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terça-feira, 29 de setembro de 2009

Ruben Berta e a Varig

A aviação comercial sempre foi um negócio difícil e problemático, o que exige bastante dos seus gestores. Várias empresas aéreas somente prosperaram graças à garra e a perspicácia de seus presidentes, e, na aviação brasileira, três empresários merecem, sem dúvida, um lugar de destaque: Ruben Martin Berta, Rolim Adolfo Amaro e Omar Fontana. Cada um deles merece um artigo individual nesse espaço.
Ruben Martin Berta era um gaúcho de Porto Alegre, nascido em 1907. Até os 13 anos de idade, enquanto os garotos de sua idade brincavam nas ruas, ele frequentava a biblioteca de um vizinho. Quando o pai ficou doente, empregou-se na loja de tecidos do seu padrinho para ajudar no sustento da casa. Em 1927, quando tinha 19 anos de idade, viu um anúncio publicado nos jornais de Porto Alegre, oferecendo uma vaga de trabalho na Varig - Empresa de Viação Aérea Riograndense. A empresa nem ainda existia, e o emprego era para fazer de tudo um pouco.

Sua mãe ficou furiosa quando Ruben resolveu trocar de emprego. Considerava (com uma certa razão) a aviação um negócio perigoso e abominava ver seu filho trocar o certo pelo duvidoso. Rubem dormiu por três dias no escritório da Varig até sua mãe se acalmar.

Entre os vários candidatos que se apresentaram ao fundador da Varig, o alemão Otto Ernst Meyer, Ruben Berta se destacou. Os critérios usados por Meyer eram altamente subjetivos: uma pessoa que tivesse um olhar franco, aperto de mão firme e sapatos engraxados. Rubem nem sequer discutiu o salário, que não era dos melhores. Foi contratado, e logo cedo demonstrou ter excelente disciplina e ótima memória.

Na Varig, Ruben Berta fazia de tudo: varria o chão, fazia a contabilidade, datilografava correspondências, carregava malas, e fazia o caixa. Era o único empregado administrativo da empresa. Em uma época pioneira, dividia tarefas com seu próprio patrão, Otto. No tempo dos hidroaviões e da "Linha da Lagoa" (Porto Alegre - Rio Grande), ele e o chefe levavam os passageiros, vestidos literalmente a rigor, ao avião com um barco a remo.

A Varig cresceu, abandonou os hidroaviões na década de 1930, e Ruben Berta foi crescendo dentro da empresa. Não era piloto e nem mecânico, mas dava palpite em tudo, impressionando o pessoal pelo conhecimento totalmente autodidata.

Em 1939, começou a Segunda Guerra Mundial na Europa. Em 1942, o Governo Brasileiro, até então simpático à causa nazista, mudou subitamente de posição, e Otto Meyer e seus pilotos alemães se sentiram ameaçados. Meyer deixou a presidência da Varig em dezembro de 1942, para Érico de Assis Brasil, indicado pelo acionista majoritário da Varig, o Governo do Rio Grande do Sul, e retirou-se do negócio, assim como os pilotos alemães, que temiam ser perseguidos devido à sua origem. Assis Brasil, entretanto, veio a falecer em seguida, e o comando da empresa passou para o braço direito de Meyer, Ruben Berta.

Na presidência da empresa, Ruben Berta sentiu-se totalmente à vontade. Não hesitou em iniciar os primeiros voos internacionais da empresa, para Montevideo. Deixou de ser uma empresa regional gaúcha ao iniciar os voos para a então capital federal, o Rio de Janeiro. Habilmente, conseguiu manter voando os aviões de origem alemã, a despeito da falta de peças de reposição, e adquiriu uma aeronave britânica, um De Havilland Dragon Rapide.

Ruben Berta era muito rigoroso com seus empregados. Não admitia atrasos no trabalho e nem má apresentação pessaol. Dizem que chegou a criar caso com os funcionários da Varig em Londrina, Paraná, que estavam com os colarinhos e os punhos das camisas sujos do característico pó vermelho das terras da região. Sua indignação durou até que as hélices de um DC-3 da empresa sopraram uma generosa quantidade de poeira dentro do saguão do aeroporto, sujando todos e mostrando que era impossível, naquelas condições, manter a roupa limpa.

