O Brasil é um país de dimensões continentais e, portanto, precisa do transporte aéreo. O avião é uma ferramenta indispensável para o crescimento do país, ainda mais levando-se em consideração a ausência de trens de passageiros, e estradas de rodagem bem degradadas e sem segurança em grande parte do país.
Todavia, o setor aéreo, como um todo, tem sérios problemas no Brasil. A culpa de muitos desses problemas recai em grande parte sobre o governo, mas nem todos.
Talvez o pior problema seja a infraestrutura sobrecarregada. O Governo Michel Temer já deu ciência desse fato, por sinal incontestável, ao presidente eleito Jair Bolsonaro, que terá que lidar com o problema, de um jeito ou de outro.
A falta de infraestrutura adequada tem potencial para, literalmente, estrangular qualquer retomada de crescimento econômico no Brasil. E a situação é extremamente grave. A criação ou reestruturação de aeroportos deveria ser regra, mas é exceção. Nos últimos 30 anos, apenas um grande aeroporto foi construído, o de Natal-São Gonçalo do Amarante. Alguns aeroportos regionais importantes também surgiram, como o de Maringá, no Paraná.
A reestruturação de aeroportos já existentes, infelizmente, se concentrou muito mais na ampliação dos terminais do que na infraestrutura de pistas, pátios e taxiways. Claro que a segunda pista do Aeroporto Internacional de Brasília foi muito bem vinda, assim como a nova pista do Aeroporto de Vitória, mas outros aeroportos muito importantes, como Curitiba e Porto Alegre, carecem de ampliação de suas pistas, hoje totalmente defasadas.
Curitiba é um caso emblemático: os passageiros avaliam muito bem o terminal de passageiros, a melhor avaliação do Brasil, mas algumas empresas operam aeronaves wide-bodies, como o Boeing 747-8 da Cargolux, e o McDonnell-Douglas MD-11 cargo da Lufthansa, entre outros, numa pista de, apenas, 2218 metros de extensão. Existe uma pista auxiliar, que, no entanto, não chega a ter 1800 metros. Levando-se em consideração a elevação de aproximadamente 3000 pés do aeroporto, o que deteriora o desempenho das aeronaves, essas pistas são totalmente inadequadas, e até mesmo inseguras para esse porte de avião.
O Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, também tem problemas parecidos, e com a desvantagem de ter apenas uma pista.
O nível de dificuldade para se construir ou ampliar aeroportos, no Brasil, é extremamente alto. Alguns são incompreensíveis, pois é mais fácil, por exemplo, desapropriar imóveis regularizados, do que remover "comunidades", na verdade imóveis irregulares de invasores de terrenos públicos ou privados, como a terrível Vila Dique, em Porto Alegre, onde o poder público conseguiu desalojar os moradores, mas nem todos. Por sinal, os moradores da Vila Dique jogavam o lixo dentro do terreno do aeroporto. Enquanto isso, a ampliação da pista vai sendo postergada ad aeternum. Ainda existe espaço para construir uma segunda pista, mas, à medida que passa o tempo, a existência dessa área tende a ser ocupada de outras maneiras, o que torna uma segunda pista dificilmente factível.
Outra dificuldade é a Licença Ambiental. Desde 1986, qualquer atividade que possa afetar o meio ambiente deve ter um Estudo de Impactos Ambientais e um Relatório de Impacto no Meio Ambiente (EIA-RIMA) aprovado pelas autoridades ambientais. Obviamente, um aeroporto é uma atividade muito impactante, e, então, obter tal Licença Ambiental pode ser virtualmente impossível na maioria dos casos. Em Londrina, no Paraná, estava em estudo um novo aeroporto para complementar o atual, infelizmente cercado em três quartos pela cidade. A função de tal aeroporto seria atender a região metropolitana de Londrina, especialmente voos de carga, pois estaria melhor localizado, mas foi vetado, pois afetava, segundo alguns ambientalistas, uma "zona de amortecimento" de um parque ambiental, que nem fica tão perto assim da futura localização do aeroporto. E, fim de conversa, não haverá aeroporto novo.
