Talvez um dos mais interessantes conceitos de aerodinâmica de aeronaves seja o das asas voadoras. É sabido que as fuselagens contribuem para uma grande parcela do arrasto parasita produzido pelos aviões. Se fosse possível eliminar a fuselagem, e transportar os tripulantes e a carga útil dentro das asas, teoricamente a aeronave resultante seria muito mais eficiente.
Baseado nesse princípio, a fábrica americana Northrop Corporation, baseada na Califórnia, produziu diversas aeronaves do tipo "asa voadora", aeronaves sem fuselagem e sem empenagem, com o apoio da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos. A maioria tinha problemas sérios e jamais entrou em serviço ativo, mas o conceito finalmente se provou válido, quase cinquenta anos depois de experimentado pela primeira vez.
A primeira asa voadora da Northrop foi uma pequena aeronave de "prova de conceito", o N-1M, um pequeno aviao desenvolvido entre 1939 e 1940 (foto acima), equipado com dois motores Continental O-145 de 65 HP de potência cada um. O primeiro voo foi realizado a partir do Lago Seco Baker, na Califórnia, em 1º de julho de 1941. Era pouco potente e instável, mas tinha boa eficiência aerodinâmica, e iniciou uma linhagem de asas voadoras que terminaria no formidável B-2 Spirit, uma das mais eficientes aeronaves militares da atualidade.
No ano seguite, a Northrop construiu e fez voar o N-9M. Esse avião fazia parte de um projeto que Jack Northrop tentava vender para a Força Aérea do Exército ainda durante a Segunda Guerra Mundial, o B-35, um enorme bombardeiro estratégico do tipo "asa voadora" de quatro motores. Na verdade, o N-9M era praticamente um B-35 em escala de um terço, e serviria para testar a aerodinâmica do bombardeiro antes de se construir um custoso protótipo em escala integral. O primeiro voo dessa aeronave ocorreu em 27 de dezembro de 1942.
O N-9M era construído quase todo em madeira, com a seção central da asa constituída de uma estrutura metálica tubular. Era propulsionado por dois motores Menasco C65-1, de 290 HP cada um. Quatro protótipos foram produzidos, um deles com motores Franklin de 400 HP. Quase todos os 45 voos de prova terminaram com uma pane ou outra, especialmente nos motores Menasco. Um dos N-9M sofreu um acidente em 19 de maio de 1943, próximo de Muroc Air Field, no Lago Seco Rogers, depois que o piloto Max Constant, não conseguiu recuperar a aeronave de um parafuso induzido por uma pane de motor.
O B-35 era um ambicioso bombardeiro estratégico de 4 motores Pratt & Whitney R-4360, de 3.000 HP cada um. Deveria levar 23 toneladas de bombas a 13 mil km de distância, voando a 393 MPH a 39 mil pés. O contrato da Força Aérea previa a aquisição de 200 aeronaves. O primeiro protótipo voou em junho de 1946.
A Northrop construiu inicialmente 2 protótipos XB-35 (foto abaixo), que tinham motores Pratt & Whitney R4360 e hélices contra rotativas coaxiais. Esse grupo motopropulsor apresentou muitos problemas na caixa de redução e, depois de apenas 19 voos de teste, o primeiro protótipo foi re-equipado com hélices quadripás simples. O segundo protótipo sofreu a mesma modificação depois de apenas 8 voos de teste. A troca de hélices mostrou-se decepcionante, pois apareceram problemas de vibração e o desempenho caiu consideravelmente.
A Força Aérea contratou a produção de 13 aeronaves de pré-produção YB-35, mas apenas uma dessas aeronaves chegou efetivamente a voar. O segundo exemplar, ainda incompleto, foi sucateado, e os outros onze deveriam ser convertidos para utilizar motores a jato. Tornariam-se parte de outro programa, o B-49. Os motores a pistão estavam se tornando então rapidamente obsoletos, especialmente para aeronaves militares, e o programa B-35 foi finalmente cancelado.