Ao acabar a guerra, em 1945, Ruben Berta consolidou-se no poder, e preocupou-se em substituir os obsoletos aviões alemães ainda em uso por aeronaves americanas então disponíveis como "sobras de guerra", especialmente os Douglas C-47/DC-3.

A grande inovação criada por Ruben Berta em 1945, entretanto, foi inspirada pela encíclica "Rerum Novarum" do Papa Leão XIII, que tinha por princípio básico a divisão da propriedade privada em prol da bondade e da justiça social. Ruben Berta criou, em dezembro de 1945, a Fundação dos Funcionários da Varig, e convenceu os acionistas a doarem 50 por cento de suas ações para essa fundação. Na época, foi uma atitude revolucionária, principalmente levando-se em consideração a "Guerra Fria" travada entre os capitalistas ocidentais e os comunistas russos. A idéia de Berta podia se enquadrar seguramente como um pensamento "socialista".

Durante a década de 1950, a Varig renovou sua frota com equipamento americano, e logo Berta concebeu a primeira linha internacional de longo curso da empresa, ligando o Brasil aos Estados Unidos. Não se pode dizer que foi fácil. Ainda em 1950, Ruben Berta sofreu um ataque cardíaco, resultado da grande pressão que impunha a si mesmo.

A Varig adquiriu três aeronaves Lockheed L-1049G Super Constellation (foto abaixo) especialmente para os vôos para Nova York, os quais chegaram em 1955 e imediatamente iniciaram os voos internacionais. Ruben Berta embarcou no voo inaugural da Varig entre o Rio de Janeiro e Nova York, a bordo de um Constellation, ficando principalmente nas galleys, infernizando os trabalhos dos comissários, preocupado com o nível do serviço de bordo. Chegou até a tentar fazer um churrasco dentro do avião, esforço naturalmente frustrado pelos sistemas de ventilação e pressurização da aeronave.
Ruben Berta tinha grande afinidade com o poder público federal. Chegou a ser convidado, por duas vezes, para ser ministro do Presidente Juscelino Kubtischeck de Oliveira, mas recusou. Em 1965, participou, junto com o Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Eduardo Gomes, de uma armação política para fechar a Panair do Brasil, então detentora das concessões para as linhas internacionais para a Europa. De fato, quando um voo da Panair, com destino a Paris, foi impedido de decolar por ordem do Ministro da Aeronáutica, em fevereiro de 1965, um Boeing 707 da Varig encontrava-se pronto, com tripulação a postos, para substituí-lo de imediato. Tudo sugere que Berta sabia perfeitamente do que iria acontecer com a empresa rival naquele dia.

Ruben Berta introduziu o primeiro avião comercial a jato no Brasil, o Sud-Aviation Caravelle, e substituiu a Panair como maior empresa aérea brasileira. Entretanto, não sobreviveu para ver o grande sonho da sua vida, ver a Varig voar ao redor do mundo.

Em 14 de dezembro de 1966, quando estava trabalhando em seu gabinete na Varig, teve um outro enfarte. Continuou trabalhando, ditando tarefas para suas secretárias, enquanto os médicos o atendiam, até que faleceu, 20 minutos depois, com apenas 59 anos de idade.

Depois da sua morte, a Fundação dos Funcionários recebeu seu nome, tornando-se a Fundação Ruben Berta, que chegou a controlar 87,5 % das ações da empresa. A Fundação, entretanto, administrada por pessoas mais interessadas em seu poder pessoal do que em manter a viabilidade da empresa, entraria em colapso muitos anos mais tarde. Embora ainda exista, vendeu a marca Varig para a GOL e acumula dívidas bilionárias, principalmente com o poder público, sendo bastante incerto o seu futuro. O sonho de Ruben Berta está seriamente ameaçado.

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