É óbvio que os ambientalistas parecem não se preocupar tanto com as rodovias e seus caminhões, e nem com as lavouras, nem sempre bem conduzidas do ponto de vista ambiental. Atualmente, seus alvos principais são usinas hidrelétricas e aeroportos. Muitos desses ambientalistas sequer são autoridades, pois fazem parte de ONGs, mas são mais ouvidos que os desenvolvimentistas.
Outro problema, no Brasil, é o controle de tráfego aéreo. Esse serviço é prestado pelo Comando da Aeronáutica, através do DECEA - Departamento de Controle do Espaço Aéreo, que faz parte integrante da Força Aérea Brasileira. Embora o sistema de aviação civil tenha saído das mãos dos militares, no geral, com a criação da ANAC e da extinção do DAC - Departamento de Aviação Civil, o controle do tráfego aéreo permaneceu como os militares, pois o sistema foi construído, desde os anos 1970, para atender tanto a defesa aérea quanto o controle de tráfego aéreo.
O sistema de controle de tráfego aéreo está estrangulado, e no limite da sua capacidade operacional. Os governos pouco investiram no sistema nos últimos 30 anos, e pouca coisa mudou desde os anos 1980. O pouco que foi feito foi resultado do trabalho árduo e quase não reconhecido das equipes operacionais, quando deveria ter sido o resultado de uma política pública consistente, que, hoje, simplesmente, não existe.
De fato, mesmo que houvesse um incremento da infraestrutura, a engrenagem iria emperrar no controle. O sistema vive com restrições cada vez maiores, chegando ao ponto de ter que paralisar parte do tráfego, principalmente da aviação geral, para poder operar com segurança. Parece haver um pensamento doutrinário dos anos 1980, a despeito das enormes inovações tecnológicas que aconteceram desde então.
Até mesmo a implantação de tecnologias antigas, como os sistemas de pouso por instrumento, o ILS, que já tem quase 80 anos de uso, parece sempre encontrar obstáculos. O custo é um dos piores, mas as normas técnicas para implantação desses sistemas, ainda muito eficientes, parecem ter sido escritas para os anos 1960, ignorando todas as grandes inovações tecnológicas que surgiram depois.
Por vezes, o sistema chega a impasses tamanhos, que é obrigado a se render. Foi o caso do controle de tráfego de helicópteros sobre a cidade de São Paulo. O número de aeronaves e o tráfego aumentou tanto, que hoje os helicópteros devem, literalmente, se lidar por conta própria, e com as responsabilidades daí decorrentes, sem a intervenção do controle.
Já que foi aberta essa brecha na legislação, o DECEA bem que poderia liberar as aeronaves da aviação geral, que voassem abaixo de certo nível, para voar sem controle, mantendo apenas contato entre elas, nas áreas onde estivessem voando, e ficando o Plano de Voo opcional. Por enquanto, isso parece estar muito distante.
Quando se fala de aviação geral, a impressão que se tem é que tal modalidade de aviação parece estar fadada à extinção. É claro que a grande maioria dos operadores da aviação geral usa aviões e helicópteros para o trabalho. Muitos são executivos, que constante viajam a trabalho e não conseguem ficar dependentes da aviação regular, sob pena de não conseguir manter o controle e a gestão dos seus negócios. Mas, o governo não parece pensar dessa forma.
De fato, a aviação geral parece estar sendo, literalmente, chutada para fora dos aeroportos, especialmente das grandes cidades. Quase não há espaço para a aviação geral operar em Congonhas, São Paulo, mas o uso do aeroporto executivo de Marte parece ser claramente desincentivado, pelo brutal aumento das tarifas aeroportuárias, e o próprio aeroporto parece estar fadado a ser fechado para sempre pelas autoridades. Parece que os governos, tanto federal quanto estadual, não entende que, expulsando os aviões da aviação geral, seus donos também vão embora, assim como os negócios e empregos que criaram na cidade. Quase ninguém usa uma ferramenta tão cara apenas para passear.