Três aeronaves YB-49 foram construídas a partir da conversão dos cancelados YB-35, e começaram seus testes a partir de 21 de outubro de 1947, data do primeiro voo do avião. Os YB-49 eram equipados com 8 motores turbojatos Allison-General Eletric J-35 A-5, de 4.000 libras de empuxo cada um, com exceção do protótipo denominado YRB-49A, que tinha apenas 6 motores., dois dos quais montados em naceles abaixo das asas.
Os YB-49 revelaram-se muito mais promissores que seus antecessores YB-35, inclusive batendo recordes, como a travessia intercontinental entre Muroc e Andrews AFB em 4 horas e 20 minutos. O segundo YB-49 sofreu um acidente fatal em 5 de junho de 1948, matando seu piloto Daniel Forbes, o co-piloto Glenn Edwards e mais 3 membros da tripulação. Ambos os pilotos tiveram seus nomes posteriormente dados à bases aéreas da USAF. A causa da acidente foi uma falha estrutural completa, com separação das asas da seção central, provavelmente como consequência de esforços extremos em manobras de recuperação de estol em alta velocidade.
O primeiro protótipo foi destruído em um acidente ocorrido durante testes de táxi em alta velocidade. O trem de pouso do nariz vibrou excessivamente e quebrou-se. A aeronave acabou pegando fogo na sequência e foi inteiramente destruída. No mesmo dia, 15 de março de 1950, o programa B-49 foi cancelado definitivamente, e as aeronaves remanescentes, ainda incompletas, foram sucateadas (foto abaixo). O YRB-49 voaria até 26 de abril de 1951, sendo sucateado em dezembro de 1953.
A Northrop sobreviveu ao insucesso de suas revolucionárias aeronaves, produzindo aeronaves mais "convencionais" de sucesso, como os F-89 Scorpion, F-5 Tiger e T-38 Talon. Mas não desistiu das asas voadoras.
No início dos anos 80, o Departamento da Defesa americano procurava um bombardeiro stealth, que pudesse penetrar e atacar áreas fortemente defendidas sem aparecer no radar inimigo. A Northrop apresentou então uma nova asa voadora. Os antigos problemas de instabilidade dessas aeronaves puderam ser resolvidos com tecnologia, utilizando comandos de voo do tipo Fly-by-Wire. Finalmente, depois de grandes controvérsias no Congresso Americano, devido ao custo do programa, o Governo adquiriu 21 aeronaves Northrop B-2 Spirit, ao preço de US$ 737 milhões de dólares cada um. O primeiro desses aviões voou pela primeira vez em 17 de julho de 1989. Contando com os custos de desenvolvimento, o projeto custou aos americanos US$ 44,75 bilhões de doláres, o que dá cerca de US$ 2,1 bilhões por aeronave produzida. A última versão das asas voadoras da Northrop tornou-se enfim um sucesso, já que em 12 anos de serviço nenhuma dessas aeronaves sofreu qualquer baixa em combate, embora sejam intensamente usadas, e apenas uma acidentou-se em 2008. O B-2, entretanto, merece um artigo à parte.
De todas as asas voadoras produzidas pela Northrop, sobrevivem em museus o N1-M, exposto no Steven F. Udvar-Hazy Center em Washington, um dos quatro N-9M, restaurado em condições de vôo por entusiastas do Planes of Fame, um Museu de Chino, Califórnia, e um protótipo não voador do B-2 destruído em testes estruturais, mas reconstruído cuidadosamente e exposto hoje no National Museum of USAF perto de Dayton, Ohio. Nenhum exemplar dos protótipos B-35 e B-49 existe mais. Vinte B-2 permanecem em serviço ativo na USAF.
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Esse artigo me foi sugerido pelo meu amigo Emerson Daniel, que me mandou uma foto do B-49 intitulada "O avô do B-2". Aí acabei levantando a genealogia inteira dessas fascinantes asas voadoras.
ResponderExcluirObrigado pela lembrança, meu amigo e parabéns pelo excelente artigo. Continue nos presenteando com mais histórias sobre aviação! Um abraço
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