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sábado, 4 de setembro de 2010

Boeing 2707 SST: como seria o "Concorde" americano?

No início da década de 1960, o mundo mal tinha entrado na era do jato. Os Boeing 707 e Douglas DC-8 eram ainda quase novidade no mercado, e estavam revolucionando a aviação, pois praticamente duplicaram a velocidade dos voos comerciais quando foram introduzidos.

Mas uma nova revolução estava em curso. O próximo passo seria introduzir aviões supersônicos em serviço. Na aviação militar, os supersonicos já voavam há anos, e parecia mera questão de tempo para que os então novíssimos 707 e DC-8 fossem relegados ao transporte de carga, enquanto os passageiros cruzariam os céus duas vezes acima da velocidade do som.

A Boeing estudava o projeto de uma aeronave comercial supersônica desde 1952, e por volta de 1958, estabeleceu um comitê de engenharia que propôs uma grande variedade de configurações para o denominado Projeto 733. A configuração de asas em delta era a favorita, mas até mesmo uma asa de geometria variável, cujo enflechamento variava com a velocidade foi proposta.

Por volta de 1960, um milhão de dólares já tinham sido investidos em tal projeto.Entretanto, os estudos e pesquisas caminhavam calmamente, e não parecia haver intenção de produzir um grande supersônico comercial em futuro próximo.

Tudo isso mudou subitamente em 1962, quando se tornou evidente que a empresa britânica Bristol Aeroplane Company e a francesa Sud Aviation estavam formando um consórcio binacional para produzir o primeiro supersônico comercial. Em novembro desse ano, o consórcio anunciou que construiria uma aeronave denominada Concorde. Os americanos ficaram em pânico, pois todo mundo achava que, nas décadas seguintes, os aviões de passageiros seriam todos supersônicos, e os europeus estavam claramente disparando na frente.

Reagindo ao projeto europeu, em 5 de junho de 1963, o Presidente americano John F. Kennedy anunciou a criação do programa National Supersonic Transport, no qual o governo iria subsidiar em até 75 por cento os custos de desenvolvimento de uma aeronave supersônica comercial capaz de enfrentar a "ameaça" do Concorde.

Na verdade, os americanos eram mais ousados, e não pretendiam simplesmente oferecer um simples concorrente do Concorde: o supersônico americano deveria levar 250 passageiros , mais que o dobro da capacidade do Concorde, e voar entre Mach 2,5 e Mach 3, com um alcance de mais de 7 mil Km.

Os projetistas do Concorde limitaram deliberadamente a velocidade da aeronave a Mach 2,2, pois essa era a velocidade máxima suportada por uma aeronave construída em ligas de alumínio. Em velocidades supersônicas mais altas, o aquecimento dinâmico, resultante da compressibilidade e do atrito com o ar, poderia comprometer a resistência estrutural do alumínio, e construir a aeronave em ligas de aço inoxidável ou titânio, mesmo que tecnicamente viável, seria proibitivamente caro.

Os americanos, no entanto, tinham uma vantagem técnica nesse assunto. A North Americam tinha produzido um protótipo de bombardeiro capaz de atingir Mach 3, o XB-70 Valkyre, e que tinha o alcance de 7 mil Km voando a 77 mil pés. Esse avião utilizou-se largamente de ligas de aço inoxidável em sua construção, para superar as limitações das ligas de alumínio, e o mesmo poderia ser feito no novo supersônico comercial americano.

Ainda que o projeto XB-70 tivesse sido cancelado prematuramente devido ao desenvolvimento de eficientes sistemas de mísseis terra-ar, seus dois protótipos foram mantidos em serviço, como banco de testes para o desenvolvimento de aeronaves civis de alta velocidade, pela NASA. O Concorde parecia estar muito próximo de ser superado antes sequer que fizesse seu primeiro voo.

Na concorrência para o projeto National Supersonic Transport. participaram os fabricantes de aeronaves North American, Lockheed e Boeing, e os fabricantes de motores Curtiss-Wright, Pratt & Whitney e General Eletric. Os projetos preliminares foram apresentados ao FAA - Federal Aviation Administration, em 15 de janeiro de 1964. O projeto da North American consistia praticamente em um XB-70 ampliado e com fuselagem mais larga, e o da Lockheed em uma aeronave bastante similar ao Concorde, mas de maior tamanho. A North American e a Curtiss-Wright acabaram eliminadas da concorrência antes da apresentação final dos projetos.
O projeto da Boeing, o Model 733-197, também denominado Model 2707, apresentava asas de geometria variável. Quatro motores turbojatos com pós-combustores seriam montados abaixo das asas em naceles individuais. A designação 2707 ficou mais conhecida pelo público, embora a Boeing continuasse a se referir ao modelo como Model 733.