Em São Paulo, o aeroporto de aviação geral mais próximo, fora Congonhas e Marte, é Jundiaí, hoje sobrecarregado de operações e escolas, e que sequer tem torre de controle. Jundiaí fica a 57 Km de São Paulo, o que, francamente. desanima até o mais persistente executivo que se utiliza de avião próprio.
A ANAC, em relação ao antigo DAC, sem dúvida, teve algumas evoluções, mas, em muitos casos, estão criando obstáculos imensos para o desenvolvimento da aviação, tanto a comercial quanto a geral. Muitas normas editadas parecem ter sido escritas para uma realidade que não temos aqui no Brasil. Nesse caso, cabe uma parte da culpa aos operadores, pois normas importantes são normalmente colocadas em consulta pública pela agência, e a maioria dos operadores sequer chegam a dar a sua importante opinião.
Algumas normas parecem ter o dom de apenas perturbar os operadores e tripulantes. O preenchimento das cadernetas de registro de horas de voo é um verdadeiro tormento. A ANAC criou um sistema digital, mas ainda exige o preenchimento das cadernetas em papel. Pergunto: para que? O sistema é tão complicado e cheio de melindres que existem pessoas que se especializaram nisso, e cobram caro dos pilotos para fazer uma tarefa que poderia ser bem mais simples e fácil.
A instrução de voo também caminha mal. O serviço é prestado tanto pelos aeroclubes quanto por escolas privadas, mas o sistema tem muitas mazelas. O custo é muito alto, onerando os alunos, que não raro são obrigados a se desfazer até dos bens da família para completar os cursos. Ninguém fabrica aeronaves de instrução adequadas para o mercado brasileiro, e aeronaves usadas em outros países, como os Cessnas 172, tem custo de aquisição e operacional virtualmente incompatíveis para a nossa realidade.
Como resultado, a maioria das escolas de aviação e aeroclube utiliza aeronaves de mais de 30 anos de uso, já muito desgastadas e com peças de reposição raras e caras, e alguns aviões chegam a ter mais de 70 anos de fabricação, como os velhos CAP-4 Paulistinhas, que hoje deveriam estar relegados ao status de relíquias, aeronaves históricas. Seria como se as auto escolas ainda usassem DKWs e Gordinis para dar aulas de direção para os seus alunos.
A ANAC parece incentivar esse status quo: herdeira das aeronaves cedidas em comodato pelo DAC aos aeroclubes, para uso somente na instrução, ainda cobra das instituições a manutenção das aeronaves em uso, qualquer que seja a sua idade e condição. Parece que expressões e palavras como "vida útil", obsolescência, depreciação e falta de peças de reposição não fazem parte do vocabulário dos funcionários da ANAC, tampouco da legislação por ela publicada.
A ANAC chega ao ponto de cobrar a manutenção em voo de aeronaves que foram doadas pelo DAC aos aeroclubes há 30 anos. Tais aeronaves antigas, muitas delas dos anos 1940, aliás, não podem ser vendidas ou alienadas de qualquer forma, e quando um aeroclube fecha, as aeronaves são abandonadas, simplesmente.
Os manuais de curso da ANAC são "engessados", e francamente obsoletos em termos de didática e técnica de ensino, por qualquer parâmetro que se possa analisar. Muitas vezes, os programas são absolutamente impraticáveis, e são cumpridos apenas no papel, não por má fé, mas pela impossibilidade de cumprir os requisitos pedidos. Isso se aplica tanto aos cursos teóricos quanto aos práticos.
Alguns materiais são tão obsoletos, que possuem referência a sistemas há muito desativados, com os sistemas Ômega de navegação, que não existem mais, sua infraestrutura foi demolida, e sequer citam sistemas muito utilizados, como o GPS.
Os cursos de Mecânico de Manutenção de Aeronaves, assim como as bancas avaliadoras da ANAC desses cursos, são baseados em um manual cuja última tradução e atualização ocorreu em 1978, 40 anos atrás. Existem muitas referências nesses manuais a respeito de aeronaves e sistemas que nem existem mais, ou existem como relíquias, como Douglas DC-3 e Boeing 707, e seus sistemas pra lá de antiquados. Existem manuais atualizados desse material, mas estão em inglês e a própria agência parece desincentivar seu uso, a julgar pelas questões aplicadas nas bancas examinadoras, ignorando a evolução tecnológica.
