Google Website Translator

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Os Airbus A300 da Vasp

Os Airbus A300 foram os primeiros aviões wide-bodies bimotores, em 1972, um conceito até então desacreditado entre os fabricantes e operadores de aeronaves comerciais, mas que, hoje, tornou-se praticamente um padrão na aviação comercial.
O A300 voou pela primeira vez em 28 de outubro de 1972, e era uma aeronave de tecnologia e estrutura bastante convencionais, embora tivesse inovações, como o uso de composites na estrutura.

Alguns anos depois do início da sua operação comercial, com a Air France, em 1974, os A300 finalmente conseguiram grande aceitação no mercado, tendo como vantagens a facilidade de operar em pistas curtas e com grande capacidade de passageiros em voos de médio alcance, aliado a um baixo consumo de combustível.
O primeiro A300 da Vasp, logo após chegar em Congonhas
A primeira empresa a adquirir os A300 no Brasil foi a Cruzeiro, então subsidiária da Varig, que trouxe dois aviões A300-B4, os de maior capacidade de combustível e alcance então oferecidos pelo fabricante. Esses aviões foram encomendados em 1979, chegaram em junho de 1980, e foram certificados para operar das curtas pistas do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde sempre operaram sem maiores problemas.
O primeiro A300 da Vasp, em foto do fabricante, em Toulouse, França
Em 3 de outubro de 1980, a Vasp resolveu encomendar nada menos do que 12 aeronaves Airbus, sendo três A300-B4, e nove A310, aeronave semelhante, mas mais curta e de menor capacidade de passageiros.

Entretanto, as coisas não correram tão bem para a Vasp como tinha sido na Cruzeiro: na época, o DAC - Departamento de Aviação Civil tinha um representante na diretoria de cada companhia aérea, e intervinha fortemente em quaisquer planos das empresas. A compra dos aviões pela Vasp foi vetada, sendo autorizada apenas a compra de Airbus A300-B2, sem tanque central, de menor alcance e menor payload, então já reconhecida como obsoleta pelo próprio fabricante.
Primeiro comercial da Vasp do A300, com o gigante Epaminondas
Mesmo assim, a Vasp encomendou os aviões, e o primeiro deles, matriculado PP-SNL, chegou ao Aeroporto de Congonhas, sede da Vasp, no dia 5 de novembro de 1982, já ostentando um novo esquema de pintura especialmente desenhado para ele, rompendo com seu antigo esquema aplicado quase sem modificações desde os anos 60.

Esses aviões podiam transportar até 240 passageiros em duas classes, com assentos dispostos em configuração 2-4-2 na classe econômica. 26 dos assentos eram de classe executiva. Sendo aeronaves domésticas e wide-bodies, podiam transportar uma quantidade respeitável de carga nos porões, perto de 30 toneladas, além da bagagem dos passageiros.
Propagando enfatizando a capacidade de carga do A300
O interessante é que os A300-B2 da Vasp não tinham bagageiros acima dos assentos da fileira central, como os wide-bodies internacionais. Isso acabava dando uma noção de maior espaço interno ao avião.
Interior do A300 da Vasp (foto: Arthur Amaral)
Em termos de frota doméstica, a Vasp operava os maiores aviões exclusivamente domésticos na época, os Boeing 727-200, desde 1977. Os Airbus A300-B2 iriam complementar especialmente essa frota, com um aumento notável na capacidade de passageiros. Em 8 de novembro, chegava a Congonhas o segundo A300, matriculado PP-SNM.

A partir de Congonhas, a Vasp passou a usar os dois aviões em duas rotas, que começavam e terminavam em São Paulo: uma atendia Brasília e Manaus, e a outra atendia Rio-Galeão, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e Manaus.
O PP-SNL, primeiro A300 da Vasp
A Vasp ficou muito satisfeita com o avião, que tinha ótimo desempenho operacional e permitia aos passageiros fazer voos domésticos em aeronaves de padrão de voo internacional. Melhor ainda, podia operar em Congonhas. Aliás, também eram bastante silenciosos, principalmente em relação aos Boeing 727 e 737-200.
O PP-SNM em Guarulhos
Uma campanha publicitária interessante marcou o início da operação dos A300 da Vasp: foi criado um personagem, o gigante Epaminondas, uma figura amigável que, na foto do anúncio, segurava uma enorme maquete do A300.  Era uma referência ao grande tamanho e poderio da aeronave.
O PP-SNL no seu esquema de pintura original
A chegada de um terceiro avião, em 31 de janeiro de 1983, possibilitou também a operação da aeronave em alguns fretamentos internacionais, a despeito do pequeno alcance do avião, para destinos como Aruba e Orlando. O primeiro fretamento decolou no dia 18 de fevereiro de 1984.
Passageiros ao pé da escada de um A300, em 1985 (foto: Arthur Amaral)
Os voos de fretamentos eram demorados, pois demandava escalas em Brasília, Manaus, Aruba e Orlando, já que os A300-B2 não tinham tanque central. Ainda que tivessem, não poderiam decolar muito pesados de Congonhas.

