais, especialmente manicômios. Acabou escrevendo um livro sobre o caso, "Airbus".

De fato, não se pode afirmar que a Airbus ou a Air France tenham participado dessa possível fraude na investigação do acidente AF 296.  O organismo governamental francês que investiga acidentes, o BEA - Bureau d'Enquêtes et d'Analyses pour la Sécurité de l'Aviation Civile, já teve por várias vezes sua isenção questionada por representar o Governo da França, que possui participação acionária tanto na Air France quanto na Airbus. Uma falha fatal nos sistemas eletrônicos do A320, poucos meses após entrar em serviço, poderia ser catastrófico para a Airbus. Isso poderia ter influenciado na investigação.

Os problemas que, segundo o Comandante Asseline, provocaram o acidente em Mulhouse-Habsheim, continuam a assombrar os A320. O acidente do voo TAM 3054, ocorrido em São Paulo em 12 de julho de 2007 pode ter sido provocado, em parte, por problemas nas manetes de potência, embora a investigação tenha concluído que as mesmas foram operadas de modo impróprio. O estado de destruição do pedestal das manetes não permitiu uma análise adequada da sua condição de funcionamento na ocasião do acidente.

Em 2009, um catastrófico acidente envolvendo um Airbus A330 da Air France sobre o Oceano Atlântico, entre o Rio de Janeiro e Paris, lançou novas dúvidas sobre a segurança dos equipamentos eletrônicos e o alto nível de automação das aeronaves. O congelamento dos tubos de pitot levou a uma cadeia de  falhas nos sistemas, o que, aliado à resposta inadequada dos pilotos, levou à destruição do avião e à morte de todos os seus ocupantes. O BEA se encarregou da investigação, mas ficou sob suspeita até a elaboração do Relatório Final, liberado em 2012, e foi vigiado de perto por peritos brasileiros, americanos, alemães, ingleses e de outras nacionalidades durante todo tempo.

12 comentários:

  1. Sensacional o relato deste incrível acidente com o A-320 da Air France ! Lamentavelmente, vidas se perderam e a justiça NÃO foi feita !!!

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  2. PARABÉNS PELO BLOG... muitas e informações.

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  3. Como as pessoas conseguiram sobreviver? Em um vídeo do youtube vê-se claramente o avião explodir.

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    1. certamente foi apenas chamas ! dentro do avião todos ficaram protegidos e não foram atingidos pelas chamas... se fosse terreno sólido ai babau todos mortos !

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Pra mim esse avião tava vazio e controlado com o flybywire

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  5. Bilhões em $$$ estavam em jogo neste acidente. O capitalismo tratou de achar um culpado, e quem fosse contra o sistema era inimigo...
    Coisas da sociedade... hoje mesmo sequer sabemos dos segredos mais ocultos que rondam a humanidade.
    No mais, excelente artigo.
    Abraço.
    Willer.

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  6. O acidente TAM 3054 foi no dia 17 de julho, não 12!

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  7. O artigo é bom mas emite muitas opiniões pessoais, o que o torna parcial. O comandante pode ter razão, mas também pode não ter. Não cabe ao autor afirmar que a investigação foi escandalosa ou que as caixas-pretas foram de fato trocadas. No próprio texto ele afirma que "Paira, portanto, a suspeita de que um dos gravadores (...)" e "(...) possível fraude na investigação do acidente AF 296." Ou seja "suspeita" e "possível". assim, não se pode afirmar que versão do comandante é a verdadeira.

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