A documentação e a burocracia exigidos pela ANAC para as escolas e aeroclubes é de desanimar qualquer pessoa que se atreva a operar essas empresas. Os aeroclubes estão minguando, e os poucos sobreviventes lutam para sobreviver. Para dar um exemplo das exigências absurdas, um instrutor de simulador básico de voo por instrumentos é obrigado a ter habilitação técnica e exame de saúde válidos para dar instrução, o que afasta experientes comandantes de jato que se aposentaram ou perderam os exames de saúde por alguma doença. Pergunto: para que isso?
Se um dia a demanda por tripulantes aumentar, vai faltar gente para trabalhar, depois que for superada a demanda reprimida pela crise econômica atual.
Manter e operar uma oficina de manutenção aeronáutica exige, então, que seu operador seja meio masoquista. A manutenção pode ser feita de qualquer jeito, mas os inúmeros documentos exigidos tem que estar absolutamente em ordem, pois a grande maioria dos fiscais da ANAC nem chegam perto das aeronaves, querem só ver papéis. A adoção de uma nova legislação, o RBAC 145, torna os processos tão complicados e custosos, que muitos proprietários optam por fechar seus estabelecimentos e mudar de ramo.
Por fim, a aviação comercial não fica isenta de turbulências. Muito pelo contrário. Embora a maior parte da atuação da ANAC diga respeito, prioritariamente, ao serviço de transporte aéreo comercial, as empresas aéreas estão entre os elos mais vulneráveis do sistema. Recentemente, a empresa Avianca Brasil foi obrigada a entrar com um pedido de recuperação judicial, pois já estava inadimplente com fornecedores e lessors de aeronaves, que inclusive chegaram a retomar algumas delas por falta de pagamento do leasing. O caso parece pontual, mas as aparências enganam.
Um dos maiores custos da aviação comercial, no Brasil, combustível, sofre muito com a cobrança desigual, e, muitas vezes, abusiva, de ICMS sobre o preço do querosene. Alguns estados da Federação cobram ICMS tão alto, que as empresas enchem o tanque para a ida e para a volta, evitando abastecer a aeronaves nesses estados. Por fim, acabam por encerrar ou reduzir drasticamente as operações nesses estados, e quem perde é o usuário de transporte aéreo, e o próprio estado.
O governo e a ANAC não têm nenhuma política voltada para o transporte aéreo regional. Com os grandes aeroportos no limite da capacidade, linhas regionais operando ponto a ponto, usando aeronaves turboélice de pequena capacidade, seriam uma ótima solução, mas não existe incentivo e nem uma política consistente para operações de aeronaves de baixa capacidade, e a maioria das grandes empresas prefere operar jatos de médio porte e fazer escalas e conexões nos já abarrotados aeroportos das capitais e grandes metrópoles do interior, o que só piora a situação nesses aeroportos.
O novo governo, do Presidente Jair Bolsonaro, promete algumas ações, mas mesmo assim algumas são polêmicas e altamente questionáveis. Uma delas é a privatização da maioria dos aeroportos comerciais. As concessões serão dadas por lotes de aeroportos, que incluem aeroportos altamente rentáveis e aeroportos deficitários. No caso das ferrovias, cuja privatização aconteceu no tempo no Presidente Fernando Henrique Cardoso, as empresas concessionárias "ficaram com o filé e jogaram fora o osso", e existe a preocupação de que isso ocorra também com os aeroportos. Algumas fontes do governo afirmam que a estatal INFRAERO seja extinta, no máximo, em três anos, o que também é polêmico e de resultados imprevisíveis, já que, apesar de algumas mazelas, a INFRAERO tornou a administração dos aeroporto mais técnica e mais profissional.