Os A300 da Vasp também foram utilizados em algumas linhas internacionais na América Latina, especialmente Buenos Aires.
O PP-SNM em Hamburgo, 1995, fazendo um Check pesado
Os A300 da Vasp deixaram de operar em Congonhas a partir da inauguração do aeroporto de Guarulhos, em janeiro de 1985, e permaneceram como os maiores aviões da empresa até 1991, quando a empresa, já privatizada, adquiriu aeronaves McDonnell-Douglas DC-10-30 e, depois, MD-11. Entretanto, a carreira dos A300 na Vasp estava longe de terminar.
O PP-SNM taxiando, 2003
Os novos controladores da Vasp adquiriram, também, o controle acionário das empresas Lloyd Aéreo Boliviano e Ecuatoriana, e o A300 PP-SNN foi repassado ao Lloyd, entre 1º de junho de 1990 e 1º de junho de 1991, voltado à frota da Vasp. Essas empresas, e mais o TAN - Transportes Aéreos de Neuquén, constituíam o denominado Vasp Air System, que mais tarde foi desfeito.
O PP-SNN taxia numa tarde tempestuosa, no Aeroporto do Galeão
Em 2000, as finanças da Vasp estavam perigosamente decaindo, e todas as aeronaves grandes, como os MD-11, foram devolvidas. Os A300 voltaram ao seu reinado como maiores aeronaves da empresa, mas, em meados de 2001, o PP-SNL foi retirado da escala para fazer um Check D em Congonhas.
O PP-SNL abandonado durante um Check D que jamais foi concluído
Esse Check D jamais chegou a ser concluído, e o PP-SNL nunca mais voou. Em vez disso, a aeronave foi canibalizada, e suas peças em bom estado foram utilizadas para manter os outros dois aviões em condição de voo.
O PP-SNL foi desmontado nesse mesmo local
Em 2004, o PP-SNN, ao decolar de Recife para cumprir o voo VP4195, teve um motor destruído por uma explosão, e retornou monomotor para o aeroporto. Sem motores reservas disponíveis no momento, a Vasp paralisou o PP-SNM e retirou um dos seus motores, para "emprestar" ao PP-SNN e possibilitar o seu translado até Congonhas. O motor foi levado ao Recife por um Boeing 737-200 cargueiro, o PP-SMW. O translado foi feito com sucesso, e o motor foi devolvido ao PP-SNM. O motor foi substituído, mas a aeronave logo foi novamente paralisada, dessa vez para um Check C, que nunca chegou a ser realizado. O avião ficou paralisado em Congonhas até 2012, quando foi desmontado.
O PP-SNN abandonado em Congonhas, 2011
A Vasp foi proibida de voar, pelo DAC, em 26 de janeiro de 2005. Na ocasião, o PP-SNM encontrava-se no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, paralisado depois de uma pequena pane de motor. Foi encostado em uma posição remota. Nunca mais voaria novamente.

O PP-SNN, paralisado em Congonhas, foi desmontado em 18 de abril de 2012, no decorrer de uma operação, autorizada pela justiça, para "limpar" os pátios e hangares da antiga Vasp, a pedido da Infraero. No dia seguinte, o PP-SNL seguiu o mesmo destino. Vários outros aviões Boeing 737 e 727 foram desmontados naqueles tristes dias.

O PP-SNM permaneceu em Guarulhos durante vários anos ainda. Foi leiloado por um preço bastante alto, e, ao que parece, a intenção do novo proprietário era recolocar a aeronave em condições de voo novamente, pelo menos para um voo de translado. Entretanto, várias peças do avião foram roubadas, e os planos do novo proprietário se viram frustrados. As peças roubadas, provavelmente, foram alimentar o crescente mercado negro de peças aeronáuticas.
O PP-SNM no cemitério do Aeroporto Internacional de Guarulhos, no centro da foto (Sam Chui)
Em 17 de fevereiro de 2016, durante a madrugada, a aeronave foi desmanchada rapidamente e, literalmente, desapareceu do "cemitério" do aeroporto, situado perto da cabeceira 27R. Como a aeronave, embora arrematada, não foi retirada dentro do prazo previsto, o administrador do aeroporto, a GRU Airport, alegando abandono, solicitou autorização da justiça para demolir o avião e limpar o pátio. Terminava assim, melancolicamente, a história dos Airbus A300 da Vasp, que operaram durante 22 anos de forma praticamente ininterrupta.

