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sexta-feira, 14 de julho de 2017

Os Caravelles da Varig: primeiro jato comercial na aviação brasileira

No final da década de 1950, a aviação comercial passou pela maior revolução já experimentada: a introdução definitiva dos aviões a jato. A sorte dos belos aviões com motores a pistão estava selada, mesmo os que estavam entrando recentemente em serviço.
O PP-VJC no Galeão, em 1963.
Todas as empresas  aéreas cobiçaram os novos jatos, dos quais os pioneiros foram, principalmente, o Boeing 707 e o Douglas DC-8 americanos, o DeHavilland Comet IV inglês e o Sud-Aviation SE-210 Caravelle, francês. A Varig não era exceção, e seu presidente, Ruben Martim Berta, logo empreendeu negociações, e encomendou,  em setembro de 1957, duas aeronaves Boeing 707-441, para substituir seus Constellation nas rotas internacionais. Todavia, seria necessário esperar um bom tempo pela entrega das aeronaves, pois a Boeing estava repleta de pedidos.
O primeiro Caravelle da Varig na linha de produção, em Toulouse
Em outubro, no entanto, Berta foi à França, para encomendar dois jatos Sud-Aviation SE-210 Caravelle I. Cada avião custaria US$ 1.702.000,00. O contrato foi assinado em 16 de outubro de 1957, com entrega prevista para meados de 1959. Quatro dos mais antigos comandantes da empresa, Geraldo Knippling, Valdemar Carta, Omar Lindemayer e Lili Lucas Souza Pinto foram escolhidos para comandar esses jatos.

A Varig foi a terceira empresa a comprar o Caravelle, atrás da Air France e da SAS.
Os três Caravelles da Varig nunca operaram simultaneamente na empresa
Berta já conhecia o Caravelle, e se impressionou positivamente com ele. Em abril de 1957, a Sud-Aviation fez um voo de demonstração do Caravelle na América do Sul, e no dia 24 o avião pousou em Porto Alegre, onde o aguardavam Berta, Rudy Schaly, diretor, e mais quatro comandantes, Herzfeldt, Bordini, Schutz e Beaumel, da Varig, além de políticos e representantes de outras empresas aéreas.
Caravelle da Varig no Aeroporto Midway, em Chicago
Em 31 de agosto de 1959, o primeiro Caravelle I encomendado pela Varig, e para o qual estava reservada no RAB a matrícula PP-VJC, alçou voo pela primeira vez, em Toulouse, na França. Nas semanas seguintes, os quatro comandantes selecionados, os mais experientes da empresa, fizeram um intenso treinamento em Toulouse.

O PP-VJC foi aceito oficialmente pela Varig no dia 22 de setembro de 1959, e fez um voo de translado para o Aeroporto de Orly, em Paris, para cumprir os trâmites alfandegários e legais para deixar a França, rumo ao Brasil.

No dia seguinte, 23 de setembro, iniciou o longo voo, com os quatro pilotos da Varig, o comandante Guinard, instrutor da Sud Aviation, três engenheiros de voo, um navegador e um rádio operador. As escalas previstas para reabastecimento eram Casablanca, no Marrocos, e Dakar, no Senegal, antes de atravessar o Atlântico. O pernoite em Dakar foi cancelado, por falta de hotel para os tripulantes, e de lá o avião cumpriu uma travessia de pouco mais de seis horas de voo, pousando em Recife/PE, no final da tarde.
O PP-VJD, segundo Caravelle da Varig, em 1961, já convertido em modelo III, como se pode ver pelo motor
Na manhã do dia 24, o avião decolou novamente, dessa vez para voar até Porto Alegre, sem escalas, pousando no início da tarde. A tarde toda foi festiva no Aeroporto Salgado Filho. Os funcionários da Varig foram dispensados naquela tarde de quinta-feira, para poderem apreciar a aeronave. Ao chegar sobre o espaço aéreo gaúcho, quatro aeronaves de caça Gloster Meteor da FAB, baseados em Canoas, escoltaram o avião, que vez um voo rasante sobre a pista antes do pouso.
Decolagem de um Caravelle da Varig
Durante a última semana de setembro, a aeronave cumpriu apenas voos experimentais e de demonstração sobre o território nacional. O PP-VJC foi visitado pelo Presidente Juscelino Kubitschek, que batizou o avião com o nome "Brasília", quando pousou na capital brasileira.

O Caravelle foi projetado como uma aeronave de curto alcance, especialmente para as linhas europeias. No enorme território brasileiro, seria um jato doméstico, ou cumpriria rotas internacionais dentro da América Latina. No entanto, diante da demora na entrega dos dois jatos Boeing 707 (PP-VJA e  PP-VJB), Berta ordenou que o Caravelle cumprisse a rota para Nova York.

A configuração interna para esses voos seria de apenas 40 poltronas para passageiros, em 10 fileiras em disposição 2 a 2. O serviço de bordo seria o mesmo farto e excelente serviço já oferecido nos Super Constellation.