A abertura do mercado doméstico para empresas estrangeiras já começou, na prática, já que o governo Michel Temer permitiu capital 100 por cento estrangeiro nas empresas aéreas nacionais. O resultado disso é absolutamente imprevisível. O operador nacional fica em desvantagem ao concorrer com gigantes estrangeiros, que podem fazer práticas proibidas, como o dumping, até quebrar a concorrência. Somos obrigados a considerar que, no Brasil, o crime compensa... Por outro lado, isso pode favorecer o consumidor, mas na prática as consequências disso são absolutamente imprevisíveis.
Esse artigo expressa a minha opinião pessoal, baseada na minha experiência como ex-dirigente de aeroclube e professor de aviação civil, além de ser grande estudioso no assunto. Também vale a minha experiência como piloto e passageiro. Vou assinar o artigo, embora isso não seja usual nos meus artigos nesse blog, que publico há nove anos. Aceito correções, caso tenha cometido algum erro e também opiniões contra e favor, que podem ser colocadas nos comentários, sempre mantendo o devido respeito. Me reservo ao direito de replicar os comentários. Muito obrigado.
JONAS LIASCH
O Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, também tem problemas parecidos, e com a desvantagem de ter apenas uma pista.
Aeroporto Salgado Filho |
O nível de dificuldade para se construir ou ampliar aeroportos, no Brasil, é extremamente alto. Alguns são incompreensíveis, pois é mais fácil, por exemplo, desapropriar imóveis regularizados, do que remover "comunidades", na verdade imóveis irregulares de invasores de terrenos públicos ou privados, como a terrível Vila Dique, em Porto Alegre, onde o poder público conseguiu desalojar os moradores, mas nem todos. Por sinal, os moradores da Vila Dique jogavam o lixo dentro do terreno do aeroporto. Enquanto isso, a ampliação da pista vai sendo postergada ad aeternum. Ainda existe espaço para construir uma segunda pista, mas, à medida que passa o tempo, a existência dessa área tende a ser ocupada de outras maneiras, o que torna uma segunda pista dificilmente factível.
Outra dificuldade é a Licença Ambiental. Desde 1986, qualquer atividade que possa afetar o meio ambiente deve ter um Estudo de Impactos Ambientais e um Relatório de Impacto no Meio Ambiente (EIA-RIMA) aprovado pelas autoridades ambientais. Obviamente, um aeroporto é uma atividade muito impactante, e, então, obter tal Licença Ambiental pode ser virtualmente impossível na maioria dos casos. Em Londrina, no Paraná, estava em estudo um novo aeroporto para complementar o atual, infelizmente cercado em três quartos pela cidade. A função de tal aeroporto seria atender a região metropolitana de Londrina, especialmente voos de carga, pois estaria melhor localizado, mas foi vetado, pois afetava, segundo alguns ambientalistas, uma "zona de amortecimento" de um parque ambiental, que nem fica tão perto assim da futura localização do aeroporto. E, fim de conversa, não haverá aeroporto novo.
Aeroporto de Londrina |
É óbvio que os ambientalistas parecem não se preocupar tanto com as rodovias e seus caminhões, e nem com as lavouras, nem sempre bem conduzidas do ponto de vista ambiental. Atualmente, seus alvos principais são usinas hidrelétricas e aeroportos. Muitos desses ambientalistas sequer são autoridades, pois fazem parte de ONGs, mas são mais ouvidos que os desenvolvimentistas.
Outro problema, no Brasil, é o controle de tráfego aéreo. Esse serviço é prestado pelo Comando da Aeronáutica, através do DECEA - Departamento de Controle do Espaço Aéreo, que faz parte integrante da Força Aérea Brasileira. Embora o sistema de aviação civil tenha saído das mãos dos militares, no geral, com a criação da ANAC e da extinção do DAC - Departamento de Aviação Civil, o controle do tráfego aéreo permaneceu como os militares, pois o sistema foi construído, desde os anos 1970, para atender tanto a defesa aérea quanto o controle de tráfego aéreo.