Com a eliminação da Curtiss-Wright, os fabricantes de células foram instruídos a selecionar um dos dois motores restantes na competição, e a Boeing aproveitou para dar um upgrade no seu projeto, pois a fuselagem foi ampliada e os motores foram reposicionados logo abaixo dos estabilizadores. As asas ficavam em tal posição que, em alta velocidade ,praticamente se juntavam aos estabilizadores horizontais, formando um desenho em delta. Tal modificação criou o modelo 733-290.

A FAA solicitou às empresas concorrentes que refinassem seus projetos para a seleção final, que aconteceu em setembro de 1966, e a Boeing apresentou nessa seleção um novo modelo, denominado 733-390, dessa vez com capacidade para 300 passageiros. A Boeing foi finalmente declarada vencedora da concorrência, em 31 de dezembro de 1966. Os motores selecionados foram os enormes General Eletric GE4/J5 (foto acima),  com eixo único e pós combustores. Foram os mais poderosos motores do seu tempo, capazes de fornecer 50 mil libras-força de empuxo sem pós-combustão e 65 mil libras-força, com pós-combustão.

O Model 733-390 era um projeto muito interessante e inovador. Seria uma aeronave wide-body, de dois corredores, com poltronas dispostas em 7 fileiras em configuração 2-3-2, consideravelmente mais larga do que qualquer avião então em serviço, já que o Boeing 747 ainda não estava voando.

O avião teria refinamentos que somente seriam encontrados nos aviões décadas mais tarde. Os 247 passageiros da classe turística teriam telas de vídeo na razão de uma para cada seis assentos, logo abaixo dos bins, e os 30 passageiros da primeira classe seriam contemplados com uma tela de vídeo para cada dois assentos. Entretanto, como o avião voaria acima do FL 700, as janelas eram muito pequenas, apenas 6 polegadas, embora o painel interno tivesse 12 polegadas para dar a ilusão de maior tamanho..
A Boeing previa que, assim que o projeto fosse liberado, que poderia começar a construir os protótipos já no começo de 1967, e que o primeiro voo poderia ocorrer no início de 1970. A certificação e entrada em serviço estavam previstos para meados de 1974.

Tão logo os engenheiros começaram os trabalhos, apareceram os primeiros problemas. O sistema de geometria variável logo demonstrou ter peso inaceitável, e em outubro de 1968 a Boeing foi forçada a eliminar o sistema em favor de uma asa fixa em delta. A capacidade de passageiros foi reduzida para 234 assentos. O modelo resultante dessas alterações foi denominado Boeing 2707-300. A construção de um novo mock-up de madeira em escala integral e de dois protótipos foi iniciada em setembro de 1969. O projeto já estava com dois anos de atraso, e o Concorde franco-britânico, a essa altura, já tinha feito seu primeiro voo com sucesso, em 2 de  março do mesmo ano.
O projeto do 2707 não ia bem. A Boeing fez um filme promocional, enfatizando que em pouco tempo o custo de produção seria absorvido, e que os novos aviões comerciais que então entraram em serviço, como o McDonnell-Douglas DC-10 e o 747, da própria Boeing, seria apenas modelos transitórios, antes da grande era supersônica.

Na verdade, os supersônicos sofreram grande oposição, especialmente por parte dos ambientalistas. O maior problema era o estrondo sônico, que resulta da onda de choque produzida pela aeronave quando a mesma ultrapassa a velocidade do som. Um "Manual do Boom Sônico", escrito por William Shurcliff, afirmava que um único vôo “deixaria uma zona de estrondo de 50 milhas de largura por 2.000 milhas de comprimento”, que causariam sérios problemas para a população e meio ambiente na área sobrevoada. Outros ambientalistas afirmavam que os óxidos de nitrogênio emitidos pelos motores em grande altitude poderiam afetar a camada de ozônio da estratosfera. Moradores das imediações dos aeroportos se juntaram aos opositores do projeto, pois motores com pós-combustão são realmente ensurdecedores na decolagem.

Testes de voo supersônico sobre regiões habitadas dos Estados Unidos, com as aeronaves de pesquisa XB-70, confirmaram problemas para as áreas sobrevoadas. A cidade de Oklahoma City foi sobrevoada a grande altitude por um XB-70, em 1965, e nada menos que 9594 queixas foram registrada pelas autoridades contra o ruído produzido pelo avião.

Logo, voos supersônicos foram proibidos sobre todo o território dos Estados Unidos. Normas de limitação de ruído de aeronaves foram publicadas, o que praticamente inviabilizava a operação do Boeing SST em aeroportos americanos. O projeto parecia cada vez mais fadado ao fracasso.

No Congresso dos Estados Unidos, os parlamentares de esquerda também se opunham a projetos que subsidiavam empreitadas privadas com dinheio público. O projeto do SST precisava de mais dinheiro, mas as fontes estavam secando.