O primeiro voo experimental para Nova York foi feito no dia 2 de outubro de 1959. A aeronave saiu de Porto Alegre. e fez escalas em Congonhas, Galeão, Belém, Port-of-Spain e Nassau. A duração total do voo foi de 21 horas, sendo 16:50 de voo. Embora o voo tenha sido feito em 4 horas a menos que os voos do Constellation, a intenção da empresa era que, nos voos regulares, o tempo de solo fosse reduzido ao mínimo, e que o voo fosse feito em tempo bem menor, usando maior velocidade.
O PP-VJD em Idlewild, Nova York, em 1960
O PP-VJC entrou em operação regular para Nova York em 7 de dezembro de 1959, e o tempo de voo reduzido a meras 15 horas de voo, contra 25 horas do Super Constellation. O avião saía  às 8 horas de Porto Alegre, e chegava em Nova York às 21 horas, horário local, do mesmo dia. O Caravelle da Varig foi o primeiro jato estrangeiro a pousar no Aeroporto de Idlewild (rebatizado como JFK em 1963), em Nova York.

Em 12 de dezembro, a segunda aeronave comprada, matriculada PP-VJD, começou a operar, e as quatro frequências semanais para Nova York foram divididas, duas com Super Constellation e duas com Caravelle.
O paraquedas de frenagem do Caravelle I da Varig, em Toulouse
Embora a aeronave fizesse muito sucesso entre os passageiros, operacionalmente as coisas não eram tão boas. Os Caravelle I carecia de mais empuxo nos motores Rolls-Royce Avon MK-522, especialmente em dias quentes. O avião não tinha reversores de empuxo, e era necessário utilizar um paraquedas para auxiliar na frenagem do avião no pouso. Isso era bastante incômodo, pois era necessário recolher o paraquedas após o pouso, e outro deveria ser instalado na cauda antes da próxima decolagem.
PP-VJD
De fato, a Sud-Aviation converteu os dois aviões para a configuração Caravelle III, em 1961, o que melhorou o empuxo, mas não resolveu o problema da falta dos reversores, que só seriam instalados na versão Caravelle VI-R.

Com a entrada em operação dos Boeing 707 na linha para Nova York, em 22 de junho de 1960, os Caravelle e Super Constellation deixaram a linha. O Caravelle foi depois reconfigurado com 52 assentos, 13 fileiras dispostas 2 a 2, e colocado nas linhas que serviam Buenos Aires, Montevidéu, Porto Alegre, Congonhas, Viracopos, Galeão, Brasília, Belém, Lima, Bogotá, Santo Domingo e Miami. Posteriormente, a aeronave foi reconfigurada com 68 poltronas.
Anúncio com a configuração interna do avião. O conforto das poltronas era excepcional
Foi justamente numa etapa desses voos, entre o Galeão e Brasília, que ocorreu o único acidente envolvendo Caravelle da Varig. O voo RG 592-J decolou do Galeão às 16:49 do dia 27 de setembro de 1961. A bordo, estavam 9 tripulantes e 62 passageiros, entre eles o então Governador Leonel Brizola, quatro ministros do Presidente João Goulart e dois deputados federais.
Cartão postal do Caravelle da Varig
O Comandante Leopoldo Isidoro Azevedo Teixeira comandava a aeronave, que deveria pousar ao por do sol em Brasília. Durante a aproximação, o motor esquerdo teve alerta de fogo, e teve que ser cortado. Ao pousar, às 18:40, o avião tocou antes da pista, tendo seu trem de pouso muito danificado. A aeronave, ao correr na pista, teve tendência de virar à esquerda, e a aplicação do steering e dos freios não conseguiu manter a aeronave nos limites da pista. O trem de pouso entrou em colapso quando a aeronave saiu da pista, e o fogo irrompeu logo a seguir.
O PP-VJD, acidentado em Brasília
Felizmente, todos os passageiros e tripulantes conseguiram abandonar a aeronave a tempo, e somente a comissária Therezinha Xavier Braga, que foi a última pessoa a abandonar o avião, sofreu algumas queimaduras nas mãos, sem gravidade. O PP-VJD teve perda total. O acidente foi o primeiro de um jato no Brasil, e também o primeiro acidente ocorrido no aeroporto de Brasília.
Os tristes destroços do PP-VJD
O relatório final da Aeronáutica concluiu que o acidente ocorreu por falha de pilotagem do comandante Teixeira, que estava em adaptação para o Caravelle, e negou que tivesse havido um incêndio no motor. A aproximação foi muito baixa e o avião tocou antes da faixa de asfalto, o que teria desencadeado o acidente.
Bombeiros tentando debelar o fogo no PP-VJD
A perda do PP-VJD representou a perda de metade da frota, já que a Varig tinha apenas dois aviões do tipo. Uma terceira aeronave foi comprada imediatamente da Air Algerie, um Caravelle I convertido para III, que foi matriculado PP-VJI.
O PP-VJI, em foto de 1964, em Nova York, já afastado da frota da Varig
O PP-VJI foi entregue em dezembro de 1961, apenas três meses após a perda do PP-VJD.