(FAB) |
O sistema de controle de tráfego aéreo está estrangulado, e no limite da sua capacidade operacional. Os governos pouco investiram no sistema nos últimos 30 anos, e pouca coisa mudou desde os anos 1980. O pouco que foi feito foi resultado do trabalho árduo e quase não reconhecido das equipes operacionais, quando deveria ter sido o resultado de uma política pública consistente, que, hoje, simplesmente, não existe.
De fato, mesmo que houvesse um incremento da infraestrutura, a engrenagem iria emperrar no controle. O sistema vive com restrições cada vez maiores, chegando ao ponto de ter que paralisar parte do tráfego, principalmente da aviação geral, para poder operar com segurança. Parece haver um pensamento doutrinário dos anos 1980, a despeito das enormes inovações tecnológicas que aconteceram desde então.
Antenas de localizador de ILS |
Por vezes, o sistema chega a impasses tamanhos, que é obrigado a se render. Foi o caso do controle de tráfego de helicópteros sobre a cidade de São Paulo. O número de aeronaves e o tráfego aumentou tanto, que hoje os helicópteros devem, literalmente, se lidar por conta própria, e com as responsabilidades daí decorrentes, sem a intervenção do controle.
Já que foi aberta essa brecha na legislação, o DECEA bem que poderia liberar as aeronaves da aviação geral, que voassem abaixo de certo nível, para voar sem controle, mantendo apenas contato entre elas, nas áreas onde estivessem voando, e ficando o Plano de Voo opcional. Por enquanto, isso parece estar muito distante.
Quando se fala de aviação geral, a impressão que se tem é que tal modalidade de aviação parece estar fadada à extinção. É claro que a grande maioria dos operadores da aviação geral usa aviões e helicópteros para o trabalho. Muitos são executivos, que constante viajam a trabalho e não conseguem ficar dependentes da aviação regular, sob pena de não conseguir manter o controle e a gestão dos seus negócios. Mas, o governo não parece pensar dessa forma.
Aeroporto de Jundiaí |
A ANAC, em relação ao antigo DAC, sem dúvida, teve algumas evoluções, mas, em muitos casos, estão criando obstáculos imensos para o desenvolvimento da aviação, tanto a comercial quanto a geral. Muitas normas editadas parecem ter sido escritas para uma realidade que não temos aqui no Brasil. Nesse caso, cabe uma parte da culpa aos operadores, pois normas importantes são normalmente colocadas em consulta pública pela agência, e a maioria dos operadores sequer chegam a dar a sua importante opinião.
Algumas normas parecem ter o dom de apenas perturbar os operadores e tripulantes. O preenchimento das cadernetas de registro de horas de voo é um verdadeiro tormento. A ANAC criou um sistema digital, mas ainda exige o preenchimento das cadernetas em papel. Pergunto: para que? O sistema é tão complicado e cheio de melindres que existem pessoas que se especializaram nisso, e cobram caro dos pilotos para fazer uma tarefa que poderia ser bem mais simples e fácil.
A instrução de voo também caminha mal. O serviço é prestado tanto pelos aeroclubes quanto por escolas privadas, mas o sistema tem muitas mazelas. O custo é muito alto, onerando os alunos, que não raro são obrigados a se desfazer até dos bens da família para completar os cursos. Ninguém fabrica aeronaves de instrução adequadas para o mercado brasileiro, e aeronaves usadas em outros países, como os Cessnas 172, tem custo de aquisição e operacional virtualmente incompatíveis para a nossa realidade.
Aeroclube de São Paulo |
Como resultado, a maioria das escolas de aviação e aeroclube utiliza aeronaves de mais de 30 anos de uso, já muito desgastadas e com peças de reposição raras e caras, e alguns aviões chegam a ter mais de 70 anos de fabricação, como os velhos CAP-4 Paulistinhas, que hoje deveriam estar relegados ao status de relíquias, aeronaves históricas. Seria como se as auto escolas ainda usassem DKWs e Gordinis para dar aulas de direção para os seus alunos.