AERONAVES AIRBUS A300 OPERADOS PELA VASP (1982-2004):

PP-SNL: Airbus A300B2-203, s/n 202, primeiro voo em 28/06/1982, com matrícula francesa F-WZMJ. Entregue novo para a Vasp em 05/11/1982. Retirado de serviço para Check D em 2001, que nunca foi concluído. Aeronave canibalizada e abandonada após a paralisação da Vasp, em 26/01/2005. Desmontado em 19/04/2012 no Aeroporto de Congonhas/SP;

PP-SNM: Airbus A300B2-203, s/n 205, primeiro voo em 13/07/1982, com matrícula francesa F-WZMP. Entregue novo para a Vasp em 08/11/1982. Aeronave canibalizada e abandonada após a paralisação da Vasp, em 26/01/2005. Desmontado em 17/02/2016 no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP;

PP-SNN: Airbus A300B2-203, s/n 225, primeiro voo em 16/12/1982, com matrícula francesa F-WZMB. Entregue novo para a Vasp em 31/01/1983. Operado pelo Lloyd Aéreo Boliviano a partir de 01/06/1990, devolvido à Vasp em 01/06/1991. Retirado de serviço após incidente de explosão do motor em 2004, para reparos. Foi novamente retirado de serviço para fazer um Check C, que nunca foi concluído. Aeronave canibalizada e abandonada após a paralisação da Vasp, em 26/01/2005. Desmontado em 18/04/2012 no Aeroporto de Congonhas/SP.

21 comentários:

  1. Mais uma ótima matéria deste blog. Parabéns!!!
    Eu cresci vendo estes airbus nos anos 80 e inicio dos 90 fazendo escalas aqui em POA. Dividiam o pátio com os saudosos 767 e 727 da transbrasil e os 727 da varig/cruzeiro.

    Wagner Mayer

    ResponderExcluir
  2. Excelente matéria. Eu trabalhava na VASP lá por 1997/98 em CGH e lembro de como era linda a decolagem do A300 após manutenção para assumir voo em GRU. Decolando leve, parecia um foguete!

    ResponderExcluir
  3. Como de costume, está muito boa a matéria, Jonas. Valeu.

    ResponderExcluir
  4. Olá Jonas,
    uma curiosidade que tenho a respeito desse modelo era na Cabine de Comando, pois eram modelos Foward Facing. Eram apenas dois na cabine?
    Abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, Lucas, nesses modelos mais antigos do A300, havia ainda o posto do Engenheiro de Voo, e a tripulação mínima era de três. Os modelos posteriores A300-600 e A310 foram atualizados e são operados por apenas dois pilotos.

      Excluir
  5. EU FICO IMPRESSIONADO COMO AS MATÉRIAS DESSE BLOG SÃO BOAS

    ResponderExcluir
  6. Suas matérias são ótimas! Continue o trabalho com esse excelente blog! Use outras redes sociais tb pra divulgar. Sdçs!

    ResponderExcluir
  7. Excelente matéria, como sempre, professor. Só achei estranha esta parte:
    "o A300 PP-SNN foi repassado ao Lloyd, entre 1º de junho de 1990 e 1º de junho de 1991, voltado à frota da Vasp."
    Em dezembro de 1990 voei no SNN de Guarulhos a Fortaleza (com escala em Recife). Tinha 13 anos e foi bastante marcante porque foi a primeira vez que viajei num widebody (antes tinha voado em 727 e 737). Tenho algumas fotos, inclusive uma que o comissário tirou na escala em Recife, e colocou-me a mim e minha irmã no motor, que pareceu-nos enorme.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O avião manteve a matrícula brasileira, e voava nas duas empresas, que eram do mesmo grupo, quando era necessário, especialmente na alta temporada, quando sua alta capacidade fazia falta na frota da Vasp.