Os dois aviões foram operados até novembro de 1963, quando a Varig decidiu retirá-los de serviço e vendê-los. As linhas e destinos servidas até então por eles foram redistribuídos entre os Convair 990A, especialmente nos trechos internacionais, pelos Lockheed L-188 Electras, e, eventualmente, pelos Douglas DC-6B. A Varig ficou sem jatos domésticos até a chegada dos primeiros Boeing 727, em 1970.
O ex-PP-VJC terminou sua carreira como avião executivo, para o Presidente Jean Bedel Bokassa, da República Centro Africana


AERONAVES SUD AVIATION CARAVELLE OPERADOS PELA VARIG (1959-1963):

PP-VJC: Sud Aviation SE-210 Caravelle I, c/n 10. Primeiro voo em 31/08/1959, entregue novo para a Varig em 16/09/1959. Convertido em Caravelle III em 1961. Desativado em 11/1963, e vendido à Air Vietnan em 17/08/1964, como XV-NJA. Foi depois para a Air France, em 01/1969, que o matriculou F-BNGE, e o arrendou para a MEA - Middle East Airlines, e para a Royal Air Maroc, com a mesma matrícula. Em 28/12/1970 foi vendido para a Air Centrafique, para uso do Presidente Jean Bedel Bokassa, da República Centro Africana, como TL-AAI, e convertido em aeronave VIP. Desativado em 08/1977, e desmontado em Orly, Paris, em 1983.
O PP-VJC em Congonhas
PP-VJD: Sud Aviation SE-210 Caravelle I, c/n 15. Entregue novo para a Varig em 07/12/1959. Convertido em modelo Caravelle III em 1961. Perdido em acidente no pouso em Brasília/DF, em 27/09/1961.
O PP-VJD em Brasília, em 1960
PP-VJI: Sud Aviation SE-210 Caravelle I, c/n 20. Fabricado em 1960, entregue novo para a Air Algerie, foi para a Varig em 12/1961. Convertido em modelo Caravelle III em 1961. Desativado em 11/1963, foi para a Avensa como YV-C-AVI. Acidentado com perda total em Barquisimento, Venezuela, em 21/08/1973, sem vítimas. Foi usado como restaurante em Barquisimento até a década de 1990.
O PP-VJI foi para a Avensa, mas terminou se acidentando em 1973







13 comentários:

  1. Professor faz uma materia sobre o ymc-130 Hercules o aviao adaptado para pouso e decolagem curtas

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  2. Andei muito nos Caravelles para Brasília nos anos 60. Eles tinham um salão nobre na cauda, uma espécie de Lounge. Super bacana.

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    1. Quem tinha um lounge na calda era o L188 Electra II. O Caravelle tinha na caixa a escada de acesso e os wc.

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  3. Gostaria de alertar que a foto do Varig onde o prefixo está VJO, na verdade é VJD, fiz um trabalho baseado nessa informação e fui prontamente corrigido

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  4. Bela lembrança,rico texto,parabéns Sr Jonas LIASCH

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  5. Parabéns !! Matéria exemplar !! Saudades do Caravelle, lindo !! Um avião considerado, até hoje, por renomados especialistas o mais elegante da história da aviação comercial !! Concordo !!

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  6. Como são bonitas essas aeronaves com a asa lisa, assim como os 727 e o vc10. Obrigado pelo artigo professor!

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  7. Parabéns pela matéria sobre o Caravelle. Voei uma vez em um deles GIG-POA. Muito silencioso, comparado com os Electra.

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  8. O primeiro Caravelle da Varig, está hj em Tolouse na França, a 24 anos parado, e será recuperado. Na descrição da matéria eles não citam a VARIG que foi a primeira proprietária desse avião.https://www.youtube.com/watch?v=zi_AisTqvhc

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  9. Estava em um Caravelle num voo de SP ao Rio em 1961. Com 09 anos e maravilhado, encostei meu ouvido no vidro da janela oval e ouvi um barulho típico de um helicóptero parando as hálices. Avisei minha mãe, mas ela não acreditou. Em seguida, o interior da cabine começou a ficar quente a ponto dos passageiros reclamarem muito. O comandante avisou que voltaríamos ao Congonhas e numa volta de 180 graus, vi pela janela, que uma esteira de fumaça preta ficava no céu atrás de nós.
    Aterrisamos bem, mas tivemos de esperar 3 horas para embarcar enquanto o jato era ligado no hangar e cobria o saguão de fumaça preta. Chegamos ao Rio e horas depois, esse mesmo jato se acidentava em Brasília devido ao mesmo problema. Foi muita sorte nossa ficarmos vivos!

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