Piper fabricado em 1950, ainda na ativa |
A ANAC parece incentivar esse status quo: herdeira das aeronaves cedidas em comodato pelo DAC aos aeroclubes, para uso somente na instrução, ainda cobra das instituições a manutenção das aeronaves em uso, qualquer que seja a sua idade e condição. Parece que expressões e palavras como "vida útil", obsolescência, depreciação e falta de peças de reposição não fazem parte do vocabulário dos funcionários da ANAC, tampouco da legislação por ela publicada.
A ANAC chega ao ponto de cobrar a manutenção em voo de aeronaves que foram doadas pelo DAC aos aeroclubes há 30 anos. Tais aeronaves antigas, muitas delas dos anos 1940, aliás, não podem ser vendidas ou alienadas de qualquer forma, e quando um aeroclube fecha, as aeronaves são abandonadas, simplesmente.
Os manuais de curso da ANAC são "engessados", e francamente obsoletos em termos de didática e técnica de ensino, por qualquer parâmetro que se possa analisar. Muitas vezes, os programas são absolutamente impraticáveis, e são cumpridos apenas no papel, não por má fé, mas pela impossibilidade de cumprir os requisitos pedidos. Isso se aplica tanto aos cursos teóricos quanto aos práticos.
Alguns materiais são tão obsoletos, que possuem referência a sistemas há muito desativados, com os sistemas Ômega de navegação, que não existem mais, sua infraestrutura foi demolida, e sequer citam sistemas muito utilizados, como o GPS.
Os cursos de Mecânico de Manutenção de Aeronaves, assim como as bancas avaliadoras da ANAC desses cursos, são baseados em um manual cuja última tradução e atualização ocorreu em 1978, 40 anos atrás. Existem muitas referências nesses manuais a respeito de aeronaves e sistemas que nem existem mais, ou existem como relíquias, como Douglas DC-3 e Boeing 707, e seus sistemas pra lá de antiquados. Existem manuais atualizados desse material, mas estão em inglês e a própria agência parece desincentivar seu uso, a julgar pelas questões aplicadas nas bancas examinadoras, ignorando a evolução tecnológica.
A documentação e a burocracia exigidos pela ANAC para as escolas e aeroclubes é de desanimar qualquer pessoa que se atreva a operar essas empresas. Os aeroclubes estão minguando, e os poucos sobreviventes lutam para sobreviver. Para dar um exemplo das exigências absurdas, um instrutor de simulador básico de voo por instrumentos é obrigado a ter habilitação técnica e exame de saúde válidos para dar instrução, o que afasta experientes comandantes de jato que se aposentaram ou perderam os exames de saúde por alguma doença. Pergunto: para que isso?
Se um dia a demanda por tripulantes aumentar, vai faltar gente para trabalhar, depois que for superada a demanda reprimida pela crise econômica atual.
Manter e operar uma oficina de manutenção aeronáutica exige, então, que seu operador seja meio masoquista. A manutenção pode ser feita de qualquer jeito, mas os inúmeros documentos exigidos tem que estar absolutamente em ordem, pois a grande maioria dos fiscais da ANAC nem chegam perto das aeronaves, querem só ver papéis. A adoção de uma nova legislação, o RBAC 145, torna os processos tão complicados e custosos, que muitos proprietários optam por fechar seus estabelecimentos e mudar de ramo.
Por fim, a aviação comercial não fica isenta de turbulências. Muito pelo contrário. Embora a maior parte da atuação da ANAC diga respeito, prioritariamente, ao serviço de transporte aéreo comercial, as empresas aéreas estão entre os elos mais vulneráveis do sistema. Recentemente, a empresa Avianca Brasil foi obrigada a entrar com um pedido de recuperação judicial, pois já estava inadimplente com fornecedores e lessors de aeronaves, que inclusive chegaram a retomar algumas delas por falta de pagamento do leasing. O caso parece pontual, mas as aparências enganam.
Airbus da Avianca Brasil |
Um dos maiores custos da aviação comercial, no Brasil, combustível, sofre muito com a cobrança desigual, e, muitas vezes, abusiva, de ICMS sobre o preço do querosene. Alguns estados da Federação cobram ICMS tão alto, que as empresas enchem o tanque para a ida e para a volta, evitando abastecer a aeronaves nesses estados. Por fim, acabam por encerrar ou reduzir drasticamente as operações nesses estados, e quem perde é o usuário de transporte aéreo, e o próprio estado.