Finalmente, em 1971, embora o encerramento do projeto pudesse causar a demissão de mais de 13 mil empregados envolvidos diretamente no projeto, o Congresso votou contra novos subsídios necessários para a conclusão do SST, ainda que o governo Nixon apoiasse fortemente o programa. A votação foi apertada, 215 votos contra 204 a favor do SST. O SST americano estava morto.

A essa altura, 115 aeronaves SST já haviam sido encomendadas por 25 empresas aéreas, contra 74 aeronaves, por 16 empresas, que encomendaram o Concorde. A Boeing acabou demitindo, por conta do encerramento do projeto SST, outros contratos governamentais e redução da demanda comercial, mais de 60 mil trabalhadores. O SST ficou conhecido como "o avião que quase comeu Seattle".

Os dois protótipos em construção jamais foram terminados. O Boeing 2707 SST acabou virando, de certa forma, um tabu dentro da empresa. O Museu da Boeing possui uma seção de aeronaves supersônicas, mas a grande estrela do museu é justamente um Concorde, que está muito perto do edifício onde foi construído o mock-up do B2707 SST, que seria seu grande concorrente. No Museu, quase nada existe sobre o SST.

De certa forma, o fracasso do Boeing 2707 SST veio em boa hora. As aeronaves supersônicas de passageiros jamais foram viáveis economicamente. Os árabes, durante a Guerra do Yon Kippur, em 1973, impuseram o "Choque do Petróleo", evento que, por si só, determinaria a morte de qualquer sonho de voos supersônicos de passageiros pelo mundo afora. O jato russo Tupolev Tu-144 teve vida curta em serviço, e o Concorde, subsidiado pelos governos da França e do Reino Unido, permaneceu em serviço de 1976 a 2003, num serviço altamente restrito e de elite, e mais como um tributo à capacidade técnica européia do que como serviço comercial economicamente viável.

O projeto do SST deixou um importante legado técnico à Boeing e à aviação como um todo, especialmente suas asas de perfil supercrítico, hoje usadas amplamente na aviação civil. Seattle sobreviveu ao SST, pois a Boeing logo se recuperou, na esteira do sucesso dos Boeing 747 e 737, dois dos maiores sucessos da aviação comercial na história. O Concorde também deixou seu legado, pois do projeto binacional nasceu o grupo Airbus, hoje o principal concorrente da Boeing.
 Um dos mock-ups de madeira do 2707 ficou exposto em Kissimmee, na Flórida,  entre 1973 a 1981. Atualmente está em exposição no museu da aviação Hiller, em San Carlos, Califórnia. Os protótipos inacabados viraram sucata.

O voo comercial supersônico hoje parece muito distante, devido às implicações ambientais e ao seu próprio custo, hoje quase proibitivo. O Boeing 2707 SST seria uma aeronave fascinante, e é realmente uma pena que nunca tenha voado, sequer como protótipo. O Concorde, quando deixou de voar definitivamente em 2003, deixou no ar uma impressão de retrocesso tecnológico, pois há poucos anos atrás era possível sair de Londres no começo da noite para jantar em Nova York, e hoje isso não passa de um sonho.

5 comentários:

  1. Poxa uma pena mesmo, quando eu era pequeno sonhava em voar no concorde, estamos em retrocesso!

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  2. Po cara, adorei essa matéria!!! Muito boa mesmo!! vou até adotar seu blog como favorito, pois tem matérias muito interessantes!!!
    Eu sempre quis viajar num concorde, mas o fato de não termos mais o concorde não significa um retrocesso e sim um avanço, pois a tecnologia de um SST é muito cara e não só economicamente, mas gastava muita energia, casava impactos negativos nas vidas das pessoas e no ambiente, tudo isso em prol de um luxo, não uma necessidade, pois se o fosse ainda teríamos o concorde em operação.
    A importancia deste fato é também obrigar o ser humano a desenvolver a mesma tecnologia ou melhor com melhor rendimento, impactos bem menores e em prol de uma necessidade real, não somente um luxo de algumas pessoas.
    Sou estudante de engenharia mecânica no Rio de Janeiro e sou apaixonado por pelas ciências aeronáticas!
    Sempre que eu puder passarei aqui!!
    Forte Abraço!!!

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  3. Matéria muito boa, dá de 10 a zero na da wikipedia

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  4. Matéria excelente. O SST seria um avião fantástico, mas hoje em dia seria ultrapassado.
    Seus enormes motores General Electric, seriam fracos e barulhentos para os dias atuais, mas mesmo assim seria um avião espetacular, tanto pelo seu desenho que acho o supersonico mais bonito de todos, quanto pelo tamanho, pois teria 93 metros de comprimento sendo mais comprido que o Antonov AN-225 o maior avião do mundo.
    Um lindo sonho que não vingou e hoje estaria jogado em algum deserto ou museu.

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