      Excluir
    2. Totalmente errado meu caro, delirante, a VASP adquiriu o LAB em 1995! Quando o PP-SNN foi arrendado ao LAB, foi pelo Governo de São Paulo ainda, a VASP só passou pro Canhedo em Outubro de 1990! O avião, voou descaracterizado no LAB, adotando logo da LAB na cauda e títulos sobre as janelas, com tripulação VASP voando Bolivia - Miami. Retornou em 1991 e ainda assim ficou "sobrando" na malha da VASP, a ponto de alocarem ele no BSB-SSA. Só com a reorganização de 1993 é que os A300 ganharam papel claro e específico dentro da malha rodando o POA-GRU-GIG-SSA-REC-FOR / GRU-SSA-REC-FOR / POA-GRU-BSB-MAO.

      Outra correção, que você nem merece, mas a história merece, o avião quando começou a voar em 1982 voava no VP190/191 (2 aviões) e no VP290/291 (1 avião que rotacionava com o que fazia 190). VP190 CGH-GIG-REC-FOR-THE-SLZ-BEL-MAO, 191 o retorno é claro e VP290 CGH-BSB-MAO.

      Excluir
  8. Excelente materia. O blog é espetacular, parabéns!

    ResponderExcluir
  9. Excelente texto, aliás como todos os outros do blog. Apenas uma correção: o primeiro A300 da Vasp não chegou em 1980 e sim em 1982.

    ResponderExcluir
  10. Fui mecânico da VASP em 88 e tenho uma foto sentado no motor do A310!!! Realmente o saudosismo toma conta nesta área. Parabéns pela matéria.

    ResponderExcluir
  11. Prezado Jonas, seu site, já comentei com vc, é ótimo, mas epercebi que você usou nesta página uma das fotos do PP-SNM de minha autoria, antes publicada no meu Blog pessoal em https://caixapretadasolange.blogspot.com/2015/12/plantao-caixa-preta_21.html. Como não autorizo a publicação de minhas fotos por outros sites/blogs que não o meu, a não ser que sejam compradas, solicito que a retire de sua página ou, caso se interesse, que entre em contato comigo para negociá-la. Aliás, como várias outras fotos aqui não possuem também o nome dos autores e, mesmo as que têm a autoria publicada, como as fotos do site Airliners que vc utilizou, precisam ter autorização dos autores, recomendo que tome o máximo de cuidado com isso. Essa prática (utilização sem solicitar autorização e usar o crédito) você não imagina a dor de cabeça que já deu a muitas pessoas, por isso, recomendo também a seus leitores que evitem isso. O Direito Autoral, no Brasil, é protegido por Lei. Publiquei essa reclamação aqui, em seu ambiente público, pois pode ser que alguns de seus leitores tenham até copiado essas fotos para usar em seus sites pessoais também sem autorização. Fico no aguardo de suas providências. Grande abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lamento e peço desculpas pelo ocorrido, a foto já foi removida. Grato pelo alerta.

      Excluir
  12. Ainda aproveitou para fazer propaganda do blogzinho dela....Isso parece piada.

    ResponderExcluir
  13. Fui comissário da Vasp e voei durante 6 anos nessas belíssimas , confiáveis e confortáveis aeronaves . Quando elas foram encomendadas à fábrica em Toulouse , algumas " inteligências raras " da Vasp pediram que fosse feita uma " pequena" alteração no projeto : a retirada do tanque central criando um espaço considerável p mais carga Os " entendidos " no assunto queriam criar um sistema combo de transporte de carga mais pax. Não deu certo , voltaram a configuração original mas com uma ressalva : por problemas de engenharia e custos , essa bela máquina jamais tornaria a ter de volta seu tanque central , perdendo assim seu estatus de aeronave transcontinental , aumentando os custos das operações ,causando prejuízos a empresa e desconforto aos pax e tripulantes . Para fechar com chave de ouro ,essas três aeronaves perderam seu valor e procura no mercado internacional em razão dessa estupidez. Isto é Brasil....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A retirada do tanque central não foi feita por causa de ninguém da VASP, e sim por exigência do DAC - Departamento de Aviação Civil.

      Excluir
  14. Qdo adolescente na década de 80, nem acreditei como um grande avião de fuselagem larga, poderia operar c sucesso no nosso acanhado aeroporto(Teresina-PI)...ficava surpreso qdo ia embarcar parentes e amigos na formidável aeronave, mas tudo bem, parabéns ao pioneirismo da Vasp naqueles anos saudosos

    ResponderExcluir

Gostou do artigo??? Detestou? Dê a sua opinião sobre o mesmo.