O governo e a ANAC não têm nenhuma política voltada para o transporte aéreo regional. Com os grandes aeroportos no limite da capacidade, linhas regionais operando ponto a ponto, usando aeronaves turboélice de pequena capacidade, seriam uma ótima solução, mas não existe incentivo e nem uma política consistente para operações de aeronaves de baixa capacidade, e a maioria das grandes empresas prefere operar jatos de médio porte e fazer escalas e conexões nos já abarrotados aeroportos das capitais e grandes metrópoles do interior, o que só piora a situação nesses aeroportos.
O novo governo, do Presidente Jair Bolsonaro, promete algumas ações, mas mesmo assim algumas são polêmicas e altamente questionáveis. Uma delas é a privatização da maioria dos aeroportos comerciais. As concessões serão dadas por lotes de aeroportos, que incluem aeroportos altamente rentáveis e aeroportos deficitários. No caso das ferrovias, cuja privatização aconteceu no tempo no Presidente Fernando Henrique Cardoso, as empresas concessionárias "ficaram com o filé e jogaram fora o osso", e existe a preocupação de que isso ocorra também com os aeroportos. Algumas fontes do governo afirmam que a estatal INFRAERO seja extinta, no máximo, em três anos, o que também é polêmico e de resultados imprevisíveis, já que, apesar de algumas mazelas, a INFRAERO tornou a administração dos aeroporto mais técnica e mais profissional.
A abertura do mercado doméstico para empresas estrangeiras já começou, na prática, já que o governo Michel Temer permitiu capital 100 por cento estrangeiro nas empresas aéreas nacionais. O resultado disso é absolutamente imprevisível. O operador nacional fica em desvantagem ao concorrer com gigantes estrangeiros, que podem fazer práticas proibidas, como o dumping, até quebrar a concorrência. Somos obrigados a considerar que, no Brasil, o crime compensa... Por outro lado, isso pode favorecer o consumidor, mas na prática as consequências disso são absolutamente imprevisíveis.
Esse artigo expressa a minha opinião pessoal, baseada na minha experiência como ex-dirigente de aeroclube e professor de aviação civil, além de ser grande estudioso no assunto. Também vale a minha experiência como piloto e passageiro. Vou assinar o artigo, embora isso não seja usual nos meus artigos nesse blog, que publico há nove anos. Aceito correções, caso tenha cometido algum erro e também opiniões contra e favor, que podem ser colocadas nos comentários, sempre mantendo o devido respeito. Me reservo ao direito de replicar os comentários. Muito obrigado.
JONAS LIASCH
Que legal esse artigo. O panorama é nebuloso!!!
ResponderExcluirConcordo com suas palavras. Tenho uma curiosidade grande do que virá daqui pra frente. Espero que tudo melhore para o ramo da Aviação no Brasil.
ResponderExcluirEstá precisando acontecer aqui o que aconteceu nos EUA já há 40 anos: voem para onde quiserem, com o equipamento que quiserem e cobrando o que puderem. E, principalmente, desonerar os serviços.
ResponderExcluirMas nossa aviação já assim, desde os tempos do Collor. Deveriam fazer isso é no transporte rodoviário intermunicipal e interestadual de ônibus, esse sim regulamentado ao extremo.
ExcluirVerdade
ExcluirInfelizmente nao há perspectiva de melhora. A tendência no Br é "ir deixando". A falta de visão fará com que o setor entre em colapso no futuro. Sem escolas e sem oficinas logo sem aviaçao executiva e logo sem comercial, ou creem que os tripulantes vão "cair do céu"?
ResponderExcluirboa tarde Jonas
ResponderExcluirgostaria de lhe perguntar sobre alguns eventos de pilotos de londrina.
seria possivel enviar-lhe email?
Pois não, fique à vontade. jonas.liasch&gmail.com
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